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TRANSCORRER DA GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: ESTUDO LONGITUDINAL QUANDO OS FILHOS SÃO ADOLESCENTES1 Apoio Financeiro: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

EL TRANSCURSO DEL EMBARAZO EN LA ADOLESCENCIA: ESTUDIO LONGITUDINAL CUANDO LOS HIJOS SON ADOLESCENTES

Resumos

Pesquisas sobre gravidez na adolescência (GA) apontam heterogeneidade de causas associadas e consequências ao desenvolvimento das mães e filhos. Este artigo apresenta a quarta etapa de um estudo longitudinal com oito díades (mães/primeiros filhos nascidos na adolescência), no momento que os filhos têm 14 anos. O objetivo do estudo foi atualizar dados de condições psicossociais das díades. Entrevistas, observações nas moradias, ASR, CBCL e YSR foram instrumentos aplicados nas residências. Os resultados indicaram: prejuízos às trajetórias escolares e profissionais das mães; relações com a família de origem e posições paternas semelhantes às da época da gravidez; referências mais frequentes de uso de substâncias pelos pais; problemas de relacionamento entre mães e filhas. Melhores condições de desenvolvimento foram apresentadas em díades cujas relações com a família de origem e com o pai da criança foram boas. Maiores dificuldades foram verificadas naquelas díades com problemas nessas relações. A figura paterna indicou ser elemento diferencial na condição mais positiva ou negativa do desenvolvimento das díades (mães e filhos). Fica sugerida a continuidade da investigação longitudinal para quando os filhos forem adultos para permitir a verificação de possíveis impactos decorrentes da GA na trajetória de desenvolvimento em longo prazo.

Gravidez na adolescência; estudos longitudinais; relações familiares


Investigaciones sobre embarazo en la adolescencia (EA) señalan heterogeneidad de causas asociadas y consecuencias al desarrollo de las madres e hijos. Este artículo presenta la cuarta etapa de un estudio longitudinal con ocho díadas (madres/primeros hijos nacidos en la adolescencia), en el momento que los hijos tienen 14 años. El objetivo del estudio fue actualizar los datos de las condiciones psicosociales de las díadas. Entrevistas, observaciones en los hogares, ASR, CBCL y YSR fueron instrumentos aplicados en las residencias. Los resultados indicaron: perjuicios en las trayectorias escolares y profesionales de las madres; relaciones con la familia de origen y posiciones paternas semejantes a las de la época del embarazo; referencias más frecuentes de uso de sustancias por los padres; problemas de relación entre madres/hijas. Mejores condiciones de desarrollo fueron presentadas en díadas cuyas relaciones con la familia de origen y con el padre del niño fueron buenas. Las mayores dificultades fueron verificadas en aquellas díadas con problemas en estas relaciones. La figura paterna indicó ser el elemento diferencial en la condición más positiva o negativa del desarrollo de las díadas (madres e hijos). Queda como sugerencia la continuidad de la investigación longitudinal para cuando los hijos sean adultos, permitiendo así la verificación de posibles impactos originados del EA en la trayectoria de desarrollo a largo plazo.

Embarazo en la adolescencia; estudios longitudinales; relaciones familiares


Research on adolescence pregnancy (AP) indicated heterogeneity regarding to associated causes and consequences to the development of mothers and children. This paper presents the fourth stage of a longitudinal study including eight dyads (mothers / first children born in adolescence), when the children are 14 years-old. The aim of the study was to update data from dyads psychosocial conditions. The instruments used in their households were interviews, home observations, ASR, CBCL and YSR. Results indicated: mother's loss in professional and educational trajectories; relationships with the original family and the fathers which are in similar positions at the time of pregnancy; frequent references to substance use by fathers; problems between mothers/daughters relationship. Better development conditions were presented in dyads whose relations with the original family and the child's father were good. Higher difficulties were found in those dyads with problems in these relationships. The father figure is indicated as a differential element in the positive or negative condition of the dyads development (mothers and children). The continuity of the longitudinal investigation is suggested when the children are adults in order to allow the verification of possible impacts arising from AP in the long-term development trajectory

Adolescence pregnancy; longitudinal studies; family relationships


Entre os trabalhos de pesquisa voltados ao tema da gravidez na adolescência (GA) encontra-se com frequência a relação desse acontecimento com riscos e problemas de saúde e de desenvolvimento para as mães adolescentes e seus filhos (Ministério da Saúde {MS}, 2010Ministério da Saúde. (2010). Diretrizes nacionais para a atenção integral à saúde de adolescentes e jovens na promoção, proteção e recuperação da saúde. Brasília. Recuperado em 13 de fevereiro de 2014, de http://bvsms.saude.gov.br/.
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; World Health Organization {WHO}, 2011World Health Organization. (2011). Preventing early pregnancy and poor reproductive outcomes among adolescents in developing countries. Geneve, Switzerland. Recuperado em 13 de fevereiro de 2014, de http://www.who.int/.
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). Por outro lado, estudos têm questionado e discutido o entendimento caracteristicamente negativo e de prospecção de inevitáveis repercussões problemáticas a partir da GA (Brandão & Heilborn, 2006Brandão, E.R., Heilborn, M.L. (2006). Sexualidade e gravidez na adolescência entre jovens de camadas médias do Rio de Janeiro, Brasil. Caderno de Saúde Pública, 22(7), 1428-1430.; Cerqueira-Santos, Paludo, Schirò, & Koller, 2010Cerqueira-Santos, E., Paludo, S.S., Schirò, E.D.B., Koller, S.H. (2010). Gravidez na adolescência: análise contextual de risco e proteção. Psicologia em Estudo, 15(1), 73-85.; Oliveira-Monteiro, 2010Oliveira-Monteiro, N.R. (2010). Percursos da gravidez na adolescência: estudo longitudinal após uma década da gestação. Psicologia: Reflexão e Crítica, 23(2), 278-288.). Esses estudos ressaltam a heterogeneidade do fenômeno, em seus aspectos negativos e positivos, e suas múltiplas e diversificadas condições, provenientes, em especial, das inserções ecológicas das adolescentes grávidas e mães. Diferentes condições econômicas, familiares, sociais e individuais interagem com a GA de forma que esta pode se constituir como um importante e positivo evento da vida de uma adolescente, do pai do bebê e de suas famílias, como também ser motivo de grandes preocupações por decorrências negativas associadas.

