Open-access Lógica da ironia

The logic of irony

Resumos

Longe de confinar-se no inefável, a psicanálise, depois de Lacan e graças a ele, não hesita em se explicar sobre a lógica de seu discurso: ela demonstra que, mesmo se distinguindo da ciência, se esforça para alcançar um rigor digno desta última. Isso deriva do fato de que ela traz a marca do sujeito que a enuncia. A ironia é um dos índices do encontro do sujeito com o ponto pelo qual se demonstra que não existe saber que reduza o sujeito a um de seus enunciados.

Psicanálise; Lacan, Jacques; Lógica; Ironia


Far from being attained to the indescribable, the phychoanalysis, after and thanks to Lacan, do not hesitate in explaining itself based upon the logic of its discourse: it demonstrates that even being so distinctive from science, it makes an effort to be as rigorous as this one. This derives from the fact that it brings upon itself the trace of its subject. Irony is one of the indicators of the subject’s meeting with knowing that there isn’t knowledge that reduces the subject to one of its statements.

Psychoanalysis; Lacan, Jacques. Logic; Irony


LÓGICA DA IRONIA

Marie-Jean Sauret1

Université de Toulouse – 2 le Mirail

Association des Foruns du Champ Lacanien

Longe de confinar-se no inefável, a psicanálise, depois de Lacan e graças a ele, não hesita em se explicar sobre a lógica de seu discurso: ela demonstra que, mesmo se distinguindo da ciência, se esforça para alcançar um rigor digno desta última. Isso deriva do fato de que ela traz a marca do sujeito que a enuncia. A ironia é um dos índices do encontro do sujeito com o ponto pelo qual se demonstra que não existe saber que reduza o sujeito a um de seus enunciados.

Descritores: Psicanálise. Lacan, Jacques. Lógica. Ironia.

A lógica é ciência do real porque está orientada para o impossível, um dos nomes do real como o sabemos; ela se apresenta como um discurso consistente que sabe distinguir o verdadeiro e o falso, o sim e o não e assentar na razão sua diferença; ela visa, pois, como uma psicanálise, a redução absoluta da função do sujeito suposto saber, na medida em que ela tem a intenção de chegar ao termo das objeções ao saber que, precisamente, mantêm essa função.

Ora, J. Lacan faz notar que a lógica traz a marca da divisão do sujeito, isto é, a marca daquele que a enuncia. Isso pode surpreender se se pensa na lógica das classes que se restringe à oposição binária entre um conjunto e seu complementar (que pode ser o contraditório ou o contrário, universal ou particular) e que não visa além do "manejo das proposições cuja escrita seria apenas a transcrição de uma combinatória mental pré-lingüística" (Zenoni, 1986, p. 25). A linguagem não teria incidência alguma sobre o sujeito dessa lógica, o qual é concebido como o correlato cognitivo do universo que o cerca: nessa ótica, o sujeito é capaz, por exemplo, de classificar elementos em função de sua cor objetiva e de uma paleta pertencendo a seu universo – vermelho, azul, verde, etc. – sem sofrer nenhum efeito subjetivo de sua atividade classificatória (exceto de aprendizagem). Essa lógica rege não raro a psicologia e uma certa psicanálise: a que reparte os objetos em bons e maus, que opõe o indivíduo ao mundo como o interior ao exterior, ou que recorre a noções suscetíveis de justificar essa binaridade como o objeto transicional de D. Winnicott, o eu pele de D. Anzieu, etc.. Ainda que alguns termos como border-line (estado-limite) já sejam testemunhas de dificuldades com esse binarismo.

Com efeito, essa lógica binária leva a todo tipo de paradoxos, a partir do momento em que levamos em consideração a experiência da linguagem ou nos referimos ao discurso. Comparemos a impossibilidade de inscrever o sujeito do "eu minto" em um universo composto dos únicos dois conjuntos dos mentirosos e dos não-mentirosos e essa outra impossibilidade de colocar o catálogo de todos os catálogos que não se contêm a si mesmos em um universo dividido entre os catálogos que se contêm a si mesmos e os catálogos que não se contêm a si mesmos. A solução nos obriga a sair do binarismo introduzindo a própria ordem do discurso que o funda: "Tu dizes a verdade, sujeito da enunciação: tu és um mentiroso, sujeito do enunciado," e podemos escrever com uma letra (S) o catálogo que falta ao conjunto (A barrado) de todos os catálogos que não se contêm a si mesmos – S (A barrado). Outros exemplos de dificuldade: como transcrever nos termos da oposição binária, como observa A. Zenoni, uma expressão da linguagem corrente tão simples como "eu não penso?" Ela é realmente a estrita afirmação de um pensamento que não entra no conjunto dos pensamentos do outro, sem ser por isso um não-pensamento. Ou o "eu não te faço dizê-lo?" Ele constata precisamente o fato de que isso foi dito, mas que o sujeito da enunciação – é o que a réplica acrescenta – não se encontraria nem no que um disse nem no que o outro pontua – índice precioso de um terceiro lugar.

Esses exemplos confirmam a observação de J. Lacan: a lógica poderia sempre trazer a marca do sujeito da enunciação. Certamente, a distinção entre enunciação e dizer está para ser produzida. Mas deveríamos concluir que não existem vários tipos de lógica- por exemplo, científica de um lado, psicanalítica do outro – mas uma única lógica: a lógica matemática é a lógica da fantasia – o que não significa que a matemática seja uma fantasia. O interesse da afirmação de J. Lacan segundo a qual a ciência é uma fantasia fica com isso renovada. A identificação da lógica e da matemática leva a fazer da matemática uma objeção à realização da ciência como fantasia!

