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A LIDA CLÍNICA COM O SUICÍDIO: DE BINSWANGER À DASEINSANÁLISE HOJE1 2 Apoio e financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (Brasil)

EL MANEJO CLÍNICO CON EL SUICIDIO: DE BINSWANGER AL ANÁLISIS EXISTENCIAL HOY

RESUMO.

Pretendemos no presente artigo realizar um estudo teórico e um relato de experiência, em que revisitaremos o modo de lida clínica com o suicídio na obra de Ludwig Binswanger, antes mesmo dele estabelecer a sua daseinsanálise, no seu famoso caso Ellen West. Com isso visamos dar relevo ao questionamento do psiquiatra com relação à psiquiatria de ênfase marcadamente biológica, em que o suicídio é compreendido como sintoma associado a quadros psicopatológicos, tendência essa que ainda se faz presente na psiquiatria atual. Por fim, apresentaremos nossa própria experiência clínica com suicídio, em que esse é tomado como possibilidade existencial. Através de um breve relato de experiência iremos mostrar o que consideramos um desdobramento daquilo que tem início com Binswanger, ou seja, a daseinsanálise. Com a denominação daseinsanálise hoje buscamos retornar à obra de Martin Heidegger para então continuar a desenvolver uma lida mais serena frente a situações de risco de suicídio na psicologia clínica daseinsanalítica.

Palavras-chave:
Daseinsanálise; psicologia clínica; suicídio

RESUMEN.

Pretendemos en el presente artículo realizar un estudio teórico y un relato de experiencia, en que revisitaremos el modo de lectura clínica con el suicidio en la obra de Ludwig Binswanger, antes de que él estableciera su análisis existencial, en su famoso caso Ellen West. Con eso pretendemos dar relieve al cuestionamiento del psiquiatra con relación a la psiquiatría de énfasis biológico, en que el suicidio es comprendido como síntoma asociado a cuadros psicopatológicos, tendencia que aún se hace presente en la psiquiatría. Finalmente, presentaremos nuestra propia experiencia clínica con suicidio, en que éste es tomado como una posibilidad existencial. A través de un breve relato de caso, pretendemos mostrar lo que consideramos un desdoblamiento de lo que comienza con Binswanger, o sea, el análisis existencial. Con la denominación análisis existencial hoy, pretendemos retornar a la obra de Martin Heidegger para entonces continuar desarrollando una actuación más serena frente a situaciones de riesgo de suicidio en la psicología clínica.

Palabras clave:
Análisis existencial; psicología clínica; suicidio

ABSTRACT.

We intend in this article to carry out a theoretical study and an experience report of the literature in which we will revisit the mode of clinical assessment of suicide in the work of Ludwig Binswanger. To do accomplish this task we’ll investigate his famous case Ellen West, carried out even before he established his daseinsanalysis. With this, we intend to highlight the question of the psychiatrist in relation to a biological perspective in psychiatry, in which suicide is understood as a symptom associated with mental diseases, this trend is still present in psychiatry. Finally we will present our own clinical experience with suicidal behavior, in which it is taken as an existential possibility. Through a brief case report, we intend to show what we consider to be an unfolding of what begins with Binswanger: the daseinsanalysis. With the designation of nowadays daseinsanalysis, we intend to return to the work of Martin Heidegger and then continue to develop a serene approach to situations of risk of suicide in clinical psychology.

Keywords:
Daseinsanalysis; clinical psychology; suicide

Introdução

Em 2019 completa-se meio século desde o último encontro entre Martin Heidegger (1889-1976) e Medard Boss (1903-1990). Os encontros do filósofo com o psiquiatra foram denominados Seminários de Zollikon (Heidegger, 2009). Ousamos afirmar que talvez essa seja a mais importante obra de referência para a daseinsanálise. Na ocasião da comemoração de 50 anos torna-se oportuno relembrar a fala de Heidegger em seu discurso na cerimônia de homenagem ao compositor Conradin Kreutzer (1780-1849), publicada posteriormente com o nome Serenidade (Gelassenheit). Segundo suas palavras, “Para que haja comemoração é necessário que pensemos” (Heidegger, 1959Heidegger, M. (1959) Serenidade (Maria Madalena Andrade e Olga Santos, trad.). Lisboa, PT: Instituto Piaget., p. 10). Cabe então pensar a respeito. Citando o filósofo novamente aponta-se a necessidade de um alerta:

Não nos iludamos. Todos nós, mesmo aqueles que pensam por dever profissional, somos muitas vezes pobres-em-pensamentos; ficamos sem-pensamentos com demasiada facilidade. A ausência-de-pensamentos é um hóspede sinistro que, no mundo atual, entra e sai em toda a parte. Pois, mais rápido e mais econômico e, no mesmo instante e com a mesma rapidez, tudo se esquece (Heidegger, 1959Heidegger, M. (1959) Serenidade (Maria Madalena Andrade e Olga Santos, trad.). Lisboa, PT: Instituto Piaget., p. 10).

Este artigo é, portanto, um convite ao pensamento, ou seja, um caminho de pensamento propriamente dito. É mero caminho e não destino porque o tema que se encontra depositado neste texto é aquele que revela de forma acentuadamente radical a insuficiência de qualquer cálculo ou teoria. Citamos justamente a conferência Serenidade (Heidegger, 1959Heidegger, M. (1959) Serenidade (Maria Madalena Andrade e Olga Santos, trad.). Lisboa, PT: Instituto Piaget.), porque nela Heidegger evidencia a diferença entre o que ele denomina pensamento calculante e pensamento meditante. Aqui, tratamos de convidar o leitor a pensar sobre o ato do suicídio. Acontecimento esse capaz de provocar íntima inquietação e de evocar questionamentos profundos, dentre eles: como pode alguém querer encerrar a própria vida? Certas perguntas não possuem respostas simples e aquelas que as possuem costumam estar insuficientemente colocadas. Surge esse tema, em nosso tempo, como que estrangulado pelo ‘pensamento’ calculante. Comumente acredita-se ser possível controlar completamente o acontecimento, e se tal crença não se confirma rapidamente concluímos que se trata de falha no método, que exige correção para evitar novas falhas. Faz-se premente meditar sobre o assunto. E meditar, segundo Heidegger (1959)Heidegger, M. (1959) Serenidade (Maria Madalena Andrade e Olga Santos, trad.). Lisboa, PT: Instituto Piaget., consiste em seguir o caminho que se mostra no próprio caminhar.