Características pessoais, condições de vida marital e de relação com o pai da criança, oportunidades de apoio da família e da comunidade, além da qualidade dos serviços de pré-natal, são variáveis a serem consideradas em termos de possíveis decorrências negativas no desenrolar da vida da adolescente e de seu filho (Esteves & Menandro, 2005Esteves, J.R., Menandro, P.R. (2005). Trajetórias de vida: repercussões da maternidade adolescente na biografia de mulheres que viveram tal experiência. Estudos de Psicologia, 10(3), 363-370.; Lewis & Lamb, 2003Lewis, C., Lamb, M.E. (2003). Fathers' influence on children's development: the evidence from two-parent families. European Journal of Psychology of Education, 18(2), 211-228.; Schwartz, Vieira, & Geib, 2011Schwartz, T., Vieira, R., Geib, L.T.C. (2011). Apoio social a gestantes adolescentes: desvelando percepções. Ciência & Saúde Coletiva, 16(5), 2575-2585.).

São vários os desafios metodológicos para o exame e compreensão dos processos e produtos do desenvolvimento que surgem a partir da ocorrência da gravidez e da maternidade de adolescentes, especialmente quando a GA acontece em contextos socioambientais de maior vulnerabilidade. Gontijo e Medeiros (2008Gontijo, D., Medeiros, M. (2008). "Tava morta e revivi": significado de maternidade para adolescentes com experiência de vida nas ruas. Cadernos de Saúde Pública, 24(2), 469-472.), por exemplo, ressaltaram aspectos positivos da GA em situações de grande vulnerabilidade social (adolescentes moradoras de rua) no Brasil, como sentimentos de satisfação e oportunidade de realização pessoal, além de trocas afetivas com o filho e de consolo para a solidão e sentimentos de abandono. Figueiredo, Pacheco e Magarinho (2004Figueiredo, B., Pacheco, A., Magarinho, R. (2004). Utentes da consulta externa de grávidas adolescentes da Maternidade Júlio Dinis entre os anos de 2000 e 2003. Análise Psicológica, 22(3), 551-570.), por sua vez, destacaram problemas e riscos associados à GA em adolescentes de camadas sociais mais desfavorecidas de Portugal, em estudo que comparou GA em duas classes econômicas. Na investigação há destaque para condições muito desfavoráveis do ponto de vista econômico, social e de desenvolvimento, que podem acarretar dificuldades e cuidados parentais menos adequados.

Consequências tanto negativas quanto positivas relacionadas ao fenômeno da GA foram verificadas por Levandowski, Piccinini e Lopes (2008Levandowski, D.C., Piccinini, C.A., Lopes, R.D.S. (2008). Maternidade adolescente. Estudos de Psicologia, 25(2), 251-263.) e também por Dias e Teixeira (2010Dias, A.C.G., Teixeira M.A.P. (2010). Gravidez na adolescência: um olhar sobre um fenômeno complexo. Paidéia, 20(45), 123-131.) em trabalhos de revisão de literatura sobre o tema, e Charles e Simpson (2007Charles, H., Simpson, B.(2007). Ten year longitudinal study of Adolescent Mothers and their children. Catholic Family Service. Public Health Agency of Canada.), que realizaram estudo longitudinal sobre GA, relativo a um período de dez anos. Aspectos positivos, como a concretização de um projeto de vida a partir da gravidez, para algumas adolescentes, convivem com os problemas descritos na literatura.

Ainda quanto a problemas da gravidez na adolescência, resultados de uma pesquisa comparativa entre quatro grupos de adolescentes (abrigados, grávidas/mães, estudantes em tempo integral, e estudantes em tempo parcial) (Oliveira-Monteiro, Nascimento, Montesano, & Aznar-Farias, 2013Oliveira-Monteiro, N.R. (2010). Percursos da gravidez na adolescência: estudo longitudinal após uma década da gestação. Psicologia: Reflexão e Crítica, 23(2), 278-288.) indicaram que as adolescentes grávidas e mães investigadas, com idades inferiores a 15 anos, apresentaram dificuldades quanto à competência, isto é, quanto a meios adaptativos que englobam a competência social. De forma geral, as adolescentes grávidas e mães apresentaram maiores indicadores de problemas externalizantes (aqueles associados ao mundo externo e com características comportamentais negativas, como hiperatividade) e de comportamentos agressivos e antissociais (Liu, 2004). O estudo comparativo também mostrou que essas adolescentes não apresentavam maiores indicadores de problemas internalizantes, os centrados no ambiente psicológico mais interno, como presentes em queixas de solidão, ansiedade e depressão.