Daí a questão a respeito da qual desejo avançar. Da mesma forma que nem tudo é fantasia, nem tudo poderia ser lógica. O próprio inconsciente não conheceria a contradição: o que isso significa exatamente? Por ocasião das últimas jornadas da Escola da Causa Freudiana, J.-A. Miller opunha a interpretação psicanalítica à interpretação do (pelo) inconsciente (Miller, 1995, 1996). Podemos reformular essa oposição nos termos sugeridos por esta introdução: como a interpretação psicanalítica pode apoiar-se na lógica para opor-se à interpretação do inconsciente que não conhece a contradição? Proponho-me a mostrar no que a ironia da interpretação, que acompanhou para mim o que considero ser um momento de passe (Sauret, 1996), responde parcialmente a essa questão.

I. Negação e consistência

Tomemos nosso ponto de partida em S. Freud, o S. Freud que solidariza inconsciente, negativação e negação. Ele inventou o recalque originário para designar a impossibilidade em que se encontra a ciência para identificar o sujeito que a fabrica (Pierre Bruno). Doravante nos é familiar chamar esse buraco no saber – um não saber da ciência já é uma negação – de inconsciente, com a condição de precisar que o inconsciente não é o não-consciente. O não-consciente não implica nenhuma enunciação – o que basta para dele distinguir o inconsciente no qual isso fala e até mesmo isso interpreta.

Ora, S. Freud liga esse inconsciente a um uso preciso da negação.2 Sem retomar tudo do artigo que ele consagra a esse uso, lembremo-nos da estrutura que se isola da Verneinung que concerne à constituição do sujeito. O texto parte do pressuposto de que o Outro que fala é prévio à resposta do real que constituirá o próprio sujeito. Com efeito, a experiência primordial do Outro reside no encontro, pelo sujeito, de situações ou de objetos cuja representação parece a este último boa ou má. Assim é o julgamento de atribuição operado na linguagem (a indicação está no texto) pelo eu real primitivo. O que se representa como bom é interiorizado; o que não se deixa como tal reduzir a uma representação ou o que é mau é deixado ao real-das Ding, a Coisa do mau encontro. Versão freudiana da divisão do sujeito e do gozo.

O interiorizado se divide em seguida entre o que vai ocupar um lugar onde o sujeito poderá apreender-se na realidade e o que secundariamente se faz insuportável de lembrar, o gozo do qual o sujeito teve de separar-se para se constituir. É sobre essas representações insuportáveis que incidirá o recalque secundário. Daí em diante fica traçado de forma muito lacaniana um limite do habitat de linguagem, limite invisível sem esse desvio lógico: entre o impossível de dizer da foraclusão originária e o impossível de ouvir do recalque secundário.

No artigo dedicado à Verneinung, S. Freud trata das conseqüências do recalque secundário da representação inicialmente atribuída como boa, mas demasiado investida depois do sexual, o embaixador desse gozo a que o sujeito deve se opor para humanizar-se. Aos olhos de S. Freud, falar de deslocamento sexual é quase tautológico: o sexual se desloca. É esse deslocamento do sexual que torna a representação equívoca, com duplo sentido: ela representa primeiramente o sentido que prevaleceu em sua atribuição primordial e, em segundo lugar, um sentido investido pelo sexual irrepresentável, truncomático. [NT: troumatique, no texto original, um neologismo criado pelo autor, introduzindo na palavra "traumático" (traumatique, em francês) o sentido de buraco (trou, em francês)].

Teoricamente, entre foraclusão e recalque, o sujeito deveria constatar o adelgaçamento do tecido das representações à sua disposição para falar: isso pelo próprio fato da insistência do sexual em se fazer representar ao deslocar-se de uma representação a outra, à medida que ocorre o recalque incidindo exclusivamente sobre as representações. As representações se tornam insuportáveis assim que ficam encarregadas do sexual truncomático. [NT: troumatique no original. Cf. NT acima]. Ora, a experiência não dá testemunho do fato de que os sujeitos tenderiam ao mutismo; uma certa tagarelice, antes de permitir falar para nada dizer, se serviria plenamente do equívoco. Em um sentido compreendemos a exigência do equívoco: sem ele, não falaríamos mais! Como esse uso da palavra seria compatível não com a estrutura que S. Freud procura descrever, mas com a experiência da psicanálise que, esta, procura opor-se ao equívoco? De fato e segundo S. Freud, o impossível de dizer deixa uma marca – um made in forclusion – o próprio símbolo da negação forjado sobre as marcas do rejeitado: o símbolo da negação, de resto inteiramente pronunciável, é de fato um nome freudiano do significante de uma falta no Outro.3 O que S. Freud salienta é o uso dessa negação a serviço, não do inconsciente, mas de seu tratamento. A negação vem dividir a representação inicialmente atribuída como boa da carga de gozo que, depois de sua rejeição inaugural, reinvestiu a mencionada representação. Tudo se passa então como se esse significante de uma falta no Outro ficasse encarregado daquilo (representasse) que é insuportável de ouvir, para continuar calando-o, ao mesmo tempo em que fica a serviço (no lugar de representante) do que é impossível de dizer: "no sonho, minha mãe não é ela." Trata-se de um procedimento de redução do equívoco por eliminação do sentido sexual (aqui, com conotação incestuosa com a mãe) – portanto o oposto de uma psicanálise.

