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Teoria da Tributação Ótima: Contribuições para a Realidade Brasileira

RESUMO

Objetivos:

este ensaio teórico tem como objetivo apresentar fundamentos clássicos e contemporâneos da teoria da tributação ótima (TTO) e problematizar sobre sua presença e possibilidades no debate da política tributária no Brasil. Contexto: tais objetivos se situam no contexto contemporâneo que discute reformas tributárias voltadas para uma gestão pública eficiente e, ao mesmo tempo, socialmente responsável.

Métodos:

levantado o estado do conhecimento da tributação ótima no Brasil, e a partir da abordagem da economia e do direito político, buscou-se identificar dados secundários sobre a distribuição tributária em países da Organization for Economic Co-operation and Development (OCDE) em análise relacional com dados do Brasil.

Resultados:

o texto chama atenção para o fato de que a TTO consegue trazer as questões sociais para discussão de políticas públicas de gestão tributária de forma estruturada, tendo como perspectiva a inclusão e a responsabilidade social, a partir da importância de um tratamento diferenciado dos agentes econômicos, físicos e jurídicos, suas necessidades e possibilidades.

Conclusão:

conclui-se que, a exemplo de outros países, a TTO está presente no debate brasileiro expressando como possível e necessário avançar em uma política tributária que responda às necessidades de arrecadação pública articuladas e conciliadas ao bem-estar social por meio de uma gestão responsável, moderna e transparente.

Palavras-chave:
teoria da tributação ótima; política pública; reforma tributária; gestão pública

ABSTRACT

Objectives:

this theoretical essay aims to present classic and contemporary fundamentals of the optimal tax theory (OTT) and to problematize its presence and possibilities in the scenario of tax policy in Brazil.

Context:

such objectives are located in the contemporary context that discusses tax reforms aimed at efficient and socially responsible public management.

Methods:

after surveying the state of knowledge of optimal taxation in Brazil, and from the perspective of economics and political law, we sought to identify secondary data on tax distribution in Organization for Economic Co-operation and Development (OECD) countries in relational analysis with data from Brazil.

Results:

the text draws attention to the fact that OTT is able to bring social issues to the discussion of public tax management policies in a structured way, with the perspective of inclusion and social responsibility, based on the importance of different treatment of economic agents, physical and legal, based on their needs and possibilities.

Conclusion:

it is concluded that, like in other countries, OTT is present in the Brazilian debate expressing as possible and necessary to advance in a tax policy that responds to the needs of public collection articulated and reconciled to social well-being through responsible management, modern and transparent.

Keywords:
optimal taxation theory; public policy; tax reform; public administration

INTRODUÇÃO

No Brasil, a política tributária e sua necessidade de reforma é questão crucial frente ao momento de crise econômica e o acirramento político que atravessam o mundo na segunda década do século XXI. Crise e acirramento que se intensificam globalmente neste início de 2020, pela situação de pandemia que dissemina o contágio, o adoecimento e a letalidade provocados pela Covid-19, síndrome respiratória aguda grave causada por coronavírus (SARS Cov2). A importância se acentua na medida em que as justificativas da crise afetam diretamente as concepções, funções e dimensões de Estado, chamado a agir politicamente frente às estruturais e conjunturais urgências econômicas e sociais pelas quais passam as nações do mundo.

A política tributária no Brasil tem sido recorrentemente tratada sob o ponto de vista da arrecadação de receita para manutenção das contas e investimentos públicos, sob o argumento de que a receita é oriunda de sacrifícios de empresas e cidadãos para sustentar o Estado, não raro apontado como superdimensionado, ensimesmado e corrupto. Tal pensamento, mais profundamente difundido a partir dos anos 1970 pelo neoliberalismo, recentemente encontra-se retomado numa abordagem ultraliberal, que parte do pressuposto de que o Estado não deve prover direitos sociais para sua população, deixando sua oferta, na forma de mercadorias, bens e serviços, a cargo da iniciativa privada, pessoas físicas e jurídicas, sobre as quais tem pesado a carga tributária do país. O argumento pode ser percebido no Novo Regime Fiscal (emenda constitucional n.º 95 de 15 de dezembro de 2016), que congela por vinte anos os gastos com a oferta de serviços públicos à sociedade, chamados de despesas primárias (ou não financeiras) do Estado brasileiro.

Contudo, as implicações desta perspectiva nas políticas tributárias brasileiras deveriam considerar a complexidade econômica e a organização social, profundamente marcadas por desigualdades sociais e assimetrias regionais. Neste cenário, o presente artigo problematiza a presença da Teoria da Tributação Ótima (TTO) teórica e politicamente no Brasil. Assim, é possível problematizar alternativas teóricas que possam contribuir principalmente para os debates voltados à reforma tributária necessária no país, que sugerem que não se perca de vista o contexto de profundas desigualdades sociais. Para tanto, do ponto de vista dos recursos e estratégias metodológicas, o presente ensaio teórico deu-se em três etapas: apresentação dos fundamentos clássicos da TTO, levantamento do estado do conhecimento da TTO no Brasil e, ainda, observação de políticas e dados empíricos da realidade tributária no Brasil e na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) entre os anos de 2006 e 2016.

As estratégias metodológicas, de caráter teórico e bibliográfico, permitiram aprofundamentos clássicos e contemporâneos sobre a TTO. Partiu-se dos precursores Ramsey, Diamond e Mirrlees, na perspectiva de Lageman (2004), além de Silveira, Passos e Guedes (2018)Silveira, F. G., Passos, L. & Guedes, D. R. (2018). Reforma tributária no Brasil: Por onde começar? Saúde em Debate, 42(Spec. 3), 212-225.https://doi.org/10.1590/0103-11042018s316
https://doi.org/10.1590/0103-11042018s31...
, Villas-Bôas (2015)Villas-Bôas, M. A. (2015). A teoria da tributação ótima aplicada ao sistema brasileiro: O trabalho de Peter Diamond e James Mirrlees. Direito UNIFACS-Debate Virtual, (181). Retrieved from: https://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/3882/0
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, Botelho e Abrantes (2018)Botelho, L. H. F. F. & Abrantes, L. A. (2018). Reflexões sobre as incidências tributárias no Brasil e suas relações com o desenvolvimento socioeconômico nacional. Ciências Sociais Unisinos, 54(1), 126-133. Retrieved from: de http://revistas.unisinos.br/index.php/ciencias_sociais/article/view/csu.2018.54.1.12/60746193
http://revistas.unisinos.br/index.php/ci...
e Appy (2015)Appy, B. (2015). Por que o sistema tributário brasileiro precisa ser reformado? Interesse Nacional, 8(31), 65-81. Retrieved from: http://www.ccif.com.br/wpcontent/uploads/2018/07/Appy_Tributa%C3%A7%C3%A3o_1610.pdf
http://www.ccif.com.br/wpcontent/uploads...
, além de retomar fundamentos clássicos presentes em Smith (1983)Smith, A. (1983). Riqueza das nações: Investigação sobre sua natureza e suas causas. (Vol. 2, L. J. Baraúna, Trad.). São Paulo: Abril Cultural, 1983.. Somou-se o levantamento das produções científicas brasileiras que dão conta da história recente da presença da teoria da tributação ótima no Brasil, em banco de teses, dissertações e artigos científicos em revistas brasileiras Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) e Scientific Electronic Library Online (SciELO). Os números da produção brasileira revelam que no Brasil, do ponto de vista acadêmico, tais publicações são relativamente recentes (a primeira em 2013). Revelou-se que seu volume e fator de impacto possam estar aquém de sua importância, apesar de ser possível perceber aumento nos últimos dois anos (2018 e 2019). Já no debate internacional, a teoria da tributação ótima (TTO Optimal Taxation Theory) tem presença intensa.

Por fim, como forma de enriquecer o estudo, na terceira etapa da investigação foram utilizadas análises relacionais e comparativas com base em relatórios e dados estatísticos da OCDE, em especial no período de 2006 a 2016, que permitiram observar a realidade da política tributária brasileira frente a outras nações, além de articulá-la com o debate da reforma tributária no país. Os dados mais detalhados sobre o cenário da arrecadação brasileira partiram de estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP) por encomenda do Ibracem (Instituto Brasileiro de Certificação e Monitoramento [Ibracem], 2019Instituto Brasileiro de Certificação e Monitoramento. (2019). Pesquisa FGV. Retrieved from: https://ibracem.org.br/index.php/ambiente-mercado/pesquisa-de-mercado-fgv
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), além de levantamento de dados feitos na Receita Federal do Brasil (Brasil, 2017Brasil. Receita Federal do Brasil. (2017). Carga tributária no Brasil: Análise dos tributos e base de incidência. Retrieved from: http://receita.economia.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/carga-tributaria-no-brasil/carga-tributaria-2016.pdf
http://receita.economia.gov.br/dados/rec...
). Em última instância, a análise se deu pela origem do imposto a partir de dois grupos: o primeiro, sobre renda, lucro, ganho de capital e propriedade; e o segundo sobre a folha de salários, bens e consumo. A hipótese é de que os desdobramentos e amadurecimentos da TTO, por considerar em seu arcabouço não apenas os aspectos econômicos, mas também o bem-estar social e fatores relacionados à equidade, ao equilíbrio e à gestão pública, possam trazer contribuições importantes para a questão tributária, a exemplo do que vem acontecendo em outros países.

