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Agrupamentos, administração imagética e comicidade: o romance Herrn Kukas Empfehlungen de Radek Knapp

Groupings, imagetic management and comicality: Radek Knapp’s novel Herrn Kukas Empfehlungen

Resumo:

A formação de grupos ocorre com base no princípio de inclusão e exclusão. Para essa finalidade, é necessário estabelecer linhas demarcatórias que definem os critérios de participação. Assim, o trabalho de imaginação de grupos tem um papel fundamental na construção desses limites, especialmente fazendo uso de estereótipos e comicidade. Radek Knapp problematiza esse conjuntos de comportamentos em seu romance Herrn Kukas Empfehlungen e convida a refletir sobre as lógicas demarcatórias. Em seu romance, numa viagem da Polônia à Áustria, seu protagonista Waldemar começa a ser confrontado com as modalidades de formação de grupo, aprendendo, num processo paulatino, a enxergar como as práticas simbólicas impactam na realidade diegética e motivam ações e comportamentos. Desse embate emerge uma série de situações cômicas, produzindo crítica social e revisões de visão de mundo. Nesse horizonte, portanto, este artigo deseja discutir três agrupamentos presentes no romance: o grupo do ocidente, o grupo dominante e o grupo de origem. O elemento que perpassa a caracterização dos três agrupamentos é o riso.

Palavras-chave:
Radek Knapp; Herrn Kukas Empfehlungen; agrupamentos; comicidade

Abstract:

The formation of groups takes place following the principle of inclusion and exclusion. For this purpose, it is necessary to establish demarcation lines that define the participation criteria. Thus, the effort of group imagination has a fundamental role in the construction of these boundaries, especially making use of stereotypes and comicality. Radek Knapp problematizes these sets of behaviours in his novel Herrn Kukas Empfehlungen and invites us to reflect on demarcation logics. In his novel, the protagonist Waldemar, on a trip from Poland to Austria, begins to be confronted with the modalities of group formation, learning, in a gradual process, to see how symbolic practices impact on the diegetic reality and motivate actions and behaviours. From this clash, a series of comic situations emerges, producing social criticism and revisions of world views. With this in mind, this article discusses three kinds of groups present in the novel: the group of the West, the dominant group and the group of origin. The element that can be identified in the characterization of the three groupings is the presence of laughter.

Key-words:
Radek Knapp; Herrn Kukas Empfehlungen; groupings; comicality

1 Introdução

O ponto de partida para a gestão de grupos é o princípio de inclusão e exclusão. Por meio das mais diversas formas de agrupamento, ocorre um esforço de organização da realidade e, com isso, do espaço social onde o indivíduo transita. No momento do nascimento, todo indivíduo é automaticamente inserido numa infinidade de narrativas que organizam agrupamentos e formas de pertencimento. Em outras palavras, o ser que vem ao mundo é posicionado nas intersecções de sua realidade social. Isso começa pela definição de gênero, mas inclui igualmente pertencimento nacional, racial, linguístico, de classe e assim por diante. Cada um desses vetores contém suas regras próprias de formação de grupo, definindo as condições que permitem a inclusão ou que desencadeiam a exclusão.

Esse conjunto de condições está associado àquilo que Benedict Anderson chama de comunidades imaginadas ( Anderson 2008ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas. Reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. Tradução: Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.). Em sua análise, sua atenção se volta para o trabalho de imaginação de nação, identificando as modalidades de organização das narrativas de pertencimento nacional. Para Anderson ( 2008ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas. Reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. Tradução: Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.: 33), “as comunidades se distinguem não por sua falsidade/autenticidade, mas pelo estilo em que são imaginadas”. Ou seja, o ponto de partida para o surgimento de agrupamentos é modo como sua narrativa está organizada. Para assegurar sua estabilidade, essa narrativa precisa identificar, no caso da nação, um espaço geográfico, com sua cartografia imaginária, elos de identificação, mitos ou acontecimentos históricos que permitam imaginar uma genealogia.

A qualidade retórica dessa narrativa vai definir a mobilização de energia física, cognitiva e afetiva dos membros do grupo e a subsequente execução da proposta de realidade daqueles que a imaginam. Essa mesma retórica define como hostilidade ou empatia, inclusão ou exclusão, flexibilidade ou rigidez são empregadas para a manutenção dessa imagem. Para Schwarcz ( 2008SCHWARCZ, Lilia Moritz. Imaginar é difícil (porém necessário). In: ANDERSON Benedict. Comunidades imaginadas. Reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo . Tradução: Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 9 17.: 16), “nações são imaginadas, mas não é fácil imaginar. Não se imagina no vazio e com base em nada. Os símbolos são eficientes quando se afirmam no interior de uma lógica comunitária afetiva de sentidos”. Isso vale para a imaginação da nação, mas se estende igualmente para outras formatações de grupo, em que atores sociais passam a interagir com redes simbólicas e a processar as dimensões afetivas que motivam sua produção. Independentemente do grupo, surgem tessituras que passam a impactar no conjunto de ações e comportamentos que norteiam a concretização existencial.

Uma estratégia de organização dessas tessituras simbólicas reside em traçar limites na cartografia social. Da mesma forma como o mapeamento nacional contém um esforço de imaginação das fronteiras, os limites sociais são imaginados, instaurando as coordenadas pelas quais atores sociais podem circular. De acordo com Lamont e Molnár ( 2002LAMONT Michèle; MOLNÁR Virág. The Study of Boundaries in the Social Sciences. Annual Review of Sociology , v. 28, p. 167 95 , 2002: 168):

Limites simbólicos são distinções conceituais feitas por atores sociais para categorizar objetos, pessoas, práticas e até mesmo tempo e espaço. São ferramentas pelas quais os indivíduos e grupos lutam e chegam a um acordo sobre as definições da realidade. Examiná-los nos permite capturar as dimensões dinâmicas das relações sociais, à medida que grupos competem na produção, difusão e institucionalização de sistemas alternativos e princípios de classificação ( lamont/molnar 2002LAMONT Michèle; MOLNÁR Virág. The Study of Boundaries in the Social Sciences. Annual Review of Sociology , v. 28, p. 167 95 , 2002: 168) 2 2 “Symbolic boundaries are conceptual distinctions made by social actors to categorize objects, people, practices, and even time and space. They are tools by which individuals and groups struggle over and come to agree upon definitions of reality. Examining them allows us to capture the dynamic dimensions of social relations, as groups compete in the production, diffusion, and institutionalization of alternative systems and principles of classifications” ( lamont/molnar 2002: 168). Todas as traduções são de responsabilidade do autor deste artigo. .

Atrelado ao processo de interação social, há um constante movimento de categorização que busca ordenar a realidade. Por meio dessa ordenação, indivíduos são posicionados e classificados em consonância com as narrativas sociais que circulam no espaço em que ocorre essa negociação de sentidos. Dessa tessitura simbólica provém o tecido social, produzindo uma narrativa que estabelece crivos de percepção e apropriação de realidade. O percurso de socialização, portanto, compreende a transmissão e manutenção dessas categorias. A manutenção obviamente é foco de contestação, pois inclui dinâmicas de distribuição de recursos, chances de participação e obtenção de voz. Nesse horizonte, o indivíduo aprende a enxergar o mundo, de acordo com as malhas simbólicas instauradas no espaço de sua existência sociocultural.

