Acessibilidade / Reportar erro

Industrialização, estado e sociedade no Brasil (1930-1945)

ARTIGO

Industrialização, estado e sociedade no Brasil (1930-1945)* * Texto extraído do trabalho Tenentismo e Forças Armadas na Revolução de 30, tese de doutoramento apresentada ao Departamento de Ciências Sociais da USP, em março de 1982. mimeogr.

Maria Cecília Spina Forjaz

Professora titular no Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração da EAESP/FGV

1. INTRODUÇÃO

Este artigo objetiva esboçar uma interpretação globalizante do desenvolvimento social, político e econômico brasileiro no período de 1930 a 1945.

Esse período transitório entre a República Oligárquica e a etapa denominada por alguns Democracia Populista (usando uma periodização que privilegia o nível da política) encerra transformações profundas na estrutura de classes da sociedade brasileira, na configuração do Estado e no sistema econômico no Brasil.

Sem aprofundar a análise de cada um desses três níveis estruturais, tencionamos esboçar as grandes tendências do desenvolvimento capitalista (tardio) no Brasil, buscando uma análise que consiga integrar satisfatoriamente o econômico, o social e o político.

Ou seja, não procuramos o detalhamento histórico do período, mas a determinação das características básicas do desenvolvimento capitalista brasileiro nessa etapa.

Porém, rejeitando o determinismo economicista que ainda predomina no pensamento social brasileiro, uma premissa teórica que nos orienta é a noção da primazia do Estado no desenvolvimento capitalista periférico com industrialização tardia.

É bom lembrar neste ponto que, apesar da especificidade do desenvolvimento capitalista tardio que se constitui já na etapa monopolista do capitalismo como sistema internacional, nossa formação social retém também os traços gerais de qualquer processo de desenvolvimento capitalista.1 1 A respeito do conceito de capitalismo tardio ver Cardoso de Melo, João Manuel. O Capitalismo tardio: acumulação de capital e industrialização no Brasil. Tese de doutoramento, Unicamp, 1975. mimeogr.

A aceitação desse predomínio do Estado não nos leva a um outro extremismo teórico, o "politicismo", que, ao enfatizar exageradamente a autonomia da esfera política, "conduz, no limite, a uma descaracterização da sociedade civil enquanto campo de constituição de novas configurações dotadas de um dinamismo próprio".2 2 Diniz, Eli. Empresário, Estado e capitalismo no Brasil: 1930-1945, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. p. 31.

Em outros termos, o que pretendemos é uma análise que consiga apreender os processos políticos, sociais e econômicos em sua interdependência, sem cair nas tendências extremas e opostas do economicismo e do politicismo.

Uma vez definida a premissa teórica mais geral de nosso trabalho, passamos a definir alguns traços comuns da análise sociológica e histórica referente ao período em questão:

1. Ausência de hegemonia no Estado brasileiro pós-30. A Revolução de 30 destruiu a hegemonia da burguesia cafeeira, mas nenhum outro setor das classes dominantes teve condições de assumi-la. A nova coalizão no poder constituiu um "Estado de compromisso",3 3 Expressão forjada por Francisco Corrêa Weffort no artigo "Le Populisme dans la politique brésilienne. Les Temps Modernes, Paris, nº 257, 1967. Atualmente a expressão está generalizada na sociologia brasileira para definir o Estado pós-oligárquico, e esse texto foi publicado, juntamente com outros do mesmo autor, no livro O Populismo na política brasileira. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. no qual se equilibraram de forma instável cafeicultores, oligarquias dissidentes (outros setores da burguesia agroexportadora ou produtora para o mercado interno), grandes comerciantes importadores e a burguesia industrial nascente, além das "categorias sociais de Estado"4 4 A noção de "categorias sociais de Estado" e seu comportamento político-ideológico é desenvolvida por Décio Saes em sua tese de doutoramento (terceiro ciclo): Classe moyenne et système au politique Brésil, École Pratique des Hautes Études, Paris, 1974. (militares, intelectuais e burocratas), como grupos sociais subordinados.

Essa perspectiva é expressa com nitidez pelo historiador Bóris Fausto: "A possibilidade de concretização do Estado de compromisso é dada porém pela inexistência de oposições radicais no interior das classes dominantes e em seu âmbito não se incluem todas as forças sociais. O acordo se dá entre as várias frações da burguesia; as classes médias - ou pelo menos parte delas assumem maior peso, favorecidas pelo crescimento do aparelho do Estado, mantendo entretanto uma posição subordinada. À margem do compromisso básico fica a classe operária, pois o estabelecimento de novas relações com a classe não significa qualquer concessão política apreciável."5 5 Fausto, Boris. A Revolução de 1930, historiografia e história. São Paulo, Brasiliense, 1970, p. 104-5.