O presente ensaio teórico apresenta inicialmente uma análise relacional entre as reformas do Estado, a garantia do bem-estar e os impactos da contribuição tributária na vida dos cidadãos e dos setores mais populares da economia. Para tanto, são retomados desde os fundamentos da economia clássica, que remontam de 1776 com Smith (1983)Smith, A. (1983). Riqueza das nações: Investigação sobre sua natureza e suas causas. (Vol. 2, L. J. Baraúna, Trad.). São Paulo: Abril Cultural, 1983. até o momento do pós-Segunda Guerra Mundial, até o estado do conhecimento da produção brasileira sobre o tema. Em seguida, para fortalecer a discussão, e considerando princípios básicos da gestão da política tributária, são apresentados dados que permitem análises comparativas da série histórica de 2006 a 2016, destacando a dinâmica das políticas brasileiras, sobretudo no debate voltado à reforma tributária no Brasil. Nesse momento, evidencia-se a fragilidade da matriz tributária nacional que caminha na contramão das teorias modernas de tributação, uma vez que atua com arrecadação baseada menos em propriedade e renda, e mais em bens de consumo.

Entende-se que a fragilidade do atual modelo nacional reside no fato de a tributação sob bens de consumo, assim como da folha de pagamento, impactar negativamente o consumo, a geração de emprego e renda, e, por conseguinte, o desenvolvimento dos municípios, dos estados e do país. Conclui-se que a política reformista cujo debate se limita à arrecadação como fonte de geração de mais recursos para o Estado (enfoque da eficiência na arrecadação) pode apresentar-se falha se a abordagem não for ampliada às questões de desenvolvimento social (enfoque na equidade). Contudo, se a reforma tributária for ineficiente, isso pode agravar o problema do Estado para além de sua saúde fiscal e comprometer o desenvolvimento do país. Para tanto, deve-se considerar papéis ambíguos dos agentes envolvidos, já que os contribuintes e o Estado são ao mesmo tempo benfeitores e beneficiados por meio das políticas tributárias.

EVOLUÇÃO DA TEORIA DE TRIBUTAÇÃO ÓTIMA, A DINÂMICA DO ESTADO E OUTROS AGENTES ENVOLVIDOS

Impulsionados pela crise pós-Primeira Guerra Mundial, em especial com a crise da Bolsa de Nova York em 1929, os estudos teóricos relacionados às políticas tributárias começaram a emergir como fruto de iniciativas adotadas naquele momento, no âmbito político e social. A política fiscal passou a ser não apenas um objeto das teorias econômicas, como também das questões sociais com vistas a mitigar os impactos da depressão econômica, tornando-se base para ações intervencionistas visando à geração de emprego e redistribuição de renda. Nesse cenário, aumentou-se o interesse sobre estudos econômicos relacionados à tributação ideal, especialmente a partir de Ramsey, em publicação de 1927, intitulada “Uma contribuição para a teoria da tributação” (Lageman, 2004Lagemann, E. (2004) Tributação ótima. Ensaios FEE, 25(2), 403-426. Retrieved from https://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/viewFile/2064/2446
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).

Ramsey foi pioneiro nesse debate e direcionou seu foco à eficiência da produção e à redução de distorções pela tributação sobre o consumo, com base na elasticidade da oferta e da demanda. Assim, a regra descrita por este autor para a questão tributária fundamenta-se em situação ótima do sistema sob a ótica da eficiência, em modelagem econômica que apresenta um tipo único de consumidor ou com consumidores com os mesmos gostos e hábitos (Lageman, 2004Lagemann, E. (2004) Tributação ótima. Ensaios FEE, 25(2), 403-426. Retrieved from https://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/viewFile/2064/2446
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). “O importante nessa regra é o reconhecimento de que um sistema tributário é avaliado basicamente pela alteração das quantidades relativas. No foco, estão, pois, as alterações nas quantidades provocadas pelo efeito-substituição” (Ramsey apud Lageman, 2004Lagemann, E. (2004) Tributação ótima. Ensaios FEE, 25(2), 403-426. Retrieved from https://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/viewFile/2064/2446
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, p. 409).

Contudo, foi a partir de 1971 que os debates sobre a teoria da tributação ótima se ampliaram com a publicação em 1971 de dois artigos de Diamond e Mirrlees, “Optimal taxation and public production” I e II (Lageman, 2004Lagemann, E. (2004) Tributação ótima. Ensaios FEE, 25(2), 403-426. Retrieved from https://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/viewFile/2064/2446
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). Nesses artigos os autores partiram das regras de Ramsey e agregaram o tempo livre como um bem não tributado, assim os bens complementares ao lazer deveriam ter maior tributação do que os bens pouco ou menos complementares ao tempo livre. De acordo com Lageman (2004)Lagemann, E. (2004) Tributação ótima. Ensaios FEE, 25(2), 403-426. Retrieved from https://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/viewFile/2064/2446
https://revistas.fee.tche.br/index.php/e...
, Diamond e Mirrlees, por influência de Keynes e Vickrey, agregaram análises sobre equidade às tradicionais preocupações sobre eficiência, trabalhando sobre o paradoxo que vigora até hoje na teoria da tributação ótima, o chamado trade-off entre eficiência e equidade.

Juntos, Diamond e Mirrlees provocaram uma revolução nos estudos sobre política tributária e na tributação de um modo geral (Lageman, 2004Lagemann, E. (2004) Tributação ótima. Ensaios FEE, 25(2), 403-426. Retrieved from https://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/viewFile/2064/2446
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). Eles demonstraram quão complexo é o sistema tributário e o quão incerto podem ser os efeitos dos tributos. Nessa direção, apresenta-se a necessidade de conhecimentos multidisciplinares para enriquecer a discussão, ampliando as perspectivas tanto com foco na eficiência como na equidade. Para Silveira, Passos e Guedes (2018)Silveira, F. G., Passos, L. & Guedes, D. R. (2018). Reforma tributária no Brasil: Por onde começar? Saúde em Debate, 42(Spec. 3), 212-225.https://doi.org/10.1590/0103-11042018s316
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, em termos práticos o modelo de Diamond e Mirrlees “é uma extensão do resultado de Ramsey ao considerar uma economia com vários agentes. Com a modelagem desses autores, a Tributação Ótima passou a, de fato, incorporar o conflito entre eficiência e equidade” (Silveira, Passos, & Guedes, 2018Silveira, F. G., Passos, L. & Guedes, D. R. (2018). Reforma tributária no Brasil: Por onde começar? Saúde em Debate, 42(Spec. 3), 212-225.https://doi.org/10.1590/0103-11042018s316
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, p. 218).

Essa (r)evolução da teoria partiu de uma análise linear (Ramsey) para uma análise não linear (Diamond e Mirrlees), saindo do foco exclusivo na eficiência, noção aplicada à produção e reprodução da lógica econômica vigente, para a perspectiva de maximização do bem-estar social, relacionado à noção de equidade. Neste aspecto, pode-se afirmar, conforme sustenta Villas-Bôas (2015)Villas-Bôas, M. A. (2015). A teoria da tributação ótima aplicada ao sistema brasileiro: O trabalho de Peter Diamond e James Mirrlees. Direito UNIFACS-Debate Virtual, (181). Retrieved from: https://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/3882/0
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, que se trata de um paradoxo, já que as políticas tributárias devem procurar um equilíbrio entre equidade e eficiência. “Esse foi exatamente o objetivo de Diamond e Mirrlees. O trabalho de Ramsey focou exclusivamente na eficiência da produção, na redução de distorções pela tributação sobre o consumo com base na elasticidade da oferta e demanda” (Villas-Bôas, 2015Villas-Bôas, M. A. (2015). A teoria da tributação ótima aplicada ao sistema brasileiro: O trabalho de Peter Diamond e James Mirrlees. Direito UNIFACS-Debate Virtual, (181). Retrieved from: https://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/3882/0
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, p. 2).

Com essa análise mais sistêmica e integrada, observam-se os avanços dos estudos que problematizam sobre políticas de tributação, a partir de aspectos concernentes à mitigação de desigualdades sociais. Isso considerando que:

Se todos precisam contribuir financeiramente para que o Estado possa gastar esse dinheiro em serviços públicos de qualidade e programas sociais, de modo a conferir um mínimo essencial ao cidadão mais carente, aquele com renda mais alta pode contribuir mais do que o sujeito carente, que já tem grandes limitações. A partir daí pode ser também construída a noção de seletividade dos tributos sobre o consumo, ou seja, bens mais básicos, que são consumidos por qualquer cidadão, sobretudo aqueles consumidos pelos mais pobres, deveriam ter uma tributação menor do que os bens mais supérfluos, sobretudo aqueles consumidos pelos mais ricos (Villas-Bôas, 2015Villas-Bôas, M. A. (2015). A teoria da tributação ótima aplicada ao sistema brasileiro: O trabalho de Peter Diamond e James Mirrlees. Direito UNIFACS-Debate Virtual, (181). Retrieved from: https://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/3882/0
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, p. 2).