O treinamento do olhar, por meio da socialização, produz o que David Palumbo-Liu ( 2000PALUMBO LIU D avid. Assumed Identities. New Literary History , v. 31, n. 4, p. 765 780 2000 .) chama de “identidades presumidas”. Ao discutir a dinâmica de interação enfrentada por atores sociais que não se enquadram na imagem dominante, ele identifica que, em grande parte, essa interação é pautada por identidades presumidas, de modo que se adota um conjunto de imagens e cartografias sociais, sem realmente conceder uma chance ao outro para que este possa expor o si. Palumbo-Liu escreve:

Essa propensão é transmitida no que podemos chamar de narrativa presumida de identidade – ela coloca em prática (tanto quanto pode ensaiar e reiterar) narrativas extrassituacionais que se supõem serem as disposições inerentes e os comportamentos prováveis ​​dos identificados. Ao fazer isso, ela apaga a distinção entre indivíduo e grupo, entre identidade e papel social. Mais uma vez, a "essência" individual se torna indistinguível de tipo social; presume-se que o comportamento do indivíduo é comensurável ao comportamento do grupo ( palumbo-liu 2000PALUMBO LIU D avid. Assumed Identities. New Literary History , v. 31, n. 4, p. 765 780 2000 .: 774) 3 3 “This propensity is conveyed in what we may call the assumptive narrative of identity – it puts into place (as much as it may rehearse and reiterate) extrasituational narratives that are assumed to be the inherent dispositions and likely behaviors of those identified. In so doing, it erases the distinction between individual and group, between identity and social role. Once again, individual”essence” is made indistinguishable from social type; the behavior of the individual is assumed to be commensurate with the behavior of the group” ( Plumbo-liu 2000: 774). .

Assim que atores sociais revelam um indício de não pertencimento ao grupo dominante, por exemplo por meio de características étnicas, raciais, de classe, de sexualidade ou também de sotaque, o percurso da interação tende a tomar outro rumo. No lugar da abertura para o outro e suas intenções de negociação identitária, ocorre a recuperação de uma narrativa já instaurada que caracteriza o outro como pertencente a determinado agrupamento. Isto é, o interlocutor recupera as categorizações herdadas de sua socialização e as emprega como instrumento simbólico para posicionar aquele que identifica como não pertencente a seu grupo.

Nesse cenário, há dois movimentos que se destacam. Se o interlocutor pertencer ao mesmo grupo, o crivo de percepção se esforça em reconhecer semelhanças, reconstruir genealogias compartilhadas ou fazer ofertas simbólicas de solidariedade. Se o interlocutor não pertencer ao mesmo grupo, o crivo de percepção tende a buscar diferenças, estabilizar as fronteiras simbólicas e reforçar as categorias de hierarquização que pautam o comportamento do grupo de origem. No lugar do diálogo, o esforço cognitivo e afetivo se enfeixa para garantir a manutenção das redes simbólicas, com seus limites bem delineados, revelando uma estratégia de comportamento frente às narrativas sociais que busca estabilizar uma essência identitária ( woodward 2014WOODWARD , Kathryn. Identidade e diferen ça: uma introdução. In: SILVA , T. S.S.; HALL , S.S.; WOODWARD , K. (Org.). Identidade e diferença. A perspectiva dos Estudos Culturais . Traduções de Tomaz Tadeu da Silva. Rio de Janeiro: Vozes, 2014, p. 7 73.: 13). Com isso, o olhar está treinado para enxergar as imagens de grupo, não o indivíduo cuja identidade se revela no ato de interação.

Um modo de treinar o olhar para enxergar o mundo a partir desse crivo se dá por meio do cultivo de estereótipos. Na definição de Yzerbyt, Rocher e Schadron ( 1997YZERBYT , Vincent; ROCHER , Steve; SCHADRON , Georges. Stereotypes as explanations: A subjective essentialistic view of group perception. In: SPEARS , Russell; OAKES , Penelope; ELLEMERS , Naomi; HASLAM , S. Alexander (eds.). The psychology of stereotyping and group life . London: Basil Blackwell, 1997, p. 20 50.: 20-23), estereótipos são crenças compartilhadas sobre atributos pessoais e comportamentais de grupos. Para que essas crenças se instaurem e possam ser utilizadas como instrumentados de percepção, a organização das malhas simbólicas precisa passar por um processo de essencialização, elidindo as diferenças, a fim de estabilizar a imagem. Ainda seguindo a discussão de Yzerbyt et al., estereótipos remetem a categorizações que criam essências a partir de semelhanças, fornecendo um crivo de explicação e instrumentos de racionalização para acessar a realidade. Nesse sentido, estereótipos representam uma estratégia de administração narrativa que se insere na prática de identidades presumidas.

Estereótipos também representam um instrumento recorrente na produção de comicidade. Por meio da fixação em algumas características presumidas, a produção do riso ocorre por meio da ênfase desses elementos, utilizando-os como formas de caracterização de determinado grupo social. Nesse movimento, a cartografia social é condensada, facilitando sua adoção como crivo de percepção:

As piadas étnicas delineiam as fronteiras sociais, geográficas e morais de uma nação ou grupo étnico. Ao zombar de grupos periféricos e ambíguos, elas reduzem a ambiguidade e esclarecem os limites ou, pelo menos, fazem a ambiguidade parecer menos ameaçadora. Piadas étnicas ocorrem em pares opostos, como aqueles que zombam de grupos "estúpidos" e "astutos" ou "covardes" e "militaristas", respectivamente, e expressam os problemas e ansiedades causados ​​pelas normas e valores conflitantes inevitavelmente encontrados em grandes sociedades dominadas por instituições impessoais anômicas como o mercado e a burocracia ( davies 1982DAVIES Christie. Ethnic jokes, moral values and social boundaries. The British Journal of Sociology , v. 33, n. 3, p. 383 403 , 1982 .: 383) 4 4 “Ethnic jokes delineate the social, geographical and moral boundaries of a nation or ethnic group. By making fun of peripheral and ambiguous groups they reduce ambiguity and clarify boundaries or at least make ambiguity appear less threatening. Ethnic jokes occur in opposed pairs such as those mocking ‘stupid’ and ‘crafty’, or ‘cowardly’ and ‘militaristic’ groups respectively and express the problems and anxieties caused by the conflicting norms and values inevitably found in large societies dominated by anomic impersonal institutions such as the market place and bureaucracy” ( Davies 1982: 383). .

A estratégia central nessa forma de produção de comicidade tem seu ponto de partida na redução de ambiguidade, ao menos no que diz respeito à imaginação de grupo. Assim, a definição do escopo semântico que descreve membros de determinado grupo oblitera todos os semas que produzem complexidade e indeterminação. Essa dinâmica de administração do sentido também impacta nos vetores afetivos. A redução da complexidade possibilita um enfeixamento afetivo claramente direcionado em prol das narrativas e dos membros pertencentes ao próprio grupo. Assim, surgem, a partir do riso, muros afetivos que segregam as comunidades imaginadas, neutralizando o imperativo da solidariedade, da empatia, do acolhimento. Concomitantemente, isso reduz, em muito, o trabalho cognitivo individual, uma vez que pode esquivar-se do esforço de diferenciação e, com isso, de percepção da complexidade do mundo.