O estudo sobre a GA permite perspectivas diversificadas, que abarcam o próprio entendimento acerca do desenvolvimento humano, dimensões pessoais e familiares e questões específicas relativas ao pai da criança nascida durante a adolescência da mãe. Conforme a teoria ecológica de Bronfenbrenner (2001Bronfenbrenner, U. (2001) A Ecologia do Desenvolvimento Humano: Experimentos naturais e planejados (2a ed.). Porto Alegre: Artmed.), o desenvolvimento humano emerge das interações da pessoa e do contexto ambiental, sendo este último composto por sistemas interatuantes e interdependentes. Tais sistemas do contexto ambiental incluem: o sistema de relações mais estáveis face a face, como o da família (microssistema); o sistema formado pelo conjunto de vários outros sistemas face a face, como a escola e a família ampliada (mesossistema); o sistema que interage no desenvolvimento de forma não presencial, como ocorre no caso do trabalho dos pais interagindo com o desenvolvimento da criança (exossistema); e o sistema de interação, que inclui valores de uma cultura num dado momento histórico (macrossistema). Dessa interação entre pessoa e contexto ambiental (composto pelos sistemas micro, meso, exo e macro) emergem as competências do desenvolvimento (em diferentes domínios) e também suas disfunções (como no caso dos problemas psicológicos).

Para o desenvolvimento positivo do indivíduo, o fortalecimento de recursos e de competências pessoais e o incremento das capacidades para o enfrentamento das adversidades da vida, o microssistema familiar tem fundamental importância, em vista de sua condição de estabilidade nas relações proximais e potencial campo para cuidados, amparo e restauro. Nesse microssistema, crianças e adolescentes aprendem padrões de conduta a partir de modelos de adultos e da interação com dispositivos de controle de seus comportamentos.

A ação da socialização por parte da família está intrinsecamente relacionada ao contexto cultural e ao entorno ambiental. Como lembram Rodrigo e Palacios (1998Rodrigo, M.J., Palácios, J. (1998). Família y desarrolo humano. Madri: Alianza Editorial.), as peculiaridades de cada um dos integrantes do grupo familiar modelam e caracterizam o contexto que compartilham. Esses contextos são dinâmicos e mais expressivamente mobilizados quando há eventos de maior impacto de transição, como o nascimento de uma criança, a passagem da adolescência, doenças e mortes. Em muitos contextos familiares os conflitos comuns no processo de socialização de adolescentes, por exemplo, costumam ser problemas relativos à transição para o patamar de autonomia, como a liberdade para usar o tempo livre ou a hora de chegada em casa; todavia, há contextos familiares em que eventos críticos de transição emergem não só pelas vicissitudes das etapas da vida, mas de forma mais problemática, pelas próprias vulnerabilidades da família, como os casos de envolvimento direto com uso/abuso/tráfico de entorpecentes, criminalidade, prostituição, situações de prisão, além daquelas situações de prejuízos e carências pertinentes à orientação e presença dos pais, ou de seus substitutos.

Em revisão de literatura sobre o tema da paternidade, Souza e Benetti (2009Souza, C.L.C., Benetti, S.P.C. (2009). Paternidade contemporânea: levantamento da produção acadêmica no período de 2000 a 2007. Paidéia, 19(42), 97-106.) verificaram a importância do assunto nos estudos voltados à compreensão das relações familiares. Dentre os muitos arranjos de família, a figura paterna (não necessariamente o pai biológico) é tida como fundamental para o desenvolvimento de crianças (Benczik, 2011Benczik, E.B.P. (2011). A importância da figura paterna para o desenvolvimento infantil. Revista Psicopedagogia, 28(85), 67-75.). Discutindo o cuidado parental e o papel do pai no desenvolvimento infantil, ao lado de considerações de ordens contextuais, históricas e socioculturais da inserção do pai na família, Manfroi, Macarini e Vieira (2011Manfroi, E.C., Macarini, S.M., Vieira, M.L. (2011). Comportamento parental e o papel do pai no desenvolvimento infantil. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, 21(1), 59-69.) levantaram aspectos da história filogenética da espécie humana concernentes à importância da paternidade. Também Cia et al. (2006) destacam a importância da figura paterna ao mostrarem que a comunicação de pais e filhos e a participação dos pais na vida da criança concorrem para o desenvolvimento de melhor repertório de habilidades sociais. A ausência paterna tem potencial para gerar conflitos psicológicos na criança e também repercussões negativas para o desenvolvimento do adolescente, conforme Sganzerla e Levandowski (2010Sganzerla, I.M., Levandowski, D.C. (2010). Ausência paterna e suas repercussões para o adolescente: análise da literatura. Psicologia em Revista, 16(2), 295-309.); entretanto, o que influenciará a maneira de uma criança lidar com a situação de ausência permanente ou temporária do pai será a qualidade do papel materno e do ambiente familiar, social e econômico.

