Acessibilidade / Reportar erro

FATORES DE RISCO E DE PROTEÇÃO PARA ATRASOS NO DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM1 1 Apoio e financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), processo nº 2017/09636-6

FACTORES DE RIESGO Y DE PROTECCIÓN PARA RETRASOS EN EL DESARROLLO DE LENGUAJE

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi elencar fatores de risco e de proteção que, segundo a literatura nacional e internacional, estão associados com atrasos no desenvolvimento da linguagem oral de crianças. Foi desenvolvida uma revisão integrativa da literatura, nas bases de dados Lilacs, PsycINFO e Web of Science. A busca resultou em 12 artigos que atendiam aos critérios de seleção. A maioria dos trabalhos identificou fatores de risco estáticos, os quais são principalmente variáveis biológicas, ou da história de vida da criança. Um número menor de pesquisas investigou fatores de risco dinâmicos e fatores de proteção, dentre os quais foi ressaltado o suporte social oferecido à criança. Conhecer quais fatores estão relacionados a esses atrasos é imprescindível para a formulação de propostas que objetivem um desenvolvimento adequado da linguagem. São discutidas lacunas na literatura e a necessidade de novas pesquisas que atentem para o rigor metodológico, considerando a importância dessa discussão para eventuais intervenções.

Palavras-chave:
Fatores de risco; fatores de proteção; desenvolvimento da linguagem

RESUMEN

El objetivo de este estudio fue listar los factores de riesgo y de protección que, según la literatura nacional e internacional, están asociados con retrasos en el desarrollo del lenguaje oral en niños. Se realizó una revisión integrativa en las bases de datos Lilacs, PsycINFO y Web of Science. De la búsqueda se analizaron 12 artículos que cumplían con los criterios de selección. En la mayoría de los estudios se identificaron factores de riesgo estático, los cuales son principalmente variables biológicas o de la historia de vida del infante. Un número más reducido de estudios investigaron factores de riesgo dinámicos y factores de protección, de estos últimos fue resaltado el soporte social ofrecido al menor. Conocer qué factores están relacionados a esos retrasos es imprescindible para la formulación de propuestas que tengan como fin el desarrollo adecuado del lenguaje. Son discutidas las brechas presentes en la literatura y la necesidad de nuevos estudios que busquen rigor metodológico, considerando la importancia de esta discusión para eventuales intervenciones.

Palabras clave:
Factores de riesgo; factores de protección; desarrollo de lenguaje

ABSTRACT

The aim of this study was to identify risk and protective factors, according to national and international literature, associated with delays in the development of children’s oral language. An integrative review of the literature was developed in the databases Lilacs, PsycINFO and Web of Science. The search resulted in 12 articles that met the selection criteria. Most of the studies identified static risk factors, which are mainly biological variables, or related to the child’s life history. A smaller number of researches investigated dynamic risk and protective factors, among which the social support offered to the child was highlighted. Knowing which factors are related to these delays is essential for formulation of proposals that aim an adequate development of the language. Gaps in the literature and the need for new research with more rigorous methodological designs are discussed, considering the importance of this discussion for possible interventions.

Keywords:
Risk factors; protective factors; language development

Introdução

O desenvolvimento adequado da linguagem oral na infância é reconhecido como sendo fundamental para que a criança desenvolva outras habilidades e se socialize (Sheridan & Gjems, 2017Sheridan, S., & Gjems, L. (2017). Preschool as an arena for developing teacher knowledge concerning children’s language learning. Early Childhood Education Journal, 45(3), 347-357. doi: 10.1007/s10643-015-0756-8
https://doi.org/10.1007/s10643-015-0756-...
). A literatura destaca que o desenvolvimento da linguagem é condição para a aquisição das habilidades de leitura e escrita, sendo essas, por seu turno, requisitos para o desempenho escolar satisfatório (França, Wolff, Moojen, & Rotta, 2004França, M. P., Wolf, C. L., Moojen, S., & Rotta, N. T. (2004). Aquisição da linguagem oral: Relação e risco para a linguagem escrita. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 62(2b), 469-472. doi: 10.1590/S0004-282X2004000300017
https://doi.org/10.1590/S0004-282X200400...
). Por essa razão, muitas pesquisas buscam avaliar se, e como, a aprendizagem da linguagem ocorre, seja no contexto familiar (e.g., Hart & Risley, 2000Hart, B., & Risley, T. R. (2000). Meaningful differences in the everyday experience of young American children. Baltimore, MA: Paul H. Brookes Publishing Co.), ou na escola (e.g., Oliveira, Braz-Aquino, & Salomão, 2016Oliveira, K. R. S., Braz-Aquino, F. de S., & Salomão, N. M. R. (2016). Desenvolvimento da linguagem na primeira infância e estilos linguísticos dos educadores. Avances em Psicología Latino Americana, 34(3), 457-472. doi: 10.12804/apl34.3.2016.02
https://doi.org/10.12804/apl34.3.2016.02...
).

Nesse contexto, alterações no desenvolvimento da linguagem são vistos com preocupação por profissionais da saúde e da educação, e por pesquisadores da área, uma vez que podem concorrer para dificuldades de aprendizagem posteriores. Assim, a literatura aponta a necessidade de que sejam identificadas precocemente alterações na linguagem (Ferracini, Capovilla, Dias, & Capovilla, 2006Ferracini, F., Capovilla, A. G. S., Dias, N. M., & Capovilla, F. C. (2006). Avaliação de vocabulário expressivo e receptivo na educação infantil. Revista Psicopedagogia, 23(71), 124-133.; Schirmer, Fontoura, & Nunes, 2004Schirmer, C. R., Fontoura, D. R., & Nunes, M. L. (2004). Distúrbios da aquisição da linguagem e da aprendizagem. Jornal de Pediatria, 80(2), 95-103. doi: 10.1590/S0021-75572004000300012
https://doi.org/10.1590/S0021-7557200400...
), e de que sejam propostas maneiras de lidar com eventuais atrasos ou lacunas na aquisição de vocabulário pelas crianças (Hindman, Wasik, & Snell, 2016Hindman, A. H., Wasik, B. A., & Snell, E. K. (2016). Closing the 30 million word gap: Next steps in designing research to inform practice. Child Development Perspectives, 10(2), 134-139. doi: 10.1111/cdep.12177
https://doi.org/10.1111/cdep.12177...
).

O termo 'alterações no desenvolvimento da linguagem' envolve um grupo bastante heterogêneo de casos (Korpilahti, Kaljonen, & Jansson-Verkasalo, 2016Korpilahti, P., Kaljonen, A., & Jansson-Verkasalo, E. (2016). Identification of biological and environmental risk factors for language delay: The Let’s Talk STEPS study. Infant Behavior and Development, 42, 27-35.). Segundo Schirmer et al. (2004Schirmer, C. R., Fontoura, D. R., & Nunes, M. L. (2004). Distúrbios da aquisição da linguagem e da aprendizagem. Jornal de Pediatria, 80(2), 95-103. doi: 10.1590/S0021-75572004000300012
https://doi.org/10.1590/S0021-7557200400...
), essas alterações podem ter diferentes classificações. É considerado atraso, quando a aprendizagem da linguagem se dá na sequência correta, mas o nível de desenvolvimento da criança está aquém do que é esperado para a faixa etária dela. Considera-se desvio quando ocorre um desenvolvimento qualitativamente diferenciado, como as alterações da linguagem no autismo ou alterações específicas. A dissociação, por sua vez, ocorre quando há, para um indivíduo, discrepâncias entre o desenvolvimento da linguagem e o desenvolvimento de outras áreas.

A linguagem oral envolve regras que permitem que um falante codifique em sons os significados (vocabulário expressivo) e um ouvinte, por sua vez, 'decodifique' os significados a partir dos sons (vocabulário receptivo). O vocabulário receptivo, então, diz respeito às palavras que a criança é capaz de compreender, ao passo que o vocabulário expressivo envolve as palavras que a criança consegue falar (Araújo, Marteleto, & Schoen-Ferreira, 2010Araújo, M. V. M., Marteleto, M. R. F., & Schoen-Ferreira, T. H. (2010). Avaliação do vocabulário receptivo de crianças pré-escolares. Estudos de Psicologia (Campinas), 27(2), 169-176. doi: 10.1590/S0103-166X2010000200004
https://doi.org/10.1590/S0103-166X201000...
; Ferracini et al., 2006Ferracini, F., Capovilla, A. G. S., Dias, N. M., & Capovilla, F. C. (2006). Avaliação de vocabulário expressivo e receptivo na educação infantil. Revista Psicopedagogia, 23(71), 124-133.). Focalizando especificamente os atrasos no desenvolvimento da linguagem, esses podem ocorrer em relação aos vocabulários expressivo ou receptivo das crianças, ou ambos. As crianças que apresentam atrasos no desenvolvimento do vocabulário expressivo também são denominadas de late talkers (Everitt, Hannaford, & Conti-Ramsden, 2013Everitt, A., Hannaford, P., & Conti-Ramsden, G. (2013). Markers for persistent specific expressive language delay in 3-4-year-olds. International Journal of Language & Communication Disorders, 48(5), 534-553. doi: 10.1111/1460-6984.12028
https://doi.org/10.1111/1460-6984.12028...
).