Para ilustrar e discutir essas dinâmicas da produção de sentido, este artigo analisa o romance Herrn Kukas Empfehlungen, de Radek Knapp. O escritor nasceu em 1964, em Varsóvia, na Polônia, e emigrou para a Áustria em 1976, passando a viver desde então em Viena. Laureado com diferentes prêmios literários, Knapp representa uma importante voz da literatura de expressão alemã na Áustria, abordando temas importantes para a sociedade austríaca contemporânea ( palej 2019PALEJ, Agnieszka. Polnische Einwanderer in der österreichischen Literatur: Einige Bemerkungen über die österreichisch-polnischen literarischen Verwandtschaften im 21. Jahrhundert. Studia Germanica Posnaniensia , n. 40, p. 75 86 , 2019: 79). Dentre seus interesses, encontram-se a experiência da imigração, com suas dinâmicas de participação na sociedade de assentamento, mas também a relação entre Leste e Oeste no continente europeu, com seus diferentes muros simbólicos. O que esses dois tópicos têm em comum é um interesse em investigar o modo como hierarquias socioculturais são construídas e como elas impactam nas dinâmicas de interação social. A crítica social, portanto, é um elemento central. Suas reflexões, contudo, raramente se colocam num tom acusatório, preferindo a leveza da comicidade para problematizar mazelas sociais e repensar o espaço cultural.

O romance Herrn Kukas Empfehlungen (‘As recomendações do Senhor Kuka’) foi publicado em 2003. Escrito na tradição do romance picaresco, o enredo relata as experiências de Waldemar, um jovem polonês de dezoito anos, que vai para a Áustria, a fim de conhecer o assim chamado ocidente. Como Lazarillo de Tormes ou o aventuroso Simplicissimus, o jovem imigrante é confrontado com fortunas e adversidades, interagindo com diferentes grupos sociais e suas visões de mundo. Ao mesmo tempo, o texto também remete à tradição do romance de formação. Diante das inúmeras situações intrincadas e dificuldades inesperadas, o protagonista aprende a enxergar o mundo com outros olhos, passando assim por um processo de formação do olhar. A comicidade se junta a essas duas estratégias de organização da realidade diegética, para a partir do riso problematizar as condições de formação do si. Nesse esforço, Knapp se insere na prática discursiva de outras vozes da literatura de expressão alemã contemporânea, todas elas interessadas no princípio da comicidade, como Olga Grjasnowa ao desestabilizar a figuração do estrangeiro, Sinasi Dikmen ao encenar práticas de resistência ou Osman Engin que entrelaça seriedade e subversão. Como o romance de Knapp, esses diferentes textos problematizam a dinâmica de grupos e as imagens adotadas para sua manutenção.

Radek Knapp se utiliza das estratégias de imaginação de grupos, trabalhando com a comicidade de estereótipos para problematizar as dinâmicas de inclusão e exclusão, mas também os vetores que constituem os muros que separam os grupos. Analisando a prosa de autores poloneses que escrevem em língua alemã, Brandt ( 2014BRANDT Marion. Deutsch-polnische Literatur aus postkolonialer und interkultureller Perspektive. Studia Germanica Gedanensia , n. 30, p. 149 16 1, 2014: 154) constata que a comicidade deseja desmascarar e desconstruir mitologias existentes na construção de imagens do si e do outro. Nessa esteira, a comicidade que emerge da realidade diegética ideada por Knapp apresenta dois elementos importantes: recuperar os modos como a imagem de grupos é concretizada e problematizar suas estratégias de administração. Nessa esteira, temos como foco de análise três agrupamentos: o grupo do próprio protagonista de origem polonesa, o grupo da sociedade dominante que ele encontra na Áustria e, por fim, o Ocidente. Em todos esses grupos, as imagens estão perpassadas de comicidade e de crítica social, sempre utilizando estereótipos para questionar sua validade ( kazecki 2009KAZECKI Jakub. Laughing Across the Border: Radek Knapp's Mr. Kuka's Recommendations and Instruction Manual for Poland. Canadian Slavonic Papers / Revue Canadienne des Slavistes , v. 51, n. p. 449 467 , 2009: 450).

2 A imaginação do ocidente

O primeiro espaço sociocultural imaginado como grupo é o assim chamado ocidente. O ocidente não é somente uma localização geográfica, como o uso da palavra poderia sugerir. Trata-se, muito mais, de uma encenação cultural, com práticas de legitimação discursiva. Todo indivíduo que adentra esse ocidente imaginário automaticamente está confrontado com as práticas de hierarquização e formação de limites simbólicos que classificam o ser no mundo, com base da dinâmica de poder que se esconde por trás das práticas culturais. O passado colonialista e o presente imperialista permanecem como fundamento nesse cenário.

Quando o protagonista Waldemar deseja ir ao ocidente, ele já se encontra inserido na máquina de produção simbólica que imagina o grupo que pertence a esse espaço. Antes de partir, contudo, ele encontra o senhor Kuka, que lhe faz algumas recomendações, o que dá o título ao romance. Ao contrário de Waldemar, que ainda não conhece o ocidente, senhor Kuka já tem suas experiências e, com isso, também antecipa o percurso de imaginação de seu interlocutor:

Hm. Entendo. Ele pegou seu copo de vodca e olhou através dele. Seu nariz ficou três vezes mais comprido. Suponho que você já tenha se preparado para sua viagem e comprado e memorizado todos os tipos de guias de viagem. Você provavelmente sabe mais sobre a França do que os franceses agora, sabe de cor o preço do ingresso em todos os museus de Amsterdã e até conhece a pedra em que Picasso fez xixi em Berlim, cinquenta anos atrás, certo?

Eu corei. Hm, essa última informação não tinha no guia. Mas, na verdade, fiz algumas pesquisas” ( knapp 2006KNAPP, Radek. Herrn Kukas Empfehlungen. München/Zürich: Piper, 2006.: 7-8) 5 5 “Hm. Verstehe. Er nahm sein Wodkaglas und sah durch es hindurch. Seine Nase wurde dreimal so lang. Ich gehe davon aus, daß du dich schon auf deine Reise vorbereitet und dir alle möglichen Reiseführer gekauft und auswendig gelernt hast. Wahrscheinlich weißt du inzwischen über Frankreich mehr als die Franzosen, kennst den Eintrittspreis für alle Museen in Amsterdam auswendig und weißt sogar den Stein, auf den Picasso vor fünfzig Jahren in Berlin gepinkelt hat, stimmt’s? Ich lief rot an. Also das letzte stand nicht drin. Aber ich habe mich tatsächlich ein bißchen informiert” ( Knapp 2006: 7-8). .

A passagem é ambígua sobre o grau de confiabilidade do senhor Kuka, especialmente tendo em vista as experiências posteriores de Waldemar. A ausência de confiabilidade também é reforçada pela hipérbole do nariz comprido, sugerindo proximidade com a mendacidade de Pinóquio. Independentemente disso, a passagem contrapõe duas experiências de imaginação. A fala do senhor Kuka traz à tona um alto grau de ironia, sugerindo irreverência diante do culto ao ocidente. Ao antecipar o comportamento assíduo e diligente de Waldemar, que por meio de sua leitura extensa se esforça em se alinhar à prática de veneração à cultura eurocêntrica, o senhor Kuka contribui com elementos de sentido que questionam e desconstroem a estabilidade dessa imagem. A justaposição da cultura erudita (museus) e do culto a personalidades (Picasso e o xixi) confronta Waldemar com uma outra prática de imaginação. Esta não recupera as imagens sólidas comodificadas para a legitimação da supremacia cultural, preferindo subvertê-las numa espécie de resistência.