O inconsciente não poderia pronunciar nenhum não, já que o não é estranho à sua constituição. Há uma espécie de confirmação da justeza desse ponto de vista, observa ainda S. Freud, no fato de que o analisante reage a uma descoberta do inconsciente, mobilizando a mesma negação: "isso eu não pensei; nisso (nunca) pensei."

Em outros termos, já em S. Freud, a negação suporta a consistência do Outro, na medida em que ela o divide do que não é significante: ela é o índice do que constitui exceção no campo do Outro (o gozo), exceto que, como índice, ela pertence a este campo, antecipando em relação à descoberta de sua inconsistência. Ela é e não é do Outro: não há contradição para o inconsciente que, através disso, é definido. Podemos resumir o essencial com uma frase: é a mesma operação – a constituição da negação – que constitui o Outro como consistente (A separado de não A) e que condiciona sua inconsistência (o índice, a escrita "não A" pertence a A).

II. Negação e enunciação

Precisemos esta articulação. O ser de gozo do sujeito faz um buraco no Outro onde ele é apenas representado: o inconsciente interpreta esse buraco que só é corretamente cifrado pela negação. O inconsciente é, pois, real não realizado, sexual traumático representado, isto é, interpretado e recalcado. Ele se opõe tanto à negação quanto à lógica que visa esse real. A negação traz a marca da relação do sujeito ao gozo. Não é de admirar que encontremos essa marca na enunciação até mesmo na própria lógica. S. Freud precisa que "conseguimos vencer mesmo a negação e instaurar a plena aceitação intelectual do recalcado – o processo de recalque não é suprimido por isso." Seria o que nós encontramos clinicamente no ne expletivo que perdeu até sua significação de negação, mas no qual se lê claramente a relação do sujeito com o gozo que causa seu desejo: é o desejo que nele ouvimos e nada do gozo, evidentemente .

Não é garantido que toda negação se deixe ler assim. Contudo, J. Lacan nos ensinou a escrever S1 / $, a negativação do sujeito (rasura do que não tenha tido marca alguma anterior), e o inconsciente como buraco no saber; a / - j , o sacrifício do objeto próprio para presentificar justamente o que não se pode dizer; a escrita A / J se popularizou em nossa comunidade para traduzir a negativação do gozo pelo significante que fracassa ao fazê-lo passar todo ao simbólico, daí o resto a – outros matemas que declinam o S (A barrado). Na lógica dos quantificadores, é com a dupla negação que J. Lacan demonstra essa relação da lógica com o sujeito da enunciação.

A lógica matemática se apresenta como um formalismo que visa se desembaraçar, ao mesmo tempo que do equívoco, do sujeito e, portanto, tornar impossível o erro subjetivo. Ela visa um discurso sem equívoco – o matemático à parte. Para alcançá-lo, a linguagem matemática deve ser de pura escrita, pois então o significante não representa mais o sujeito para um outro significante e, para dizer tudo, contra a lei elementar do significante – A ali é colocado miticamente como igual a A. No limite, a linguagem formal matemática não deixa lugar a nenhuma interpretação. Se a psicanálise alcançasse o ideal matemático, ela estaria no caminho de prescindir da interpretação... contanto, sem dúvida, que dela se servisse. E talvez a constatação efetuada por Cottet (1996) do declínio da interpretaçãovalida também os avanços do discurso nessa direção. Em todo caso, assim se apresenta o progresso da aritmética: como uma caça ao equívoco e sua redução à e pela escrita. Assim se isola a linguagem sem a qual a matemática não seria enunciável: a metalinguagem aqui escrita (Lacan, 1972-1973/1991b).

No Seminário Livro XVII, O Avesso da Psicanálise, Lacan (1969-1970/1991a) estende à matemática a função de disjunção entre o significante e o inconsciente que S. Freud atribui à negação. O discurso analítico se distingue, aliás, por colocar a questão de "para que serve essa forma de saber que rejeita e exclui a dinâmica da verdade."

Ela serve, continua ele, para recalcar o que habita o saber mítico. Mas, ao excluir este com a mesma tacada, disso ela não conhece mais nada a não ser sob a forma do que reencontramos sob as espécies do inconsciente, isto é, como ruína, resto desse saber, sob a forma de um saber disjunto. (p. 103)

Assim como o que é suprimido do simbólico retorna no real, a verdade retorna nas falhas do saber.

Examinemos, desse ponto de vista, o teorema de Gödel: a) um sistema não pode demonstrar sua consistência no interior dele mesmo; portanto, b) ele só pode garantir sua consistência às custas da constituição de sua própria incompleteza, isto é, fiando-se num elemento exterior a ele mesmo (o resto de natureza metalingüística de que não pode prescindir). Para J. Lacan, esse resíduo de natureza metalingüística conteria a presença do sujeito. Von Neuman4 o intui quando faz desse limite a prova de que ainda há trabalho por ser feito quando se é matemático, e a causa do desejo do matemático. J. Lacan insiste no fato de que esse limite da aritmética é a marca do sujeito ao qual se deve a separação mesma entre o campo matemático e a metalinguagem – julgamento de atribuição prévio que exclui o não-matemático. No campo da psicanálise, S(A barrado) deve ser lido da mesma forma: nada garante a consistência da psicanálise no plano do saber...