Conforme a literatura tem apontado, é essencial a identificação precoce, assim como a prevenção de atrasos no desenvolvimento da linguagem. Para isso, é necessário que os profissionais da saúde e da educação conheçam quais fatores podem estar relacionados a esses atrasos. De acordo com Soufre e Rutter (1984Soufre, L. A., & Rutter, M. (1984). The domain of developmental psychopathology. Child Development, 55(1), 17-29. doi:10.2307/1129832
https://doi.org/doi:10.2307/1129832...
), na perspectiva da psicopatologia desenvolvimental, as problemáticas se desenvolvem na complexa interação do sujeito com o ambiente, envolvendo mudanças nos padrões de adaptação e desadaptação ao longo do tempo. Em meio a essa complexa interação, ao longo da vida o indivíduo pode ser exposto a fatores de risco e a fatores de proteção para o desenvolvimento de uma problemática. Fatores de risco são variáveis que, se presentes para um determinado indivíduo, aumentam a probabilidade de que ele desenvolva determinada problemática ou, se reduzidas ou eliminadas, diminuem a probabilidade de ocorrência. Os fatores de proteção, por outro lado, moderam os efeitos dos fatores de risco. Esses fatores de proteção podem envolver recursos pessoais, na relação com o contexto do indivíduo, ou recursos sociais (Sapienza & Pedromônico, 2005Sapienza, G., & Pedromônico, M. R. M. (2005). Risco, proteção e resiliência no desenvolvimento da criança e do adolescente. Psicologia em Estudo, 10(2), 209-216. doi: 10.1590/S1413-73722005000200007
https://doi.org/10.1590/S1413-7372200500...
).

Atrasos no desenvolvimento da linguagem dependem, portanto, de uma complexa interação entre fatores de risco e de proteção. Conhecer quais fatores estão envolvidos nesse atraso é imprescindível para a formulação de propostas que visem um desenvolvimento adequado da linguagem. Como mencionado, a literatura tem enfatizado a importância de atentar para essa área do desenvolvimento, como forma de evitar que eventuais atrasos se agravem, ou que seus efeitos incidam sobre habilidades acadêmicas e de socialização (e.g., Ferracini et al., 2006Ferracini, F., Capovilla, A. G. S., Dias, N. M., & Capovilla, F. C. (2006). Avaliação de vocabulário expressivo e receptivo na educação infantil. Revista Psicopedagogia, 23(71), 124-133.; Schirmer et al., 2004Schirmer, C. R., Fontoura, D. R., & Nunes, M. L. (2004). Distúrbios da aquisição da linguagem e da aprendizagem. Jornal de Pediatria, 80(2), 95-103. doi: 10.1590/S0021-75572004000300012
https://doi.org/10.1590/S0021-7557200400...
).

Tendo em vista os aspectos mencionados, esse estudo teve por objetivo revisar a literatura para identificar: a) os fatores de risco que, segundo a literatura nacional e internacional, estão associados com atrasos no desenvolvimento da linguagem oral de crianças; b) e fatores de proteção que poderiam moderar os efeitos dos fatores de risco associados a atrasos na linguagem oral.

Método

Para atender ao objetivo proposto, empregou-se o método de revisão integrativa da literatura (Mendes, Silveira, & Galvão, 2008Mendes, K. D. S., Silveira, R. C. D. C. P., & Galvão, C. M. (2008). Revisão integrativa: Método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto & Contexto Enfermagem, 17(4), 758-764. doi: 10.1590/S0104-07072008000400018
https://doi.org/10.1590/S0104-0707200800...
). Foram consultadas as bases de dados Lilacs, PsycINFO e Web of Science, com as seguintes combinações de palavras-chave: language delay and risk factor, language delay and protective factor, protection and language delay, language development and risk factor, language development and protective factor.

Os trabalhos resultantes da busca nas bases de dados foram selecionados em três etapas. Em um primeiro momento, as pesquisas foram selecionadas pelos títulos e resumos. Os dados das publicações selecionadas foram cruzados de modo a excluir as repetições. Em seguida, procedeu-se à leitura do texto, integralmente. Esse procedimento teve por base os seguintes critérios de inclusão: a) período de publicação: foram incluídos artigos publicados no período entre 2013 e 2017 (05 anos), para acessar as publicações mais recentes; b) tipo de trabalho: selecionaram-se apenas artigos publicados, de revisão de literatura ou de pesquisa empírica, e foram excluídas outras formas de trabalho, como teses e capítulos de livros; c) idioma de publicação: foram selecionados artigos em português e em inglês; d) temas: foram incluídos trabalhos cujos temas relacionassem atrasos no desenvolvimento da linguagem com fatores de risco e/ou fatores de proteção, excluindo-se as pesquisas que tratassem desses tópicos separadamente ou de maneira secundária, ou ainda, pesquisas que abordassem outras alterações da linguagem, que não atrasos; e) população estudada: optou-se por estudos que discutissem o tema com relação a crianças, excluindo-se outras faixas etárias.

Após a seleção dos artigos, as principais informações foram transferidas para uma tabela, contendo: autores, título, ano de publicação, periódico no qual o estudo foi publicado, principais objetivos, método e resultados. Essa sistematização serviu de base para descrever semelhanças e diferenças entre os estudos e, principalmente, elencar os fatores de risco e de proteção mencionados em cada um deles. Os resultados foram, então, distribuídos em três categorias: i) fatores de risco estáticos; ii) fatores de risco dinâmicos; iii) fatores de proteção.

Foram considerados fatores de risco as variáveis que, segundo os artigos revisados, aumentam a probabilidade de que a criança exposta apresente atrasos na linguagem. Dentre esses, foram classificados como fatores de risco estáticos aqueles que dificilmente podem ser modificados por meio de intervenções. Foram classificados como fatores de risco dinâmicos aqueles que são suscetíveis aos efeitos de intervenções, ou que podem mudar espontaneamente ao longo do tempo (Dib, Bazon, & Silva, 2012Dib, M. A., Bazon, M. R., & Silva, J. L. da (2012). Família e conduta infracional na adolescência: Revisão sistemática da literatura. Perspectivas em Psicologia, 16(1), 142-159.). O enquadramento na terceira categoria se deu para as variáveis que os próprios artigos identificam como fatores de proteção e que a exposição a elas, de alguma maneira, exerça efeito moderador sobre os fatores de risco.

Resultados

A busca das palavras-chave nas bases de dados resultou, inicialmente, em 377 trabalhos, sendo 27 na base Lilacs, 109 na Web of Science e 241 na PsycINFO. O procedimento de seleção dos artigos, considerando os critérios de inclusão, conduziu a um número final de 12 artigos, dos quais três da base Lilacs, cinco da Web of Science e quatro da PsycINFO. A descrição detalhada dos resultados a cada etapa da revisão pode ser visualizada na Figura 1.

O maior número de publicações selecionadas foi do ano de 2014 (n = 5), ao passo que as demais publicações incluídas estavam distribuídas de maneira mais uniforme ao longo dos demais anos do período analisado: 2013 (n = 2), 2015 (n = 2), 2016 (n = 2) e 2017 (n = 1). Os estudos variaram quanto aos países em que foram desenvolvidos, envolvendo oito locais diferentes: Finlândia (n = 1), Irlanda (n = 1); Brasil (n = 3), Canadá (n = 2), Austrália (n = 2), Noruega (n = 1), Escócia (n = 1) e Estados Unidos (n = 1). Embora três trabalhos tenham sido desenvolvidos no Brasil, dois deles foram revisões de literatura. Os estudos nacionais foram publicados em português (n = 3) e os demais foram publicados em inglês (n = 9), em periódicos relacionados a diferentes áreas do conhecimento: psicologia (n = 2); medicina (n = 3); fonoaudiologia (n = 4); interdisciplinar (n = 1); e interdisciplinar, mas com ênfase no desenvolvimento infantil (n = 2).

Figura 1
Fluxograma do processo de seleção e inclusão dos artigos revisados.