Estamos também pensando sobre uma clínica, mais especificamente, sobre a lida clínica em relação a situações em que há risco de suicídio. Interessa primeiramente esclarecer o que é o ato de clinicar. Clínica vem do grego κλινικός (klinikos), que na Grécia antiga se referia ao ato de inclinar-se sobre um leito. Em nosso caso, não se trata do inclinar de uma clínica qualquer. Nossa proposta é pensar sobre a daseinsanálise clínica e sua relação com o suicídio. Cabe esclarecer que a daseinsanálise foi inicialmente fundada pelo psiquiatra Ludwig Binswanger (1881-1966), que insatisfeito com a perspectiva biológica na psiquiatria, quis conquistar outros horizontes de compreensão da loucura. Para tanto, dentre outras elaborações, estabeleceu-se uma psiquiatria fundamentada na analítica existencial vislumbrada por Martin Heidegger em sua obra Ser e tempo (1998Heidegger, M. (1998). Ser e tempo (Márcia de Sá Cavalcanti, trad.) Petrópolis, RJ: Vozes. Original publicado em 1927.).

Binswanger (1957Binswanger, L. (1957). Schizophrenie (Mônica Niemeyer, trad., p. 57-188). Tübingen, GER: Neske. Originalmente publicada em 1944.) foi também o primeiro daseinsanalista a apresentar um caso clínico relacionado à temática do suicídio, publicando-o na década de 1940 com o nome O caso Ellen West (Der fall Ellen West). Trata-se de um dos mais famosos e controversos casos da psiquiatria moderna e, com certeza, o mais comentado, já que permanece até hoje nos debates da psicologia e da psiquiatria. Tantos comentários parecem advir justamente de seu caráter controverso, que gera acusações de falha de conduta cometidas pelo psiquiatra (Maltsberger, Clark, & Motto, 1996Maltsberger, J. T., Clark, D. C., & Motto, J. (1996). The case of Ellen West revisited: a permitted suicide. Suicide & Life-Threatening Behavior, 26(1), 86.; Rogers, 1977Rogers, C. (1977). Ellen West e a solidão. In C. Rogers. A pessoa como centro (p. 91-101). São Paulo, SP: Editora da Universidade de São Paulo.) e até mesmo homicídio (Lester, 1971Lester, D. (1971). Ellen West's suicide as a case of psychic homicide. Psychoanalytic Review, 58(2), 251-263.). Por outro lado, há aqueles que defendem, como Vincenzo Di Nicola (2013Di Nicola, V. (2013). Who Killed Ellen West? A philosophical-psychiatric investigation of Ludwig Binswanger’s case of existential analysis. Recuperado de: https://www.academia.edu/3458738/Who Killed Ellen West A Philosophical-Psychiatric Investigation of Ludwig Binswanger’s Case of Existential Analysis
https://www.academia.edu/3458738/Who Kil...
), quando afirma que culpabilizar o psiquiatra pelo suicídio de Ellen não traz nenhuma contribuição à ciência.

Ellen West foi uma jovem aristocrata judia que permaneceu internada no Sanatorium Bellevue, em Kreuzlingen, na Suíça, no início da década de 1920. A clínica era dirigida por Ludwig Binswanger, que tratou da interna durante alguns meses, mantendo contato constante com o seu marido. Ambos desenvolveram uma amizade que se estendeu por décadas.

Para entender o projeto de Binswanger com relação aquilo que ele percebia na perspectiva biológica em psiquiatria - motivo pelo qual ele queria buscar outros elementos que lhe dessem uma visão mais ampla das enfermidades psíquicas - precisamos esclarecer em que se baseava a psiquiatria de seu tempo, que ganhou relevo, preponderância e aumentou sua influência na ciência nos dias de hoje. A psiquiatria na época do psiquiatra lutava para conquistar o status de ciência médica. Essa área de estudo era totalmente sobrepujada pela neurologia. Por isso os estudiosos do tema se dedicavam a descrever os transtornos de comportamento por meio de sintomas com uma origem biológica. A psiquiatria mantém ainda hoje esse projeto, e para tanto se prende a descrições exaustivas tais como podemos acompanhar nos diferentes descritores presentes em manuais, como o DSM-5. Nessa mesma linha de pensamento, tornou-se oportuna a construção de um perfil suicida, em que o suicídio foi associado, historicamente, à categoria das doenças mentais. Para constatar tais afirmações, basta revisar o boletim intitulado Suicídio: informando para prevenir (Associação Brasileira de Psiquiatria [ABP], 2014Associação Brasileira de Psiquiatria [ABP]. Comissão de Estudos e Prevenção de suicídio. (2014). Suicídio: informando para prevenir.).

Binswanger: o suicídio de Ellen West

Na exposição do caso retratado pelo psiquiatra Ludwig Binswanger, Ellen West (1888-1921) foi descrita como uma mulher inteligente, criativa, porém teimosa e inflexível. Ellen lutava contra o próprio peso e aterrorizava-se com o envelhecimento. Enfim, Ellen não queria engordar e nem queria envelhecer. Como afirmou o próprio psiquiatra, Ellen era tomada pelo desespero, entendido como doença da vontade. Se nos demorarmos um pouco na situação de Ellen, podemos observar como ela se decepcionava com aquilo que não conseguia alcançar, por exemplo, ser uma profissional de destaque, ser magra e sensual, ou seja, manter sempre uma aparência jovial.

Ao acompanharmos as discussões e debates sobre Ellen West, podemos constatar que a atenção e os diagnósticos se voltam para o modo como ela se relacionava com a alimentação. Ela queria ser magra e temendo não alcançar seu objetivo, abstinha-se de qualquer alimento. Segundo Binswanger, com base em seu método denominado história de vida, ela negava-se, ainda enquanto bebê, a consumir o leite. O psiquiatra chegou a afirmar que já se encontrava em Ellen uma dificuldade no que diz respeito ao mundo da vida (Mitwelt), Ellen padecia do que se poderia enquadrar na psiquiatria como anorexia nervosa. Seu peso simbolizava o que para ela havia de mais repugnante, e que deveria ser combatido a todo custo. Diante disso, a jovem havia desenvolvido bulimia e compulsão por laxantes. Quando fora internada, com cerca de 32 anos, já não menstruava pelo baixo peso e havia perdido um filho por um aborto espontâneo durante o início da gestação. Ellen já havia sido tratada por diversos psiquiatras, incluindo grandes nomes de sua época, como Emil Kraepelin (1856-1926). Antes de sua internação, em Bellevue, havia passado também por dois psicanalistas. Entre os diagnósticos levantados em seus tratamentos podemos citar: neurose obsessiva, histeria, melancolia, transtorno maníaco-depressivo misto, e, por fim, esquizofrenia (Binswanger, 1957Binswanger, L. (1957). Schizophrenie (Mônica Niemeyer, trad., p. 57-188). Tübingen, GER: Neske. Originalmente publicada em 1944.).