Nos artigos de 1971, Diamond e Mirrlees trouxeram outras reflexões importantes, sustentando que a conferência de equidade por uma tributação ótima deve então discriminar os indivíduos pela renda por eles recebida em determinado período (Lageman, 2004Lagemann, E. (2004) Tributação ótima. Ensaios FEE, 25(2), 403-426. Retrieved from https://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/viewFile/2064/2446
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). Esse modelo é praticado em alguns países há algum tempo, mas o debate se ampliou para entendimento de variáveis como alíquotas e categorias de indivíduos. Assim, persiste então a necessidade de estudar o equilíbrio entre o capital e o bem-estar social.

Uma maior aplicação de recursos pode estar relacionada a uma busca de equidade e desenvolvimento social, nesse escopo, também se encaixa a teoria da tributação ótima, que tem como vertente a busca de justiça social, uma vez que a tributação também está relacionada ao bem-estar social a partir de uma maior atuação do Estado, gerando necessidade de maiores montantes de recursos públicos (Botelho & Abrantes, 2018Botelho, L. H. F. F. & Abrantes, L. A. (2018). Reflexões sobre as incidências tributárias no Brasil e suas relações com o desenvolvimento socioeconômico nacional. Ciências Sociais Unisinos, 54(1), 126-133. Retrieved from: de http://revistas.unisinos.br/index.php/ciencias_sociais/article/view/csu.2018.54.1.12/60746193
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, p. 128).

A busca desse equilíbrio precisa da mão do Estado por meio de políticas tributárias, que podem (e devem) intervir, tanto no âmbito da economia como no de outras ciências como as sociais. Ainda nos desdobramentos e desenvolvimento do papel do Estado na TTO, observa-se que

Os estudos da época eram focados, e muitos ainda são hoje, quase exclusivamente na ideia de gerar mais capital e na premissa de um mercado que funciona como uma 'mão invisível' que levaria ao equilíbrio. O trabalho de Diamond e Mirrlees parece demonstrar que a economia é desenhada não somente pelas relações econômicas travadas entre as pessoas, porém requer um agente estatal bem atuante, que busque as políticas econômicas ótimas para o bem-estar social (Villas-Bôas, 2015Villas-Bôas, M. A. (2015). A teoria da tributação ótima aplicada ao sistema brasileiro: O trabalho de Peter Diamond e James Mirrlees. Direito UNIFACS-Debate Virtual, (181). Retrieved from: https://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/3882/0
https://revistas.unifacs.br/index.php/re...
, p. 4).

Para esse debate, Piketty (2014)Piketty, T. (2014). O Capital no Século XXI. (M. B. de Bolle, Trad.). Rio de Janeiro: Intrínseca. propõe medidas baseadas no liberalismo como pactos de justiça social e liberdade individual, como forma de garantir que a democracia não sucumba ao crescimento vertiginoso das desigualdades. “A desigualdade exprime uma contradição lógica fundamental. O empresário tende inevitavelmente a se transformar em rentista e a dominar cada vez mais aqueles que só possuem sua força de trabalho” (Piketty, 2014Piketty, T. (2014). O Capital no Século XXI. (M. B. de Bolle, Trad.). Rio de Janeiro: Intrínseca., p. 555). Para este autor, “uma vez constituído, o capital se reproduz sozinho, mais rápido do que cresce a produção. O passado devora o futuro” (Piketty, 2014Piketty, T. (2014). O Capital no Século XXI. (M. B. de Bolle, Trad.). Rio de Janeiro: Intrínseca., p. 555).

Por outro lado, o Estado sempre contou com diferentes formas de arrecadação como fonte principal de financiamento das suas estruturas de funcionamento e como forma de viabilizar seus projetos e investimentos. Smith afirma que

Os súditos de cada Estado devem contribuir o máximo possível para a manutenção do Governo, em proporção a suas respectivas capacidades, isto é, em proporção ao rendimento de que cada um desfruta, sob a proteção do Estado. As despesas de governo, em relação aos indivíduos de uma grande nação, são como as despesas de administração em relação aos rendeiros associados de uma grande propriedade, os quais são obrigados a contribuir em proporção aos respectivos interesses que têm na propriedade (Smith, 1983Smith, A. (1983). Riqueza das nações: Investigação sobre sua natureza e suas causas. (Vol. 2, L. J. Baraúna, Trad.). São Paulo: Abril Cultural, 1983., pp. 247-248).

Assim, o sistema tributário se torna peça fundamental para a manutenção do Estado e de suas ações junto a populações e territórios, seja para minimizar desigualdades ou restringir e limitar crescimentos de setores nocivos, seja para buscar crescimento e desenvolvimento de setores e/ou territórios específicos.

Nesse sentido, estruturar políticas tributárias se torna cada vez mais importante, tendo como principal desafio a harmonia entre a equidade e a eficiência. Outro desafio é que a premissa da contribuição de todos não justifica sacrifícios dos menos abastados, e que a premissa da isonomia não justifica menores contribuições dos mais ricos. Considera-se, então, o princípio da igualdade “o Estado deve tratar os desiguais de forma desigual à medida da sua desigualdade” (Nery, 1999Nery N., Jr. Princípios do processo civil à luz da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999., p. 42). A TTO nesse contexto pode oferecer subsídios para se pensar soluções aplicadas a esta problemática.

O arcabouço analítico dessa teoria baseia-se nos critérios de otimalidade, na especificação das preferências do agente econômico e do bem-estar social e na modelagem dos efeitos de eficiência e equidade. O uso desses instrumentos, presentes na teoria moderna da tributação, reflete a necessidade de um tratamento explícito dos objetivos do governo, por um lado, e das restrições com relação às suas atividades, por outro (Barbosa & Siqueira, 2001Barbosa, A. L. N. & Siqueira, R. B. Imposto ótimo sobre o consumo: Resenha da teoria e uma aplicação ao caso brasileiro. Rio de Janeiro: Ipea, 2001. [Texto para discussão nº 811]. Retrieved from: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=4069
https://www.ipea.gov.br/portal/index.php...
, p. 1).

Entre os conceitos para a busca de um sistema tributário maduro, vê-se a necessidade de fortalecê-lo sem, contudo, desconsiderar questões inerentes aos contribuintes, aos instrumentos de gestão, dos impactos na perspectiva da distribuição de riqueza e das distorções possíveis entre setores da economia e setores da sociedade. Direciona-se, para tanto, à aplicação de teorias de gestão que levem a uma visão sistêmica, a partir de dados e informações prévias, bem como análise de cenários e diferentes entendimentos, até finalmente uma análise estruturada das reais necessidades atuais e futuras. Um passo inicial importante passa pela redução do ‘peso morto’ sob o Estado, conforme descreve Paes:

O interesse da tributação ótima é reduzir a perda de peso morto na economia (deadweight loss, em inglês), ou seja, um aumento da eficiência econômica. A perda de peso morto aparece em razão da mudança de comportamento dos agentes induzida pelo sistema tributário. Os agentes tomam decisões econômicas diferentes das que escolheriam se não houvesse tributação, o que reduz o seu bem-estar (Paes, 2018Paes, N. L. (2018). Diagnóstico da tributação da renda da pessoa jurídica no Brasil. Estudios Económicos, 35 (71), 47-72. Retrieved from: http://bibliotecadigital.uns.edu.ar/pdf/ee/v35n71/v35n71a03.pdf
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, p. 50).

Conforme Stiglitz citando Paes, o caso tributário “aponta que a perda de bem-estar é proporcional ao quadrado da alíquota tributária, e depende também das elasticidades envolvidas” (Stiglitz apud Paes, 2018Paes, N. L. (2018). Diagnóstico da tributação da renda da pessoa jurídica no Brasil. Estudios Económicos, 35 (71), 47-72. Retrieved from: http://bibliotecadigital.uns.edu.ar/pdf/ee/v35n71/v35n71a03.pdf
http://bibliotecadigital.uns.edu.ar/pdf/...
, p. 50), de forma a evidenciar o quanto as questões sociais, políticas e econômicas estão totalmente imbricadas. Isso significa dizer que elas não devem ser tratadas isoladamente.

Isto posto, é importante considerar em retomada os princípios econômicos postulados por Smith (1983)Smith, A. (1983). Riqueza das nações: Investigação sobre sua natureza e suas causas. (Vol. 2, L. J. Baraúna, Trad.). São Paulo: Abril Cultural, 1983. no pensamento da tributação ideal. O postulado da capacidade contributiva, considerando as especificidades de cada contribuinte, é importante para que o cidadão não se sinta imolado ao contribuir. Já no postulado do princípio da certeza, é imperioso que fique claro a todos os critérios que balizam a definição do imposto a ser cobrado de cada cidadão, bem como questões como data, forma, cálculo, não pairando dúvidas ao contribuinte ou a quem quer que seja. No postulado da comodidade na tributação, considera-se a conveniência do pagamento do tributo a partir da perspectiva daquele que contribui. Por outro lado, o postulado do princípio da economia no recolhimento está relacionado à eficiência e cuidado do ente público na cobrança dos impostos junto à população contribuinte.