Dentre os 12 artigos analisados, dois são revisões sistemáticas de literatura (os artigos brasileiros, conforme mencionado); os demais descrevem estudos que utilizaram modelos epidemiológicos, em duas modalidades: estudo de coorte, longitudinal (n = 8) e estudo seccional, transversal (n = 2). Para avaliar a linguagem das crianças, os dez estudos empíricos utilizaram instrumentos que variaram quanto à forma e ao método de aplicação. Esses trabalhos podem ser agrupados em três categorias, com relação às medidas de vocabulário utilizadas: instrumentos padronizados aplicados com os pais das crianças (n = 4); instrumento não padronizado aplicado com os pais das crianças (n = 1); instrumentos padronizados aplicados diretamente nas crianças (n = 5).

A despeito das similaridades e diferenças entre os estudos selecionados, todos eles abarcaram relações entre atrasos no desenvolvimento da linguagem e fatores de risco e/ou de proteção. Os 12 artigos discutiram fatores de risco envolvendo aspectos biológicos (e.g., Collisson et al., 2016Collisson, B. A., Graham, S. A., Preston, J. L., Rose, M. S., McDonald, S., & Tough, S. (2016). Risk and protective factors for late talking: an epidemiologic investigation. The Journal of Pediatrics, 172, 168-174. doi: 10.1016/j.jpeds.2016.02.020
https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2016.02....
; Korpilahti et al., 2016Korpilahti, P., Kaljonen, A., & Jansson-Verkasalo, E. (2016). Identification of biological and environmental risk factors for language delay: The Let’s Talk STEPS study. Infant Behavior and Development, 42, 27-35.) e ambientais (e.g., McNally & Quigley, 2014McNally, S., & Quigley, J. (2014). An Irish cohort study of risk and protective factors for infant language development at 9 months. Infant and Child Development, 23(6), 634-649. doi: 10.1002/icd.1861
https://doi.org/10.1002/icd.1861...
), sendo alguns desses fatores passíveis de serem modificados por meio de intervenção e outros não.

Tabela 1
Principais fatores de risco e de proteção associados a atrasos na linguagem e número de artigos que analisa cada categoria.

Em descompasso com o número de publicações que relacionaram fatores de risco com atrasos no desenvolvimento da linguagem, apenas seis trabalhos identificaram fatores de proteção. Os fatores de proteção foram relacionados, sobretudo, a características ambientais. As variáveis mencionadas nos estudos, assim como a quantidade de trabalhos que discute cada categoria dos fatores, estão descritas na Tabela 1. Tendo em vista as especificidades de cada um desses fatores, os resultados das pesquisas serão discutidos em seções correspondentes à categorização realizada.

I) Fatores de risco estáticos

Os artigos selecionados na revisão apresentam alguns fatores de risco estáticos, sendo alguns deles biológicos e outros classificados pelos próprios autores como sendo ambientais. Korpilahti et al. (2016Korpilahti, P., Kaljonen, A., & Jansson-Verkasalo, E. (2016). Identification of biological and environmental risk factors for language delay: The Let’s Talk STEPS study. Infant Behavior and Development, 42, 27-35.) exploraram tanto fatores de risco biológicos quanto sociais relacionados ao atraso na aquisição da linguagem. A pesquisa estudou uma amostra de 226 crianças (120 meninos e 106 meninas), que foram avaliadas em relação aos vocabulários expressivo e receptivo, dos 13 aos 36 meses. Das crianças avaliadas, 8,8% tinham atrasos no desenvolvimento da linguagem. Os fatores de risco identificados foram: pertencer ao gênero masculino, baixo nível educacional dos pais e o pai trabalhar fora de casa o dia todo. Segundo os autores, fatores ambientais tiveram maior valor preditivo para o desenvolvimento da linguagem do que fatores biológicos. O estudo de coorte, realizado por McNally e Quigley (2014McNally, S., & Quigley, J. (2014). An Irish cohort study of risk and protective factors for infant language development at 9 months. Infant and Child Development, 23(6), 634-649. doi: 10.1002/icd.1861
https://doi.org/10.1002/icd.1861...
), com 11.134 crianças, também identificou que fatores ambientais parecem exercer maior influência sobre o desenvolvimento da linguagem do que características genéticas.

A característica biológica mais enfatizada nos estudos como um fator de risco foi pertencer ao gênero masculino (e.g., Collisson et al., 2016Collisson, B. A., Graham, S. A., Preston, J. L., Rose, M. S., McDonald, S., & Tough, S. (2016). Risk and protective factors for late talking: an epidemiologic investigation. The Journal of Pediatrics, 172, 168-174. doi: 10.1016/j.jpeds.2016.02.020
https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2016.02....
; Korpilahti et al., 2016Korpilahti, P., Kaljonen, A., & Jansson-Verkasalo, E. (2016). Identification of biological and environmental risk factors for language delay: The Let’s Talk STEPS study. Infant Behavior and Development, 42, 27-35.; McNally & Quigley, 2014McNally, S., & Quigley, J. (2014). An Irish cohort study of risk and protective factors for infant language development at 9 months. Infant and Child Development, 23(6), 634-649. doi: 10.1002/icd.1861
https://doi.org/10.1002/icd.1861...
). Entretanto, uma das pesquisas (Wilson, McQuaige, Thompson, & McConnachie, 2013Wilson, P., McQuaige, F., Thompson, L., & McConnachie, A. (2013). Language delay is not predictable from available risk factors. The Scientific World Journal, 1-8. doi: 10.1155/2013/947018
https://doi.org/10.1155/2013/947018...
) questionou a utilidade da variável 'gênero masculino' como um fator de risco em si. De acordo com os autores, esse fator precisa ser ponderado, uma vez que as pesquisas que identificaram esse fator de risco tiveram como participantes crianças mais novas, com até três anos de idade. Short, Eadie, Descallar e Kemp (2017Short, K., Eadie, P., Descallar, J., & Kemp, L. (2017). Longitudinal vocabulary development in Australian urban aboriginal children: protective and risk factors. Child Care, Health and Development, 43(6), 906-917. doi: 10.1111/cch.12492
https://doi.org/10.1111/cch.12492...
), por outro lado, descreveram fatores relacionados ao vocabulário receptivo de crianças aborígenes australianas aos três anos e a associação desses fatores com o desenvolvimento do vocabulário até os oito anos de idade. Os autores realizaram um estudo de coorte com 165 crianças, por meio do qual foi constatado que as meninas tinham melhor desempenho na linguagem do que os meninos nas idades mais iniciais, mas isso não se manteve ao longo do tempo.

Outros fatores de risco biológicos foram citados por poucas pesquisas, como a hemorragia intracraniana (Caldas, Takano, Mello, Souza, & Zavala, 2014Caldas, C. de S. O., Takano, O. A., Mello, P. R. B., Souza, S. C., & Zavala, A. A. Z. (2014). Desempenho nas habilidades da linguagem em crianças nascidas prematuras e com baixo peso e fatores associados. Audiology - Communication Research, 19(2), 158-166. doi: 10.1590/S2317-64312014000200010
https://doi.org/10.1590/S2317-6431201400...
), lesão cerebral em que as crianças apresentavam déficits no perfil neuropsicológico, e otite média persistente (Gurgel, Vidor, Joly, & Reppold, 2014Gurgel, L. G., Vidor, D. C. G. M., Joly, M. C. R. A., & Reppold, C. T. (2014). Fatores de risco para o desenvolvimento adequado da linguagem oral em crianças: Uma revisão sistemática da literatura. CoDAS, 26(5), 350-356. doi: 10.1590/2317-1782/20142014070
https://doi.org/10.1590/2317-1782/201420...
). Esses fatores, possivelmente, contribuem para atrasos na linguagem na medida em que impactam a maturação do sistema nervoso e o desenvolvimento das habilidades auditivas nos primeiros anos de vida, que são essenciais para o desenvolvimento da linguagem (Gurgel et al., 2014Gurgel, L. G., Vidor, D. C. G. M., Joly, M. C. R. A., & Reppold, C. T. (2014). Fatores de risco para o desenvolvimento adequado da linguagem oral em crianças: Uma revisão sistemática da literatura. CoDAS, 26(5), 350-356. doi: 10.1590/2317-1782/20142014070
https://doi.org/10.1590/2317-1782/201420...
).