Durante a internação, Ludwig Binswanger passou a cogitar o diagnóstico final de esquizofrenia. Pelas particularidades do caso em questão, decidiu então convocar uma junta composta pelos médicos Alfred Hoche e Eugen Bleuler para compor a junta e opinarem sobre o caso do parecer final. Nas palavras de Binswanger:

Todos eles concordam que não se trata de uma neurose obsessiva, nem de um transtorno maníaco-depressivo e que não existe um tratamento eficaz, nem seguro. Chegamos, portanto, à decisão de ceder ao desejo da paciente pela liberação (Binswanger, 1957Binswanger, L. (1957). Schizophrenie (Mônica Niemeyer, trad., p. 57-188). Tübingen, GER: Neske. Originalmente publicada em 1944., p. 46).

Ellen West deixou a clínica acompanhada pelo marido, pela conclusão de que não haveria tratamento eficaz para sua condição. Nos dias que se seguem, ela pareceu mais viva que nunca. Alimentou-se, leu, recitou poesias, caminhou e conversou com a família como há anos não fazia. Dedicou-se até mesmo a escrever cartas para outras internas da clínica. Ao final do terceiro dia após um magnífico e extasiante jantar em família, Ellen recolheu-se ao seu leito e ingeriu uma dose letal de veneno encerrando sua vida. Binswanger citou que no dia de sua morte, o semblante de Ellen West “[...] estava como nunca havia estado em vida: feliz, sereno e em paz” (Binswanger, 1957Binswanger, L. (1957). Schizophrenie (Mônica Niemeyer, trad., p. 57-188). Tübingen, GER: Neske. Originalmente publicada em 1944., p. 47).

Binswanger em sua análise psiquiátrica foi muito além da questão biológica tal como tratada pelos psiquiatras de sua época. E por meio dos seus estudos de filosofia, ele não deixou de citar outras questões presentes no relato de Ellen. Com relação ao não querer morrer, defendeu o psiquiatra que a jovem padecia da doença do homem moderno que é a doença da vontade, em um total descompasso entre o que quer e o que pode. A paciente de Binswanger, em desespero, desconhecia os necessários e perdia-se nos possíveis, queria o eterno e temia o temporal. Nesse sentido, o psiquiatra pareceu remeter-se a Kierkegaard (1961Kierkegaard, S. (1961). Desespero humano (Adolfo Casais Monteiro, trad.). Porto, PT: Livraria Tavares Martins. Original publicado em 1848.) e sua descrição do desespero como doença mortal.

Nas páginas seguintes do trabalho publicado por Binswanger, encontramos uma articulação da analítica existencial de Heidegger (1998Heidegger, M. (1998). Ser e tempo (Márcia de Sá Cavalcanti, trad.) Petrópolis, RJ: Vozes. Original publicado em 1927.) com alguns desenvolvimentos do próprio psiquiatra, sobretudo no que tange à sua descrição do ser-no-mundo em três aspectos (Mitwelt, Eigenwelt e Umwelt). Mas o autor vai além da analítica existencial de Heidegger, trazendo não só a ideia de ser-no-mundo (In-der-Welt-Sein), mas também a noção de ser-para-além-do-mundo (Über-die-Welt-Sein). Com isso, ele abordou algo a mais do que o somático, ou seja, àquilo que transcendia à existência. Tal noção foi, posteriormente, um ponto de atrito entre Binswanger e Heidegger, mas deixemos essa discussão para um momento posterior. O que importa ser destacado aqui é como o psiquiatra utiliza a ideia de ser-para-além-do-mundo para concluir que o suicídio de Ellen West foi um destino certo e um ato de autenticidade:

Do ponto de vista da ‘Daseins-análise’, o suicídio de Ellen West tanto foi um ‘ato de arbitrariedade’, quanto um ‘evento necessário’. Ambas as afirmações se baseiam no fato de que no caso Ellen West o ser havia se tornado maduro para enfrentar a sua morte ou, em outras palavras, que a morte - esta morte - era a necessária realização do sentido de vida dessa existência (Binswanger, 1957Binswanger, L. (1957). Schizophrenie (Mônica Niemeyer, trad., p. 57-188). Tübingen, GER: Neske. Originalmente publicada em 1944., p. 88, grifo do autor).

Na interpretação daseinsanalítica de Binswanger, o suicídio de Ellen West foi visto como consequência dos fatos existenciais descritos por ele. Neste sentido, o método de história de vida serviu para explicar a dinâmica existencial da paciente. Os fatos do passado desembocaram no evento de sua morte. Se por um lado Binswanger argumentou que a existência de Ellen West estava presa ao passado, por outro justificou o presente com base nesse passado. A morte nessa situação representaria o ser-para-além-do-mundo necessário e capaz de romper com as prescrições do impessoal, ou seja, com a inautenticidade. Nesse sentido, o psiquiatra julgou a busca pela morte como um movimento autêntico. Cabe esclarecer que a autenticidade, em Heidegger, se refere à saída da decadência (Verfallen) na qual estamos inseridos de início e na maioria das vezes. Ser autêntico, na analítica existencial, configura-se como um rompimento com o falatório (Gerede) do impessoal (das Man). Sendo assim, para Binswanger, o suicídio presente nesse caso representou um ato de autenticidade possível somente frente ao rompimento de prescrições operado pelo ser-para-além-do-mundo. Todavia, cabe refletir se os motivos para a morte de Ellen West, como se manter jovem e magra, não dizem respeito ao próprio horizonte de sentido onde estamos inseridos, já que em nosso momento histórico (Moderno) a velhice e a obesidade são encarados como eventos indesejáveis. Podemos incluir nessa lista também o luto pela perda de seu filho durante a gestação. Nesta perspectiva, o suicídio de Ellen poderia ser encarado como o mais inautêntico dos atos, já que seus critérios são os critérios do impessoal.