2. Ausência de uma burguesia industrial plenamente constituída e portadora de um projeto de dominação. A burguesia industrial é vista, pela grande maioria dos autores, como um grupo social permanentemente subordinado na nova coalizão dominante, cujos interesses econômicos são complementares aos da burguesia agrária. Sendo assim, ela é frágil, incapaz de obter autonomia político-ideológica e portanto de definir um projeto de industrialização nacional. Ou seja, não tem consciência dos próprios interesses e não constituiu um agente político importante na Revolução de 30.

Essa visão, obviamente um pouco caricaturizada aqui, perde de vista a progressiva diferenciação de interesses entre a burguesia agrária e conduz a uma análise que tende a enfatizar a permanência do sistema político anterior no pós-30.

Além disso, essa visão, que já vai ficando clássica na sociologia brasileira, acerca da burguesia industrial, torna-a um ator político muito pouco importante, que teria quase "sofrido" a industrialização promovida pelo Estado-Leviatã brasileiro.

É importante notar que essa interpretação sociológica que minimiza a importância política da burguesia industrial surgiu (a partir de meados dos anos 60) como uma reação às primeiras tentativas de interpretação do desenvolvimento capitalista no Brasil eivadas de protagonismo burguês.

Ou seja, nas análises pioneiras, a burguesia encenava num cenário tropical os lances heróicos de conquista do poder semelhantes aos da burguesia européia nos séculos XVII (Inglaterra) e XVIII (França).

Para recusar essa transposição mais ou menos automática dos modelos explicativos próprios ao desenvolvimento capitalista dos países centrais, a análise histórico-sociológica caiu num outro extremo, que quase anula a participação dos industriais na construção do capitalismo brasileiro.

Essas duas formas extremas de ver a burguesia industrial, como grupo totalmente subordinado ou, inversamente, como classe dominante em 30, prendem-se a uma visão dualista das relações entre Estado/Sociedade, que ainda predomina no panorama da sociologia brasileira.

3. Ausência de uma classe operária autônoma, organizada e capaz de reivindicar seus direitos. Graças à origem rural recente, ao "sindicalismo de Estado" que atrela o movimento operário, e ao populismo que manipula suas aspirações de melhores condições de vida, a classe operária brasileira também é frágil, pouco agressiva e pouco operante do ponto de vista político.

4. Existência de uma classe média urbana (difícil de definir sociologicamente) ambígua, que oscila entre a vinculação às classes dominantes e à classe operária, e portanto incapaz de qualquer autonomia político-ideológica.

5. Vácuo de poder e primazia do Estado: a ausência política das classes fundamentais e as ambigüidades da classe média produzem um vazio de poder que é preenchido pelo Estado, sustentado pelas Forças Armadas, e que se distancia cada vez mais da sociedade civil, impondo-se crescentemente como aparato burocrático-organizacional relativamente autônomo.

6. Ausência de ideologias de classe e "importação de idéias". Graças à caracterização feita sobre as classes sociais brasileiras conclui-se pela inexistência de ideologias de classe propriamente ditas e, portanto, pela importação permanente das idéias produzidas nos países capitalistas centrais.6 6 Ver Schwarz, Roberto. As idéias fora do lugar. In: Estudos CEBRAP, nº 3, 1973.

Essas características comumente encontradas na produção sociológica referente ao período de 1930-45, e que configuram "do lado de cima o vazio, e do lado de baixo o desvio, explicam-se na medida em que o capitalismo no Brasil é atrasado, tardio ou igual e combinado em face do capitalismo internacional, de sorte que a conseqüência não se faz esperar: o Estado, fonte de modernização, terá que promover o desenvolvimento capitalista, telos da história mundial. (...) Assim, a impressão deixada por grande parte dos textos é a de uma concepção demiúrgica da história do Brasil, as interpretações oscilando na escolha do demos ourgoi que ora é o Estado (e há um hegelianismo latente), ora é o empresariado (e a sombra de Schumpeter paira sobre a letra dos textos), ora deveria ter sido o proletariado (e a aura de Lenine fulge no esplendor do acaso)."7 7 Chauí, Marilena. Apontamentos para uma critica da ação integralista brasileira. In: & Carvalho Franco, Maria Sylvia. Ideologia e mobilização popular. São Paulo, Cedec/Paz e Terra, 1978 p. 21 e 30.

Tentaremos construir uma visão de longo alcance dessa etapa do desenvolvimento brasileiro que elimine o demiurgo, seja ele qual for, e que, aceitando a importância do Estado, admita os dinamismos próprios da sociedade civil, ou, usando expressões mais antigas, considere os determinismos infra-estruturais.

Nessa tentativa, seremos levados a questionar algumas das noções citadas e propor alternativas que as substituam, que as complementem ou que as remodelem.