Além de fatores biológicos, outros fatores relacionados à história de vida do indivíduo foram mencionados frequentemente nas pesquisas: baixo peso ao nascer (McNally & Quigley, 2014McNally, S., & Quigley, J. (2014). An Irish cohort study of risk and protective factors for infant language development at 9 months. Infant and Child Development, 23(6), 634-649. doi: 10.1002/icd.1861
https://doi.org/10.1002/icd.1861...
; Taylor, Christensen, Lawrence, Mitrou, & Zubrick, 2013Taylor, C. L., Christensen, D., Lawrence, D., Mitrou, F., & Zubrick, S. R. (2013). Risk factors for children’s receptive vocabulary development from four to eight years in the longitudinal study of Australian children. PLOS ONE, 8(9), 1-20. doi: 10.1371/journal.pone.0073046
https://doi.org/10.1371/journal.pone.007...
) e nascimento pré-termo (Madigan, Wade, Plamondon, Browne, & Jenkins, 2015Madigan, S., Wade, M., Plamondon, A., Browne, D., & Jenkins, J. M. (2015). Birth weight variability and language development: Risk, resilience, and responsive parenting. Journal of Pediatric Psychology, 40(9), 869-877. doi: 10.1093/jpepsy/jsv056
https://doi.org/10.1093/jpepsy/jsv056...
; Zerbeto, Cortelo, & Carvalho Filho, 2014Zerbeto, A. B., Cortelo, F. M., & Carvalho Filho, E. B. C. (2014). Associação entre idade gestacional e peso ao nascimento no desenvolvimento linguístico de crianças brasileiras: revisão sistemática. Jornal de Pediatria, 91, 326-332. doi: 10.1016/j.jped.2014.11.003
https://doi.org/10.1016/j.jped.2014.11.0...
). Zerbeto et al. (2014)Zerbeto, A. B., Cortelo, F. M., & Carvalho Filho, E. B. C. (2014). Associação entre idade gestacional e peso ao nascimento no desenvolvimento linguístico de crianças brasileiras: revisão sistemática. Jornal de Pediatria, 91, 326-332. doi: 10.1016/j.jped.2014.11.003
https://doi.org/10.1016/j.jped.2014.11.0...
realizaram uma revisão sistemática a partir de 13 estudos publicados entre 2003 e 2012 e constataram que existe mais atraso no desenvolvimento da linguagem de crianças nascidas pré-termo, quando comparadas com crianças nascidas a termo. Esse atraso foi verificado, sobretudo, na linguagem expressiva. Os autores sugerem que esses atrasos podem estar relacionados a complicações neonatais e imaturidade do sistema nervoso central. Quanto à variável 'peso ao nascer', os autores identificaram que, segundo três estudos, quanto menor o peso, piores são os indicadores quanto à linguagem expressiva, número de palavras e extensão frasal das crianças.

As variáveis 'peso ao nascer' e 'nascimento pré-termo' também foram focalizadas por um estudo brasileiro, de corte transversal, que analisou as habilidades de linguagem de 77 crianças, de dois a três anos, nascidas prematuras e com baixo peso, em Cuiabá. A pesquisa verificou que 32,5% dos resultados foram destoantes do esperado, constatando-se que as crianças estudadas, nascidas prematuras e com baixo peso, apresentaram atraso no desenvolvimento da linguagem, com maior comprometimento da habilidade expressiva (Caldas et al., 2014Caldas, C. de S. O., Takano, O. A., Mello, P. R. B., Souza, S. C., & Zavala, A. A. Z. (2014). Desempenho nas habilidades da linguagem em crianças nascidas prematuras e com baixo peso e fatores associados. Audiology - Communication Research, 19(2), 158-166. doi: 10.1590/S2317-64312014000200010
https://doi.org/10.1590/S2317-6431201400...
).

Além das variáveis apresentadas, outras que fazem parte da história de vida da criança também foram apontadas em alguns estudos: baixa escolaridade dos pais, baixo nível socioeconômico da família e coabitar com quatro ou mais crianças, na mesma casa. A respeito dos dois primeiros fatores, foi verificado pouco consenso na literatura.

O estudo de Korpilahti et al. (2016Korpilahti, P., Kaljonen, A., & Jansson-Verkasalo, E. (2016). Identification of biological and environmental risk factors for language delay: The Let’s Talk STEPS study. Infant Behavior and Development, 42, 27-35.) verificou que baixa escolaridade dos pais e baixo nível socioeconômico têm impacto negativo sobre o desenvolvimento da linguagem das crianças. Taylor et al. (2013Taylor, C. L., Christensen, D., Lawrence, D., Mitrou, F., & Zubrick, S. R. (2013). Risk factors for children’s receptive vocabulary development from four to eight years in the longitudinal study of Australian children. PLOS ONE, 8(9), 1-20. doi: 10.1371/journal.pone.0073046
https://doi.org/10.1371/journal.pone.007...
) investigaram o desenvolvimento do vocabulário receptivo de 4.332 crianças, entre os quatro e oito anos, em um estudo iniciado na Austrália em 2004 (Longitudinal Study of Australian Children), analisando 28 possíveis preditores infantis, maternos e familiares dessas trajetórias. Dentre os fatores de risco identificados, chegaram à conclusão reiterada pelo estudo de Korpilahti et al. (2016)Korpilahti, P., Kaljonen, A., & Jansson-Verkasalo, E. (2016). Identification of biological and environmental risk factors for language delay: The Let’s Talk STEPS study. Infant Behavior and Development, 42, 27-35., de que baixa escolaridade dos pais e baixo nível socioeconômico são fatores de risco para atrasos na linguagem. Os autores constataram, ainda, que o único fator relacionado à menor taxa de crescimento do vocabulário dos quatro aos oito anos foi a desvantagem da área socioeconômica. Aos oito anos de idade, havia uma lacuna entre os vocabulários das crianças com e sem desvantagens socioeconômicas equivalente a oito meses de crescimento do vocabulário receptivo.

Contrariando os dados de Korpilahti et al. (2016Korpilahti, P., Kaljonen, A., & Jansson-Verkasalo, E. (2016). Identification of biological and environmental risk factors for language delay: The Let’s Talk STEPS study. Infant Behavior and Development, 42, 27-35.) e Taylor et al. (2013Taylor, C. L., Christensen, D., Lawrence, D., Mitrou, F., & Zubrick, S. R. (2013). Risk factors for children’s receptive vocabulary development from four to eight years in the longitudinal study of Australian children. PLOS ONE, 8(9), 1-20. doi: 10.1371/journal.pone.0073046
https://doi.org/10.1371/journal.pone.007...
), o estudo brasileiro, desenvolvido por Caldas et al. (2014Caldas, C. de S. O., Takano, O. A., Mello, P. R. B., Souza, S. C., & Zavala, A. A. Z. (2014). Desempenho nas habilidades da linguagem em crianças nascidas prematuras e com baixo peso e fatores associados. Audiology - Communication Research, 19(2), 158-166. doi: 10.1590/S2317-64312014000200010
https://doi.org/10.1590/S2317-6431201400...
), não encontrou relações significativas entre escolaridade dos pais, renda familiar e atrasos no desenvolvimento da linguagem. Segundo os próprios autores, uma possível explicação para a falta de relação com essas características socioeconômicas e de escolaridade é que a amostra estudada era bastante homogênea com relação a esses aspectos, impedindo que se analisasse a influência de diferentes níveis dessas variáveis sobre a linguagem.

Alguns estudos também apontaram que viver em uma mesma casa com quatro ou mais crianças pode ser um fator de risco para a problemática estudada (Short et al., 2017Short, K., Eadie, P., Descallar, J., & Kemp, L. (2017). Longitudinal vocabulary development in Australian urban aboriginal children: protective and risk factors. Child Care, Health and Development, 43(6), 906-917. doi: 10.1111/cch.12492
https://doi.org/10.1111/cch.12492...
; Taylor et al., 2013Taylor, C. L., Christensen, D., Lawrence, D., Mitrou, F., & Zubrick, S. R. (2013). Risk factors for children’s receptive vocabulary development from four to eight years in the longitudinal study of Australian children. PLOS ONE, 8(9), 1-20. doi: 10.1371/journal.pone.0073046
https://doi.org/10.1371/journal.pone.007...
). Uma possível explicação para essa influência é que, sendo as interações entre os pais e as crianças essenciais para o desenvolvimento da linguagem, em casas com muitas crianças essa interação é dividida. Vale ressaltar, entretanto, que um dos estudos verificou que as crianças que viviam com muitas outras em suas casas apresentaram rápido desenvolvimento no momento em que entraram na escola (e.g., Short et al., 2017Short, K., Eadie, P., Descallar, J., & Kemp, L. (2017). Longitudinal vocabulary development in Australian urban aboriginal children: protective and risk factors. Child Care, Health and Development, 43(6), 906-917. doi: 10.1111/cch.12492
https://doi.org/10.1111/cch.12492...
). Taylor et al. (2013)Taylor, C. L., Christensen, D., Lawrence, D., Mitrou, F., & Zubrick, S. R. (2013). Risk factors for children’s receptive vocabulary development from four to eight years in the longitudinal study of Australian children. PLOS ONE, 8(9), 1-20. doi: 10.1371/journal.pone.0073046
https://doi.org/10.1371/journal.pone.007...
também identificaram que esse fator esteve associado ao atraso no desenvolvimento da linguagem apenas até os quatro anos, mas não esteve relacionado com a menor taxa de crescimento do vocabulário dos quatro aos oito anos.