Detendo-nos na exposição feita pelo psiquiatra, percebemos que embora ele tenha tentado se pautar pela analítica existencial heideggeriana acabou por construir, ele mesmo, mais uma teoria de cunho antropológico. Binswanger não deixou de pensar a situação de Ellen por meio das determinações psiquiátricas, por isso adotou o diagnóstico de esquizofrenia. Com base em Heidegger, ele não poderia jamais esquecer o caráter epocal em que esse diagnóstico se sustentou. Com isso, o psiquiatra se centrou na noção individual da doença.

Para esclarecer o problema que acima mencionamos, ou seja, a postura antropológica e individualizante das conclusões de Binswanger, devemos resgatar o posicionamento de Heidegger no início dos Seminários de Zollikon:

Todas as representações encapsuladas, objetivantes, de uma psique, um sujeito, uma pessoa, um eu, uma consciência, usadas até hoje na Psicologia e na Psicopatologia, devem desaparecer na visão daseinsanalítica em favor de uma compreensão completamente diferente [...] O Da-sein humano como âmbito de poder-apreender nunca é um objeto simplesmente presente. Ao contrário, ele não é de forma alguma e, em nenhuma circunstância, algo passível de objetivação (Heidegger, 2009Heidegger, M. (2009). Seminários de Zollikon (Maria de Fátima Prado, trad., 2a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes. Originalmente publicado em 1987., p. 33).

Gemino (2014Gemino, A. (2014). Da clínica como ciência à clínica fenomenológica: possibilidades e limites à luz da Daseinsanalyse de Ludwig Binswanger. Clínica & Cultura, 3(2), 90-106., p. 101) argumenta que as contribuições de Binswanger “[...] deixaram a desejar no que se refere à apropriação dos conceitos da fenomenologia e do pensamento do próprio Heidegger”. E aponta para “[...] a necessidade de uma análise crítica da Daseinsanalyse”. Para empreender esse comentário, Gemino (2014Gemino, A. (2014). Da clínica como ciência à clínica fenomenológica: possibilidades e limites à luz da Daseinsanalyse de Ludwig Binswanger. Clínica & Cultura, 3(2), 90-106.) destaca as críticas realizadas pelo próprio Heidegger (2009Binswanger, L. (1957). Schizophrenie (Mônica Niemeyer, trad., p. 57-188). Tübingen, GER: Neske. Originalmente publicada em 1944.) presentes nos Seminários de Zollikon. Uma das críticas destacadas por Gemino (2014Gemino, A. (2014). Da clínica como ciência à clínica fenomenológica: possibilidades e limites à luz da Daseinsanalyse de Ludwig Binswanger. Clínica & Cultura, 3(2), 90-106.) diz respeito à ideia de transcendência em Binswanger. Vejamos o que Heidegger tem a dizer:

‘O Dasein transcende’, isto é, como estar fora do aí enquanto clareira do ser ele deixa acontecer ‘mundo’. Mas ele não sai inicialmente de ‘si’ para fora na direção de outro. Ele é, como ser do ‘aí’, o lugar de tudo o que vem ao encontro. Dasein não é ‘sujeito’. Não há mais pergunta pela subjetividade. A transcendência não é ‘a estrutura da subjetividade’, mas sim sua ‘eliminação’! (Heidegger, 2009Heidegger, M. (2009). Seminários de Zollikon (Maria de Fátima Prado, trad., 2a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes. Originalmente publicado em 1987., p. 230, grifo do autor).

Nesse sentido, o ser-para-além-do-mundo de Binswanger parece fundamentar-se em má compreensão da ideia de transcendência presente na obra de Heidegger, em especial em Ser e tempo. Da noção de já sempre ser transcendência que o Dasein é constatada a falta de fundamento do ser-para-além-do-mundo. Deste modo, o rompimento com as prescrições não decorre dele, mas da afinação com o que Heidegger nomeia tonalidade afetiva fundamental. Ainda dentro da problemática da transcendência, Heidegger (2009Heidegger, M. (1998). Ser e tempo (Márcia de Sá Cavalcanti, trad.) Petrópolis, RJ: Vozes. Original publicado em 1927., p. 229, grifo do autor) conclui que “Binswanger não vê o que sustenta e determina propriamente, a ‘compreensão’ de ser, a abertura, o estar dentro da clareira do ser e com isso a pura problemática do ser”.

Com tais críticas, evidencia-se o cuidado necessário diante das armadilhas que se apresentam na transposição da analítica existencial para daseinsanálise, da ontologia fundamental para as ontologias regionais, ou mesmo para as ciências ônticas. Mas consideramos que, se não todas, ao menos algumas dessas armadilhas foram desarmadas. Podemos agora encaminhar o pensamento, fazê-lo andar. Mas ainda urge um importante questionamento: embora Binswanger tenha enfatizado a transcendência, ao estabelecer um diagnóstico e um prognóstico do caso Ellen West, não estaria o psiquiatra objetificando, ou seja, entificando, uma existência concreta? Binswanger teria tratado o suicídio como um mero sintoma da esquizofrenia? Se assim foi, ele não teria dado uma importância mínima ao ato de pôr fim à vida como projeto frente ao fato de que todos os outros projetos de Ellen fracassaram? Não se trata de mera acusação sem fundamento, pois além dos pontos já discutidos, podemos acrescentar ainda a associação feita pelo psiquiatra entre certa afinação (Stimmung) com a morte e as psicoses, no ensaio denominado Sonho e existência (Binswanger, 1973).

Além da análise de alguns sonhos de Ellen West presentes nesse ensaio, consideramos importante destacar o trecho específico em que Binswanger desenvolveu a associação acima mencionada. Nesse trecho, ele analisou o relato de um paciente, que sonhava com um mundo etéreo, um mar universal em que ele flutuava em um estado completamente amorfo. No sonho, observava a Terra e as estrelas e sentia-se extraordinariamente ágil e forte, embora não dispusesse de seu próprio corpo. Em sua análise, o psiquiatra conclui:

Mas se o enfermo qualifica esse sonho como um sonho de norte, esse flutuar como amargo e esse desprendimento total da própria figura corpórea então o diagnóstico não é favorável. […] Mas se o enfermo qualifica esse sonho como um momento crítico da vida e sente que o conteúdo de sua disposição anímica de modo tão fascinante que volta a vive-lo continuamente no sonho, seja dormindo ou desperto, e que prefere essa sensação a todo outro conteúdo vital e trata de sair da vida repetidas vezes, isso não pertence à esfera do sonho, mas sim da psicose. (Binswanger, 1973Binswanger, L. (1973). Ensueño y existencia. In: Artículos y Conferencias Escogidas (Mariano Marín Casero, trad., p. 67-88). Madrid, ES: Editorial Gredos. Originalmente publicado em 1961., p. 76, tradução nossa)4 4 “Pero si el enfermo califica este sueño de sueño de muerte. Ese flotar como amorgo y ese desprendimiento total de la propia figura corpórea no son de diagnóstico favorable. […] Pero si el enfermo califica ese sueño como un momento crítico de la vida y siente el contenido de su disposición anímica de modo tan fascinante que vuelve continuamente a vivirlo en el sueño, durmiendo o despierto, y que prefiere esa sensación a todo otro contenido vital y repetidas veces trata de salir de la vida, eso no pertenece a la esfera del ensueño, sino a la de las psicosis”. .