Do lado da lógica dos quantificadores, um certo uso da dupla negação não desemboca, como se diz, sobre uma afirmação, mas nos faz passar da proposição universal à particular. Intuitivamente, a frase "é ele que está chegando" se opõe a "não pode ser ele que está chegando." A particular negativa se faz ouvir no registro da exceção e assume quase valor de regra: "Não pode não ser ele." "Não pode não ser ele" não é equivalente a "é ele:" aí se inscreve, além do mais, essa marca do sujeito da enunciação – "é preciso que seja ele, eu o calculo, eu o desejo, eu o espero ou eu o temo ... "

III. Negação e dizer

A ligação entre a lógica e a enunciação se apreende pela negação por uma outra razão. A lógica das classes, a da oposição binária, pressupõe um tempo logicamente anterior – que não é dito – de privação: como há pouco invocado a respeito de Von Neuman, a exclusão do não-matemático. J. Lacan se apóia sobre o quadrante de Charles Sanders Peirce5 para demonstrá-lo.6 Essa privação funda a universal dos indivíduos que apresentam uma dada propriedade, por exemplo, ter mamas para os mamíferos como marca distintiva. Impossível estabelecer o fato de ter mamas para fundar a universal dos mamíferos sem previamente excluí-lo do conjunto dos vertebrados, uma vez que alguns vertebrados não têm mama.

No nível das classes, o "não tem-mamas" parece inscrever-se como negação da universal "tem-mamas:" com efeito, ele mascara o momento enunciativo da exclusão da marca significante mama como pertencendo ao conjunto dos vertebrados. E se se considerar essa exclusão (ou privação) prévia como uma negação,7 a negação no nível da classe será, de alguma forma, uma segunda, senão uma dupla negação!

Não há negação sem atribuição e exclusão que a antecedam logicamente. Daí o caráter paradoxal da negação: ela não pode se enunciar sem colocar ao mesmo tempo a afirmação do que ela nega. Assim como me foi ainda sugerido por Michel Lapeyre, a negação é nesse caso tanto um dizer-que-não como um sim-dizer [NT: No texto em francês, oui-dire produz um equívoco entre sim-dizer e ouvir-dizer]. O que Freud vira muito bem: a negação opera sobre o campo das representações previamente atribuídas. A negação como tal vem de uma exclusão constitutiva do ato mesmo de julgar (ou de simplesmente pensar). Apreendemos melhor o impensado da enunciação que operou a privação que se deve distinguir da enunciação de uma proposição qualquer: parece-me que essa distinção entre a enunciação que assegura a consistência do conjunto, com a condição de se excluir (correlata à privação, portanto) e a que afirma a característica de tal conjunto (por isso legível num enunciado), aplica-se à distinção entre dizer e enunciação evocada no início deste texto. Se a enunciação nos confronta com os limites de um conjunto, só o dizer nos levaria aos limites da própria lógica: ao real.

Lembremos um exemplo desse ponto de vista exumado por Bruno (1996, pp. 148-150). Ele é dado pela única intervenção de S. Freud junto ao pequeno Hans:

... eu lhe revelei então que ele tinha medo de seu pai justamente por amar tanto sua mãe. Ele devia, realmente, pensar que seu pai estivesse zangado com ele por isso, mas não era verdade, seu pai o amava assim mesmo, ele podia confessar-lhe tudo sem nenhum temor. Muito antes de ele vir ao mundo, eu já sabia que um pequeno Hans nasceria um dia que amaria tanto sua mãe que, em conseqüência disso, forçosamente teria medo de seu pai, e eu o havia anunciado a seu pai. (Freud, s.d., p. 120)

Hans é menos sensível ao conteúdo da profecia do que à forma como o professor lhe passou. O que ele exprime com um tom de incredulidade irônica: "Será que o professor fala com Deus, para poder saber tudo isso antes?" Deus designa aqui explicitamente esse ponto inlocalizável no conjunto dos ditos de Freud como no conjunto de seus próprios ditos – onde se originaria o saber -, ponto que, por ser inlocalizável nos enunciados, permite circunscrever-lhes o conjunto. É o lugar inlocalizável desse sujeito da enunciação – que, como tal, confina com o real – que qualificamos de dizer8 – sem enunciado, portanto. A localização do dizer combina com a descoberta da inconsistência do Outro: inconsistência, já que Hans pode reconhecer ao mesmo tempo que o saber de S. Freud é verdadeiro – seu pai realmente bateu nele ou deveria bater, mesmo quando este último não registrou esse detalhe, como se surpreende S. Freud – e falso – "Por que você me disse que amo mamãe e que é por isso que tenho medo, quando é você que eu amo?" (Freud, s.d., p. 121)..

IV. Experimentar os limites do Outro: o chiste e suas relações com o inconsciente.

A aproximação da lógica matemática e da lógica da fantasia, da incompleteza da lógica e da inconsistência do Outro, chamou nossa atenção para os meios aos quais o sujeito recorre para experimentar os limites do Outro. Essa posta à prova é ditada pela necessidade de se livrar dos limites do Outro para tentar agarrar um pedaço de real, a partir do que se elaborará um saber novo que leve em conta o que o sujeito é para o Outro.

Desde O chiste e suas relações com o inconsciente, S. Freud faz o inventário dos meios à disposição do sujeito para se confrontar com a instabilidade do saber. É, de início, o próprio chiste como verificação da inconsistência do Outro... contanto que uma testemunha, a dritte Person, lhe assegure a estabilidade reencontrada de antemão. É, em seguida, o cômico enquanto significação fálica de tudo o que cai – a esse respeito já podemos convocar o equívoco lacaniano do falsus (falso e caído) -, tapando o buraco aberto pela queda com o riso do incrédulo. É, enfim, o humor como jogo com o que se ouve de exigência do além do Outro, com a voz do supereu, a voz do gozo impossível de dizer porque ele não passa à castração. Estas são três modalidades do questionamento dos limites do Outro, mas três vezes seguidas da segurança renovada do sujeito quanto a sua consistência.