Além das variáveis citadas, 'temperamento difícil' (McNally & Quigley, 2014McNally, S., & Quigley, J. (2014). An Irish cohort study of risk and protective factors for infant language development at 9 months. Infant and Child Development, 23(6), 634-649. doi: 10.1002/icd.1861
https://doi.org/10.1002/icd.1861...
; Taylor et al., 2013Taylor, C. L., Christensen, D., Lawrence, D., Mitrou, F., & Zubrick, S. R. (2013). Risk factors for children’s receptive vocabulary development from four to eight years in the longitudinal study of Australian children. PLOS ONE, 8(9), 1-20. doi: 10.1371/journal.pone.0073046
https://doi.org/10.1371/journal.pone.007...
) e 'histórico familiar de atraso na linguagem' também foram mencionados em algumas pesquisas (Colisson et al., 2016Collisson, B. A., Graham, S. A., Preston, J. L., Rose, M. S., McDonald, S., & Tough, S. (2016). Risk and protective factors for late talking: an epidemiologic investigation. The Journal of Pediatrics, 172, 168-174. doi: 10.1016/j.jpeds.2016.02.020
https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2016.02....
; Zambrana, Pons, Eadie, & Ystrom, 2014Zambrana, I. M., Pons, F., Eadie, P., & Ystrom, E. (2014). Trajectories of language delay from age 3 to 5: Persistence, recovery and late onset. International Journal of Language & Communication Disorders, 49(3), 304-316. doi: 10.1111/1460-6984.12073
https://doi.org/10.1111/1460-6984.12073...
). A variável 'temperamento difícil' não foi definida conceitualmente pelas pesquisas que a estudaram e não foram apresentadas hipóteses para a possível relação entre essa variável e atrasos na linguagem. Quanto à influência do histórico familiar, Zambrana et al. (2014)Zambrana, I. M., Pons, F., Eadie, P., & Ystrom, E. (2014). Trajectories of language delay from age 3 to 5: Persistence, recovery and late onset. International Journal of Language & Communication Disorders, 49(3), 304-316. doi: 10.1111/1460-6984.12073
https://doi.org/10.1111/1460-6984.12073...
analisaram se um modelo integrativo de fatores de risco poderia prever a ocorrência de trajetórias de atrasos na linguagem persistentes ou de início tardio dos três aos cinco anos. Esse estudo foi feito com base em uma pesquisa de coorte realizada na Noruega, com um total de 10.587 crianças. Constatou-se que 3% das crianças tinham atraso persistente na linguagem, 5% tiveram atraso passageiro e 6,5% apresentaram início tardio de atraso na linguagem. O modelo integrado de risco proposto pelos autores previu as três trajetórias de atraso da linguagem de diferentes formas. Dentre as constatações do estudo, foi verificado que a probabilidade de atraso persistente foi dobrada para os meninos e para crianças com baixa compreensão da linguagem com um ano e meio de idade, e foi triplicada com o risco familiar de fala tardia. A probabilidade de início tardio de atraso na linguagem foi aumentada, principalmente, por riscos familiares para escrita e dificuldades de leitura.

II) Fatores de risco dinâmicos

Nos estudos revisados, os principais fatores de risco que se enquadram nessa categoria estão relacionados ao contexto familiar da criança. Gurgel et al. (2014Gurgel, L. G., Vidor, D. C. G. M., Joly, M. C. R. A., & Reppold, C. T. (2014). Fatores de risco para o desenvolvimento adequado da linguagem oral em crianças: Uma revisão sistemática da literatura. CoDAS, 26(5), 350-356. doi: 10.1590/2317-1782/20142014070
https://doi.org/10.1590/2317-1782/201420...
) desenvolveram uma pesquisa com o objetivo de revisar sistematicamente ensaios clínicos controlados randomizados que estudaram fatores de risco para o desenvolvimento adequado da linguagem em crianças. Foram selecionados nove artigos que atendiam aos critérios de seleção, nos quais o principal fator de risco mencionado foi a dinâmica familiar. Outros fatores bastante citados foram a interação com os pais e a estimulação da criança nos primeiros anos de vida, e o ambiente social imediato. Esses aspectos familiares foram identificados como fundamentais, de modo que os autores, embora também tenham constatado, como em outros estudos, que nascer pré-termo pode interferir negativamente no desenvolvimento da linguagem, enfatizam que a idade gestacional por si só não necessariamente prejudica o desenvolvimento da linguagem, sendo que a interação com fatores familiares deve ser considerada.

Em concordância com os dados de Gurgel et al. (2014Gurgel, L. G., Vidor, D. C. G. M., Joly, M. C. R. A., & Reppold, C. T. (2014). Fatores de risco para o desenvolvimento adequado da linguagem oral em crianças: Uma revisão sistemática da literatura. CoDAS, 26(5), 350-356. doi: 10.1590/2317-1782/20142014070
https://doi.org/10.1590/2317-1782/201420...
), nos trabalhos de McNally e Quigley (2014McNally, S., & Quigley, J. (2014). An Irish cohort study of risk and protective factors for infant language development at 9 months. Infant and Child Development, 23(6), 634-649. doi: 10.1002/icd.1861
https://doi.org/10.1002/icd.1861...
), as crianças avaliadas tinham maior probabilidade de ter mau desempenho na comunicação aos nove meses se houvesse, dentre outros fatores, pouca frequência de comunicação entre a mãe e o filho. Os autores analisaram a quantidade de estímulos linguísticos que as crianças recebiam, por meio de uma pergunta feita à mãe, e verificaram que, quanto menos frequente era essa comunicação, mais a linguagem da criança era prejudicada. Nessa mesma direção, Taylor et al. (2013Taylor, C. L., Christensen, D., Lawrence, D., Mitrou, F., & Zubrick, S. R. (2013). Risk factors for children’s receptive vocabulary development from four to eight years in the longitudinal study of Australian children. PLOS ONE, 8(9), 1-20. doi: 10.1371/journal.pone.0073046
https://doi.org/10.1371/journal.pone.007...
) apontaram que a criança não ter quem faça leituras para ela em casa aumenta a probabilidade de atrasos no vocabulário receptivo aos quatro anos.

Um fator sugerido pela literatura como potencial causador de prejuízos nas relações estabelecidas entre a mãe e a criança é a saúde mental da mãe. Cycyk, Bitetti e Hammer (2015Cycyk, L. M., Bitetti, D., & Hammer, C. S. (2015). Maternal depressive symptomatology, social support, and language development of bilingual preschoolers from low-income households. American Journal of Speech-Language Pathology, 24(3), 411-425. doi: 10.1044/2015_AJSLP-14-0038
https://doi.org/10.1044/2015_AJSLP-14-00...
) desenvolveram uma pesquisa, da qual participaram 83 mães porto-riquenhas e seus filhos, com idade média de três anos e sete meses. O crescimento do vocabulário receptivo na linguagem primária dessas crianças (espanhol) foi afetado pela sintomatologia depressiva das mães; entretanto, de modo geral, o efeito ao longo do tempo foi mínimo. Os autores argumentam que é mais provável a existência de um efeito sobre a linguagem das crianças caso ocorra a sobreposição da sintomatologia depressiva da mãe com outros fatores de risco. O estudo não verificou influência dos fatores estudados sobre o inglês, o que pode estar relacionado a outras variáveis não avaliadas pelos pesquisadores, como o fato de as crianças aprenderem inglês no programa Head Start do qual participavam, e não utilizarem esse idioma para se comunicar em casa. A compreensão oral das crianças também não foi afetada pela sintomatologia das mães. Adicionalmente, não houve relação significativa entre o desempenho das crianças e o suporte social recebido pelas mães.

A validade dos fatores de risco, citados na literatura como associados a atrasos no desenvolvimento da linguagem, é questionada por Wilson et al. (2013Wilson, P., McQuaige, F., Thompson, L., & McConnachie, A. (2013). Language delay is not predictable from available risk factors. The Scientific World Journal, 1-8. doi: 10.1155/2013/947018
https://doi.org/10.1155/2013/947018...
). Os autores conduziram um estudo com uma amostra de 315 crianças, com o objetivo de testar a afirmação de que fatores de risco conhecidos poderiam ser utilizados por enfermeiras que cuidam da saúde das crianças para prever atrasos na linguagem. O estudo concluiu sobre a impossibilidade de se identificar atrasos da linguagem em crianças de 30 meses, com alguma acurácia, a partir de fatores de risco pré-existentes.