Ora, seria então este mais um ponto de sustentação para o diagnóstico de esquizofrenia no caso Ellen West. O sonho e a análise em questão não fazem parte desse caso clínico, mas tem um ponto em comum: a repetição de um desejo de não viver o próprio corpo, de não viver a existência com seus necessários. Mas seria este desejo sempre um sinal de psicose? Freud (1996Freud, S. (1996). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In S. Freud. Um caso de histeria, três ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos (1901-1905) (Jayme Salomão, trad., p. 117-229). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 7). Originalmente publicado em 1905.) havia apontado a neurose como condição prevalente em seu tempo, já que ela estaria associada ao desenvolvimento psicossexual considerado normal, no qual a resolução do complexo de Édipo ocorre através do recalque. Um tempo que, com o advento dos analgésicos e com o avanço das medicações em geral, passa a buscar um afastamento da própria experiência do corpo como corporar. Há aí um grande problema: se o afastamento do corpo é um sintoma das psicoses, então estaríamos vivendo um momento de proliferação destes diagnósticos.

Mas ainda é preciso nos afastarmos do discurso psicopatológico para que possamos retornar à daseinsanálise. A crítica e o alerta expostos por Heidegger (2009Heidegger, M. (2009). Seminários de Zollikon (Maria de Fátima Prado, trad., 2a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes. Originalmente publicado em 1987.) nos Seminários de Zollikon em relação às perspectivas subjetivistas e encapsuladas se referiam também a essa antropologização operada por Binswanger, que o afastou de forma decisiva do modo de pensar do filósofo. A crítica de Heidegger se dirigiu a toda e qualquer tentativa de elaborar teorizações sobre o homem correntes em seu tempo. Tal crítica permanece válida nos dias de hoje, pois quando se quer estabelecer qualquer ideia de um perfil suicida (terminologia ultrapassada e, portanto, em desuso) também há a redução da experiência, uma objetificação. Essa redução recai na necessidade de uma teorização. Não seria esta teorização insuficiente para dar conta do que, de fato, acontece? Diante do exposto, como é possível atuar clinicamente em situações ditas de risco de suicídio (ABP, 2014Associação Brasileira de Psiquiatria [ABP]. Comissão de Estudos e Prevenção de suicídio. (2014). Suicídio: informando para prevenir.) e ainda manter-se na proposta da daseinsanálise?

Daseinsanálise hoje: exposição de um caso clínico

Daseinsanálise, hoje (Feijoo & Lessa, 2019Feijoo, A. M., & Lessa, M. B. (2019). Daseinsanálise hoje. Rio de Janeiro, RJ: Edições IFEN.), foi a denominação assumida por alguns estudiosos da psicologia clínica que buscam as bases para sua atuação profissional na analítica do Dasein. Para esclarecer o modo como esses estudiosos continuam a avançar em suas pesquisas no que diz respeito à articulação da filosofia com a psicologia, eles publicaram uma coletânea composta por capítulos de cada um deles.

Com base nesses estudos de daseinsanálise é que será apresentada uma situação clínica que esperamos poder esclarecer a seguir. Caio5 5 As informações presentes nesta exposição de caso clínico fazem parte de projeto de pesquisa submetido na Plataforma Brasil, tendo passado por avaliação que resultou em parecer aprovado no Comitê de Ética da Universidade do Estado do Rio de Janeiro ao qual foi submetida - CAAE 02867218.9.0000.5282. A pessoa descrita de forma a garantir o anonimato concordou espontaneamente em participar da pesquisa, através da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. , nome fictício adotado nessa exposição, é um rapaz jovem, estudante da ‘Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)’. Ele havia sido encaminhado pelo ‘Núcleo de Atendimento Clínico em Situações de Suicídio’6 6 Para mais informações sobre o NACE e sobre o projeto desenvolvido no Serviço de Psicologia Aplicada da UERJ, consultar Feijoo e Lessa (2018). (NACE) para uma consulta inicial em psicoterapia no ‘Serviço de Psicologia Aplicada’ (SPA). Ao entrar na sala, o psicoterapeuta notou que seu semblante denotava grande tristeza, seus movimentos eram lentos, sua fala era arrastada, quase inaudível. Ele se sentou, e pareceu proteger-se atrás da própria mochila. O psicólogo lhe perguntou o que o trouxera ali, por que motivo havia sido encaminhado para o atendimento. Ele prontamente respondeu: Tenho pensado em suicídio. Muitos psicólogos ou estudantes poderiam ficar abalados com uma resposta tão direta e franca, mas nessa situação o profissional decidiu não recuar frente ao exposto e perguntou: E o que você tem pensado em relação ao suicídio? Ele então diz acreditar que o mundo estaria melhor sem sua presença.

A conversa com Caio se desenrolou por muitos temas. Ele disse que não tinha pai, pois o pai havia abandonado a família quando ele ainda era pequeno. Contou que também não possui mãe, pois ela havia se suicidado alguns anos antes. Ressaltou que sua mãe tinha diagnóstico de transtorno de personalidade limítrofe, e que por isso o convívio com ela às vezes se tornava difícil. Falou que seu irmão mais velho estava com depressão e que também tentara suicídio, mas sobrevivera. O irmão mais novo foi diagnosticado com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e se encontrava em atendimento psiquiátrico. Uma série de diagnósticos parecia rondar a vida de Caio. Ele relatava ainda estar atravessando um momento difícil: abandonou seu emprego para dedicar-se aos estudos, e ainda assim reprovou em sete das oito disciplinas que cursou no semestre. Sem pais, sem dinheiro, sem um bom desempenho acadêmico, ele encontrava-se desolado. O que podemos afirmar é que Caio era o que a suicidologia denomina de sobrevivente, uma vez que a mãe cometera suicídio, seu irmão tentara e ele encontrava-se enlutado pela morte de sua mãe.