Ora, S. Freud menciona uma quarta modalidade, a mesma que me ocorreu para qualificar as interpretações do fim de minha análise. Freud destina-lhe algumas páginas apenas (1974, pp. 114 seq.): a ironia. O próprio Lacan (1956-1957, 1994) se insurge contra seu aviltamento habitual na agressividade, preferindo ver nela "uma forma de questionar, um modo de questão" (p. 30). Da ironia socrática à dúvida cartesiana, passando por Kierkegaard e alguns outros, a ironia implica uma duplicidade do sujeito entre adesão ao saber e questionamento como efeito desse mesmo saber, sem que a dissimulação da ignorância jamais se satisfaça com a derrisão.

S. Freud aproxima a ironia do chiste dito "com sobrelanço." Ele o define de uma maneira que para mim tem o valor de uma surpresa e justifica aqui o desvio que efetuamos pela negação: O "sim" que a redução exigiria é substituído nesses chistes por um "não" que ele próprio equivale, em virtude de seu conteúdo, a um "sim" reforçado, e reciprocamente. A contradição substitui uma afirmação com sobrelanço." O termo redução designa aqui a operação de elucidação do chiste que, ao mesmo tempo o suprime: como se diz da redução de uma fratura. A ironia surgiria a partir do momento em que a representação pelo contrário ficasse no lugar de qualquer outra técnica do chiste.

Os exemplos mais simples do procedimento são constituídos por duas piadas com judeus que o próprio S. Freud considera "pesadas." "Dois judeus falam de banhos." Um deles diz: "Tomo um banho por ano, seja útil ou não." É claro, comenta S. Freud, que esse judeu, por sua afirmação hiperbólica de limpeza, proclama justamente sua sujeira:" limpeza e sujeira se equivalem na mesma sujeira. A outra é do mesmo jaez: "Um judeu nota, na barba de um de seus pares, restos de comida. "Posso te dizer o que comeste ontem". – "Diz então." – "Lentilhas." – "Erraste! comi lentilhas anteontem." A demonstração de que seu interlocutor se engana condiz com a afirmação de que ele é ainda mais sujo do que pensava o interlocutor. Observemos primeiro que não é irônica nenhuma das falas dos protagonistas dessas duas histórias: a ironia é um efeito produzido pela história mesma e inlocalizável como tal em qualquer de seus enunciados – no que ela confina com o dizer.

Esta é, pois, a ironia: ela supõe a equivalência do sim e do não. No fundo, ela é antievangélica, se pensamos no versículo: "Que vosso sim seja sim, e que vosso não seja não."9 Esse caráter "antievangélico" deve ser posto em correlação com a "tonalidade" da questão de Hans depois da intervenção oracular de S. Freud, "tonalidade" da qual Bruno (1996, pp. 129-130)realça o matiz de ceticismo e incredulidade. O que sugere, se se colocam em série ceticismo e ironia, o interesse de uma clínica diferencial dos efeitos de interpretação: o ceticismo – não a perplexidade – incide sobre o caráter inlocalizável do sujeito de sua enunciação – "não pode ser Deus que ...". A ironia – não a agressividade - é já a conseqüência da interpretação que revela a inconsistência do Outro.

A ironia estabelece que o sim vale o não em relação a um saber que tem peso de real. Exatamente, ela valida um além da oposição entre o verdadeiro e o falso, um além da oposição entre o sim e o não, um além que ela situa no nível da existência mesma de uma verdade que não é redutível à de uma proposição e, mais precisamente ainda, no nível do real que lastra um saber: para lá da verdade ou da falsidade do enunciado, segundo o qual o primeiro judeu, mesmo limpo, tomaria seu banho anual, ou daquele, segundo o qual o barbudo teria comido lentilhas na véspera e não naquele dia mesmo. Esse real se indica no fato de que esse saber (a sujeira dos judeus das anedotas) retorna ao mesmo lugar apesar da tentativa de lhe opor o verdadeiro ou o falso de uma proposição ("não é limpo, mas sujo, quem toma um banho anual," "as lentilhas na barba não datam de ontem, mas de anteontem"). A tal ponto que podemos identificar a verdade pela qual se interessa a psicanálise pelo desembaraço de seu lugar pelo vazio, pelo vácuo - como se diz "limpeza a vácuo"- de toda proposição.

Ousemos uma proposição: a ironia é o barulho feito na caixa de ressonância constituída pelo buraco vazio da verdade, pela letra que lhe traça o littoral [NT: termo lacaniano calcado em littera (letra em latim)]. Isso significa que a ironia não se faz ouvir a não ser com a condição de mobilizar a fronteira entre saber e verdade, mas igualmente a heterotopia do significante e do real, do simbólico e do gozo. É essa fronteira entre dois registros heterótopos que, por definição, a letra delineia.