Dessa forma, a redistribuição fiscal pode ser uma possibilidade de correção da desigualdade. O modelo de Diamond e Mirrlees presentes nas publicações de 1971 é seguido até hoje em muitos países, inclusive no Brasil em certa medida. Esse modelo é o aplicado na tributação do Imposto de Renda de forma a matematicamente permitir que o rico pague proporcionalmente mais tributos que o pobre, considerando as variáveis renda, alíquota e tributo pago. Algumas políticas são pensadas com essa finalidade, todavia o que se percebe são problemas de concepção considerando os impactos e gestão no longo prazo, bem como de desvios de finalidade. No entanto, quanto mais desigual é o país, melhor deve ser a estrutura de alíquotas, para evitar que o peso do imposto seja menor nos mais ricos e maior nos mais pobres.

Mesmo diante das críticas é possível afirmar que, a partir dos estudos da TTO e dos exemplos de aplicação, as políticas públicas de incentivos tributários podem e devem ser estruturadas, visando à desoneração do capital, ao incentivo à capitalização das empresas e aos investimentos. Ainda assim, a mesma política pode considerar a redução das distorções provocadas pelo modelo clássico de tributação, não se eximindo da perspectiva distributiva que se apresentaria como discrepante no ponto de vista econômico. A autoridade fiscal deveria se preocupar em ampliar a neutralidade do sistema tributário, garantindo as condições mediante as quais a economia proporcionaria o máximo de arrecadação para atender aos objetivos alocativos e distributivos do governo no sentido de maximizar o bem-estar social, ou seja, medidas tributárias economicamente eficientes, politicamente factíveis e socialmente responsáveis.

TEORIA DA TRIBUTAÇÃO ÓTIMA NO BRASIL: PRESENÇA NA PRODUÇÃO TEÓRICA E IMPLICAÇÕES POLÍTICAS

Evidenciou-se no estado do conhecimento da tributação ótima no Brasil, pelo Banco de Teses e Dissertações da Capes, 20 produções localizadas sob o descritor ‘tributação ótima’, sendo sete teses, 10 dissertações e três outras produções em mestrados profissionais/profissionalizantes. As produções datam desde 2013, sendo quatro delas de 2019, ano com o maior número de trabalhos com o tema. Os trabalhos inserem-se na sua maioria na área de economia com 13 registros, além do direito com cinco e administração com dois, a maior parte deles defendida em programas de pós-graduação de instituições públicas federais. A mesma consulta do Banco Digital de Teses e Dissertações (BDTD) do IBICT resultou em apenas quatro registros, sendo duas dissertações, uma na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e outra da Universidade de São Paulo (USP) (Lima, 2014Lima, J. S. (2014). Tributação ótima: estudo jurídico, econômico e financeiro de modelos. (Dissertação de mestrado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Rossi, 2019Rossi, M. C. T. (2019). Ensaios na teoria da tributação ótima sem assimetria de informação (Tese de doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.), e duas teses, ambas defendidas no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) (Melo, 2018Melo, R. G. A. Júnior. (2018). Teoria da tributação ótima e tax design: Uma proposta de sistema tributário brasileiro ótimo (Tese de doutorado), Programa de Pós-graduação em Direito, Universidade Federal de Pernambuco, Brasil.; Seixas, 2017Seixas, L. F. M. (2017). Tributação indutora e análise econômica do Direito: Uma investigação crítica (Tese de doutorado). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.).

Apresentam-se entre estes estudos temas como a relação entre tributação indutora e eficiência e o trade-off entre eficiência e equidade no contexto de uma proposta de tributação indutora ótima (Seixas, 2017Seixas, L. F. M. (2017). Tributação indutora e análise econômica do Direito: Uma investigação crítica (Tese de doutorado). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.). Melo (2018)Melo, R. G. A. Júnior. (2018). Teoria da tributação ótima e tax design: Uma proposta de sistema tributário brasileiro ótimo (Tese de doutorado), Programa de Pós-graduação em Direito, Universidade Federal de Pernambuco, Brasil. atenta para aplicabilidade da TTO no Direito Tributário, em especial no desenho do sistema tributário brasileiro, com contribuições fundamentais enquanto ferramenta analítica, apesar das limitações e dificuldades envolvidas na sua aplicação. Rossi (2019)Rossi, M. C. T. (2019). Ensaios na teoria da tributação ótima sem assimetria de informação (Tese de doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. apresenta três ensaios em diferentes cenários e analisa a possibilidade de o governo escolher uma alocação ótima para maximizar o bem-estar social. Este trabalho também aborda o trade off em casos que não haja possibilidade de comprometimento das políticas futuras levando o governo admitir a emissão de dívida pública ao invés da taxação ótima sobre a renda do trabalho (Rossi, 2019Rossi, M. C. T. (2019). Ensaios na teoria da tributação ótima sem assimetria de informação (Tese de doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.). Lima (2014)Lima, J. S. (2014). Tributação ótima: estudo jurídico, econômico e financeiro de modelos. (Dissertação de mestrado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. sugere o delineamento de um sistema tributário ideal (tax design), que dê o menor custo para a sociedade, tendo como seu desafio a compatibilização entre o critério da eficiência e o da capacidade contributiva.

Em periódicos do Portal da Capes, o mesmo descritor ‘tributação ótima’ levou à localização de apenas quatro artigos. Um deles (Orair & Gobetti, 2018Orair, R. & Gobetti, S. (2018). Reforma tributária no Brasil: Princípios norteadores e propostas em debate. Novos Estudos CEBRAP, 37(2), 213-244. https://doi.org/10.25091/s01013300201800020003
https://doi.org/10.25091/s01013300201800...
) foi localizado apenas em busca na Biblioteca Eletrônica SciELO, onde os demais textos se repetiam. Silveira, Passos e Guedes (2018)Silveira, F. G., Passos, L. & Guedes, D. R. (2018). Reforma tributária no Brasil: Por onde começar? Saúde em Debate, 42(Spec. 3), 212-225.https://doi.org/10.1590/0103-11042018s316
https://doi.org/10.1590/0103-11042018s31...
debatem a necessidade de corrigir as principais distorções (diretas e indiretas) oriundas do atual arranjo tributário nacional sob a influência internacional da TTO. Cintra (2010)Cintra, M. (2010). Movimentação financeira: a base de uma contribuição para o INSS em substituição a folha de pagamentos. Revista de Administração Pública, 44(6), 1477-1506. https://doi.org/10.1590/S0034-76122010000600010
https://doi.org/10.1590/S0034-7612201000...
avalia que o Brasil possui alta tributação dos rendimentos do trabalho assalariado em relação às grandes economias no mundo, o que estimula relações precarizadas de trabalho, provando inclusive déficits do INSS.

Pohlmann e De Iudicibus (2010)Pohlmann, M. C. & De Iudicibus, S. (2010). Relação entre a tributação do lucro e a estrutura de capital das grandes empresas no Brasil. Revista Contabilidade & Financas, 21(53), 1-25. https://doi.org/10.1590/S1519-70772010000200002
https://doi.org/10.1590/S1519-7077201000...
confirmam existir uma relação positiva entre o nível de tributação do lucro e o grau de endividamento, com influência da tributação do lucro na estrutura de capital das grandes empresas no Brasil. Essa relação foi verificada, também, para as empresas com alto endividamento e baixo nível de tributação do lucro (Pohlmann & De Iudicibus, 2010Pohlmann, M. C. & De Iudicibus, S. (2010). Relação entre a tributação do lucro e a estrutura de capital das grandes empresas no Brasil. Revista Contabilidade & Financas, 21(53), 1-25. https://doi.org/10.1590/S1519-70772010000200002
https://doi.org/10.1590/S1519-7077201000...
). Orair e Gobetti (2018)Orair, R. & Gobetti, S. (2018). Reforma tributária no Brasil: Princípios norteadores e propostas em debate. Novos Estudos CEBRAP, 37(2), 213-244. https://doi.org/10.25091/s01013300201800020003
https://doi.org/10.25091/s01013300201800...
debatem sobre reforma tributária no Brasil, por meio da atualização de diagnóstico de sua estrutura tributária e de propostas de reformas de correção pela tributação do retorno normal da poupança, fundamentadas na teoria neoclássica da tributação ótima. Gobetti (2019)Gobetti, S. W. (2019). Tributação do capital: teoria e prática (e o caso brasileiro). Economia e Sociedade, 28(3), 761-789. https://doi.org/10.1590/1982-3533.2019v28n3art07
https://doi.org/10.1590/1982-3533.2019v2...
evidencia a expressiva revisão do debate tributário em consequência do aumento da desigualdade e do amadurecimento da teoria da tributação ótima.