III) Fatores de proteção

As pesquisas incluídas na revisão mencionam dois fatores de proteção para atrasos no desenvolvimento da linguagem que dizem respeito a recursos pessoais da criança: ter habilidades não verbais cognitivas no início da infância (Short et al., 2017Short, K., Eadie, P., Descallar, J., & Kemp, L. (2017). Longitudinal vocabulary development in Australian urban aboriginal children: protective and risk factors. Child Care, Health and Development, 43(6), 906-917. doi: 10.1111/cch.12492
https://doi.org/10.1111/cch.12492...
) e temperamento sociável (Gurgel et al., 2014Gurgel, L. G., Vidor, D. C. G. M., Joly, M. C. R. A., & Reppold, C. T. (2014). Fatores de risco para o desenvolvimento adequado da linguagem oral em crianças: Uma revisão sistemática da literatura. CoDAS, 26(5), 350-356. doi: 10.1590/2317-1782/20142014070
https://doi.org/10.1590/2317-1782/201420...
). Os demais fatores de proteção dizem respeito, sobretudo, ao suporte social oferecido à criança.

Madigan et al. (2015Madigan, S., Wade, M., Plamondon, A., Browne, D., & Jenkins, J. M. (2015). Birth weight variability and language development: Risk, resilience, and responsive parenting. Journal of Pediatric Psychology, 40(9), 869-877. doi: 10.1093/jpepsy/jsv056
https://doi.org/10.1093/jpepsy/jsv056...
) reconhecem que algumas regiões cerebrais podem ser particularmente vulneráveis a fatores perinatais, como o peso ao nascer. A despeito disso, os autores ressaltam que pesquisas têm apontado que um cuidado responsivo por parte dos pais pode moderar os efeitos dos fatores biológicos sobre o desenvolvimento de seus filhos. Os autores realizaram um estudo com mulheres multíparas que deram à luz a crianças em Toronto e Hamilton, no Canadá, entre os anos de 2006 e 2008. Inicialmente, 501 mães e seus filhos haviam se voluntariado, mas com a seleção a partir dos critérios mencionados, a amostra foi reduzida para 467. O seguimento foi realizado quando as crianças eram recém-nascidas (Time 1 - T1) e, na sequência, aos 18 meses (Time 2 - T2) e três anos (Time 3 - T3).

Foi encontrada correlação entre peso ao nascer e linguagem receptiva aos 36 meses, mas também foi identificada associação entre responsividade materna no T2 e linguagem das crianças no T2 e T3. Os autores constataram que o efeito do peso ao nascer sobre a linguagem receptiva aos três anos era contingente ao nível de responsividade dos pais. Desse modo, o estudo não encontrou correlação entre peso ao nascer e linguagem no T3 para crianças que receberam altos níveis de responsividade materna. A despeito desse dado se referir a crianças com variações no peso normal ao nascer, os autores ressaltaram que associações encontradas entre o peso ao nascer e responsividade materna sugerem que crianças em situação de risco biológico, que apresentam baixo peso ao nascer, podem alcançar níveis tão altos de desenvolvimento da linguagem quanto crianças que nascem com peso normal, caso elas sejam expostas a altos níveis de responsividade dos pais (Madigan et al., 2015Madigan, S., Wade, M., Plamondon, A., Browne, D., & Jenkins, J. M. (2015). Birth weight variability and language development: Risk, resilience, and responsive parenting. Journal of Pediatric Psychology, 40(9), 869-877. doi: 10.1093/jpepsy/jsv056
https://doi.org/10.1093/jpepsy/jsv056...
).

Em outra pesquisa (McNally & Quigley, 2014McNally, S., & Quigley, J. (2014). An Irish cohort study of risk and protective factors for infant language development at 9 months. Infant and Child Development, 23(6), 634-649. doi: 10.1002/icd.1861
https://doi.org/10.1002/icd.1861...
), alguns fatores relacionados ao suporte familiar foram associados com maior probabilidade de que as crianças passassem nos testes de linguagem aos nove meses. Essas variáveis se referiam a um contexto familiar que fomentasse a atenção e a interação da criança, o que incluiu ser filho único, ser cuidado e ter um cuidador que conversasse com frequência com a criança.

Collison et al. (2016)Collisson, B. A., Graham, S. A., Preston, J. L., Rose, M. S., McDonald, S., & Tough, S. (2016). Risk and protective factors for late talking: an epidemiologic investigation. The Journal of Pediatrics, 172, 168-174. doi: 10.1016/j.jpeds.2016.02.020
https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2016.02....
conduziram uma pesquisa que se baseou em um estudo prospectivo, de coorte, em uma comunidade em Calgary, no Canadá. Participaram do estudo 1.023 mães e seus filhos pequenos. Foram identificados como fatores de proteção para atrasos na linguagem: ler livros com as crianças diariamente, oferecer oportunidades de brincadeiras informais e ter como cuidado primário centros de cuidado para crianças (child care centers), como creches. Os autores consideraram que esses fatores de proteção são aspectos do ambiente passíveis de intervenção, destacando que a exposição da criança a estímulos à linguagem é essencial para a aprendizagem de vocabulário.

Outros fatores de proteção mencionados relacionam-se a características dos pais, como nível de escolaridade (Short et al., 2017Short, K., Eadie, P., Descallar, J., & Kemp, L. (2017). Longitudinal vocabulary development in Australian urban aboriginal children: protective and risk factors. Child Care, Health and Development, 43(6), 906-917. doi: 10.1111/cch.12492
https://doi.org/10.1111/cch.12492...
; Zerbeto et al., 2014Zerbeto, A. B., Cortelo, F. M., & Carvalho Filho, E. B. C. (2014). Associação entre idade gestacional e peso ao nascimento no desenvolvimento linguístico de crianças brasileiras: revisão sistemática. Jornal de Pediatria, 91, 326-332. doi: 10.1016/j.jped.2014.11.003
https://doi.org/10.1016/j.jped.2014.11.0...
), boa saúde mental materna (Gurgel et al., 2014Gurgel, L. G., Vidor, D. C. G. M., Joly, M. C. R. A., & Reppold, C. T. (2014). Fatores de risco para o desenvolvimento adequado da linguagem oral em crianças: Uma revisão sistemática da literatura. CoDAS, 26(5), 350-356. doi: 10.1590/2317-1782/20142014070
https://doi.org/10.1590/2317-1782/201420...
) e nível socioeconômico mais alto (Zerbeto et al., 2014)Zerbeto, A. B., Cortelo, F. M., & Carvalho Filho, E. B. C. (2014). Associação entre idade gestacional e peso ao nascimento no desenvolvimento linguístico de crianças brasileiras: revisão sistemática. Jornal de Pediatria, 91, 326-332. doi: 10.1016/j.jped.2014.11.003
https://doi.org/10.1016/j.jped.2014.11.0...
. Todos esses fatores foram apresentados pelas pesquisas como sendo condições que favorecem interação de qualidade entre os pais e seus filhos. Short et al. (2017), por exemplo, destacam que um fator de proteção para atrasos no desenvolvimento do vocabulário aos três anos foi a mãe ter um nível educacional mais alto. A hipótese dos autores sobre esse fator é que ele está relacionado à própria habilidade linguística da mãe, supondo que quanto maior o nível educacional, mais capaz ela seria de utilizar diferentes palavras e estruturas de linguagem.

Discussão

A apresentação dos fatores como variáveis separadas é apenas didática, uma vez que não existe um agente causador da problemática, mas múltiplos fatores que se relacionam e interagem entre si. Nessa perspectiva, os padrões de saúde e de doença, ou melhor, de desenvolvimento saudável e de disfuncionalidade, podem ser explicados por uma complexa relação entre fatores de risco e fatores de proteção (Sapienza & Pedromônico, 2005Sapienza, G., & Pedromônico, M. R. M. (2005). Risco, proteção e resiliência no desenvolvimento da criança e do adolescente. Psicologia em Estudo, 10(2), 209-216. doi: 10.1590/S1413-73722005000200007
https://doi.org/10.1590/S1413-7372200500...
). O estudo sobre o desenvolvimento de determinada problemática deve, por isso, perpassar os diferentes fatores envolvidos, assim como a maneira pela qual eles se relacionam.