Nesse horizonte de subversão e irreverência, o senhor Kuka também articula suas três recomendações para uso do e interação no ocidente: Não internalizar o princípio da submissão, não esquecer que a condição humana não está atrelada a um pertencimento de grupo (ele menciona que o odor das fezes é igual para todos), não mencionar a origem para não ser automaticamente excluído e, para finalizar em tom jocoso, se assegurar contra o azar ( knapp 2006KNAPP, Radek. Herrn Kukas Empfehlungen. München/Zürich: Piper, 2006.: 8-16). As três recomendações estão atreladas a sistemas de classificação e hierarquização, isto é, à estratégia central da formação de grupos e da manutenção dos limites imaginários de segregação. As recomendações que ele faz, portanto, têm como finalidade escapar dessa prática classificatória. Nesse horizonte, o senhor Kuka imagina o ocidente como uma comunidade cujo comportamento está pautado pelo imperativo de classificação. Waldemar, por sua vez, se vê confrontado com versões ambíguas desse ocidente.

Por um lado, Waldemar encontra a imagem comodificada nos guias turísticos, por outro lado, se depara com a imagem oriunda da experiência que seu interlocutor lhe expõe. Durante sua permanência no ocidente, Waldemar vai entrar em contato com esses sistemas classificatórios e terá que se posicionar diante deles. Esse posicionamento ocorre sempre a partir da comicidade, mas vale lembrar que o está em jogo é a dignidade pessoal. Seu primeiro encontro com o ocidente representa um primeiro exercício de revisão de suas imagens. Nesse encontro, a imagem oscila entre idealização e concretude:

Às onze e meia CET, vi o ocidente pela primeira vez. Não é a Catedral de São Estêvão, nem mesmo uma casa, mas apenas um simples campo que em nada difere do nosso. E ainda assim ele é de alguma forma diferente. Eu não sei qual é a diferença. Mas sei que vim aqui por causa dessa diferença ( knapp 2006KNAPP, Radek. Herrn Kukas Empfehlungen. München/Zürich: Piper, 2006.: 28) 6 6 “Um elf Uhr dreißig MEZ erblickte ich zum erstenmal den Westen. Es ist zwar nicht der Stephansdom, nicht einmal ein Haus, sondern nur ein einfacher Acker, der sich in nichts von unserem unterscheidet. Und dennoch ist er irgendwie anders. Ich weiß nicht, worin der Unterschied liegt. Aber ich weiß, daß ich wegen dieses Unterschieds hergekommen bin” ( Knapp 2006: 28). .

A passagem começa com indícios de comicidade. Assim, a indicação exata do horário de primeiro contato visual com o ocidente sugere a importância desproporcional atribuída a esse evento, mas também revela os percursos de formação de imagens. Nesse momento, ele ainda não teve contato com os ícones da indústria turística e imagética como a catedral do centro de Viena, de modo que a imagem produzida a partir do guia turístico ainda não pôde ser concretizada em sua apropriação de realidade. Com o crivo da indústria turística instalado, a primeira impressão do protagonista e a interpretação de realidade tecida a partir desse impacto têm como fundamento uma imaginação espacial que engrandece tudo que está relacionado ao grupo em questão. Proporcional, portanto, também acaba sendo sua desilusão, ao identificar que as coordenadas espaciais não diferem substancialmente daquelas encontradas em sua origem. Nesse momento, Waldemar ainda é impelido a confirmar a imagem depreendida da indústria imagética, por isso, toda sua percepção está voltada para identificar a diferença. Somente com a confirmação dessa diferença, ele terá acesso à imagem comercializada do ocidente.

A imaginação de grupo está incondicionalmente atrelada ao princípio da diferença. Assim, seu olhar está ansioso por reconhecer essas linhas demarcatórias, de modo que as narrativas de grupo recebidas façam sentido. É esse anseio que motiva seu esforço de decodificação ao enxergar os vienenses:

Quando o ônibus entrou no Ring, finalmente vi os primeiros vienenses. Eles pareciam tranquilos e inofensivos. Você só não conseguia distingui-los direito. Em casa, distinguimos um trabalhador de um diretor de banco à primeira vista. Mas os vienenses eram todos surpreendentemente parecidos. Todos estavam usando coisas semelhantes da moda ( knapp 2006KNAPP, Radek. Herrn Kukas Empfehlungen. München/Zürich: Piper, 2006.: 38) 7 7 “Als der Bus in den Ring einfuhr, sah ich endlich die ersten Wiener. Sie machten einen entspannten und harmlosen Eindruck. Man konnte sie nur nicht richtig auseinanderhalten. Bei uns unterscheidet man einen Arbeiter von einem Bankdirektor auf den ersten Blick. Aber die Wiener sahen sich alle erstaunlich ähnlich. Sie steckten alle in ähnlichen modischen Sachen” ( Knapp 2006: p. 38). .

Ao enxergar membros do grupo pertencente ao ocidente, ele deseja imediatamente reconhecer a prática de distinção. Contudo, como no caso do espaço, também aqui essa diferença não é imediatamente visível, sugerindo que a construção dos muros está fundamentada muito mais numa prática simbólica que concreta. A passagem reforça mais uma vez a ingenuidade do protagonista, diante de seu anseio de servilidade à imagem do ocidente. Ao mesmo tempo, ela também contém uma ironia direcionada ao culto da individualidade que representa um elemento central da narrativa ocidental. No lugar da “sociedade de singularidades” ( Reckwitz 2020RECKWITZ, Andreas. Die Gesellschaft der Singularitäten. Berlin: Suhrkamp, 2020.), revela-se uma massa homogeneizada pelo imperativo da distinção, apagando a individualidade, justamente por conta da subserviência inquestionada ao princípio da diferença. O riso vai nas duas direções: a ingenuidade do culto e o fetiche da diferença. Nos dois casos, há um anseio de confirmação imagética das demarcações simbólicas que precisa passar pela prova da realidade.

Para rever esse posicionamento diante das práticas imagéticas herdadas, Waldemar precisa passar por experiências pessoais no ocidente, a fim de aprender a enxergar com outros olhos. Nesse bojo, o protagonista resume antes de voltar para casa:

Faz muito tempo que não vejo mais o que vi pela primeira vez. Não vejo mais o ocidente e o paraíso, pelo qual sempre tive curiosidade. Agora vejo uma cidade em que cavei uma piscina, que não era uma, e em que vivenciei mais do que em toda a minha vida antes ( knapp 2006KNAPP, Radek. Herrn Kukas Empfehlungen. München/Zürich: Piper, 2006.: 239-240) 8 8 “Ich sehe hier längst nicht mehr das, was ich beim ersten Mal gesehen habe. Ich sehe nicht mehr den Westen und das Paradies, auf das ich immer neugierig war. Ich sehe jetzt eine Stadt, in der ich ein Schwimmbad ausgehoben habe, das keines war, und in der ich mehr erlebt habe als in meinem ganzen Leben davor” ( Knapp 2006: 239-240). .