Essa revisão indica que tanto a progressividade quanto a tributação da renda do capital podem ser compatibilizadas num arcabouço neoclássico que busque equilibrar a busca de equidade e eficiência econômica ... conclui que a isenção total de lucros e dividendos distribuídos, como ocorre no Brasil, não garante a neutralidade almejada por modelos neoclássicos (Gobetti, 2019Gobetti, S. W. (2019). Tributação do capital: teoria e prática (e o caso brasileiro). Economia e Sociedade, 28(3), 761-789. https://doi.org/10.1590/1982-3533.2019v28n3art07
https://doi.org/10.1590/1982-3533.2019v2...
, p. 762).

Do ponto de vista da discussão política no Brasil sobre a questão tributária, esta segue baseada nos argumentos da sua elevada carga, das distorções induzidas, e do impacto das políticas tributárias no desenvolvimento (ou não) dos territórios e setores. O debate sobre a reforma tributária deve também tratar de considerar o mínimo esforço e o custo investido nesse processo, além do descrédito do poder público, desestímulo do contribuinte e, por consequência, o risco da sonegação. A mudança de foco proposta está entre a renda do trabalho, doravante com base na folha de pagamento, para uma renda de capital a partir das políticas de estímulo à terceirização (pejotização). Além disso, trata-se também da baixa tributação de grandes fortunas. Outra pauta importante é a demanda mais intensa de governança e transparência diante das fragilidades das leis vigentes e as brechas que desequilibram as contas públicas.

Todos os pontos são relevantes e não podem ser tratados isoladamente. O debate sistêmico, integrado e multidisciplinar do sistema tributário no Brasil, considerando o histórico e os exemplos internacionais, é fundamental para que seja possível um avanço necessário. Nesta direção, é possível afirmar que para Piketty (2015Piketty, T. (2015). A Economia da desigualdade. Trad. André Telles da edição francesa de 1997. Rio de Janeiro: Intrínseca.) a redistribuição fiscal, por meio das tributações e transferências, “permite corrigir a desigualdade das rendas produzida pelas desigualdades das dotações iniciais e pelas forças do mercado, ao mesmo tempo que preserva o máximo a função alocativa do sistema de preços” (Piketty, 2015Piketty, T. (2015). A Economia da desigualdade. Trad. André Telles da edição francesa de 1997. Rio de Janeiro: Intrínseca., p. 85). Para o autor, este é “o instrumento privilegiado da redistribuição pura” (Piketty, 2015Piketty, T. (2015). A Economia da desigualdade. Trad. André Telles da edição francesa de 1997. Rio de Janeiro: Intrínseca., p. 85).

Nesse sentido, estudos de TTO devem ser considerados não apenas quando se trata do Imposto de Renda, mas também como base para as discussões de outras políticas públicas tributárias, como de folha de pagamento, consumo e produção. A política brasileira de desoneração da folha de pagamento que foi concebida em 2004 estava claramente calcada em um modelo de tributação única, simplificada e pontual. Desde a sua implantação pelo Governo Federal em 2011, por meio da lei n.º 12.546 de 2011, o objetivo estava mais na redução do custo dos empresários com a folha de pagamento do que em uma questão mais ampla de necessidade do Estado. Assim, o que foi pensado como uma política específica se rendeu ao longo do processo à pressão de diversos setores da economia. O que era para ser uma questão pontual passou a abranger atividades que não necessitavam ser contempladas naquele momento.

O prazo de vigência da referida lei, inicialmente definido para finalização em dezembro de 2014, passou a ser indefinido. O que era para ser uma medida estrutural dos tributos relativos à folha de pagamento passou a ter foco no alívio do fluxo de caixa das empresas, não necessariamente as com maior potencial de geração de emprego. A própria política de incentivos fiscais por meio do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) é exemplo. Por um lado, é uma forma de equalizar as assimetrias regionais devido às desigualdades de arrecadação dos estados, considerando tanto a má divisão das receitas quanto o contrassenso entre as necessidades de investimento público. Por outro lado, acabou por incentivar uma guerra fiscal entre as unidades da Federação. Assim, a política que inicialmente visou a potencializar o desenvolvimento regional acabou por comprometer o desenvolvimento de outra região vizinha, uma vez que compromete as finanças públicas em virtude da desoneração e isenção fiscal.

O olhar estratificado das análises levou o Brasil ao longo dos anos a fomentar políticas públicas pontuais de ajustes que, no longo prazo, tornaram-se nocivas até mesmo aos setores e territórios a que inicialmente se buscava beneficiar. Essas distorções se deram tanto pela ausência de estudos mais aprofundados sobre os impactos dessas políticas ao longo do tempo quanto por questões políticas e de interesse de grupos específicos. Esse fenômeno de desvirtuamento de políticas públicas ocorre por diversos fatores. Sob a perspectiva da realidade brasileira, é possível perceber críticas quanto à TTO, como sendo utópica, uma vez que a premissa da economia do bem-estar não seria possível.

A crítica à tributação ótima dirige-se também a seus argumentos econômicos e teóricos - a economia do bem-estar -, à sua presumida ordem política e à validade e à aplicabilidade de suas sugestões. A presumida ordem política é criticada pelos adeptos da public choice, da ‘nova política econômica’ e da teoria de tributação constitucional. Para eles, o valor da tributação ótima limita-se apenas à elaboração de afirmativas com consistência. Também consideram que ela tem pouco a sugerir para a prática da política tributária, seja pela ausência de uma análise do processo político de uma reforma tributária, seja pela implícita suposição do modelo político irreal do ‘príncipe esclarecido’, que conhece todas as necessidades de seu povo (Lagemann, 2004Lagemann, E. (2004) Tributação ótima. Ensaios FEE, 25(2), 403-426. Retrieved from https://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/viewFile/2064/2446
https://revistas.fee.tche.br/index.php/e...
, p. 420).

Como fator intrínseco, destaca-se o quanto se despendeu em estudos, investigação e reflexões no momento da concepção dessa política, bem como das ponderações sobre os impactos presentes e futuros nos diversos atores: contribuinte, território, setores, poder público. Quanto mais frágil for essa etapa maior o risco da ineficiência e mesmo do desvirtuamento, uma vez que os argumentos de defesa se tornam volúveis. Assim, a política pode se desconfigurar no que se refere ao objetivo inicialmente pensado, na abrangência pretendida e, principalmente, no resultado esperado.

Quanto aos fatores extrínsecos, destacam-se a dinâmica do mercado e as questões tecnológicas, que se tornam cada vez mais ágeis e com transformações profundas, esbarrando em políticas que não se adaptam na mesma velocidade em que a inovação acontece. As relações promíscuas com o mercado e as negociações para atender a interesses de grupos políticos e empresariais afetam as políticas públicas, em especial com foco nas questões fiscais e tributárias, dissimulando as propostas inicialmente pensadas. Tal realidade não é exclusiva do Brasil, embora se acentue com suas especificidades históricas, culturais e conjunturais.

CARGA TRIBUTÁRIA NO BRASIL E NA OCDE: DADOS E FATOS

Para seguir a análise sobre a importância de uma política tributária inteligente e adequada é preciso entender que uma política que tenha como foco apenas a geração de receita para o Estado acaba por desconsiderar outros impactos que geram problemas na cadeia produtiva, frustrando a própria receita esperada.

No Brasil, mais de 50% da arrecadação de impostos incide sobre bens e serviços, o que impacta diretamente o consumo e por consequência as empresas responsáveis pela produção, distribuição e comercialização. Nesse sentido, ter uma carga tributária alta no setor produtivo impacta a cadeia de produção e por conseguinte a geração de emprego, o consumo e a produção, gerando uma ação em cadeia que voltará a comprometer a receita (ou a despesa) do Estado.

Outro dado importante é a inadimplência que frustra a receita esperada. Segundo dados de 2017 levantados em pesquisa realizada pela FGV/SP por encomenda do Ibracem, revelou-se que 86% das empresas brasileiras ativas possuem alguma pendência com os órgãos de fiscalização municipais (secretarias da Fazenda), federais (Receita Federal) ou com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Esses números podem ser maiores se considerando os diferentes tributos que incidem sobre cidadãos e empresas. Para efeito da pesquisa, foi realizado levantamento das formas de tributação praticadas no país nas esferas federais, estaduais e municipais. Chegou-se ao número de 110 tributos entre as três categorias a seguir descritas.

Assim, entendendo o contexto histórico brasileiro desde seu mito fundador, as relações paternalistas, personalistas e, por que não dizer, promíscuas que se estabelecem ao longo da história entre o setor produtivo e o poder público, o cenário de carga tributária elevada, desintegrada e complexa acabou por permitir que possíveis políticas de benefícios fiscais se tornassem também uma ‘moeda de troca’, que considera situações de poder e influência por parte dos agentes interessados. Além do mais, considerando a complexidade do sistema, esse cenário provocou efeitos colaterais como a corrupção, a sonegação e as guerras fiscais.