É então quase por estrutura que a interpretação psicanalítica obtém o efeito que impulsiona S. Freud a escrever seu artigo sobre a construção: "Heads I win, tails you lose." Coroa vale cara, a vitória equivale à derrota. Nesse caso a ironia é produzida no analisante como efeito da construção do analista: ela supõe a mobilização da letra, ela acompanha a manifestação do real do discurso analítico.10

Verificação pela análise: o momento em que estive mais sensivel à ironia ocorreu quando tentava refazer-me de um mau encontro, restaurando a consistência do Outro da palavra. Quando eu estava reafirmando essa confiança na palavra, o analista me pareceu ironizar um "é isso, tenha confiança!" É aliás uma das descobertas desse momento de passe: temos a linguagem para nos situar, mas ela é inconsistente; ela é inconsistente, mas a temos. Aqui se confirma a suspensão da aparente contradição entre a descoberta da inconsistência do Outro (o sim vale o não) e o que do saber pesa seu peso de real: reduzido à sua ex-sistência, sua ocorrência em um lugar indefinível. Parece-me entrever ao mesmo tempo por que J. Lacan podia preferir um discurso sem palavra: não é equivalente ter confiança no dispositivo (na estrutura, no real do simbólico) e ter confiança na palavra ou no desejo de alguém. Não se trata da eliminação da palavra, certamente, mas de levar em conta o real com o qual ela se assegura. Aqui se toca na questão política da instituição psicanalítica.

Para que a inconsistência implique o abalo dos simulacros e o encontro do real, é preciso que o discurso ponha em função o impossível da castração. Esse momento é aquele em que o analisante é reduzido ao sintoma que ele é. Esclareçamo-lo sucintamente. No que me concerne, alguma coisa se deslocou da relação com a voz cujo humor e tagarelice mascaravam o silêncio que a habitava: um nada a dizer estrutural. Foi com aquela voz que se deu a passagem ao analista, a colocação em função de um silêncio de que eu era bem incapaz, aliás – de que sou incapaz, aliás. O analista é um sintoma, afirma J. Lacan, que responde por uma certa incidência histórica: pela incidência da transformação da relação que o saber mantém com esse fundo enigmático do gozo, transformação do saber enquanto determinante para a posição do sujeito.

Podemos apreendê-lo com um exemplo tirado da clínica freudiana, exatamente da análise do Homem dos ratos (Freud, 1973, p. 243). Quando o capitão cruel lhe entrega os óculos lembrando-lhe sua dívida para com o tenente A, o paciente de S. Freud sabe que o oficial se engana. Ele fica tentado a reagir com uma observação irônica do tipo: "Vá pensando!" ou "Você pensa que vou lhe reembolsar esse dinheiro!" Qualquer coisa como um "vai falando!" Sob o peso do complexo paterno reativado pela presença do capitão, ele formula a si mesmo uma promessa, irônica ela também, que marca a constituição de seu sintoma – reembolsar o dinheiro a A – e cuja elucidação na análise resolve a obsessão dos ratos: "Sim, entregarei o dinheiro a A ..., quando meu pai ou minha amada tiverem filhos," "Eu lhe reembolsarei o dinheiro tão certo quanto meu pai e a dama terem filhos" – quando morte, esterilidade, vida e fecundidade se equivalerem!"

De maneira surpreendente, essa fórmula situa a impossibilidade (de ter filhos) do lado do Outro, uma vez que o pai está morto, e a dama é estéril. A ironia reside aqui na equivalência feita entre o verdadeiro e o impossível que o garantiria. A falta estrutural é de início resolvida pelo sintoma do sujeito que pega a falta para si; a interpretação ulterior de S. Freud, que revela essa impossibilidade, aliviará o sujeito de sua falta: ele deve pagar até a dívida do pai. A ironia faz se equivalerem o verdadeiro e o real (o impossível), como lembra Christiane Terrisse;11 mas o real se revela mais forte que o verdadeiro: queda dos simulacros. A ironia é justamente isto: essa ultrapassagem do verdeiro pelo real. No fundo, atribuindo ironicamente a vida ao pai morto, o Homem dos ratos mobilizou, sem que ele próprio soubesse, a equivalência do nome do pai e do pai real da horda primitiva, o pai inquebrantável do gozo: sim, ele é apenas uma construção de linguagem, mas que vale como condutor na passagem do real.12

Ousarei retomar aqui a evocação do memorial contra o nazismo construído por E. e J. Gerz em Hamburgo e evocado por Claude This no último colóquio de PERU?13 Uma coluna de doze metros de altura, em pedra de seção quadrada. Revestida de uma placa de chumbo, os visitantes são convidados a deixar nela gravada a marca de sua passagem. Cada vez que as paredes ficam cheias de inscrições, a coluna afunda no solo à medida que vai atingindo 1,40m. Ao final, uma placa comemorativa recobre o topo da coluna como marca de um monumento ao qual o artista deu a estrutura do significante de uma falta no Outro: o que fica no lugar daquilo que se via comemora, fixa com uma letra o que não se pode dizer do horror nazi. "De Auchswitz, escrevem os escultores, nada podemos dizer, daí uma coluna que desaparece, um lugar vazio; nada teria tido lugar a não ser o lugar." Fascistas, revisionistas, neonazistas vieram pôr sua própria marca na coluna. Mas não puderam impedi-la de descer. Assim é o gênio do artista: fazer igualmente se equivalerem contra o nazismo, a injúria racista e a marca de protesto, o falso e o verdadeiro – e dar seu valor de interpretação ao monumento hoje enterrado, verdadeira escultura irônica – S (A barrado). Pode-se aproveitar a ereção do monumento para fixar idéias criminosas, escolhe-se automaticamente contribuir para seu apagamento (sua descida no solo) até seu valor de estigma do real mais forte que o verdadeiro ...14

"Entre a verdade e o real, comenta Colette Soler, existe de qualquer forma uma relação: o real comanda a verdade, e o dizer, o da interpretação especialmente, vem do fato de que o real comanda a verdade."15 A iroria deve ser tomada como eco do efeito desse dizer sobre o saber que, não só é modificado por ele, mas justamente faz dele saber – às custas de registrar a inconsistência do Outro. Assim, a intervenção de S. Freud junto ao pequeno Hans é seguida da atribuição ao pai, pela criança, do dizer "mobilizado" pelo professor: "Por que você me diz que ...". É essa tentativa de localização entre os enunciados do Outro que dissolve a consistência deste último, fazendo se equivalerem simbólico (dito, enunciação) e real (dizer): o enunciado é e não é do Outro. Assim se indica a contrario o real para lá da oposição do verdadeiro e do falso, de onde ele comanda a existência mesma da verdade.