Abrangendo aspectos concernentes a questões de paternidade e de relacionamento com a família de origem, o presente estudo volta-se para a temática da GA em termos da perspectiva de suas consequências no desenrolar da vida de mães adolescentes em situação de vulnerabilidade social. O trabalho é a quarta etapa (E4) de seguimento longitudinal de uma investigação psicossocial com díades mães/primeiros filhos nascidos na adolescência. As etapas anteriores da investigação ocorreram quando as crianças eram bebês (com mais de um mês e menos de cinco meses) (E1) e quando tinham três anos e meio (E2) e dez anos (E3). Nessas etapas foram investigadas condições relativas aos aspectos desenvolvimento do (a) filho (a) e vínculo com ele (a), relacionamento com o pai da criança, relacionamento com a família de origem da mãe, trajetória escolar e profissional, queixas de ordem psicológica e uso de substâncias (Oliveira-Monteiro, 2010Oliveira-Monteiro, N.R. (2010). Percursos da gravidez na adolescência: estudo longitudinal após uma década da gestação. Psicologia: Reflexão e Crítica, 23(2), 278-288.).

A proposta de atualizar a avaliação dessas condições psicossociais das díades no momento em que os filhos chegaram à adolescência caracteriza nova oportunidade de verificar possíveis impactos no desenvolvimento de mães e filhos em longo prazo, nas trajetórias da vida a partir da GA. Dessa forma, o objetivo do estudo é apresentar a atualização de condições psicossociais das díades, especificamente quanto à escolaridade e profissionalização, aspectos psicológicos, situação de moradia, uso de substâncias, relacionamento com a família de origem, e condições de paternidade.

MÉTODO

O estudo longitudinal abarca vertentes metodológicas qualitativas e quantitativas. Esse delineamento misto procurou criar condições para ampliação do levantamento em face da riqueza presente nas condições psicossociais investigadas.

Participantes

A investigação foi desenvolvida com oito díades, compostas por oito mães e seus filhos primogênitos, nascidos na adolescência das mães. As participantes haviam sido atendidas em um serviço público de pré-natal para adolescentes da cidade de Santos (SP) que contava com equipe multidisciplinar numa proposta de atendimento integral à adolescente gestante. Este atendimento incluía pré-natal especializado, atendimentos à família da adolescente e ao pai da criança, orientações para incremento de novos papéis associados à maternidade e acompanhamento no parto e no puerpério. Nesse serviço eram atendidas adolescentes grávidas triadas pela equipe a partir de dois critérios indicativos de fatores de risco: pouca idade (menos de 16 anos) e situação de vulnerabilidade social, caracterizada por situação de pobreza, prejuízos na relação com a família de origem (incluindo situações de expulsão de casa) e dificuldade para moradia. As oito mães adolescentes investigadas no estudo longitudinal (doravante denominadas AL, AM, AR, BI, DAN, EL, NA e TH) foram convidadas a participar da pesquisa no término de sua última consulta de puerpério, quando o bebê tinha entre um e dois meses, no ano de 1997, constituindo uma amostra não probabilística e formada segundo critérios de acessibilidade, intencionalidade e conveniência. No primeiro encontro para levantamento de dados do estudo de partida (E1), as mães estavam com idades entre 15 e 16 anos, e seus filhos tinham idades entre um e quatro meses.

Algumas das mães avaliadas longitudinalmente tiveram outros filhos depois da primeira criança nascida na adolescência e acompanhada na investigação. Nos casos AM, AR, DAN, BI, NA e TH, houve nascimento e criação de outros filhos. AR teve mais quatro filhos; AM e TH tiveram mais três filhos; BI, DAN e NA tiveram mais um filho. As mães AL e EL não tiveram outros filhos.

Na tabela 1 estão apresentados dados de E4 sobre as díades investigadas quanto a idades (nas datas de realização da primeira entrevista), resultados do Critério Brasil (relativos à situação econômica) e graus de escolaridade.

Tabela1 -
Dados dos Participantes em E4: Idades, Critério Brasil, Número Total de Filhos e Grau Escolar

Instrumentos

Os instrumentos utilizados na investigação foram:

  1. Critério de Classificação Econômica Brasil/CCEB (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa [ABEP], 2011Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). (2011). Critério de Classificação Econômica Brasil 2011. Portal ABEP. Recuperado em 13 de fevereiro, 2014, de http://www.abep.org/.
    http://www.abep.org/...
    ) - utilizado para classificação em classes econômicas (definidas, de maior para menor, como A1, A2, B1, B2, C1, C2, D e E) a partir do levantamento de características domiciliares (presença e quantidade de alguns itens de conforto e grau de escolaridade do(a) chefe de família); o instrumento foi aplicado com a finalidade de caracterizar a amostra.

  2. Observação nas moradias e seu entorno - realizada em todo o trabalho longitudinal, para levantamento das condições gerais ambientais das residências e de seu entorno (incluindo elementos relativos à segurança do bairro), e elementos relativos a relações interpessoais que se manifestaram ao longo das aplicações dos instrumentos. A observação das moradias foi registrada de forma direta num diário de observação, após as visitas pertinentes à investigação, e relacionava-se a indicadores que constavam numa listagem de pontos a serem verificados e avaliados de forma qualitativa, a saber: condições do entorno e situação da moradia, relações entre os membros da família na presença do observador, e relação destes com o observador.

