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Editorial

Editorial

Os processos de avaliação de periódicos pela CAPES estão passando por modificações. Que diretrizes e desafios estão surgindo nesses novos tempos de produção? Estamos preparados para nos adequar aos novos parâmetros de qualidade? Muitas dúvidas perpassam o trabalho dos editores de periódicos em Psicologia, possibilitando debates calorosos, muitas vezes repletos de críticas, indignações e muitas dúvidas. Em certos momentos, somos tomados pela sensação de não reconhecimento acadêmico-científico, assim como do esforço e empenho dos editores de periódicos científicos, no Brasil. Em outros, apesar do medo que desqualifica mudanças em territórios onde se tem o conforto e segurança do conhecido, reconhecemos que há, também, perspectivas promissoras.

Na reunião dos editores de revistas com representantes da CAPES, ocorrida no XII Simpósio de Pesquisa e Intercâmbio Científico, as falas apontavam para a necessidade de jogar, desde o princípio, com regras claras em cada etapa do processo e, ainda, de uma avaliação que levasse em consideração a especificidade de cada periódico. Um dos destaques foi a crítica à política de criação de uma elite, indicada na impossibilidade de classificar satisfatoriamente um número mais amplo de periódicos. Tal política já produziu um "afunilamento" do topo da lista, "rebaixando" os que já conquistaram, à custa de muitos esforços, em avaliações anteriores, uma colocação adequada à qualidade apresentada.

Por outro lado, ao pensarmos nas conseqüências políticas de alguns desses novos critérios como, por exemplo, a publicação online, nós vamos descobrindo que, alguns deles levam à democratização e ao encontro de parcerias na produção e acesso ao conhecimento. A política de publicações de acesso público, portanto gratuito, representa uma conquista importante neste sentido.

Algumas das novas diretrizes podem levantar questões importantes que, se compreendidas em seu caráter mais amplo, apontam parcerias nacionais e internacionais entre pesquisadores, valorizando diálogos acadêmicos e políticos, especialmente entre instituições de ensino voltadas à pós-graduação. Nesta direção, a produção científica brasileira tende a se qualificar, uma vez que deixamos de produzir e divulgar apenas em nosso território, incentivando, ao mesmo tempo, que pesquisadores de outros países publiquem em nossos "condomínios" acadêmico-científicos. A internacionalização, tanto de pesquisadores quanto de periódicos, objetiva este movimento a abre novas estradas para um intercâmbio global do saber.

A revista Psicologia & Sociedade tem participado deste debate buscando possibilidades para a construção destas novas vias. Nesta perspectiva, incentivamos a produção de artigos oriundos de investigações originais, produtos de parcerias entre instituições nacionais e internacionais, (re)criando e ampliando a produção já existente. No entanto, faz-se imprescindível que seja sem prejuízo daquilo que é local e específico.

Abrimos este número com uma tradução, realizada por Emerson R. P. Martins e revisada por Ana Maria Jacó-Vilela e Adriana A. do Espírito Santo, do trabalho de Nikolas Rose intitulado Psicologia como uma ciência social. O autor busca compreender a caminhada da Psicologia no século XX, que encontra seu espaço como uma técnica de regulamentação, apontando que esta ciência culmina com a primazia do corpo biológico, no século XXI. Continuando na análise da trajetória do conhecimento, o artigo Psicologia organizacional e do trabalho no Brasil: desenvolvimento científico contemporâneo, de autoria de Aline M. Tonetto, Mayte R. Amazarray, Sílvia H. Koller e William B. Gomes, trata do levantamento de artigos publicados em Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT), de 2001 a 2005, em algumas revistas brasileiras. Os autores apontam que 16% da produção geral está voltada para esta área e destacam a diversidade temática e metodológica da produção científica em POT, bem como a preocupação em contemplar as mudanças sociais, econômicas, políticas e tecnológicas.

Conrado Ramos e João Eduardo Carvalho, no artigo Espaço e subjetividade: formação e intervenção em Psicologia Comunitária, apresentam uma experiência de intervenção comunitária, a partir de pesquisa etnográfica em uma favela, entrevistando lideranças sobre a história da comunidade. O artigo nos traz como resultado a importância das dimensões psico-espaciais para o reconhecimento da comunidade, enfatizando a necessidade de trabalhos que dialoguem com a pesquisa e extensão, visando um redirecionamento crítico e engajado do profissional para dimensões comunitárias e para a produção do saber. No diálogo da pesquisa-intervenção, o artigo Cidadania e participação social: um estudo com crianças no Rio de Janeiro, de autoria de Beatriz C. Pérez, Juliana Povoa, Renata Monteiro e Lucia R. de Castro trata da relação de crianças com a cidade. A partir de uma oficina para crianças, foi possível identificar a construção de uma nova posição subjetiva e coletiva em experiências na cidade, nela circulando de uma forma diferente, ao exercerem as funções de fotógrafo, entrevistador e pesquisador. Para as autoras, a partir desta experiência, as crianças puderam participar mais ativamente, estabelecendo laços e reelaborando a noção da cidade enquanto um espaço comum.

O artigo Risco, vulnerabilidade e infância: algumas aproximações, de autoria de Betina Hillesheim e Lílian R. da Cruz, busca compreender a noção de risco, articulando-a com a denominada infância em situação de risco. As autoras discutem como este conceito é utilizado no âmbito das políticas públicas de atenção à infância, a partir do deslocamento do foco de uma gestão da vida para uma gestão do risco, nas quais as novas modalidades de biopoderes se tornam as principais estratégias de gestão.