Diante do que se apresentava, Caio poderia ser enquadrado em risco agudo de suicídio, segundo a classificação adotada por Botega (2015Botega, N. J. (2015). Crise suicida. São Paulo, SP: Artmed.). Esse estudioso, no caso de Caio, indicaria a internação compulsória. Mas não foi essa a decisão do psicólogo que acompanhava Caio. O profissional arriscou uma abordagem diferente, uma vez que o comportamento suicida engloba a ideação, o pensamento, o planejamento e o ato. Caio não se enquadrava nesse comportamento. O profissional combinou o horário da próxima consulta e o aguardou. Ele sabia que nada poderia garantir o retorno do rapaz. E ainda que nada poderia impedi-lo, caso ele decidisse cometer suicídio. No entanto, ainda assim o profissional resolveu aguardar o próximo encontro. É difícil explicar a razão dessa decisão, cabendo apenas a constatação de que ele decidiu arriscar confiante no retorno do rapaz à próxima consulta. Sabemos que em uma situação como essa os critérios objetivos parecem ser insuficientes para a decisão a ser tomada. Estavam presentes indícios de que não haveria risco iminente do suicídio por diferentes motivos: ele não apresentava plano, método e nem mesmo ideação suicida. Caio contava uma história dolorosa que apontava mais para risco do que para proteção ao suicídio. Mas sem dúvida, ele mostrava que queria ajuda, procurou o psicólogo, relatou a sua história, e confiou no profissional. Por todos esses elementos a ‘internação compulsória’ seria totalmente contra indicada.

Na data e hora agendadas, Caio retornou. O psicólogo sentiu um alívio e retomou a conversa. Nesse dia, Caio parecia menos melancólico. Sua fala estava mais organizada, mas ele ainda apresentava sinais que poderiam enquadrá-lo no diagnóstico de depressão, tais como humor melancólico, fadiga, retardo psicomotor, pensamentos de morte, sensação de inutilidade e culpa excessiva. Todavia, a objetividade dos critérios diagnósticos parecia não abarcar por completo sua experiência. Os dois conversaram sobre os temas que pareciam importantes no momento. Caio revelou a culpa que carregava por uma discussão que tivera com a mãe, algumas horas antes do suicídio dela. Ele se perguntava: teria essa discussão desencadeado o suicídio da mãe? Não há nenhum parâmetro que estabeleça uma resposta para essa pergunta, e isso corroía Caio por dentro. Ele falava também de como era difícil o convívio na casa de seus avós, onde morava atualmente. Sentia-se incompreendido. Embora ele não tivesse mencionado pensamentos suicidas neste segundo encontro, sua existência parecia não ter sofrido nenhuma mudança objetiva desde a última consulta. Mais uma vez foi preciso confiar em seu retorno. Tratava-se de certo risco, novamente. No entanto, em meio a esta situação foi possível compreender que o risco está sempre em jogo na clínica.

Tal como resumido por Feijoo (2014Feijoo, A. M. (2014). Confissão e cura pela revelação da verdade escondida: é o objetivo da clínica psicológica. Revista da Abordagem Gestáltica: Phenomenological Studies, 20(2), 221-227.), em meio ao risco da clínica cabe ao psicoterapeuta manter-se na serenidade, na aceitação, e estabelecer uma atitude antinatural. A atitude antinatural, própria daquele que trabalha clinicamente com a daseinsanálise, refere-se à capacidade de recuar quando a situação requer este movimento. Na situação em questão, recuar significa aguardar de modo paciente e sereno, mantendo-se atento à situação, porém sabendo-se incapaz de controlá-la por completo. É preciso também aceitar que a relação de causalidade não explica por completo um fenômeno tão complexo quanto o comportamento humano, fato que parece se acentuar em situações de suicídio. Dessa forma, é preciso ver aquilo que se mostra através de sua própria aparição. Nisso consiste o olhar fenomenológico. É preciso perder os vícios de visão que impedem ver o que se mostra de modo evidente.

Na situação concreta, mostrava-se a necessidade de abandonar teorias sobre suicídio e o dito perfil suicida. Era preciso que aquilo que estava em jogo aparecesse na relação psicoterapêutica, para que o paciente na situação em questão pudesse apropriar-se de sua própria situação. Neste sentido, a técnica e a teoria seriam desmedidas e intrusivas à relação estabelecida entre Caio e seu psicoterapeuta; não cabendo nesse momento, o que configuraria a necessidade de recuo, que caracterizaria uma abertura de caminho, como na atividade de arar a terra para que as sementes possam germinar. É uma atividade passiva, uma ação que também se efetua como aguardo, porém necessária para criar as condições propícias para a germinação. O crescimento de uma planta depende de certas condições, muitas delas fora do controle daquele que planta, tais como o clima e as chuvas. Assim também se estabelece a relação psicoterapêutica.

Uma semana se passou e o psicólogo continuou aguardando. Pouco antes do horário do atendimento o clínico decidiu ir ao banheiro. Na saída ele encontrou com Caio. O psicoterapeuta o cumprimentou, mas ele pareceu ignorar a saudação e contou o que o inquietava naquele momento: “Há uma menina no décimo segundo andar!” Inicialmente a mensagem não foi compreendida, o que resultou em uma pergunta: “Há uma menina no décimo segundo andar?” Caio respondeu com a mesma frase. Então, de súbito, a mensagem foi compreendida. Naquele momento era preciso abandonar toda e qualquer prescrição. O psicólogo pediu que ele aguardasse junto a um colega que se encontrava próximo ao local, e saiu para verificar o que estaria acontecendo.

Ao subir a rampa do décimo andar da universidade, confirmou sua suspeita. Era o que temia: ao olhar para cima avista uma adolescente sentada sobre o parapeito do 12º andar da UERJ. Ela parecia pronta para se lançar. Ele tentou então se aproximar, mas foi barrado por seguranças no 11º andar, exatamente abaixo do local onde a menina estava sentada. Desse local era possível ver seus pés balançando e, nesse momento, o psicólogo se assustou com sua própria frieza. Esperava ter uma taquicardia frente à situação, mas continuava mantendo a calma. Ele tentou buscar uma nova rota até o local. Deu a volta nos andares e finalmente conseguiu chegar até onde a menina se encontrava.