  3. Entrevista de discurso livre autobiográfico (Rodrigues, 1978Rodrigues, A.M. (1978). Operário, operária: Estudo exploratório sobre o operariado industrial da Grande São Paulo. São Paulo: Símbolo.): consistia numa entrevista semiaberta com as mães, iniciada com a proposta de um discurso livre sobre a própria vida, seguida de sondagens feitas pela entrevistadora sobre eixos temáticos seguidos no estudo longitudinal que incluíam: aspectos do desenvolvimento do (a) filho (a) e vínculo com ele (a); relacionamento com o pai da criança; relacionamento com a família de origem da mãe; trajetória escolar e profissional; queixas de ordem psicológica; e uso de substâncias. Essa entrevista ocupava dois a três encontros, sendo finalizada por critério de saturação, quando os dados mostravam redundância ou repetição. O material das sessões de entrevista foi gravado para posterior transcrição. Para análise do material do discurso livre foi utilizado o método de análise de conteúdo de Bardin (2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70.), com leitura exaustiva do material e registro de unidades de significado que permitiram categorização em agrupamentos temáticos.

  4. ASR (Adult Self-Report), CBCL (Child Behavior Check List) e YSR (Youth Self-Report), inventários de autoaplicação da bateria ASEBA (Achenbach & Rescorla, 2004Achenbach, T.M., Rescorla, L.A. (2004). Mental health practitioners' guide for the Achenbach System of Empirically Based Assessment (ASEBA). (4th ed.). Burlington: University of Vermont, Research Center for Children, Youth, & Families.) para descrições padronizadas em duas dimensões: competência/funcionamento adaptativo (na área social), e problemas emocionais/comportamentais (internalizantes e externalizantes), além de avaliação de uso de substâncias. Os itens desses instrumentos são apresentados em escala tipo Likert de três pontos, e outros em questões abertas. Os dados quantitativos desses instrumentos são tratados por software Assessment Data Manager Program (ADM) permitindo classificação em três faixas: 1) clínica (indicadora de preocupações clínicas), 2) limítrofe (indicadora de prováveis necessidades de intervenção), e 3) não clínica (indicadora de recursos e pontos fortes do investigado). O CBCL teve validação preliminar brasileira elaborada por Bordin, Mari e Caeiro (1995Bordin, I.A.S., Mari, J.J., Caeiro, M.F. (1995). Validação da versão brasileira do "Child Behavior Checklist (CBCL) - Inventário de Comportamentos da Infância e Adolescência: dados preliminares. Revista ABP-APAL, 17(2), 55-66.); o YSR foi validado para a população brasileira por Rocha (2012Rocha, M.M., Gauy, F.V., Silvares, E.F.M. (2012). Uma comparação da autoavaliação do adulto/cliente com a de seu terapeuta. Resumos de comunicações científicas da 42ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia e VIII Congresso Iberoamericano de Psicologia, (p.3-4), São Paulo: Sociedade Brasileira de Psicologia.); e a validação multicultural do ASR está sendo conduzida no Brasil por uma equipe de pesquisadores, incluindo Rocha, Gauy, & Silvares (2012Rocha, M.M., Gauy, F.V., Silvares, E.F.M. (2012). Uma comparação da autoavaliação do adulto/cliente com a de seu terapeuta. Resumos de comunicações científicas da 42ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia e VIII Congresso Iberoamericano de Psicologia, (p.3-4), São Paulo: Sociedade Brasileira de Psicologia.). As aplicações realizadas com as mães, do ASR (sobre si mesmas) e do CBCL (sobre seus filhos) aconteceram durante as etapas E3 e E4, e o YSR foi aplicado com os filhos (autorreferência) na etapa E4.

Procedimentos

Da mesma forma que em momentos anteriores da sequência longitudinal, o levantamento dos dados e a aplicação dos instrumentos ocorreram durante três a quatro encontros nas residências das mães investigadas, com intervalos de aproximadamente uma semana, em horários combinados entre a investigadora (primeira autora deste artigo) e as participantes do estudo. Os instrumentos foram sempre aplicados em espaços das salas das casas, estando presentes nesse momento apenas a aplicadora e a pessoa investigada. Em todas as etapas (E1/1997, E2/2001, E3/2007, E4/2011) houve dificuldades para o encontro das díades investigadas, devido a várias mudanças de endereços para outros bairros e cidades. Na primeira etapa do estudo, a pesquisa foi desenvolvida com uma amostra inicial de doze díades; a partir da segunda etapa, houve uma redução para o número de oito díades, em consequência da perda de contato com quatro das mães. A manutenção desse número exigiu importantes esforços para reencontro das oito díades que vêm sendo seguidas, de forma a garantir a viabilidade do estudo longitudinal.

RESULTADOS

Estão apresentados na tabela 2 resultados quantitativos da etapa E4, relativos às faixas não clínica (normal), limítrofe e clínica, dos escores do ASR (autorreferência das mães), CBCL (mães avaliando seus filhos) e YSR (autorreferência dos filhos), para avaliação de competência (filhos) e indicativos de funcionamento social adaptativo (mães), e também para a avaliação de problemas internalizantes (emocionais) e externalizantes (comportamentais) das díades investigadas.

Tabela 2
Resultados do ASR, CBCL, YSR na Atual Etapa do Seguimento Longitudinal (E4)

Conforme dados da tabela 2, com relação à autorreferência das mães (através do ASR) foram verificadas dificuldades quanto ao funcionamento adaptativo em quatro casos (AL, AR, EL e TH), problemas internalizantes em quatro casos (AL, AM, AR e EL) e problemas externalizantes em três casos (AL, AM e EL).

A avaliação dos filhos feita pelas mães (através do CBCL) indicou dificuldades em competência em dois casos (AL e AM), problemas internalizantes em dois casos (AM e AR) e problemas externalizantes em quatro casos (AL, AM, BI e EL). Esses dados não foram coincidentes com a autoavaliação dos filhos (através do YSR), na qual foram verificadas dificuldades de competência em três casos (AM, AR e DAN), problemas internalizantes em três casos (AL, AR e EL) e problemas externalizantes em dois casos (AM e EL).