Figura 1
Tipos de tributos praticados no Brasil.

Apesar de a carga tributária bruta no Brasil ser considerada uma das maiores do mundo, observa-se que mais relevante é admitir a ineficiência e a baixa qualidade do sistema tributário brasileiro que permitiu ao longo de anos políticas tributárias desconectadas e incoerentes. Para melhor eficiência na definição das políticas de incentivos é importante considerar o que seria um sistema tributário ideal, em primeira instância considerando a aplicação da equidade horizontal e vertical.

Os princípios da equidade horizontal e vertical podem ser traduzidos quando analisamos estratificações por faixas de renda, como a necessidade de as alíquotas médias serem iguais (ou neutras) entre grupos de contribuintes com os mesmos rendimentos e crescentes (ou progressivas) para estratos de rendimentos mais elevados (Gobetti & Orair, 2016Gobetti, S. W., & Orair, R. O. (2016). Progressividade tributária: A agenda negligenciada. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. [Texto para Discussão, nº 2190]. Retrieved from: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=27549
https://www.ipea.gov.br/portal/index.php...
, p. 23).

Assim, a equidade vertical busca promover a progressividade, no sentido de onerar proporcionalmente mais aqueles que possuem maior capacidade contributiva, de acordo com os objetivos distributivos do governo e com as preferências sociais. Já a equidade horizontal evita arbitrariedades de tratamentos tributários não isonômicos entre contribuintes, setores econômicos e fontes de renda.

Gobetti e Orair (2016)Gobetti, S. W., & Orair, R. O. (2016). Progressividade tributária: A agenda negligenciada. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. [Texto para Discussão, nº 2190]. Retrieved from: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=27549
https://www.ipea.gov.br/portal/index.php...
destacam também a necessidade de um Estado com maior eficiência para minimizar as distorções econômicas e administrativas relacionadas à arrecadação de tributos, além de manter o sistema o mais simples e transparente possível. Quando o Estado não tem claro esse conceito de sistema como um conjunto de diversos elementos que se inter-relacionam, o que se chama de ‘Sistema Tributário’ passa a ser na verdade um amontoado de conceitos, políticas e práticas tributárias. O resultado é um grande esforço do poder público e do cidadão em sustentar uma elevada carga tributária nacional alcançando 32,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2016 e mesmo assim insuficiente para a manutenção do Estado e ineficaz quanto aos objetivos pretendidos.

Para melhor entendimento da matriz tributária brasileira, os dados da Tabela 1 evidenciam que 47,4% da receita tributária brasileira em 2016 foi oriunda de impostos sobre bens e serviços e 26,3% sobre a folha de pagamento, ficando 20,0% sobre a renda e apenas 4,7% sob propriedades, conforme dados da OCDE.

Tabela 1
Análise da arrecadação de tributos: Brasil - 2016.

Nos dados apresentados na Tabela 1, a base referente a bens e serviços considera os tributos aplicados sobre a alienação, transferência, produção de bens ou prestação de serviços.

Na categoria que abrange os tributos diretamente da folha de salários, suas subdivisões são: Previdência Social, Seguro Desemprego e outros. Não incluem as contribuições para a Previdência Social, calculadas sobre percentual da receita bruta ou outra base de cálculo em substituição à folha de salários. Os tributos que incidam sobre o uso, propriedade ou transferência de patrimônio de bens móveis e imóveis referem-se tanto às pessoas físicas como às pessoas jurídicas. Na categoria de transações financeiras, não se incluem os impostos sobre os ganhos de capital decorrentes da alienação de bens móveis e imóveis, os quais devem ser computados na categoria de impostos sobre a renda. Quanto à renda, a Tabela 1 refere-se a tributos calculados com base na renda das pessoas físicas ou jurídicas. As subdivisões desta categoria são: impostos devidos pelas pessoas físicas, impostos e contribuições devidos por pessoas jurídicas e retenções não alocáveis.

Essa distribuição permite evidenciar que a fonte principal de arrecadação no Brasil está na tributação sobre os bens e serviços (47,4%), representando quase metade da arrecadação anual brasileira. O segundo maior responsável são os tributos que incidem sobre a folha de pagamento (26,3%), impactando diretamente o setor produtivo e a geração de empregos. Observa-se que o ‘sistema’ tributário brasileiro não se alinha às práticas modernas de tributação baseadas na tributação ideal, já que:

A tributação sobre a renda e o patrimônio deveria ser mais utilizada na busca de um sistema tributário com mais equidade e progressividade. Os impostos sobre a renda e o patrimônio consistem em um sistema capaz de proporcionar uma redução da desigualdade social, uma vez que causa o desembolso apenas dos contribuintes que conquistam lucros ou possuem patrimônio, não afetando a população mais carente, nesse sentido, são tributos que, em propostas de reforma tributária baseadas pela teoria ótima de tributação, são importantes para a diminuição da desigualdade social nacional (Botelho & Abrantes, 2018Botelho, L. H. F. F. & Abrantes, L. A. (2018). Reflexões sobre as incidências tributárias no Brasil e suas relações com o desenvolvimento socioeconômico nacional. Ciências Sociais Unisinos, 54(1), 126-133. Retrieved from: de http://revistas.unisinos.br/index.php/ciencias_sociais/article/view/csu.2018.54.1.12/60746193
http://revistas.unisinos.br/index.php/ci...
, p. 131).

A Figura 2 mostra como se comporta a incidência dos tributos nos países da OCDE e permite perceber como o Brasil se apresenta nesse cenário.

Figura 2
Carga tributária por base de incidência: Brasil e países da OCDE – 2016.

É possível confirmar que o Brasil está na contramão de outros países já que a maior incidência de tributos está justamente sobre bens e serviços e não sobre propriedade e renda. Essa decisão acaba comprometendo a equidade e potencializando a percepção da desigualdade. Entre os países da OCDE, o Brasil é o segundo em que a tributação de bens e serviços tem a maior participação proporcional no sistema tributário, ficando atrás apenas do Chile.

A Figura 3 mostra que de 2006 a 2015 a carga tributária brasileira diminuiu enquanto a carga tributária total média dos países da OCDE apresentou ligeiro aumento. Todavia, a redução, no Brasil, deu-se justamente na tributação sobre a renda, lucro e ganhos de capital (0,3) e ‘outros’ (1,0). Assim, mesmo com a redução da carga tributária total no país, houve um crescimento na incidência sobre a folha de pagamento (0,2) e propriedade (0,2). Embora com uma tributação proporcionalmente mais elevada que a de bens e consumo da OCDE, o Brasil apresentou uma redução de 2006 a 2015, de 16,1% para 15,8% da composição da sua carga tributária.

Figura 3
Evolução das bases que compõem a carga tributária – 2006/2015.

Quando a análise se dá pela origem do imposto, é proposta a avaliação a partir de dois grupos, a saber: (1) sobre renda, lucro, ganho de capital e propriedade; (2) e sobre folha de salários, bens e consumo. No primeiro grupo, observa-se um maior alinhamento com a busca da equidade e equilíbrio, considerando maior tributação sobre os mais ricos. No segundo grupo, o impacto é maior no sistema produtivo, no mercado de consumo e na geração de emprego e renda, impactando mais fortemente o território.

Considerando o segundo grupo, tem-se o Brasil acima da média de 11,5% no que se refere a bens e serviços. A tributação sobre bens e serviços brasileira é de 15,5%, sendo, entre os países da OCDE, o segundo maior índice, permanecendo atrás apenas da Hungria. Esse modelo tem reflexo direto no mercado consumidor e no setor produtivo. Ainda sobre o segundo grupo, a média tributária na natureza ‘folha de salário’ é de 9,8% e no Brasil é de 8,4%, impactando especialmente as empresas e comprometendo a geração de empregos.

Observando a Figura 3, nota-se que entre os países da OCDE a média da carga tributária é de 35,1% e que, assim, o Brasil está abaixo da média. No entanto, quando analisando com o recorte do primeiro grupo, tem-se que a tributação brasileira sobre renda, lucro e capital é de 5,9%, abaixo da média geral de 11,6%, e a sobre propriedade é de 1,4%, também abaixo da média geral, que é de 1,9%. É imperioso considerar o fato de que não basta ter a tributação mais intensificada sobre a renda para que essa decisão resulte em maior equilíbrio ou equidade. A definição de faixas e alíquotas deve ser inteligente e adequada. Note-se que, no Brasil, existem quatro faixas de classificação com alíquotas próprias, conforme Tabela 2.

Tabela 2
Estrutura de enquadramento do Imposto de Renda anual no Brasil - 2018.

Comparando com os Estados Unidos, por exemplo, a estrutura tributária brasileira é muito restrita, considerando alíquotas e faixas. Os Estados Unidos consideram sete faixas de enquadramento, sendo que as três faixas brasileiras (7,5%, 15% e 22,5%) estão contempladas na primeira, segunda e terceira faixas americanas (10%, 12% e 22%, respectivamente, conforme Tabela 3). A incidência mais alta no Brasil é de 27,5% sob renda anual acima de U$ 40.432,54; com esta mesma renda anual, o imposto nos Estados Unidos é de 22% e compõe uma faixa que vai até U$ 82.500,00. Assim como os Estados Unidos, outros países que possuem a principal incidência dos tributos sobre a renda também possuem alíquotas e faixas mais estruturadas e bem distribuídas que no Brasil, além de considerarem outras variáveis como estado civil, dependentes, educação, imóveis, propriedades, hipotecas, doação, entre outros.