Passamos então a detalhar as questões que julgamos imprescindíveis para a análise dos anos 30 a 45 no Brasil, e portanto formular algumas das hipóteses gerais do trabalho.

2. INDUSTRIALIZAÇÃO, POLÍTICA ECONÔMICO-FINANCEIRA E PARTICIPAÇÃO DA BURGUESIA INDUSTRIAL

Há uma polêmica antiga dividindo os cientistas sociais (em sentido lato; isto é, englobando os economistas) sobre o sentido da política econômico-financeira da primeira era Vargas.

Uma corrente interpretativa busca enfatizar o caráter conservador dessa política, que teria sido a responsável pelo atraso da industrialização brasileira.

Segundo esses autores,8 8 Tomamos como expressivos dessa corrente os seguintes autores: Pelaez, Carlos Manoel. As conseqüências econômicas da ortodoxia monetária, cambial e fiscal no Brasil entre 1889-1945. Revista Brasileira de Economia. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, jul./set. 1971; Villela, Aníbal & Suzigan, Wilson. Política do Governo e crescimento da economia brasileira, 1889-1945, Rio de Janeiro, IPEA/Inpes, 1973. essa política conservadora seria o resultado de uma grande continuidade política entre a Primeira República e a era de Vargas, ou seja, teria havido uma permanência de uma política econômica antiindustrialista e ortodoxa, que impediu maior diversificação e crescimento da economia brasileira.

Tanto no Governo Provisório, como no período constitucional (1934-37), como no Estado Novo (1937-45), as grandes linhas da política financeira de Getúlio Vargas tenderiam para a obtenção dos seguintes alvos: a contenção monetária e a manutenção do equilíbrio orçamentário. Ora, esses princípios ortodoxos seriam inadequados para enfrentar a depressão econômica mundial.

Divergindo dessa corrente interpretativa, autores como Celso Furtado, Antonio Castro e Maria da Conceição Tavares9 9 Furtado, Celso. Formação econômica do Brasil. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1959; Castro, Antônio de Barros. Sete ensaios sobre a economia brasileira. São Paulo/Rio de Janeiro, Forense, 1969 e 1971. 2 v. ; Tavares, Maria da Conceição. Da Substituição de importações ao capitalismo financeiro. Ensaios sobre economia brasileira. Rio de Janeiro, Zahar, 1972. (que também têm divergências entre si) admitem os compromissos de Vargas com as classes dominantes tradicionais, mas concluem pela implantação de um novo padrão de crescimento centrado na indústria.

Com enfoques semelhantes, essa corrente considera que a reação interna da economia brasileira à crise de 1929 possibilitou o arranque do processo de industrialização por substituição de importações, apesar de não haver por parte do governo uma política deliberadamente industrializante.

Em livro recentemente publicado, Eli Diniz10 10 Diniz, Eli. op. cit. encampa essa tendência interpretativa e busca acrescentar novos argumentos contra a primeira versão aqui citada de passagem, argumentos esses que tentam inserir na análise a dimensão política, que viria confirmar o caráter renovador e industrializante, em última instância, da etapa histórica que estamos analisando.

Segundo a autora, o raciocínio exclusivamente econômico não permite a elucidação completa da questão da política econômico-financeira dos anos 30 a 45, e é preciso articulá-lo às seguintes questões políticas:

1. A nova coalizão dominante significa a acomodação entre elites tradicionais e emergentes e, portanto, abriu-se efetivamente, com a revolução de 30, um novo espaço político para as elites industriais.

2. A participação da burguesia industrial nas decisões econômicas tem sido minimizada pela análise sociológica.

3. O pensamento autoritário, ideologia dominante nessa etapa histórica, influenciou positivamente o processo de industrialização, ao legitimar a ação planificadora e intervencionista do Estado.

4. A grande diversificação do aparelho estatal pós-30 implicou a descentralização de arenas decisórias, nas quais os interesses industriais puderam insinuar-se (principalmente comissões e conselhos técnicos).

É por meio dessa máquina burocrática que a burguesia industrial vai impondo suas perspectivas. A participação desse grupo social se dá principalmente através do Conselho Federal de Comércio Exterior (CFCE), do Conselho Técnico de Economia e Finanças (CTEF) e do Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial (CNPIC), onde defende prioritariamente:

1. O protecionismo alfandegário como forma de proteção à indústria. Como política global o protecionismo não foi adotado no Brasil no período que estamos estudando. Mas, embora a burguesia industrial não tenha conseguido impor o protecionismo como estratégia geral (as pressões internacionais, e principalmente americanas, contra ele eram muito fortes), um ou outro setor industrial foi protegido por tarifas alfandegárias.