Na revisão de literatura, a busca por fatores de risco e fatores de proteção associados a atrasos no desenvolvimento da linguagem resultou em uma preponderância de estudos sobre fatores de risco. Dentre esses, nota-se maior referência a fatores de risco estáticos, em comparação a fatores dinâmicos. Uma possível explicação para essa discrepância é que existe maior facilidade em aferir os fatores estáticos. Isso se refere, dentre outros aspectos, ao método para obtenção dos dados. Nos próprios estudos revisados (e.g. Caldas et al., 2014Caldas, C. de S. O., Takano, O. A., Mello, P. R. B., Souza, S. C., & Zavala, A. A. Z. (2014). Desempenho nas habilidades da linguagem em crianças nascidas prematuras e com baixo peso e fatores associados. Audiology - Communication Research, 19(2), 158-166. doi: 10.1590/S2317-64312014000200010
https://doi.org/10.1590/S2317-6431201400...
; McNally & Quigley, 2014McNally, S., & Quigley, J. (2014). An Irish cohort study of risk and protective factors for infant language development at 9 months. Infant and Child Development, 23(6), 634-649. doi: 10.1002/icd.1861
https://doi.org/10.1002/icd.1861...
; Short et al., 2017Short, K., Eadie, P., Descallar, J., & Kemp, L. (2017). Longitudinal vocabulary development in Australian urban aboriginal children: protective and risk factors. Child Care, Health and Development, 43(6), 906-917. doi: 10.1111/cch.12492
https://doi.org/10.1111/cch.12492...
), as informações sobre variáveis como gênero, nível de escolaridade dos pais, o trabalho do pai e o peso ao nascer foram obtidas por meio de entrevistas iniciais com os pais, que frequentemente demandavam apenas um encontro. Elas têm uma característica de relativa constância ao longo do tempo, no sentido de que são pouco suscetíveis a mudanças a partir de alterações ambientais, o que facilita o estabelecimento de correlações com o desenvolvimento da criança. Talvez essas variáveis devam ser melhor consideradas como 'indicadores' de risco, uma vez que, isoladamente, informam pouco sobre o motivo pelo qual influenciam negativamente o desenvolvimento da linguagem (os mecanismos pelos quais impactam o desenvolvimento).

Os fatores de risco dinâmicos têm a característica de serem mais maleáveis e, como tais, são bastante suscetíveis a mudanças ambientais. Por essa inconstância, é provável que para aferi-los não baste apenas um encontro, como pode ser verificado no estudo que realizou um acompanhamento temporal da saúde mental materna (e.g. Cycyk et al., 2015Cycyk, L. M., Bitetti, D., & Hammer, C. S. (2015). Maternal depressive symptomatology, social support, and language development of bilingual preschoolers from low-income households. American Journal of Speech-Language Pathology, 24(3), 411-425. doi: 10.1044/2015_AJSLP-14-0038
https://doi.org/10.1044/2015_AJSLP-14-00...
). Nessa mesma direção, os fatores de proteção identificados nos estudos como sendo associados ao desenvolvimento da linguagem se referem, sobretudo, ao suporte social oferecido às crianças, também suscetível às mudanças que ocorrem no ambiente onde a criança está inserida. A exemplo disso, conforme Cycyk et al. (2015) verificaram, eventuais problemas com a saúde mental da mãe podem desestabilizar a relação estabelecida com o filho.

Embora os trabalhos revisados tenham identificado fatores associados a atrasos da linguagem que poderiam ser úteis para prevenir a ocorrência dessa problemática, um dos trabalhos questionou a validade desses fatores para prevenção (e.g., Wilson et al., 2013Wilson, P., McQuaige, F., Thompson, L., & McConnachie, A. (2013). Language delay is not predictable from available risk factors. The Scientific World Journal, 1-8. doi: 10.1155/2013/947018
https://doi.org/10.1155/2013/947018...
). Os resultados encontrados no estudo de Wilson et al. (2013)Wilson, P., McQuaige, F., Thompson, L., & McConnachie, A. (2013). Language delay is not predictable from available risk factors. The Scientific World Journal, 1-8. doi: 10.1155/2013/947018
https://doi.org/10.1155/2013/947018...
, no entanto, precisam ser ponderados. Duas lacunas podem ser identificadas nesse trabalho, sendo uma delas conceitual e outra metodológica. Quanto ao aspecto conceitual, a argumentação dos autores parece se pautar em uma concepção inadequada sobre 'fator de risco', compreendendo-o como algo definitivo e causal para o desenvolvimento do sujeito, desconsiderando a interação com outros fatores, como os de proteção. Com isso, os autores desprezam o caráter probabilístico inerente ao conceito 'fator de risco' (e.g., Sapienza & Pedromônico, 2005Sapienza, G., & Pedromônico, M. R. M. (2005). Risco, proteção e resiliência no desenvolvimento da criança e do adolescente. Psicologia em Estudo, 10(2), 209-216. doi: 10.1590/S1413-73722005000200007
https://doi.org/10.1590/S1413-7372200500...
).

Quanto ao aspecto metodológico, a medida de desenvolvimento utilizada por Wilson et al. (2013Wilson, P., McQuaige, F., Thompson, L., & McConnachie, A. (2013). Language delay is not predictable from available risk factors. The Scientific World Journal, 1-8. doi: 10.1155/2013/947018
https://doi.org/10.1155/2013/947018...
) foi indireta e não padronizada, realizada a partir de duas questões feitas aos pais, o que pode ser considerado um viés. Medidas indiretas do vocabulário também foram empregadas em metade dos estudos revisados que utilizavam modelos epidemiológicos (e.g., Colisson et al., 2016Collisson, B. A., Graham, S. A., Preston, J. L., Rose, M. S., McDonald, S., & Tough, S. (2016). Risk and protective factors for late talking: an epidemiologic investigation. The Journal of Pediatrics, 172, 168-174. doi: 10.1016/j.jpeds.2016.02.020
https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2016.02....
; McNally & Quigley, 2014McNally, S., & Quigley, J. (2014). An Irish cohort study of risk and protective factors for infant language development at 9 months. Infant and Child Development, 23(6), 634-649. doi: 10.1002/icd.1861
https://doi.org/10.1002/icd.1861...
; Korpilahti et al., 2016Korpilahti, P., Kaljonen, A., & Jansson-Verkasalo, E. (2016). Identification of biological and environmental risk factors for language delay: The Let’s Talk STEPS study. Infant Behavior and Development, 42, 27-35.). É preciso ponderar que métodos de avaliação do vocabulário que se baseiam no relato do cuidador têm limitações, uma vez que a avaliação da qualidade do vocabulário da criança dependerá de fatores como a memória e o valor que o cuidador atribui a algumas palavras que a criança pronuncia (Schmidt, Costa, Norberto, & Voss, 2014Schmidt, A., Costa, A. R. A., Norberto, M. C., & Voss, A. (2014). Ocorrência de classes gramaticais na fala espontânea de crianças de 18 a 41 meses com pares. Psicologia: Reflexão e Crítica, 27(3), 573-581. doi: 10.1590/1678-7153.201427319.
https://doi.org/10.1590/1678-7153.201427...
). Nesse sentido, os resultados da avaliação podem não ser representativos das habilidades linguísticas das crianças.

De todo modo, os estudos revisados, em conjunto, oferecem importantes pistas sobre aspectos que podem ser considerados em pesquisas futuras, com delineamentos mais sofisticados, visando testar a validade dos fatores de risco e proteção identificados. Nessa perspectiva, pesquisas de intervenção podem aportar esse tipo de dado e avançar na oferta de informações, o que importa em programas visando à prevenção de problemas relacionados a atrasos no desenvolvimento da linguagem.

Considerações finais

A aprendizagem da linguagem oral é parte imprescindível do desenvolvimento humano, como reiterado pelos trabalhos mencionados ao longo do presente estudo. Intervenções que objetivam prevenir eventuais atrasos na linguagem demandam pesquisas que informem quais fatores estão associados a tal problemática. A revisão desenvolvida aponta, entretanto, que não existe apenas um único fator capaz de produzir atrasos na linguagem, mas inúmeras variáveis, que se relacionam de maneiras complexas e ainda pouco conhecidas.

Identificar os fatores associados à problemática não garante, contudo, que futuras intervenções sejam capazes de manipulá-los. Conforme identificado na revisão de literatura, existem variáveis passíveis de serem alteradas, como é o caso dos fatores de risco dinâmicos e de alguns fatores de proteção, enquanto outras permanecem estáticas. A despeito disso, existe maior número de pesquisas que lidam com fatores de risco estáticos, associados a atrasos na linguagem oral.

As questões discutidas apontam lacunas existentes na literatura sobre fatores de risco e de proteção para atrasos na linguagem. Sugere-se, portanto, que pesquisas futuras investiguem mais fatores de risco dinâmicos e fatores de proteção sobre a problemática. Além de identificar, é importante também compreender melhor como esses fatores se relacionam, tanto entre eles quanto com os fatores de risco estáticos, para culminar em atrasos na linguagem. Ao estudar essas questões, os pesquisadores precisam ponderar o método de medida do vocabulário das crianças, reconhecendo possíveis limitações atreladas a medidas indiretas da linguagem.