Tabela 3
Estrutura de enquadramento do Imposto de Renda anual nos EUA - 2018.

Analisando a série histórica de 2007 a 2016 (Figura 3), observa-se que os países da OCDE apresentaram um aumento de 0,5% na carga tributária total. O Brasil apresentou redução de 1,2%, todavia isso não é sentido nem pelos cidadãos e nem pelas empresas.

Considerando a carga tributária total, o Brasil aparece em 23º entre os países da OCDE. Quando considerada a tributação sobre a renda, o país é o que menos arrecada, apenas 5,9%. Mais impactante, na perspectiva deste estudo, é perceber que o país ocupa a segunda posição quando a arrecadação é sobre bens e serviços, ou seja, onde há o maior impacto no setor produtivo.

Embora nenhum sistema tributário seja perfeito, o Brasil prima por ter uma das piores legislações tributárias do mundo. Os defeitos do sistema tributário brasileiro têm várias consequências. Por um lado, induzem uma organização extremamente ineficiente da economia, puxando para baixo a produtividade da economia nacional. Por outro lado, geram grandes distorções distributivas, ao abrir brechas que permitem que pessoas de alta renda sejam muito pouco tributadas (Appy, 2015Appy, B. (2015). Por que o sistema tributário brasileiro precisa ser reformado? Interesse Nacional, 8(31), 65-81. Retrieved from: http://www.ccif.com.br/wpcontent/uploads/2018/07/Appy_Tributa%C3%A7%C3%A3o_1610.pdf
http://www.ccif.com.br/wpcontent/uploads...
, p. 1).

Após analisar os dados é possível perceber uma clara deficiência no sistema tributário brasileiro, segundo Appy (2015)Appy, B. (2015). Por que o sistema tributário brasileiro precisa ser reformado? Interesse Nacional, 8(31), 65-81. Retrieved from: http://www.ccif.com.br/wpcontent/uploads/2018/07/Appy_Tributa%C3%A7%C3%A3o_1610.pdf
http://www.ccif.com.br/wpcontent/uploads...
, capaz de causar consequências diversas para o desenvolvimento do país.

TRIBUTAÇÃO ÓTIMA E A REFORMA TRIBUTÁRIA

Diante dos conceitos apresentados neste ensaio teórico, não há como pensar uma discussão sobre reforma tributária no Brasil sem considerar as discussões no âmbito da teoria da tributação ótima e suas experiências no mundo. Entre as dificuldades deste debate, destaca-se que

a reforma constitui um processo dinâmico, que se realiza por etapas através de mudanças no sistema tributário vigente, por isso, ela coloca alguns problemas para a sua efetivação. A ‘amarração’ a uma determinada alocação histórica dos recursos significa a primeira dificuldade: alterações nas regras com o objetivo de elevar a eficiência e de melhorar a distribuição da renda podem prejudicar drasticamente a igualdade horizontal (Lagemann, 2004Lagemann, E. (2004) Tributação ótima. Ensaios FEE, 25(2), 403-426. Retrieved from https://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/viewFile/2064/2446
https://revistas.fee.tche.br/index.php/e...
, p. 418).

Piketty (2014)Piketty, T. (2014). O Capital no Século XXI. (M. B. de Bolle, Trad.). Rio de Janeiro: Intrínseca. afirma que “O imposto não é nem bom nem ruim em si: tudo depende da maneira como ele é arrecadado e do que se faz com ele” (Piketty, 2014Piketty, T. (2014). O Capital no Século XXI. (M. B. de Bolle, Trad.). Rio de Janeiro: Intrínseca., p. 469). Nessa perspectiva, entende-se a importância de um debate amplo que não se concentre apenas em ‘quanto arrecadar’, mas que se aprofunde na discussão de ‘onde e como aplicar’. Sobre a discussão da reforma tributária brasileira, observa-se como está alheia à discussão que ocorre em outros países. Isto porque, quando o debate se encontra

Não sintonizado com o movimento internacional, as ideias e interesses presentes no debate da reforma tributária brasileira não acompanham o movimento de renovação do pensamento dominante na mesma proporção. Essa revisão da tributação tem se dado tanto na TTO como nas proposições de organismos multilaterais em relação à progressividade tributária, com foco na tributação sobre a pessoa física, em especial nos rendimentos não relacionados com o trabalho, rendimentos do trabalho e de aposentadorias (Silveira et al., 2018Silveira, F. G., Passos, L. & Guedes, D. R. (2018). Reforma tributária no Brasil: Por onde começar? Saúde em Debate, 42(Spec. 3), 212-225.https://doi.org/10.1590/0103-11042018s316
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, p. 216).

Esse debate passa principalmente pelo entendimento dos diferentes grupos de interesse e suas forças. O mesmo autor complementa que:

No caso brasileiro, as resistências e dissensos em relação a uma reforma tributária perpassam diversos setores e grupos de interesses que terão perdas se as mudanças tiverem a tônica internacional. Assim, há bloqueios, pelos mais e menos conservadores, tanto na direção de uma reforma tributária que reduza a carga dos tributos indiretos como uma que amplie a tributação sobre a renda da pessoa física e sobre a riqueza (Silveira et al., 2018Silveira, F. G., Passos, L. & Guedes, D. R. (2018). Reforma tributária no Brasil: Por onde começar? Saúde em Debate, 42(Spec. 3), 212-225.https://doi.org/10.1590/0103-11042018s316
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, p. 216).

Outro ponto pouco abordado entre as discussões reformistas são os avanços tecnológicos e os impactos no sistema de tributação, no que se refere tanto às formas de arrecadação e controles quanto a novas tributações. Considerando os fatores mais modernos, tem-se que:

O mais surpreendente é que muitos analistas, por desconhecimento ou por preguiçoso apego aos paradigmas convencionais, não reconhecem que os sistemas tributários tradicionais se mostram incapazes de atender às necessidades do mundo virtual e das novas tecnologias de produção, de comercialização e de movimentação de bens e de serviços no mundo digital. E ao invés de adotarem novas bases tributárias compatíveis com a era digital, se apegam a sucessivas exigências burocráticas de controle, de auditoria física e de obstrução do livre trânsito de bens e serviços para tentarem preservar a capacidade arrecadatória de seus governos (Cintra, 2018Cintra, M. (2018). Reforma Tributária: a escolha do menos ruim. Conjuntura Econômica, 72(7), 18-19. Retrieved from: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/24923/artigo_reforma-tributaria-a-escolha-do-menos-ruim-Conjuntura-Jul2018.pdf?sequence=1&isAllowed=y.
http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/b...
, p. 18).

Contudo, considerando a matriz tributária como um todo, a tributação sobre bens e consumo é importante, mas deve se tornar mais moderna e resultar em mais eficiência, a partir de redução como o que aqui é defendido. Para efeito tanto do aprofundamento dos estudos de tributação ótima como para a própria reforma tributária, fica claro que essa discussão não pode mais se manter entre os economistas. É imprescindível que outros campos se juntem em um debate interdisciplinar que permita uma visão sistêmica tanto na concepção quanto na análise de impactos no curto, médio e longo prazo. A proximidade das ciências do direito traz importante contribuição, também permitindo aos juristas uma ampliação das perspectivas à luz das novas teorias e modelos e um maior contato com questões sociais, políticas e econômicas.

Compreendida isoladamente, isto é, sem eventual colaboração com a teoria econômica, com a política tributária ou mesmo com a filosofia tributária, e, no campo do direito, entre Direito Financeiro e Direito Tributário, não há como promover qualquer avanço sobre a perspectiva da tributação ótima, justa, eficiente, racional e favoravelmente redistributiva (Teodorovicz, 2015Teodorovicz, J. (2015). Tributação ótima, tributo justo, Ciência do Direito Tributário no Brasil e Direito Financeiro. Cadernos da Escola de Direito, 2(23), 8-25. Retrieved from: https://portaldeperiodicos.unibrasil.com.br/index.php/cadernosdireito/article/view/3002
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, p. 21).

Para vencer as dificuldades que são inerentes ao processo de reforma tributária, a TTO se apesenta importante no embasamento dessa discussão. É uma base pautada em modelos, métodos e conceitos do equilíbrio geral da teoria neoclássica, que visa a possibilitar uma melhor e mais eficiente arrecadação com o menor desequilíbrio. Contudo, algumas regras precisam ser observadas na discussão de uma reforma tributária.