As díades que apresentaram problemas a partir da avaliação dos três instrumentos (ASR, CBCL e YSR) foram aquelas que não contavam com a presença paterna (casos AM, AR e EL). Problemas externalizantes dos filhos foram mais identificados pelas mães do que referidos pelos próprios filhos; já problemas internalizantes dos filhos foram mais referidos por eles mesmos do que pelas mães.

Resultados qualitativos

Sobre situação de moradia: problemas relativos a condições ambientais das residências por inserção em zonas de prostituição e/ou forte presença de criminalidade/tráfico de entorpecentes foram verificados, na E4, em quase todos os casos (exceto no caso TH), assim como a instabilidade para moradia (AL, AM, AR, DAN, e NA). Em comparação com etapas anteriores do estudo, nos casos em que havia a presença paterna, foi observada melhoria na qualidade e conforto dos ambientes internos das casas, indicando alguma melhoria na situação econômica. Todas as díades (mães / primeiros filhos) continuavam vivendo juntas na mesma casa, embora em um caso (DAN) o filho por vezes ficasse morando com avós e / ou tios. Com relação à etapa anterior (E3), houve alteração de endereço em vários casos (AL, AM, AR, DAN e EL), aqueles que apresentavam relação muito prejudicada com o pai dos filhos.

Sobre interação com os pais das crianças e condições de paternidade: a situação do pai da criança em sua interação com as díades estudadas foi analisada por indicadores de positividade ou de negatividade. A condição de negatividade foi caracterizada por ausência ou presença gravemente prejudicada por elementos associados à criminalidade, ao tráfico de entorpecentes, histórico de prisões e/ou violência doméstica. Essas condições negativas foram verificadas em vários casos (AL, AM, AR, DAN, e EL). Ressalte-se que dois desses pais eram menores de 18 anos à época da ocorrência da GA (casos AM, e DAN). Num dos casos (AL), em etapas anteriores do estudo (E1, E2 e E3) houve referência de que o pai da criança era adolescente e falecido; na E4 a mãe retificou essa informação, referindo que a criança tinha sido fruto de um relacionamento sexual em situação de prostituição, sendo ela adolescente e ele adulto. Condições de positividade relativa à figura do pai da criança (PP) ficaram depreendidas por estabilidade da presença paterna (permanência na família constituída com a díade investigada, com desenvolvimento de papéis de cuidado e proteção ao filho e relacionamento estável com a mãe da criança/adolescente), sem maior frequência e/ou intensidade de elementos negativos na interação cotidiana. Essas condições positivas referentes ao pai estiveram presentes em três casos avaliados (BI, NA, TH).

Na E1 (época do bebê pequeno) os pais tinham posições diversificadas quanto à presença e apoio. Àquela época, em três casos (AL, DAN e EL) os pais dos bebês eram ausentes; as outras cinco mães adolescentes investigadas estavam vivendo com o companheiro, pai da criança (casos AM, AR, BI, NA, e TH), posição mantida em quatro desses casos (AM, BI, NA, TH) até a E4 (etapa da adolescência dos filhos).

Perfis de escolaridade e de profissionalização: o perfil de escolaridade das mães foi marcado por instabilidades e prejuízos, o que já acontecia mesmo antes da ocorrência da GA (casos AL, AR, AM, BI, DAN). A situação na E4, quando as mães estavam com idades próximas dos 30 anos, manteve-se próxima às condições de progresso escolar atingidas na etapa longitudinal anterior, embora tonalizada por tentativas de retorno aos estudos. Somente em um dos casos (TH) houve ingresso no Ensino Superior, mesmo assim, seguido de desistência. Os outros casos indicaram progresso escolar das mães até os seguintes graus: Ensino Fundamental incompleto (AL, AR e DAN), Ensino Fundamental completo (AM e NA) e Ensino Médio completo (BI, EL). As preocupações pessoais mais citadas pelas mães referiram-se a aspectos de escolaridade e trajetória profissional, esta última indicada na E4 também com características de instabilidade. As ocupações das mães incluíam "bicos", trabalhos autônomos (cabeleireira, venda de alimentos) e prostituição (em um caso). Somente uma das mães (TH), a que chegou ao Ensino Superior (incompleto), referiu uma situação profissional mais empreendedora, tendo um trabalho autônomo de animação de festas.

Com relação à escolaridade dos filhos, houve referências a reprovações (casos AL, AM, EL, DAN, e TH). Os motivos referidos pelas mães variavam entre desatenção da criança (AL, TH) e excesso de mudanças de endereço (DAN, EL, AM). As preocupações das mães com a escolaridade dos filhos foram atravessadas de reprovação e de baixo desempenho. Os filhos adolescentes referiram preocupações com relação ao desempenho escolar e ao relacionamento interpessoal com colegas na escola.

Relacionamento com a família de origem da mãe: três dos casos estudados apresentaram indicativos de dificuldades no relacionamento da mãe com sua família de origem, especificamente com sua própria mãe, desde a época anterior à GA (AL, AM e EL). Na E4 essas dificuldades continuavam presentes, e em dois desses casos (AL e EL), as díades (mãe-filho(a) adolescente) estavam residindo na casa das avós. Dificuldades familiares anteriores à GA abarcavam problemas de alcoolismo das figuras parentais (casos AL, TH), situação de prostituição (caso AL), abusos sexuais (casos AL, AR e TH) e grandes conflitos no relacionamento com a mãe (casos AL e AM).