As experiências concretas com o ocidente revelam que há sim uma diferença, mas não aquela instaurada pelas práticas simbólicas voltadas para a manutenção das demarcações. Essa interação direta o faz reconhecer que não é possível equacionar ocidente ao paraíso. Nessa esteira, ele passa a enxergar o espaço e seu grupo de outra forma, identificando uma realidade alternativa que se esconde por trás das narrativas comercializadas. O conjunto de vivências lhe permite um novo posicionamento no mundo. Esse posicionamento está relacionado antes de mais a um conhecimento sobre como imagens são administradas a fim de sugerir a diferença. A série de desencontros o aproxima da comicidade, ao mesmo tempo, contudo, isso treina seu olhar para as narrativas que fundamentam a realidade.

3 O encontro com o grupo dominante

A imaginação do ocidente e de seu espaço está conectada ao encontro com seus habitantes. O primeiro contato com os nativos ocorre justamente na fronteira, onde seu ônibus é alvo de um controle minucioso por parte dos agentes aduaneiros. Esse encontro tem funções diversas: atualização das imagens construídas, formação de novos eixos dessa imaginação, mas sobretudo a definição das linhas demarcatórios, por meio de práticas simbólicas. O controle na fronteira encena isso de modo contundente:

Então a porta do nosso ônibus se abriu com um chiado e os três funcionários da alfândega entraram tão lentamente como se planejassem passar um mês inteiro conosco. Pistolas e algemas estavam penduradas discretamente em seus cintos. O pastor alemão era o único desarmado, mas certamente treinado de forma a mostrar os dentes a quem não tivesse cidadania ocidental ( Knapp 2006KNAPP, Radek. Herrn Kukas Empfehlungen. München/Zürich: Piper, 2006.: 28) 9 9 “Dann ging zischend die Tür zu unserem Bus auf, und die drei Zöllner stiegen so langsam ein, als hätten sie vor, einen ganzen Monat bei uns zu verbringen. An ihren Gürteln hingen diskret Pistolen und Handschellen. Der Schäferhund war zwar als einziger unbewaffnet, dafür aber bestimmt so dressiert, daß er bei jedem, der nicht eine westliche Staatsbürgerschaft hatte, gleich die Zähne fletschte” ( Knapp 2006: 28). .

Fronteiras representam um lugar de destaque onde narrativas simbólicas de separação são postas em prática. Isso começa com a necessidade de apresentar as condições legais para a circulação em outros territórios, mas se estende igualmente ao modo como as interações ocorrem. Nisso, a imagem do cachorro com os dentes à mostra é paradigmática, pois se insere numa prática de amedrontamento e exposição explícita de poder. Ao mesmo tempo que a cena contém elementos de comicidade por conta do tom irreverente empregado no relato diegético, ela também remete a sedimentos de violência, empregados em nome de identidades de grupo. Ela revela uma narrativa de hierarquização. Nisso, a presença do cão, os adereços utilizados pelos agentes e sua forma de se movimentar simbolizam a escala adotada para posicionar os atores sociais envolvidos nessa interação.

Essa hierarquização se intensifica no momento em que o funcionário interage diretamente com Waldemar. Nesse encontro, ele adota diferentes imagens de grupo e traça a fronteira simbólica:

Felizmente, o funcionário da alfândega teve outro problema. Você parar de mascar chiclete, ele disse. Caso contrário, não poder identificar e você permanecer aqui.

[...]

De alguma forma, eu claramente tinha a pronúncia melhor de nós dois.

[..]

Ele começou a folhear meu passaporte novamente.

Por que você querer ir para Österreich?

Como turista.

Ele me olhou como se tivesse comido algo ruim.

E eu acho que você trabalhador ilegal. Mostrar as mãos. Palmas para cima ( Knapp 2006KNAPP, Radek. Herrn Kukas Empfehlungen. München/Zürich: Piper, 2006.: 31-32) 10 10 “Glücklicherweise hatte der Zöllner ein anderes Problem. Du hören mit dem Kaugummi auf, sagte er. Ich sonst dich nicht können identifizieren und du dableiben. […] Irgendwie hatte ich von uns beiden die eindeutig bessere Aussprache. [..] Er begann wieder in meinem Paß zu blättern. Warum du zu Austria wollen? Als Tourist. Er sah mich an, als hätte er etwas Schlechtes gegessen. Und ich glaube, du Schwarzarbeiter. Hände zeigen. Handfläche nach oben” ( Knapp 2006: 31-32). .

O primeiro script adotado para formar a imagem tem como foco o uso da língua. O funcionário automaticamente assume que Waldemar não domine ou que tenha um conhecimento somente rudimentar da língua alemã. Assim, ao utilizar os verbos no infinitivo, ele posiciona seu interlocutor na cartografia social, utilizando a língua para simbolizar essa hierarquização. Waldemar, por sua vez, de forma ingênua, mas não sem um claro tom de comicidade, identifica que sua pronúncia se aproxima mais da norma que aquela adotada pelo funcionário. Obviamente não faz muito sentido hierarquizar pronúncias, especialmente tendo em vista a diversidade dos socioletos que atravessam qualquer sociedade. A pronúncia, contudo, tende a ser uma primeira forma de posicionar estrangeiros, de modo que sua menção remete a uma dinâmica central na interação com atores sociais oriundos de outros contextos culturais. No lugar de se sentir intimidado por essa forma de violência simbólica, Waldemar faz face à tentativa de posicionamento, utilizando o mesmo critério para classificar seu interlocutor.

Um outro movimento de classificação e construção de imagem se revela quando o agente aduaneiro expressa suas suposições sobre os objetivos de Waldemar na Áustria. Ele não consegue vislumbrar que ele possa querer visitar o país como turista. Com base na imagem de grupo adotada, ele assume que sua intenção é trabalhar de forma ilegal no país. Para enfatizar sua descrença, o funcionário faz uma careta que Waldemar não decodifica como prática simbólica de exclusão, preferindo subverter seu sentido, ressemantizando-a como algo diferente. Ao mesmo tempo que essa ressemantização produz comicidade, ela também está ligada ao esforço de traçar as linhas demarcatórias. No lugar da submissão tácita, Waldemar resiste a essa cartografia.

Essa resistência também emerge em outras situações, quando estratégias semióticas tentam situá-lo num grupo:

Nisso, eu não percebi que um casal tirolês havia parado ao meu lado e me olhava pelo menos com a mesma curiosidade que eu olhava para o relógio. Quando vi seus rostos, percebi que, ao me verem, eles provavelmente estavam a apenas uma curta distância de chamar a polícia.

Se isso tivesse acontecido no primeiro dia, provavelmente eu teria fugido imediatamente. Mas, graças às minhas pesquisas até agora, eu conhecia os vienenses bem o suficiente para saber como acalmá-los. Bastava dizer 'Grüß Gott' a um vienense e ele se desmanchava ( Knapp 2006KNAPP, Radek. Herrn Kukas Empfehlungen. München/Zürich: Piper, 2006.: 68) 11 11 “Dabei merkte ich nicht, daß ein Tirolerpärchen neben mir stehengeblieben war und mich mindestens so neugierig anstarrte wie ich die Uhr. Als ich ihre Gesichter sah, stellte ich fest, daß sie vermutlich angesichts meines Anblicks nur ganz knapp davon entfernt waren, die Polizei zu rufen. Wäre das am ersten Tag passiert, wäre ich vermutlich sofort geflüchtet. Aber dank meiner bisherigen Nachforschungen kannte ich inzwischen die Wiener gut genug, um zu wissen, wie man sie beschwichtigte. Es reichte, wenn man zu einem Wiener ‚grüß Gott’ sagt, und schon schmilzt er dahin” ( knapp 2006: 68). .