Deve-se salientar novamente que a teoria da tributação ótima estabelece regras para uma composição ótima do sistema tributário e para uma estruturação ótima dos impostos no caso de um tax design, de uma concepção do sistema tributário. Essas mesmas regras, porém, devem servir de orientação para uma reforma tributária, que é reconhecida, muitas vezes, como a única possibilidade de alterar o sistema tributário vigente, já que apenas pequenas correções são possíveis de ser politicamente aprovadas (Lagemann, 2004Lagemann, E. (2004) Tributação ótima. Ensaios FEE, 25(2), 403-426. Retrieved from https://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/viewFile/2064/2446
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, p. 418).

O que é possível observar na discussão da reforma tributária no Brasil é que se trata mais de uma discussão política e de grupos de interesses que propriamente de pensar a construção de um sistema tributário coerente, eficiente e sistêmico, ignorando as premissas de uma lógica estruturada de política pública e dos conceitos de tributação ótima.

O debate mundial sobre tributação hoje comparece mais consensual em relação à conclusão de que a tributação progressiva sobre a renda não implica obstáculos ao crescimento econômico, e que seu emprego é fundamental para se reduzir a desigualdade de renda. Esse debate, no entanto, não parece ofuscar o papel central dos gastos públicos sociais para promoção da equidade, apenas se coadunando com a busca de uma sociedade mais justa e solidária (Silveira et al., 2018Silveira, F. G., Passos, L. & Guedes, D. R. (2018). Reforma tributária no Brasil: Por onde começar? Saúde em Debate, 42(Spec. 3), 212-225.https://doi.org/10.1590/0103-11042018s316
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Isso mostra que o debate brasileiro sobre a reforma tributária deve atentar aos países que avançam com eficiência e que o fazem no âmbito da tributação ótima, já que o desafio é a diminuição da lógica de desigualdades por meio da equidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao problematizar sobre as contribuições da TTO para a realidade brasileira, o presente ensaio teórico sustenta que o equilíbrio entre a questão econômica e a social precisa pautar o debate sobre a gestão tributária e sua reforma, sob pena de que uma estrutura tributária anacrônica, obsoleta e centrada exclusivamente na manutenção do Estado possa resultar em aumento exacerbado da desigualdade e, como consequência, paralisar o desenvolvimento e colocar em cheque a democracia. Observou-se que, apesar de incipientes, há discussões acadêmicas no âmbito econômico, jurídico, político e de gestão pública que se constituem com base na teoria da tributação ótima (TTO). O aprofundamento nessa teoria traz à tona a complexidade do tema, seja pela multidisciplinaridade que envolve esse conceito, seja pela abrangência das discussões e aplicações em diferentes países do mundo.

Ainda considerando seus desdobramentos e implicações, a TTO pode promover nas diferentes esferas de gestão pública a necessidade de extrapolar o olhar quando se pensa no sistema tributário de um país. As propostas reformistas não devem se limitar a ‘quanto’ tributar, mas partir de um planejamento maior e mais amplo sobre ‘o que’, ‘como’ e ‘quem’ tributar. Assim, é fundamental que os debates de políticas públicas de tributação considerem os estudos sobre o tema, bem como as experiências exitosas (ou não) no Brasil e no mundo. Foi possível observar que mesmo com a redução da carga tributária total no período observado, o crescimento da incidência tributária no Brasil está sobre bens e serviços (15,8%), acima da média dos países da OCDE (11,4%).

O cenário reforça a necessidade de ampliar o foco na otimalidade na relação entre eficiência e equidade, com retomada do bem-estar social, que encontra base teórica nas origens da teoria da tributação ótima, principalmente no pensamento dos economistas Diamond e Mirrlees, bem como na sua evolução e desdobramentos. É possível perceber que para pensar uma política tributária é necessário incluir a problemática social, não por se tratar de uma questão de bem-estar, exclusivamente, mas por referir-se à sustentabilidade do próprio sistema capitalista, como defendido por Piketty (2014)Piketty, T. (2014). O Capital no Século XXI. (M. B. de Bolle, Trad.). Rio de Janeiro: Intrínseca.. Observa-se que a matriz que rege a incidência da tributação brasileira se apresenta frágil e na contramão de modelos modernos e equilibrados. Assim, é imperioso considerar uma matriz tributária que busque maior equidade e eficiência, atuando mais sobre bens e renda e menos sobre consumo e folha, tributando os mais ricos (pessoas e empresas) e mantendo empregos e capacidade de consumo.

Outro ponto de contribuição sugere que o Estado se torne mais eficiente não só na arrecadação, mas também na aplicação dos tributos, com processos cada vez mais transparentes, passíveis de monitoramento e avaliação, em que seja possível perceber que o resultado não é uma opção, mas uma obrigação. Transparência, fiscalização e gestão responsável são atributos necessários para evitar desvios e corrupção e aumentar a confiança no Brasil. Desta forma, o contribuinte não se sentirá lesado e sim, de fato, que está contribuindo.

Se parece utópica a busca de equilíbrio econômico e social em que se baseiam as teorias de tributação ótima, o que se observa é que não só é possível como é necessária. Uma matriz inteligente deve atuar como estímulo para o mercado, impulsionando o crescimento das empresas, promovendo distribuição de renda, estimulando o consumo, movimentando a economia e promovendo o desenvolvimento dos territórios, e estes argumentos não têm caráter exclusivamente econômico. Aos agentes públicos, cabe perceber os avanços pelos quais o mundo passou e continua passando em ciclos temporais cada vez menores e o quanto o modelo que se mantém é estagnado, amparado em paradigmas antigos, com visões míopes e análises limitadas. Exemplos disso são episódios extraordinários com proporções globais (ou pandêmicas) no mais das vezes imponderáveis pelos modelos ultraliberais, como é o caso da Covid-19 (SARS Cov2), que exigem reflexões e intervenções que devem conciliar aspectos sociais e econômicos.

Diante disso, este ensaio teórico aponta para a necessidade de aprofundar estudos sobre políticas públicas de tributação. A produção de conhecimento precisa ser interdisciplinar, com debates acadêmicos em diálogo permanente com os agentes públicos ligados aos sistemas tributários, e que considerem inclusive os desafios e os lobbies contrários a modelos que equilibrem eficiência e equidade, como possível na TTO, considerando as especificidades do Brasil. Nesse sentido, é preciso seguir problematizando se a reforma tributária em discussão no Congresso Nacional considera a pauta do equilíbrio econômico e social. Será que nesse cenário político atual, regido por políticas neoliberais e conservadoras, que se apresentam mais voltadas às demandas macroeconômicas, em detrimento das políticas sociais, há ambiente para implantação de uma tributação ótima, no que ela apresenta de mais desenvolvido e adequado para realidades aproximadas ao Brasil?

O entendimento de que cada um está fazendo o seu papel, de que é possível conciliar bem-estar social com tributação, que eficiência e equidade são premissas para políticas tributárias, que o Estado deve ser inteligente no planejamento e na gestão, permite que se mude a percepção sobre a política tributária. Dessa forma, ela deixa de ser o algoz do cidadão, um infortúnio das empresas e o entrave para o desenvolvimento.

  • Classificação JEL: H2, N16, F63.
  • Pareceristas: Antonio Pasqualetto (Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Brasil) https://orcid.org/0000-0002-8639-6725
    Um dos indivíduos revisores optou por não ter sua identidade divulgada.
  • Relatório de Revisão por Pares: O Relatório de Revisão por Pares está disponível neste link externo.
  • Financiamento
    Os autores afirmam que não houve apoio financeiro.
  • Direitos Autorais
    A RAC detém os direitos autorais deste conteúdo.
  • Método de Revisão por Pares
    Este conteúdo foi avaliado utilizando o processo de revisão por pares duplo-cego (double-blind peer-review). A divulgação das informações dos pareceristas constantes na primeira página e do Relatório de Revisão por Pares (Peer Review Report) é feita somente após a conclusão do processo avaliativo, e com o consentimento voluntário dos respectivos pareceristas e autores.
  • Verificação de Plágio
    A RAC mantém a prática de submeter todos os documentos aprovados para publicação à verificação de plágio, mediante o emprego de ferramentas específicas, e.g.: iThenticate.
  • Disponibilidade dos Dados
    Todos os dados e materiais foram disponibilizados publicamente por meio da plataforma Mendeley e podem ser acessados em: http://dx.doi.org/10.17632/5bnr4bv7tb.1 Costa, Camilla Fagner de Carvalho e; Vieira, Jeferson de Castro (2020), “Data for Optimal Tax Theory Its Contributions To The Brazilian Reality published by RAC-Revista de Administração Contemporânea”, Mendeley Data, v1.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à pesquisadora Dra. Aline F. C. Costa, da Universidade Federal de Goiás, pelas contribuições no levantamento do estado do conhecimento da TTO no Brasil e no encaminhamento dos ajustes de finalização do presente ensaio teórico.

REFERENCES

Editado por

Editor-chefe: Wesley Mendes-Da-Silva (Fundação Getulio Vargas, EAESP, Brasil) https://orcid.org/0000-0002-5500-4872

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    23 Jun 2019
  • Revisado
    25 Maio 2020
  • Aceito
    25 Maio 2020
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