Referências

  • Araújo, M. V. M., Marteleto, M. R. F., & Schoen-Ferreira, T. H. (2010). Avaliação do vocabulário receptivo de crianças pré-escolares. Estudos de Psicologia (Campinas), 27(2), 169-176. doi: 10.1590/S0103-166X2010000200004
    » https://doi.org/10.1590/S0103-166X2010000200004
  • Caldas, C. de S. O., Takano, O. A., Mello, P. R. B., Souza, S. C., & Zavala, A. A. Z. (2014). Desempenho nas habilidades da linguagem em crianças nascidas prematuras e com baixo peso e fatores associados. Audiology - Communication Research, 19(2), 158-166. doi: 10.1590/S2317-64312014000200010
    » https://doi.org/10.1590/S2317-64312014000200010
  • Collisson, B. A., Graham, S. A., Preston, J. L., Rose, M. S., McDonald, S., & Tough, S. (2016). Risk and protective factors for late talking: an epidemiologic investigation. The Journal of Pediatrics, 172, 168-174. doi: 10.1016/j.jpeds.2016.02.020
    » https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2016.02.020
  • Cycyk, L. M., Bitetti, D., & Hammer, C. S. (2015). Maternal depressive symptomatology, social support, and language development of bilingual preschoolers from low-income households. American Journal of Speech-Language Pathology, 24(3), 411-425. doi: 10.1044/2015_AJSLP-14-0038
    » https://doi.org/10.1044/2015_AJSLP-14-0038
  • Dib, M. A., Bazon, M. R., & Silva, J. L. da (2012). Família e conduta infracional na adolescência: Revisão sistemática da literatura. Perspectivas em Psicologia, 16(1), 142-159.
  • Everitt, A., Hannaford, P., & Conti-Ramsden, G. (2013). Markers for persistent specific expressive language delay in 3-4-year-olds. International Journal of Language & Communication Disorders, 48(5), 534-553. doi: 10.1111/1460-6984.12028
    » https://doi.org/10.1111/1460-6984.12028
  • Ferracini, F., Capovilla, A. G. S., Dias, N. M., & Capovilla, F. C. (2006). Avaliação de vocabulário expressivo e receptivo na educação infantil. Revista Psicopedagogia, 23(71), 124-133.
  • França, M. P., Wolf, C. L., Moojen, S., & Rotta, N. T. (2004). Aquisição da linguagem oral: Relação e risco para a linguagem escrita. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 62(2b), 469-472. doi: 10.1590/S0004-282X2004000300017
    » https://doi.org/10.1590/S0004-282X2004000300017
  • Gurgel, L. G., Vidor, D. C. G. M., Joly, M. C. R. A., & Reppold, C. T. (2014). Fatores de risco para o desenvolvimento adequado da linguagem oral em crianças: Uma revisão sistemática da literatura. CoDAS, 26(5), 350-356. doi: 10.1590/2317-1782/20142014070
    » https://doi.org/10.1590/2317-1782/20142014070
  • Hart, B., & Risley, T. R. (2000). Meaningful differences in the everyday experience of young American children Baltimore, MA: Paul H. Brookes Publishing Co.
  • Hindman, A. H., Wasik, B. A., & Snell, E. K. (2016). Closing the 30 million word gap: Next steps in designing research to inform practice. Child Development Perspectives, 10(2), 134-139. doi: 10.1111/cdep.12177
    » https://doi.org/10.1111/cdep.12177
  • Korpilahti, P., Kaljonen, A., & Jansson-Verkasalo, E. (2016). Identification of biological and environmental risk factors for language delay: The Let’s Talk STEPS study. Infant Behavior and Development, 42, 27-35.
  • Madigan, S., Wade, M., Plamondon, A., Browne, D., & Jenkins, J. M. (2015). Birth weight variability and language development: Risk, resilience, and responsive parenting. Journal of Pediatric Psychology, 40(9), 869-877. doi: 10.1093/jpepsy/jsv056
    » https://doi.org/10.1093/jpepsy/jsv056
  • McNally, S., & Quigley, J. (2014). An Irish cohort study of risk and protective factors for infant language development at 9 months. Infant and Child Development, 23(6), 634-649. doi: 10.1002/icd.1861
    » https://doi.org/10.1002/icd.1861
  • Mendes, K. D. S., Silveira, R. C. D. C. P., & Galvão, C. M. (2008). Revisão integrativa: Método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto & Contexto Enfermagem, 17(4), 758-764. doi: 10.1590/S0104-07072008000400018
    » https://doi.org/10.1590/S0104-07072008000400018
  • Oliveira, K. R. S., Braz-Aquino, F. de S., & Salomão, N. M. R. (2016). Desenvolvimento da linguagem na primeira infância e estilos linguísticos dos educadores. Avances em Psicología Latino Americana, 34(3), 457-472. doi: 10.12804/apl34.3.2016.02
    » https://doi.org/10.12804/apl34.3.2016.02
  • Sapienza, G., & Pedromônico, M. R. M. (2005). Risco, proteção e resiliência no desenvolvimento da criança e do adolescente. Psicologia em Estudo, 10(2), 209-216. doi: 10.1590/S1413-73722005000200007
    » https://doi.org/10.1590/S1413-73722005000200007
  • Schmidt, A., Costa, A. R. A., Norberto, M. C., & Voss, A. (2014). Ocorrência de classes gramaticais na fala espontânea de crianças de 18 a 41 meses com pares. Psicologia: Reflexão e Crítica, 27(3), 573-581. doi: 10.1590/1678-7153.201427319.
    » https://doi.org/10.1590/1678-7153.201427319
  • Schirmer, C. R., Fontoura, D. R., & Nunes, M. L. (2004). Distúrbios da aquisição da linguagem e da aprendizagem. Jornal de Pediatria, 80(2), 95-103. doi: 10.1590/S0021-75572004000300012
    » https://doi.org/10.1590/S0021-75572004000300012
  • Sheridan, S., & Gjems, L. (2017). Preschool as an arena for developing teacher knowledge concerning children’s language learning. Early Childhood Education Journal, 45(3), 347-357. doi: 10.1007/s10643-015-0756-8
    » https://doi.org/10.1007/s10643-015-0756-8
  • Short, K., Eadie, P., Descallar, J., & Kemp, L. (2017). Longitudinal vocabulary development in Australian urban aboriginal children: protective and risk factors. Child Care, Health and Development, 43(6), 906-917. doi: 10.1111/cch.12492
    » https://doi.org/10.1111/cch.12492
  • Soufre, L. A., & Rutter, M. (1984). The domain of developmental psychopathology. Child Development, 55(1), 17-29. doi:10.2307/1129832
    » https://doi.org/doi:10.2307/1129832
  • Taylor, C. L., Christensen, D., Lawrence, D., Mitrou, F., & Zubrick, S. R. (2013). Risk factors for children’s receptive vocabulary development from four to eight years in the longitudinal study of Australian children. PLOS ONE, 8(9), 1-20. doi: 10.1371/journal.pone.0073046
    » https://doi.org/10.1371/journal.pone.0073046
  • Wilson, P., McQuaige, F., Thompson, L., & McConnachie, A. (2013). Language delay is not predictable from available risk factors. The Scientific World Journal, 1-8. doi: 10.1155/2013/947018
    » https://doi.org/10.1155/2013/947018
  • Zambrana, I. M., Pons, F., Eadie, P., & Ystrom, E. (2014). Trajectories of language delay from age 3 to 5: Persistence, recovery and late onset. International Journal of Language & Communication Disorders, 49(3), 304-316. doi: 10.1111/1460-6984.12073
    » https://doi.org/10.1111/1460-6984.12073
  • Zerbeto, A. B., Cortelo, F. M., & Carvalho Filho, E. B. C. (2014). Associação entre idade gestacional e peso ao nascimento no desenvolvimento linguístico de crianças brasileiras: revisão sistemática. Jornal de Pediatria, 91, 326-332. doi: 10.1016/j.jped.2014.11.003
    » https://doi.org/10.1016/j.jped.2014.11.003
  • 1
    Apoio e financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), processo nº 2017/09636-6

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2018
  • Aceito
    14 Ago 2018
Universidade Estadual de Maringá Avenida Colombo, 5790, CEP: 87020-900, Maringá, PR - Brasil., Tel.: 55 (44) 3011-4502; 55 (44) 3224-9202 - Maringá - PR - Brazil
E-mail: revpsi@uem.br