A interpretação seria imbecil sem a lógica. Mas a interpretação irônica – ou a ironia da interpretação psicanalítica – consiste em levar o sujeito a encarnar o limite da lógica, a verificar que é o sujeito que introduz a indeterminação em resposta à inconsistência do Outro. Ele a encarna com a identificação ao sintoma: a letra do sintoma ao mesmo tempo reduz absolutamente o equívoco e fixa o gozo mais particular, o gozo que o sujeito deve ao fato de falar – em vez de rejeitá-lo ou recalcá-lo. Daí por que, se o inconsciente é real não realizado, a interpretação psicanalítica é aquela que (por intermédio do dizer) objeta ao inconsciente pelo fato de abrir à realização do real.

V. A ironia

Que me perdoem por concluir com uma longa citação de J. Lacan. Eu me satisfarei por tê-la enfim explicado a mim mesmo pelo que precede. Ela é extraída das "Respostas a estudantes de filosofia sobre o objeto da psicanálise" (Lacan, 1966).

"O mínimo que vocês podem me conceder no que diz respeito a minha teoria da linguagem," comenta Lacan (1966, pp. 10-11),

é ... que ela é materialista. O significante é a matéria que se transcende em linguagem. Deixo-lhes a escolha de atribuir essa frase a um Bouvard comunista ou a um Pécuchet a quem excitam as maravilhas do D.N.A.. Pois vocês se enganam quando acreditam que me preocupo com metafísica a ponto de fazer uma viagem para encontrá-la. Eu a tenho no domicílio, isto é, na clínica, onde a mantenho em termos que me permitem responder-lhes lapidarmente a respeito da função social da doença mental: sua função, social, como vocês bem disseram, é a ironia. Quando tiverem a prática com o esquizofrênico, vocês conhecerão a ironia que o arma, levando à raiz de toda relação social. Contudo, quando essa doença é a neurose, a ironia perde sua função, e esse é o achado de Freud, tê-la, de qualquer modo, reconhecido ali, mediante o que ele lha restaura em seu pleno direito, o que equivale à cura da neurose. (cf. a sedação dos sintomas obsessivos no Homem dos ratos)

O que, logicamente, equivale a situar a cura da relação com a inconsistência – partejada pela análise – do Outro.

Continua J. Lacan: "Agora a psicanálise sucedeu à neurose: tem a mesma função social, mas também a perde. Tento nela restabelecer a ironia em seus direitos, mediante o que talvez nos curemos também da psicanálise de hoje." Atenção, não se trata da psicanálise, mas da psicanálise de hoje, essa neurose que ele combate nos Escritos. Mas a observação de J. Lacan correlaciona a ironia dessa vez não mais com a cura da neurose, mas da psicanálise - isto é, no passe.

Viva a ironia!

Sauret, M.-J. (1999). The Logic of Irony. Psicologia USP, 10, (2), 59-79.

Far from being attained to the indescribable, the phychoanalysis, after and thanks to Lacan, do not hesitate in explaining itself based upon the logic of its discourse: it demonstrates that even being so distinctive from science, it makes an effort to be as rigorous as this one. This derives from the fact that it brings upon itself the trace of its subject. Irony is one of the indicators of the subject’s meeting with knowing that there isn’t knowledge that reduces the subject to one of its statements.

Index terms: Psychoanalysis. Lacan, Jacques. Logic. Irony.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço de correspodência: 11 avenue du Cimetière, 31500 – Toulouse – France.

2 Freud (1925/1985), La négation. É necessário lembrar aqui a tradução já antiga e sempre incontornável de Pierre Thèves Bernard This publicada no número 6 de Quarto ao mesmo tempo que um importante trabalho de cartel sobre este artigo.

3 Este significante das representacões que faltam devido à foraclusão delas no conjunto das representações atribuídas é então um equivalente deste catálogo que falta ao conjunto desses catálogos: S (A barrado)

4 Cf. Lacan (1967-1968), Le Séminaire. Livre XV: L’acte psychanalytique. Inédito, aula de 8 de janeiro, 1968. Cf. Alberti (1996), D’un oubli inaugural: Alan Turing et sa a-machine, p. 159.

6 Lacan (1961-1962), Le Séminaire. Livre IX: L’identification. Aula de 7 de março de 1962, inédito; Lacan (1967-1968), Le Séminaire, Livre XV: L’acte psychanalytique. Aula de 7 de fevereiro 1968, inédito.

7 É esta operação que a matemática desconhece quando coloca a equivalência de A consigo mesmo: ela esquece que o A teve de ser distinguido do conjunto dos outros elementos e dele mesmo como elemento de contagem (exatamente como nas frases "é um um," os dois "um" não são equivalentes).

12 Da mesma maneira, Freud qualifica de irônica a teoria de Hans, segundo a qual, a cegonha teria colocado Anna, recém-nascida, na cama do pai adormecido: uma teoria que alia impotência paterna e paternidade; irônica ainda "a súplica subseqüente de nada trair deste segredo à sua mãe," onde se indicam o reconhecimento da inconsistência deste saber sobre a origem das crianças.