Uso de substâncias: com relação às mães houve referência de abuso de álcool e uso de maconha, cocaína e "cápsulas" em um caso (AL), e uso abusivo de tabaco e maconha, referido por outra mãe (caso AR). Com relação aos pais, referências de envolvimento com entorpecentes (uso abusivo e tráfico) ficaram indicadas em três casos (AM, AR e EL). Houve indicativos de uso de álcool, em festas ('baladas') por dois dos filhos adolescentes investigados (casos AM e BI).

Dados sobre os filhos adolescentes e aspectos do relacionamento com a mãe: dois casos (AL e AM) apresentaram indicativos de maiores dificuldades no relacionamento entre mães e filhas adolescentes, situação diferente do observado nas etapas anteriores da pesquisa (quando as filhas eram crianças), nas quais não houve manifestações mais expressivas de conflitos nesses relacionamentos. Num desses casos (AL) houve referência de envolvimento da adolescente em roubo, além de fuga de casa; no outro caso (AM) houve referência de comportamentos de vandalismo por parte da adolescente. Nos outros casos, ficaram configuradas condições menos conflitivas nos relacionamentos entre mães e filhos adolescentes (cinco meninos e uma menina), com manifestações mais frequentes de afeto positivo, cuidado e valorização, numa interação da díade não marcada por maiores conflitos.

A maior percepção de problemas psicológicos dos filhos, por parte das mães, referiu-se a problemas externalizantes, provavelmente pela própria natureza desses problemas em suas manifestações comportamentais; já problemas internalizantes dos filhos foram menos referidos pelas mães, mesmo nos casos de autorreferência dos filhos, o que pode sugerir dificuldades nas comunicações desses adolescentes sobre queixas de aspectos psicológicos internos. Preocupações das mães com relação aos filhos incluíram pensamentos sobre a possibilidade de ocorrência da maternidade/paternidade durante a adolescência (AL, AM, e TH), receios de sofrer algum tipo de violência (AR, NA) ou de envolvimento com drogas e o tráfico (BI, DAN, NA). Todos os filhos realizavam tarefas domésticas como limpeza e arrumação da casa, além de cuidado para com os irmãos mais novos. Atividades de lazer dos filhos investigados estiveram geralmente relacionadas a passatempos envolvendo tecnologia (videogames, jogos no computador), indicando condições de inserção digital.

DISCUSSÃO

De forma semelhante a esta investigação, outros trabalhos prospectivos e longitudinais sobre gravidez na adolescência (Charles & Simpson, 2007Charles, H., Simpson, B.(2007). Ten year longitudinal study of Adolescent Mothers and their children. Catholic Family Service. Public Health Agency of Canada.; Esteves & Menandro, 2005Esteves, J.R., Menandro, P.R. (2005). Trajetórias de vida: repercussões da maternidade adolescente na biografia de mulheres que viveram tal experiência. Estudos de Psicologia, 10(3), 363-370.; Shaw, Lawlor, & Najman, 2006Shaw, M., Lawlor, D.A., Najman, J.M. (2006). Teenage children of teenage mothers: psychological, behavioural and health outcomes from an Australian prospective longitudinal study. Social Science & Medicine, 62(10), 2526-2539.) concordam que um possível problema do desenvolvimento humano a partir da maternidade na adolescência é decorrente de múltiplos fatores, incluindo aqueles emergentes das interações das mães adolescentes com seus contextos familiares e sociais. Na perspectiva do presente estudo, destacam-se, com relação a esses contextos, as condições mais positivas ou mais prejudicadas de relacionamento com o pai da criança e com a família de origem da mãe, especialmente com sua própria mãe, além de condições adversas de moradia e de maior proximidade com o tráfico de entorpecentes.

Nos limites da investigação, a GA não pareceu diretamente relacionada ao surgimento de maiores problemas de ordem emocional e/ou comportamental naquelas díades que possuíram condições positivas na interação com o pai da criança no microssistema familiar (BI, NA e TH). Essas díades, que contaram com a condição de conjugalidade (coabitação com o pai da criança) desde a GA e com uma presença paterna positiva, além de apoio da família de origem, particularmente da avó materna, foram as que apresentaram os melhores indicadores nas avaliações, em especial nos dois casos com número menor de filhos nascidos após o primogênito (BI e NA tiveram mais um filho, e TH teve mais três filhos). Nesses três casos, a condição econômica, quando os filhos já estavam na adolescência (E4), também foi a melhor de toda a amostra. Novellino (2010Novellino, M.S.F. (2010). Um estudo sobre as mães adolescentes brasileiras. Revista de Saúde Coletiva, 21(1), 299-318.) afirma que a maior ou menor vulnerabilidade das mães adolescentes é dada, sobretudo, pela renda domiciliar, que nesses três casos pode ter sido maior pela situação de casamento e positividade da figura paterna.