O olhar do casal, de certo modo, está tentando identificar as linhas que os separam, mas ainda não tem a certeza necessária para passar do traçado simbólico para a ação concreta. O modo de olhar indica a Waldemar a intenção de esclarecer o pertencimento de grupo, de modo que o casal o desafia explicitamente a se posicionar. Suas experiências com os nativos, contudo, já o treinaram a processar essa prática simbólica, de modo a direcioná-la para outro resultado. No lugar de dar continuidade à intenção inicial do casal, ele a subverte com uma saudação típica, sugerindo pertencimento ao grupo. Diante dessa configuração simbólica, o casal perde rapidamente o rumo e passa a adotar uma expressão de cordialidade. O estereótipo da cortesia vienense, nesse contexto, revela uma dimensão cômica e serve, ao mesmo tempo, como imagem a ser relativizada ( Krauze-olejniczak 2016KRAUZE-OLEJNICZAK, Alicja. „Wir Slawen sind schrecklich sensibel...“ Fremd- und Eigenbilder in der Prosa Radek Knapps. Polilog. Studia Neofilologiczne, n. 6, p. 187 20 0 , 2016 .: 191).

Essa mesma dinâmica ocorre em outras interações, por exemplo, com o açougueiro onde busca emprego, com a senhora Simacek, dona do apartamento onde deseja alugar um quarto, ou com o síndico Plachuta, que sempre permanece atento ao que ocorre no apartamento onde Waldemar aluga um quarto. Nessas diferentes situações, o modo como as interações são concretizadas na realidade diegética revela um anseio de esclarecer os pertencimentos grupais, estabilizar as linhas demarcatórias e hierarquizar os atores sociais que transitam nesse espaço. Para isso e na lógica do menor dispêndio na economia cognitiva, assumem-se imagens identitárias do outro, especialmente com base em estereótipos, para inseri-lo numa narrativa de classificação, o que Knapp problematiza igualmente em outros textos de sua produção ficcional ( Malecki 2010MALECKI Robert. Radek Knapps Gebrauchsanweisung für Polen. Ein etwas anderer Reiseführer. Studia Germanica Gedanensia, v. 21, p. 311-316, 2010.). A comicidade, neste contexto, não reforça essa imagem, ela serve como estratégia de subversão.

4 O grupo de origem

A estratégia de imaginação que fundamenta o processo de apropriação da realidade diegética das personagens pertencentes ao grupo dominante apresenta vetores semelhantes no grupo de origem de Waldemar. Nesse horizonte, as personagens que provêm do mesmo espaço cultural do protagonista imaginam o próprio grupo, traçando linhas demarcatórias, classificando e utilizando imagens para posicionar atores sociais com os quais interagem. Também nesse contexto, o protagonista começa a enxergar seu entorno com outros olhos. Assim, já no ônibus que o leva para a Áustria, ele observa o comportamento de seus compatriotas, ao se aproximarem da fronteira. Com o intuito de contrabandear produtos, eles trazem a lume um conjunto de estratégias para ludibriar os agendes aduaneiros. Ao contrário de Waldemar, que ainda experimenta a sensação de intimidação e desconforto, muitos de seus colegas de viagem já antecipam todo o procedimento de inspeção, de modo que vêm preparados para as diferentes fases no controle de fronteira.

A sequência de malandragens produz comicidade, intensificada pela concomitância com a produção de suspense. Ao mesmo tempo, ela treina o olhar de Waldemar, primeiramente, para práticas subversivas e de resistência às malhas de poder, mas também contribuem para diferenciar o próprio grupo, produzindo uma revisão da imagem mediada no seio de sua família. Até certo ponto, sua mãe tem razão, quando afirma, numa conversa telefônica, quase ao final do enredo: “Ainda somos uma nação que permanece unida. Algo assim está se tornando cada vez mais raro, infelizmente. É bom saber que um compatriota está sempre presente quando você precisa dele, não é?” ( Knapp 2006KNAPP, Radek. Herrn Kukas Empfehlungen. München/Zürich: Piper, 2006.: 198) 12 12 “Wir sind eben noch eine Nation, die zusammenhält. So etwas wird immer seltener, leider. Es ist ein gutes Gefühl zu wissen, daß immer ein Landsmann zur Stelle ist, wenn man ihn braucht, nicht wahr?” ( Knapp 2006: 198). . Suas experiências com compatriotas, ao longo do enredo, contudo, lhe ensinam a diferenciar essa imagem. De fato, o enredo ilustra, em diferentes momentos, formas de solidariedade com outros membros do grupo, mas também revela o contrário. A ingenuidade da figura materna serve como desencadeador de comicidade, mas também indica que Waldemar passou por um processo de formação em que aprendeu a enxergar seus compatriotas de outra forma, de modo que a voz narrativa volta seu raio de ironia para esse grupo.

Com efeito, as dinâmicas de formação de grupo vão se delineando conforme os interesses dos respectivos membros. Isso começa a despontar no episódio no ônibus, quando chegam à Áustria, e se explicita com maior intensidade quando Waldemar e outros estrangeiros vão à zona de emprego. O lexema alemão “Strich”, traduzido por “zona”, remete ao espaço onde trabalhadores do sexo oferecem seus serviços. No ônibus, uma compatriota o alerta sobre essa zona, exortando-o a que não se rebaixe a essa condição. Ao chegar à zona, Waldemar encontra seus compatriotas, os mesmos que encontrara no ônibus, envolvidos em práticas de contrabando. Nesse espaço marginal e clandestino, a formação de grupos não é menos intensa que na região central de Viena:

Mas, gradualmente, mais e mais pessoas dispostas a trabalhar foram chegando. Primeiro apareceram dois indianos. Eles eram bem inofensivos e não entendiam nenhuma palavra em qualquer idioma. Arnold deixou claro para eles que a zona dos trabalhadores pertencia apenas aos poloneses, e eles acenaram com a cabeça e continuaram sorrindo para si mesmos. Por um momento, Arnold não pareceu muito certo se eles o entendiam, mas então ele voltou para seu pessoal e disse apenas: Deixe os kanaks ferver no calor. Eles gostam de algo assim ( Knapp 2006KNAPP, Radek. Herrn Kukas Empfehlungen. München/Zürich: Piper, 2006.: 106) 13 13 “Dafür kamen aber nach und nach immer mehr Arbeitswillige. Zuerst erschienen zwei Inder. Sie waren ganz harmlos und verstanden überhaupt kein Wort in irgendeiner Sprache. Arnold machte ihnen klar, daß der Arbeiterstrich nur Polen gehöre, und sie nickten mit dem Kopf und lächelten ständig vor sich hin. Arnold schien eine Weile nicht ganz sicher, ob sie ihn verstanden, aber dann latschte er zurück zu seinen Leuten und sagte nur: Laßt die Kanaken in der Hitze schmoren. Die stehen auf so was” ( Knapp 2006: 106). .