Era preciso manter distância. Sua orientadora encontrava-se deitada na rampa, conversando com a menina. Já havia uma equipe de bombeiros no local. Alguns professores angustiados observavam de longe e aguardavam o desfecho da situação. Alguns poucos minutos depois, a psicóloga se afastou lentamente. O bombeiro que estava no andar correu, o outro fez uma abordagem frontal através de rapel. Ouviu-se um grito, os professores afastaram o olhar. Não se sabia se a abordagem fora bem-sucedida. Ele continuou olhando. Vê a jovem ser trazida para o andar. Todos ficaram aliviados. Após uma conversa breve com a orientadora e com outros colegas que estavam no local, todos concluímos que a presença de mais psicólogos seria desnecessária, bastava que apenas um a acompanhasse.

É hora de retornar ao ‘Serviço de Psicologia Aplicada’ (SPA) com outra preocupação em mente: Como estará Caio? O senso-comum antecipa que o jovem deveria estar completamente transtornado. O psicólogo chegou até a sala, respirou fundo e perguntou: “Como você está?” A resposta não foi a esperada. Caio disse:

Eu estou bem [...] Sabe o que é? Três semanas atrás era eu quem queria me jogar daquele parapeito. Mas eu fiquei tão nervoso [...] Fiquei sem ar, meu coração disparou. Não aguentei nem ficar no andar em que eu estudo. Então fui para o térreo e comecei a chorar. Alguns amigos me encontraram e me ajudaram. Eles me enviaram para o NACE, e o NACE me enviou para cá. Nessas três semanas eu pensei sobre um bocado de coisa [...] Pude conversar com a minha família, sobre o suicídio da minha mãe. Eu achava que me matando eu faria um bem, mas eu percebi que a morte da minha mãe não foi tão boa para quem ficou. Todos sentem saudade dela [...]

Os dois continuaram a sessão conversando sobre diversos assuntos, mas essa resposta foi o que ficou na memória do psicólogo. O jovem que considerava acabar com a própria vida e que se enquadrava em praticamente todos fatores predisponentes e aos precipitantes de suicídio apontados por Bertolote, Mello-Santos e Botega (2010Bertolote, J. M., Mello-Santos, C., & Botega, N. J. (2010). Detecção do risco de suicídio nos serviços de emergência psiquiátrica. Brazilian Journal of Psychiatry, 32(Suppl. 2), S87-S95.) - histórico de doença mental na família, histórico de suicídio em parentes de primeiro grau, vínculos familiares frágeis, depressão, estar desempregado e queda no rendimento - e que, portanto, apresentava um grau de risco agudo, decidiu não se matar.

É claro que essa decisão possui caráter temporal, e é possível que em outro momento ele volte a cogitar o suicídio. Mas não seria assim em qualquer situação? Dois meses depois os dois (analista e analisando) estavam conversando sobre a indecisão de Caio em relação ao término de seu namoro. Caio namorava uma menina que o apoiava, mas sentia-se atraído por outra pessoa, que não conhecia pessoalmente, com quem só teve contato através da internet. Quem o atendesse nesse momento nunca poderia imaginar que o suicídio fora uma questão em sua vida.

Ao acompanhar esse relato podemos constatar algumas aproximações a análise do caso de Ellen West tal como encaminhado por Binswanger. Binswanger e esse psicólogo não se deixam orientar pelas teorias, pelos manuais e nem mesmo pela determinação epocal de que a vida deve ser preservada a qualquer preço. Ambos também não se deixaram tomar pelo desespero. Frente a situações em que a morte voluntária é referida, é preciso serenidade. Toda essa atitude do clínico exige uma suspensão do modo de agir e sentir do senso comum. E, ainda, os dois optaram em deixar aquele que se refere ao terminar com a própria vida em liberdade, mesmo que se arriscando com o destino que aquela decisão pode trazer. O desfecho, no entanto, foi diferente: Ellen deu cabo de sua vida, enquanto o nosso paciente rearticulou-a de modo a lançar-se para outros projetos. Vale ressaltar que esses dois clínicos se deixaram guiar pelos ensinamentos da daseinsanálise.

Considerações finais:

O que esta situação concreta exemplifica é a insuficiência de qualquer teorização acerca do suicídio. Ainda que sejam elaborados os manuais mais precisos, eles nunca serão capazes de abarcar a multiplicidade presente na existência. Ainda que Binswanger tenha fundado a daseinsanálise, é preciso pontuar e repensar alguns de seus procedimentos. Muitas críticas foram feitas ao caso Ellen West. O caso foi revisitado por nomes como Michel Foucault, Carl Rogers (1977Rogers, C. (1977). Ellen West e a solidão. In C. Rogers. A pessoa como centro (p. 91-101). São Paulo, SP: Editora da Universidade de São Paulo.), Ronald Laing (1986Laing, R. (1986). La voix de l’ experience. Paris, FR: Editions du Sueil.), Salvador Minuchin (1984Minuchin, S. (1984). The triumph of Ellen West: an ecological perspective. Cambridge, MA: Harvard University Press.), entre outros. A questão principal levantada pela maior parte das revisões é “Quem matou Ellen West?” (Lester, 1971Lester, D. (1971). Ellen West's suicide as a case of psychic homicide. Psychoanalytic Review, 58(2), 251-263.; Akavia, 2008Akavia, N. (2008). Writing “The case of Ellen West”: clinical knowledge and historical representation. Science in Context, 21(1), 119-144.; Di Nicola, 2013Di Nicola, V. (2013). Who Killed Ellen West? A philosophical-psychiatric investigation of Ludwig Binswanger’s case of existential analysis. Recuperado de: https://www.academia.edu/3458738/Who Killed Ellen West A Philosophical-Psychiatric Investigation of Ludwig Binswanger’s Case of Existential Analysis
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) ressaltando o papel de Binswanger e do marido de Ellen West no caso.