Por outro lado, nos casos acompanhados em que houve coabitação/casamento com o pai da criança à época da adolescência da mãe, mas o pai estava envolvido com criminalidade e entorpecentes (uso, abuso e tráfico, além de períodos de encarceramento - casos AM e AR), houve grande insegurança e instabilidade para moradia no transcorrer dos catorze anos de investigação, e não se expressaram elementos mais positivos do desenvolvimento das díades. Num desses casos (AM) também havia histórico de grandes dificuldades no relacionamento com a família de origem, em especial com a avó materna. Dessa forma, embora a ausência paterna tenha potencial para gerar conflitos psicológicos na criança e no adolescente (Sganzerla & Levandowski, 2010Sganzerla, I.M., Levandowski, D.C. (2010). Ausência paterna e suas repercussões para o adolescente: análise da literatura. Psicologia em Revista, 16(2), 295-309.), uma presença paterna marcada por negatividade, em alguns dos casos investigados no presente estudo, também ficou associada a problemas de ordem emocional/comportamental no desenvolvimento dos filhos.

Nas díades em que houve ausência/desconhecimento e abandono do pai (casos AL e EL), foram indicados problemas emocionais/comportamentais na díade, mesmo com condições econômicas menos desfavoráveis (caso EL) e coabitação com a família de origem. A situação do relacionamento com o pai da criança à época da GA acabou por se cristalizar na trajetória do filho até a adolescência. Os pais que eram ausentes, assim permaneceram (casos AL, DAN, e EL), da mesma forma que se mantiveram as condições paternas daqueles pais envolvidos com criminalidade e drogas (casos AR e AM). Os pais com presença familiar positiva (casos BI, NA, e TH) à época da GA continuavam assim quando os filhos estavam na adolescência, embora tenham ocorrido algumas crises no relacionamento conjugal.

Schwartz et al. (2011Schwartz, T., Vieira, R., Geib, L.T.C. (2011). Apoio social a gestantes adolescentes: desvelando percepções. Ciência & Saúde Coletiva, 16(5), 2575-2585.) citam que as próprias mães (avós das crianças) e os parceiros são percebidos como as principais fontes de apoio na gravidez de adolescentes. Neste estudo, os piores indicadores de problemas psicológicos e de dificuldades relacionadas a recursos de desenvolvimento (meios adaptativos e competência) estiveram presentes nos casos em que houve conjunção de condição negativa de paternidade com dificuldades de relacionamento da mãe com sua própria mãe e com sua família de origem (casos AL, AM e EL) - problemas pertinentes ao micro e mesossistemas ambientais e a relações face a face - estas, fundamentais para a positividade do desenvolvimento.

Dentre os três casos mais marcados pelas dificuldades de relacionamento da mãe com sua própria mãe (AL, AM e EL), dois manifestaram dificuldades no relacionamento na adolescência dos filhos - casos em que as filhas adolescentes eram meninas (AL e AM) e tinham idades coincidentes com as das mães quando aconteceu a GA.

Problemas de desenvolvimento escolar e profissional continuaram presentes em todas as mães investigadas, especialmente em três delas (AL, AR, e DAN), casos marcados por dificuldades no apoio tanto da família de origem como do pai da criança, sempre ausente (casos AL e DAN) ou envolvido com criminalidade e situação de encarceramento (caso AR). A mãe investigada que atingiu o maior grau escolar e que chegou a ingressar no Ensino Superior (TH) tinha tido mais três filhos além do primogênito, porém contava com situação conjugal estável e apoio da família de origem (mãe). Esse dado mais uma vez pode ressaltar a importância da conjunção do apoio familiar, proveniente da família de origem, com a relação conjugal, para favorecer o desenvolvimento da mãe adolescente. Essa conjunção positiva pareceu elemento protetor diante de possíveis impactos negativos da GA, também para a trajetória escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o entendimento, a partir da teoria ecológica de desenvolvimento, de que funções adaptativas e disfunções emergem das interações das pessoas com seus sistemas ambientais de um modo recíproco, em que as pessoas influenciam seus ambientes e são por eles influenciadas, pode-se considerar que as decorrências da GA são fruto de tais interações, desde as mais proximais até aquelas pertinentes a mitos e valores da cultura.

O levantamento das condições psicossociais das díades investigadas, objetivo deste trabalho, mostrou melhores condições nas díades nas quais os sistemas face a face estavam caracterizados por positividade, nas relações tanto com a família de origem quanto com o pai da criança. Indicadores de prejuízos associados a funções adaptativas e disfunções de desenvolvimento, como problemas emocionais/comportamentais, apareceram nas díades em que houve interações com negatividade da figura paterna em conjunção com dificuldades com a família de origem.

O prosseguimento da investigação longitudinal fica sugerido para verificação do desenvolvimento futuro desses filhos, o que permitirá também a verificação de suas percepções, na vida adulta, sobre terem nascido de mães adolescentes.

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  • 2
    Nancy Ramacciotti de Oliveira-Monteiro: doutora e pós-doutora em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo; professora do curso de Psicologia e do Bacharelado Interdisciplinar em Ciências e Tecnologia do Mar, orientadora credenciada do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde, da Universidade Federal de São Paulo, campus Baixada Santista, Brasil.
  • 3
    Juliana Vasconcellos de Freitas: psicóloga; membro do Laboratório de Psicologia Ambiental e Desenvolvimento Humano da Universidade Federal de São Paulo, campus Baixada Santista.
  • 4
    Maria Aznar-Farias: doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo; pós-doutorado em Desenvolvimento Humano pela Universidade de Valencia, Espanha; professora aposentada da Universidade Federal de São Paulo; trabalha como professora afiliada junto ao Laboratório de Psicologia Ambiental e Desenvolvimento Humano e como professora colaboradora no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Paulo, campus Baixada Santista, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2014
  • Aceito
    27 Out 2014
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