O movimento que motiva a formação de grupos e demarcação de linhas é o desejo de assegurar os recursos escassos disponíveis no mercado de trabalho. Isto é, como todos os outros, Arnold e seus comparsas precisam de um trabalho e, a fim de garantir que eles obtenham a oferta, eles buscam intimidar e excluir todos os outros. O próprio Waldemar também é excluído, mas a passagem ilustra, sobretudo, o modo como o grupo se posiciona diante de outros estrangeiros, nesse caso, os indianos. Efetivamente, tem lugar a mesma dinâmica identificada nas interações entre grupo dominante e minoritário. Nesse episódio, isso ocorre entre membros pertencentes exclusivamente a grupos minoritários, estabelecendo uma hierarquia nas margens do espaço social.

Com base nessa lógica da hierarquização, Arnold e seus comparsas identificam elementos étnicos nos personagens indianos e utilizam esses fatores para traçar a cartografia do espaço periférico. O modo como Arnold utiliza essas informações, sugerindo que os indianos tenham apreço ao sol e empregando lexemas oriundos do uso linguístico do grupo dominante para práticas discriminatórias, cria uma comicidade pautada pela diferença étnica. O que causa estranhamento e, ao mesmo tempo, potencializa o ímpeto cômico é justamente o fato de que Arnold reproduz as práticas de discriminação que Waldemar, por exemplo, encontra ao interagir com o grupo dominante. O sorriso dos indianos, por sua vez, subverte a tentativa de imposição das linhas demarcatórias, deixando ambíguo se aceitam o que Arnold tenta impor por meio de práticas simbólicas.

Algo semelhante ocorre quando um conterrâneo deseja contratar a todos para um serviço esporádico. Também nesse caso o personagem internaliza as práticas dominantes, para traçar linhas demarcatórias, começando pelo uso da formalidade no tratamento:

Portanto, em primeiro lugar, senhores, digo algo uma vez e nunca mais. Quando eu voltar à noite, quero que minha propriedade tenha a mesma aparência de agora. Como o local da piscina já está marcado, os senhores sabem onde devem permanecer. Tudo aqui é propriedade privada e é tratado de forma um pouco diferente do que lá, entre nós ( Knapp 2006KNAPP, Radek. Herrn Kukas Empfehlungen. München/Zürich: Piper, 2006.: 116) 14 14 “Also, zuerst einmal, meine Herren, ich sage etwas einmal und dann nie wieder. Wenn ich am Abend zurückkomme, möchte ich, daß mein Grundstück genauso aussieht wie jetzt. Da der Platz für das Schwimmbad bereits markiert ist, wissen Sie, wo Sie sich aufzuhalten haben. Das alles hier ist Privatbesitz und wird auch ein bißchen anders gehandhabt als bei uns zu Hause” ( Knapp 2006: 116). .

O tom autoritário e a formalidade sugerem não admitir questionamentos quanto à hierarquia social. Quando o conterrâneo ainda exige o pagamento de uma caução para as pás fornecidas para a execução do trabalho, recuperando um estereótipo do grupo dominante para caracterizar os poloneses, a linha demarcatória se solidifica ainda mais, intimidando até mesmo a Arnold. Com isso, nenhum dos personagens presentes ousa questionar ou mesmo duvidar da integridade e da confiabilidade da oferta de trabalho. Assim, todos sobem no carro, passam o dia cavando um lugar para a construção de uma suposta piscina, com a expectativa de receber o pagamento à noite, após a devolução das pás. Depois de passarem o dia cavando, quem chega é a polícia que lhes diz que o lugar é uma reserva natural, e não uma propriedade privada, de modo que, com exceção de Waldemar e seu amigo Bolek, que estavam ausentes no momento, todos são presos. No flagrante, a polícia também identifica que as pás dos trabalhadores ilegais foram roubadas de uma loja.

A intenção do conterrâneo era conseguir o dinheiro da caução. Importante, nesse contexto, é o modo como ele se utiliza das narrativas para surtir um determinado efeito. Isto é, ele entendeu como as linhas demarcatórias são produzidas, como a dinâmica de grupo ocorre e, sobretudo, como as práticas simbólicas de inclusão e exclusão têm lugar. Waldemar, Arnold, Bolek e todos os outros ficam de tal forma intimidados com a encenação dessas práticas simbólicas, que eles não conseguem vislumbrar que se trate de um embuste. Nesse horizonte, a produção de comicidade vai em duas direções: primeiramente ela desconstrói a imagem idônea de grupo construído pela mãe, produzindo diferenciações internas. Num segundo momento, ela traz à tona o poder de concretização de realidade que práticas simbólicas contêm. Em ambas as situações, Waldemar começa a enxergar a realidade diegética com outros olhos, revisando a imagem do grupo de origem, mas também compreendendo como a administração das linhas demarcatórias tende a funcionar.

5 Considerações finais

De forma leve, o romance de Knapp encena como agrupamento, administração imagética e comicidade confluem para problematizar linhas demarcatórias. A ingenuidade do protagonista diante das diferentes práticas simbólicas produz simpatia, mas também remete a um processo de transformação de sua visão de mundo. Esse processo tem início com a atualização da imagem em torno do ocidente. Se na primeira fase o protagonista equaciona o ocidente ao paraíso, na segunda ele consegue diferenciá-lo a ponto de distinguir o imperativo da distinção que caracteriza esse espaço. Isso também vale para os grupos imaginados na realidade diegética. Nessa esteira, o grupo dominante deixa de ser fonte de intimidação e passa a ser foco de escrutínio, permitindo o protagonista a identificar as práticas simbólicas que motivam suas ações. Por outro lado, o grupo de origem deixa de ser uma comunidade idealizada, para se transformar em alvo da crítica, quando utiliza os mesmos parâmetros de hierarquização problematizados em outros agrupamentos.

Em todas essas dinâmicas sociais encenadas no enredo, o riso sempre revela um alvo duplo. Ele serve como instrumento de questionamento das imagens dominantes, mas também volta sua atenção para o próprio grupo, de modo a produzir revisões. Com base no riso, surge um movimento de afastamento de “identidades presumidas”, em direção ao exercício de diferenciação da realidade (diegética). Nessa esteira, a comicidade surge a partir das linhas demarcatórias utilizadas para traçar a cartografia social e se insere numa prática de desconstrução da solidez sugerida por essas fronteiras. Para isso, o protagonista aprende a se distanciar das imagens herdadas e empreende o esforço de olhar com atenção, para enxergar o que se encontra por trás da cortina simbólica.