Akavia (2008Akavia, N. (2008). Writing “The case of Ellen West”: clinical knowledge and historical representation. Science in Context, 21(1), 119-144.) reacendeu o debate ao realizar uma revisão documental do caso. Segundo a autora, tanto Binswanger quanto o marido teriam papel fundamental na morte de Ellen West. Binswanger ao traçar o diagnóstico de esquizofrenia, afirmando tratar-se de uma doença sem tratamento naquele momento. O marido também ocupou um protagonismo no desfecho da vida de Ellen ao permitir o acesso à dose letal de veneno que a matou. Di Nicola (2013Di Nicola, V. (2013). Who Killed Ellen West? A philosophical-psychiatric investigation of Ludwig Binswanger’s case of existential analysis. Recuperado de: https://www.academia.edu/3458738/Who Killed Ellen West A Philosophical-Psychiatric Investigation of Ludwig Binswanger’s Case of Existential Analysis
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, p. 2, tradução nossa) salienta que

Qual seria a missão da psiquiatria? Seria entender (Como o objetivo de Binswanger na daseinsanálise), classificar (Como na contribuição de Kraepelin e Bleuler ao caso) ou curar (Como na contribuição de Freud através da psicanálise)? Seriam estes objetivos compatíveis ou mutuamente exclusivos? Críticos do caso Ellen West ressaltam que ela foi mal compreendida e mal tratada. Que lições podemos aprender, afinal?7 7 “What is the mission of psychiatry? Is it to understand (Binswanger’s goal with existential analysis), to classify (Kraepelin’s and Bleuler’s contribution) or to heal (Freud’s contribution through psychoanalysis)? Are these different goals compatible or mutually exclusive? Critics of the case of Ellen West assert that she was misunderstood and mistreated. What lessons does she demand that we learn, at last? Can we let her find a voice to express her suffering, as Minuchin tries to do in his family drama about her?” .

A posição de Vincenzo Di Nicola sobre a questão problematiza a afirmação de Akávia, afirmando que culpabilizar Binswanger ou o marido de Ellen não produz grandes contribuições científicas. Com relação à ideia de ‘cura’, vale conferir as inúmeras objeções a essa ideia dentro da psicologia e da psiquiatria (Santos & Sá, 2013Santos, D. G.; Sá, R. N. (2013). A existência como “cuidado”: elaborações fenomenológicas sobre a psicoterapia na contemporaneidade. Revista da Abordagem Gestáltica: Phenomenological Studies, 19(1), 53-59.; Dimenstein, 2000Dimenstein, M. (2000). A cultura profissional do psicólogo e o ideário individualista: implicações para a prática no campo da assistência pública à saúde. Estudos de Psicologia, 5(1), 95-121.; Galli, 2009Galli, L. M. (2009). Um olhar fenomenológico sobre a questão da saúde e da doença: a cura do ponto de vista da Gestalt-terapia. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 9(1).). Mais especificamente em relação à ideia de cura como prevenção ao suicídio, vale retomarmos a discussão anterior. Prevenir o suicídio seria meramente tratar os transtornos que apresentam suicídio como sintoma? Ou seria o suicídio uma questão existencial? A noção de que é possível traçar um perfil de risco de suicídio parece não abarcar o mistério que encobre o tema.

Exercer radicalmente a daseinsanálise consiste em seguir a premissa de Heidegger (2009Heidegger, M. (2009). Seminários de Zollikon (Maria de Fátima Prado, trad., 2a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes. Originalmente publicado em 1987., p. 33): “O ser-o-aí humano como região do poder-apreender nunca é um objeto meramente presente. Ao contrário, ele não é de forma alguma e, em nenhuma circunstância, algo que deva ser objetificado”. Portanto, torna-se necessário abandonar qualquer pretensão de uma objetificação de um fenômeno tal qual o suicídio. Abandonar qualquer objetificação do ser-aí significa também abrir mão de qualquer categorização psicopatológica como critério último. E disso decorre a impossibilidade de traçar um perfil suicida.

Respeitar o mistério da existência significa admitir que, potencialmente, todos nós somos suicidas, porque esta é uma possibilidade que sempre se apresentou e ainda se apresenta em nosso mundo circundante, em nosso horizonte hermenêutico. Portanto, o ato de tirar a própria vida pode se revelar como um acontecimento possível a qualquer pessoa em qualquer momento de sua vida. Qualquer tentativa de prever algo tão surpreendente revela-se mera teorização, mera tentativa de controle e, portanto, insuficiente.

Por fim, concluímos que não é possível chegar a uma resposta conclusiva sobre o suicídio. Ele permanece sendo um mistério. É preciso então, em cada atendimento, olhar novamente para a questão como se fosse a primeira vez. Assim deve ser. Não há uma verdade absoluta a ser descrita. O que se pode concluir é que o suicídio é, de fato, uma questão da ordem da existência. E a existência é puro mistério. Não há respostas a serem relatadas, mas há muitas perguntas a serem feitas. Assim segue nosso caminho e nosso convite de pensamento. Se possível, para além da leitura deste texto. Questionando conceitos que permanecem inquestionados, fazendo perguntas que não costumam ser feitas. E dessa forma poder continuar a pensar a daseinsanálise para que não paralisemos no que um dia foi dito por este ou aquele estudioso do tema. E ao prescindir da figura de um herói a seguir, ficamos livres para considerar o que disse a tradição da daseinsanálise, no entanto, permitindo que essa lida clínica avance em seu caráter de abertura presente em qualquer espaço de relação do ser-aí.

Referências

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  • 2
    Apoio e financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (Brasil)
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    “Pero si el enfermo califica este sueño de sueño de muerte. Ese flotar como amorgo y ese desprendimiento total de la propia figura corpórea no son de diagnóstico favorable. […] Pero si el enfermo califica ese sueño como un momento crítico de la vida y siente el contenido de su disposición anímica de modo tan fascinante que vuelve continuamente a vivirlo en el sueño, durmiendo o despierto, y que prefiere esa sensación a todo otro contenido vital y repetidas veces trata de salir de la vida, eso no pertenece a la esfera del ensueño, sino a la de las psicosis”.
  • 5
    As informações presentes nesta exposição de caso clínico fazem parte de projeto de pesquisa submetido na Plataforma Brasil, tendo passado por avaliação que resultou em parecer aprovado no Comitê de Ética da Universidade do Estado do Rio de Janeiro ao qual foi submetida - CAAE 02867218.9.0000.5282. A pessoa descrita de forma a garantir o anonimato concordou espontaneamente em participar da pesquisa, através da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.
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    Para mais informações sobre o NACE e sobre o projeto desenvolvido no Serviço de Psicologia Aplicada da UERJ, consultar Feijoo e Lessa (2018)Feijoo, A. M., & Lessa, M. B. (2018). Suicídio: entre o morrer e o viver. Rio de Janeiro, RJ: IFEN..
  • 7
    “What is the mission of psychiatry? Is it to understand (Binswanger’s goal with existential analysis), to classify (Kraepelin’s and Bleuler’s contribution) or to heal (Freud’s contribution through psychoanalysis)? Are these different goals compatible or mutually exclusive? Critics of the case of Ellen West assert that she was misunderstood and mistreated. What lessons does she demand that we learn, at last? Can we let her find a voice to express her suffering, as Minuchin tries to do in his family drama about her?”

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Abr 2020
  • Aceito
    08 Fev 2021
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