13 Claude This, "Un lieu de mémoire: Le monument englouti," comunicação no "4ème Colloque de Psychanalyse et Recherches Universitaires (PERU)," Nantes, 23 de março de 1996. Wajeman (1996) analisa o mesmo monumento, de maneira notável, em La ressemblance et le moderne.

15 Soler (1995), Le bien-dire de l’analyse. Université de Paris VIII, Départament de Psychanalyse, Section Clinique, 1994-1995, curso de 7 junho 1995, p. 126.

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  • Wajeman, G. (1996). La ressemblance et le moderne. Barca!, (7), 95-20.
  • Zenoni, A. (1986). La négation du sujet. Ornicar, (38).
  • 1
    Reescrita parcial da sessão realizada em 12 de abril de 1996 no Seminário de Analista da Escola de Marie-Jean Sauret em Toulouse: "L’interprétation après la passe: Entre logique et poétique." (Tradução de Sílmia Sobreira).
  • 5
    Peirce (1986),
    Le quadrant, pp. 25-26. Tradução das páginas 279-283 dos
    Collected papers (Vols. 2-3). Cambridge, MA: Harvard University Press, por Thelma Sowley. Em um quadrante, Peirce distribui em cada um dos quartos uma das possibilidades associando um traço ao predicado vertical: ausência de traço,traços exclusivamente verticais, traços verticais e não verticais, traços exclusivamente não verticais: o isolamento da característica traços verticais supõe sua extração do conjunto de traços: o que é inscrito pela casa vazia dos traços no quadrante superior direito.
  • 8
    Entre as conseqüências desta discriminação entre
    enunciação e
    dizer figura, sem dúvida, a possibilidade de distinguir ainda entre a lógica- o verdadeiro e o falso, o sim e o não- que o inconsciente como buraco não conhece, e a
    gramática que ele deveria examinar do ponto de vista da pulsão. Deixaremos isto de lado. Em conseqüência, igualmente, a distinção entre real do sujeito e real da ciência só se mantém aproximadamente, na medida que é necessário um sábio para
    enunciar este corte. Estamos numa época onde os físicos descobrem o caráter ineliminável do tempo. Seu caráter irreversível torna problemática a velha física deremista de Laplace, segundo a qual hoje é o efeito de ontem e a causa de amanhã. Parece que levar em conta a vida, o tempo e a linguagem para explicá-los,obriga a reintroduzir o próprio sujeito no saber: indeterminação, probabilidade, incerteza, contingência, seriam suas cicatrizes. Contra o determinismo psicológico e essencialmente o dos neuro-cognitivistas, estaríamos mais próximos que nunca da realização do programa das ciências conjeturais que J. Lacan evocou em "Fonction et champ de la parole et du langage." Mas são a lógica, a matemática e a física contemporâneas, que desenvolvem a teoria da conjetura que deveria permitir reagrupar, sob o mesmo chapéu, as ciências até o presente ditas humanas e as ciências exatas.
  • 9
    Com a condição de esquecer o que bem pode levar a enunciar um tal comando. Pois existe uma ironia evangélica fundamental: mesmo na promoção da morte de Deus, o vivo por excelência!
  • 10
    Esta acepção da ironia é homogênea às diversas menções que dela faz Lacan em seu discurso de Roma-e que convocamos a título de verificação. Por exemplo, ele qualifica de irônica a suposição segundo a qual tudo o que é racional é real- de maneira enigmática, salvo ao se poder considerar racional e real como dois termos contrários. Mesmo o uso do termo a propósito da "noção de instinto de morte:" "por menos que a consideremos, (ela) se propõe como irônica, seu sentido deve ser procurado na conjunção de dois termos contrários".Por outro lado, após ter mostrado que a condição da criação reside na possibilidade para o sujeito de se emancipar do que determina, J. Lacan escreve: " a ironia das revoluções é que elas engendram um poder tanto mais absoluto em seu exercício não como se diz pelo fato que seja mais anônimo, mas pelo fato que ele fica mais reduzido às palavras que o significam." A revolução (como a dissolução) permite escapar ao poder das palavras... mas ela reforça o poder, precisamente, como poder das palavras: ironia que reencontraremos na afirmação de
    Télévision, segundo o qual, criticar um discurso equivale a reforçá-lo. É que há maneira e maneira de fazer funcionar o limite do Outro: opor a consistência de um discurso à de um outro discurso para revelar sua inconsistência sempre a reforçar sua consistência do fato mesmo de se colocar como sua exceção.
  • 11
    Tomo emprestado o exemplo da introdução de Christiane Terrisse no "Segundo Colóquio da A.C.F.-T.M.P.," "Suggérer-interpréter-construire," Toulouse, 4 de maio de 1996.
  • 14
    A escultura se prestaria melhor à ironia que outras atividades? Por ocasião de uma conferência em Albi (1995, inédita), Pierre Bruno comentou uma obra de Manzoni, um bloco de pedra sobre o qual estava inscrito
    ao avesso "O pedestal da terra"- assim, aquele que queria ler deveria de alguma maneira "colocar os pés para o céu, assentados num chão
    inlocalizável." Como melhor sublinhar a necessidade da letra para este efeito de irônico? É com esse recurso da letra que joga a revista
    Barca! Obrigando quem deseja percorrer o índice da capa a fazê-lo efetuando um quarto de giro.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Ago 2000
    • Data do Fascículo
      1999
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