Referências bibliográficas

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  • PALUMBO LIU D avid. Assumed Identities. New Literary History , v. 31, n. 4, p. 765 780 2000 .
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  • 2
    “Symbolic boundaries are conceptual distinctions made by social actors to categorize objects, people, practices, and even time and space. They are tools by which individuals and groups struggle over and come to agree upon definitions of reality. Examining them allows us to capture the dynamic dimensions of social relations, as groups compete in the production, diffusion, and institutionalization of alternative systems and principles of classifications” ( lamont/molnar 2002LAMONT Michèle; MOLNÁR Virág. The Study of Boundaries in the Social Sciences. Annual Review of Sociology , v. 28, p. 167 95 , 2002: 168). Todas as traduções são de responsabilidade do autor deste artigo.
  • 3
    “This propensity is conveyed in what we may call the assumptive narrative of identity – it puts into place (as much as it may rehearse and reiterate) extrasituational narratives that are assumed to be the inherent dispositions and likely behaviors of those identified. In so doing, it erases the distinction between individual and group, between identity and social role. Once again, individual”essence” is made indistinguishable from social type; the behavior of the individual is assumed to be commensurate with the behavior of the group” ( Plumbo-liu 2000PALUMBO LIU D avid. Assumed Identities. New Literary History , v. 31, n. 4, p. 765 780 2000 .: 774).
  • 4
    “Ethnic jokes delineate the social, geographical and moral boundaries of a nation or ethnic group. By making fun of peripheral and ambiguous groups they reduce ambiguity and clarify boundaries or at least make ambiguity appear less threatening. Ethnic jokes occur in opposed pairs such as those mocking ‘stupid’ and ‘crafty’, or ‘cowardly’ and ‘militaristic’ groups respectively and express the problems and anxieties caused by the conflicting norms and values inevitably found in large societies dominated by anomic impersonal institutions such as the market place and bureaucracy” ( Davies 1982DAVIES Christie. Ethnic jokes, moral values and social boundaries. The British Journal of Sociology , v. 33, n. 3, p. 383 403 , 1982 .: 383).
  • 5
    “Hm. Verstehe. Er nahm sein Wodkaglas und sah durch es hindurch. Seine Nase wurde dreimal so lang. Ich gehe davon aus, daß du dich schon auf deine Reise vorbereitet und dir alle möglichen Reiseführer gekauft und auswendig gelernt hast. Wahrscheinlich weißt du inzwischen über Frankreich mehr als die Franzosen, kennst den Eintrittspreis für alle Museen in Amsterdam auswendig und weißt sogar den Stein, auf den Picasso vor fünfzig Jahren in Berlin gepinkelt hat, stimmt’s? Ich lief rot an. Also das letzte stand nicht drin. Aber ich habe mich tatsächlich ein bißchen informiert” ( Knapp 2006KNAPP, Radek. Herrn Kukas Empfehlungen. München/Zürich: Piper, 2006.: 7-8).
  • 6
    “Um elf Uhr dreißig MEZ erblickte ich zum erstenmal den Westen. Es ist zwar nicht der Stephansdom, nicht einmal ein Haus, sondern nur ein einfacher Acker, der sich in nichts von unserem unterscheidet. Und dennoch ist er irgendwie anders. Ich weiß nicht, worin der Unterschied liegt. Aber ich weiß, daß ich wegen dieses Unterschieds hergekommen bin” ( Knapp 2006KNAPP, Radek. Herrn Kukas Empfehlungen. München/Zürich: Piper, 2006.: 28).
  • 7
    “Als der Bus in den Ring einfuhr, sah ich endlich die ersten Wiener. Sie machten einen entspannten und harmlosen Eindruck. Man konnte sie nur nicht richtig auseinanderhalten. Bei uns unterscheidet man einen Arbeiter von einem Bankdirektor auf den ersten Blick. Aber die Wiener sahen sich alle erstaunlich ähnlich. Sie steckten alle in ähnlichen modischen Sachen” ( Knapp 2006KNAPP, Radek. Herrn Kukas Empfehlungen. München/Zürich: Piper, 2006.: p. 38).
  • 8
    “Ich sehe hier längst nicht mehr das, was ich beim ersten Mal gesehen habe. Ich sehe nicht mehr den Westen und das Paradies, auf das ich immer neugierig war. Ich sehe jetzt eine Stadt, in der ich ein Schwimmbad ausgehoben habe, das keines war, und in der ich mehr erlebt habe als in meinem ganzen Leben davor” ( Knapp 2006KNAPP, Radek. Herrn Kukas Empfehlungen. München/Zürich: Piper, 2006.: 239-240).
  • 9
    “Dann ging zischend die Tür zu unserem Bus auf, und die drei Zöllner stiegen so langsam ein, als hätten sie vor, einen ganzen Monat bei uns zu verbringen. An ihren Gürteln hingen diskret Pistolen und Handschellen. Der Schäferhund war zwar als einziger unbewaffnet, dafür aber bestimmt so dressiert, daß er bei jedem, der nicht eine westliche Staatsbürgerschaft hatte, gleich die Zähne fletschte” ( Knapp 2006KNAPP, Radek. Herrn Kukas Empfehlungen. München/Zürich: Piper, 2006.: 28).
  • 10
    “Glücklicherweise hatte der Zöllner ein anderes Problem. Du hören mit dem Kaugummi auf, sagte er. Ich sonst dich nicht können identifizieren und du dableiben.
    […]
    Irgendwie hatte ich von uns beiden die eindeutig bessere Aussprache.
    [..]
    Er begann wieder in meinem Paß zu blättern.
    Warum du zu Austria wollen?
    Als Tourist.
    Er sah mich an, als hätte er etwas Schlechtes gegessen.
    Und ich glaube, du Schwarzarbeiter. Hände zeigen. Handfläche nach oben” ( Knapp 2006KNAPP, Radek. Herrn Kukas Empfehlungen. München/Zürich: Piper, 2006.: 31-32).
  • 11
    “Dabei merkte ich nicht, daß ein Tirolerpärchen neben mir stehengeblieben war und mich mindestens so neugierig anstarrte wie ich die Uhr. Als ich ihre Gesichter sah, stellte ich fest, daß sie vermutlich angesichts meines Anblicks nur ganz knapp davon entfernt waren, die Polizei zu rufen.
    Wäre das am ersten Tag passiert, wäre ich vermutlich sofort geflüchtet. Aber dank meiner bisherigen Nachforschungen kannte ich inzwischen die Wiener gut genug, um zu wissen, wie man sie beschwichtigte. Es reichte, wenn man zu einem Wiener ‚grüß Gott’ sagt, und schon schmilzt er dahin” ( knapp 2006KNAPP, Radek. Herrn Kukas Empfehlungen. München/Zürich: Piper, 2006.: 68).
  • 12
    “Wir sind eben noch eine Nation, die zusammenhält. So etwas wird immer seltener, leider. Es ist ein gutes Gefühl zu wissen, daß immer ein Landsmann zur Stelle ist, wenn man ihn braucht, nicht wahr?” ( Knapp 2006KNAPP, Radek. Herrn Kukas Empfehlungen. München/Zürich: Piper, 2006.: 198).
  • 13
    “Dafür kamen aber nach und nach immer mehr Arbeitswillige. Zuerst erschienen zwei Inder. Sie waren ganz harmlos und verstanden überhaupt kein Wort in irgendeiner Sprache. Arnold machte ihnen klar, daß der Arbeiterstrich nur Polen gehöre, und sie nickten mit dem Kopf und lächelten ständig vor sich hin. Arnold schien eine Weile nicht ganz sicher, ob sie ihn verstanden, aber dann latschte er zurück zu seinen Leuten und sagte nur: Laßt die Kanaken in der Hitze schmoren. Die stehen auf so was” ( Knapp 2006KNAPP, Radek. Herrn Kukas Empfehlungen. München/Zürich: Piper, 2006.: 106).
  • 14
    “Also, zuerst einmal, meine Herren, ich sage etwas einmal und dann nie wieder. Wenn ich am Abend zurückkomme, möchte ich, daß mein Grundstück genauso aussieht wie jetzt. Da der Platz für das Schwimmbad bereits markiert ist, wissen Sie, wo Sie sich aufzuhalten haben. Das alles hier ist Privatbesitz und wird auch ein bißchen anders gehandhabt als bei uns zu Hause” ( Knapp 2006KNAPP, Radek. Herrn Kukas Empfehlungen. München/Zürich: Piper, 2006.: 116).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    05 Dez 2022
  • Aceito
    09 Fev 2023
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