Da privação da dignidade social à privação da liberdade individual, de autoria de Ana Luiza de S. Castro e Pedrinho Guareschi, parte de entrevistas com adolescentes considerados autores de atos infracionais que cumpriam medidas de internação. O artigo discute o modo como esses adolescentes significam suas práticas de vida e se subjetivam a partir dos contextos da família, da justiça e da medida sócio-educativa de internação, questionando a forma como a sociedade e as instituições envolvidas têm tratado a questão.

Tatyana de A. Jacques, no artigo Estilo e autenticidade em bandas de rock de Florianópolis (SC), parte de uma etnografia do rock independente da cidade, com foco nas concepções artísticas e visões de mundo dos músicos que integram este universo. A autora conclui que a elaboração dos estilos musicais age no sentido de configurar um território simbólico, demarcado por uma percepção de mundo hedonista, expressa por uma forma específica de criar música.

Tecendo pela via da juventude, o artigo Problemas da juventude e seus enfrentamentos: um estudo de representações sociais, de autoria de Hebe S. Gonçalves, Tatiana dos S. Borsoi, Marisa A. Santiago, Michelle V. Lino, Isabela N. Lima e Roberta G. Federico, aborda as representações sociais de jovens acerca de seus problemas e da forma de enfrentá-los. As autoras concluem que a representação de problemas se esclarece por oposição aos seus projetos de vida, de forma que os familiares e amigos são representados como a maior fonte de apoio e, ao mesmo tempo, como um grande problema, quando não atendem às expectativas de suporte e auxílio. Ainda com foco nas representações sociais, temos o artigo de Everley R. Goetz, Brigido V. Camargo, Raquel B. Bertoldo e Ana Maria Justo, intitulado Representação Social do Corpo na Mídia Impressa. Os autores investigaram revistas de circulação nacional e concluem que as representações sociais do corpo veiculadas pela mídia impressa contemplam dois principais aspectos: o primeiro, prático, contempla aspectos eminentemente físicos e, o segundo, de caráter mais subjetivo, representa o corpo como uma unidade físico-psíquica, que prioriza o alcance para uma vida mais saudável.

O artigo Programa Saúde da Família: uma análise a partir das crenças dos seus prestadores de serviço, com autoria de Suenny Oliveira e Francisco José Batista de Albuquerque, avalia qualitativamente o Programa Saúde da Família, a partir das crenças dos profissionais da equipe, em uma amostra de cinco Unidades de Saúde da Família de um município paraibano. Continuando no campo da saúde, o artigo Práticas e discursos de usuários de uma ONG/AIDS sobre ativismo, de Maio S. Q. de Farias e Magda Dimenstein, traz os resultados de uma investigação sobre as concepções e práticas dos usuários, em que dois aspectos se sobressaem: o enfraquecimento/desmotivação para realização de um ativismo coletivo e a adesão ao tratamento como ferramenta de motivação para a luta anti-AIDS. No artigo Agentes Comunitários de Saúde: sentidos acerca do trabalho em HIV/ AIDS, Nara H. L. P. da Silva e Cármen L. Cardoso dão visibilidade para os sentidos construídos sobre HIV/AIDS por um grupo de agentes comunitários de saúde. A análise das narrativas destaca o preconceito ancorado no discurso científico, as relações de gênero implicadas no trabalho e os valores contemporâneos atrelados à perfeição e juventude. Maria L. T. Garcia, Fabíola X. Leal e Cassiane C. Abreu, no artigo A política Antidrogas brasileira: velhos dilemas, configuram a política de enfrentamento às drogas no Brasil, demonstrando que esta enseja, em suas proposições, uma luta entre as lógicas de segurança e de saúde públicas expressas nas políticas instituídas pelo governo brasileiro em relação à questão.

El prejuicio racial en Brasil: nuevas medidas y perspectivas de autoria de Ana M. L. T. Pires e Fernando M. Alonso, aborda dois estudos: um acerca da comprovação de uma escala de racismo para medição de atitudes e outro que analisa a percepção de preconceitos e discriminação. Focando a questão do fascismo, o artigo de Luca Tateo intitulado The "fascist" discourse in computer mediated communication analisa a construção da identidade dos grupos italianos de extrema direita em diferentes ambientes de comunicação mediada por computador. Lançando também um olhar sobre movimentos sociais totalitários, José Leon Crochík, no artigo T.W. Adorno e a Psicologia Social, traz as contribuições de Adorno para o campo teórico da Psicologia Social. O autor aponta a necessidade de a Psicologia Social estudar esse objeto para que, com o esclarecimento produzido e difundido, os indivíduos possam resistir a adesões cegas e irracionais.

Finalizando este número, apresento o artigo premiado no concurso do XIV Encontro Nacional da ABRAPSO, ocorrido no Rio de Janeiro, em 2007, na categoria artigos de graduação. De autoria de Gisele Schwede, Nasser H. Barbosa e Julio Schruber Jr., o artigo Psicologia nos Direitos Humanos: possibilidades de mediações semióticas discute possibilidades teóricas e metodológicas para o trabalho do psicólogo em um Centro de Direitos Humanos e o lugar que ocupa neste espaço político de ação, a partir do referencial teórico de Vygotski. Fechando a edição, os últimos acontecimentos relativos a nossa associação podem ser conhecidos nas Notícias da ABRAPSO.

Desejo, então, uma ótima leitura a todos.

Kátia Maheirie

Editora geral

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Out 2008
  • Data do Fascículo
    Ago 2008
Associação Brasileira de Psicologia Social Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Av. da Arquitetura S/N - 7º Andar - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50740-550 - Belo Horizonte - MG - Brazil
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