2. Campanha contra o livre-comércio. Nesse aspecto, complementar ao primeiro, não se pode dizer que a burguesia industrial obteve sucesso. A força política associada das oligarquias exportadoras e dos grandes comerciantes importadores conseguiu manter o predomínio do livre-comércio, em prejuízo do protecionismo.

3. Institucionalização do crédito industrial. De concreto, nesse sentido, a burguesia industrial obteve a criação da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil (em 1937).

Além disso, os industriais conseguiram uma certa capacidade de articulação na defesa de seus interesses, assim como conseguiram sensibilizar setores das elites tecnoburocráticas para a questão do crédito industrial.

Além desses aspectos, outros pontos da atuação dos empresários industriais que sobressaem nesse período são o fato de que não são nacionalistas (apesar das constatações em contrário dos pesquisadores do IBEB) e de que aceitam com limites a intervenção do Estado na economia. Resistem mais à ação do Estado do que à ação do capital estrangeiro.

A resistência à ação estatal foi um dos pontos de atrito mais freqüente entre as lideranças empresariais e os técnicos estatais, todos eles com uma mentalidade essencialmente estatizante.

A nível de seu relacionamento com o Estado seriam esses os principais passos da burguesia industrial na sua luta pela constituição de uma identidade própria e pela imposição lenta e progressiva de seus interesses.

Mas além da participação política ampliada por meio dos órgãos técnico-econômicos, a burguesia industrial encontraria outros canais de acesso ao Estado: "No caso brasileiro, as associações de classe são instrumentos cruciais para a prática política do empresariado, sendo sua via de comunicação com os poderes públicos, quer a nível federal, quer regional. Elas permitiriam 'furar' o espaço viciado da política partidária, possibilitando uma outra frente de contatos com o Estado."11 11 Castro Gomes, Angela Maria. Burguesia e trabalho. Política e legislação social no Brasil 1917-1937. Rio de Janeiro. Campus, 1979. p. 51.

No plano de seu relacionamento com as outras frações das classes dominantes, podemos perceber um contínuo processo de diferenciação de interesses entre a burguesia industrial e os grupos agrários, assim como entre ela e os comerciantes importadores.

Nesse processo, "a defasagem entre percepção de interesses próprios e o montante de poder que o grupo possui para implementar esses interesses pode gerar estratégias de compromisso nem sempre condizentes com seus objetivos fundamentais. Isto, porém, longe de significar falta de consciência, inconsistência ou dependência ideológica, pode simplesmente representar um esforço por parte do grupo em ascensão, no sentido de preservar alianças com os setores sociais que detêm os recursos escassos necessários à consecução de seus objetivos".12 12 Diniz, Eli. op. cit. p. 240-1.

É por isso que, apesar de estar crescentemente se diferenciando da elite rural e se automatizando ideologicamente, a burguesia industrial menteve por muito tempo seus laços com os cafeicultores.

Como observou a esse respeito um outro pesquisador: "Resulta despropositado e abstrato reclamar da burguesia um projeto revolucionário antiagrário, negando-lhe, por essa inexistência, consciência de classe, quando a ordem agrária a recebia calidamente e sem constrangimentos."13 13 Vianna, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976, p. 73.

A adesão ao Partido Republicano Paulista, a oposição à Revolução de 30 e o apoio à Revolução de 1932 são altamente expressivos desses compromissos. Mas revelam também táticas de sobrevivência política.

Por que aderir a uma revolução que não tinha um projeto industrializante e que significava um perigo de radicalização social? (O tenentismo assustava os industriais e lhes produzia pesadelos sobre o avanço do socialismo.)

Por que aliar-se às oligarquias dissidentes (gaúcha e mineira), profundamente agraristas? Como aproximar-se da oposição em São Paulo, o PD, partido que faz do antiindustrialismo a razão de sua existência?

Por que apoiar a centralização estatal em detrimento do poderio de São Paulo, numa época em que as clivagens regionais ainda eram mais importantes do que as clivagens de classe?

Na decolagem da burguesia industrial em sua longa e lenta trajetória para o poder, ela freqüentemente se escudou no imenso poderio dos cafeicultores, para poder enfrentar, em primeiro lugar, as classes subalternas (e principalmente uma classe média bastante combativa e enquistada no aparelho de Estado) e, em segundo, outras frações menos poderosas da coalizão dominante (comerciantes importadores, oligarquias produtoras para o mercado interno, oligarquias improdutivas, etc).

O que importa é que em 1945, na queda do Estado Novo, a posição relativa da burguesia industrial na coalizão dominante era amplamente mais significativa do que na República Velha. E a indústria se expandiu de maneira significativa nesses anos.

Realmente, ela não fez a sua revolução à moda européia e não elaborou um projeto de dominação. Mas reivindicou e conseguiu igualdade jurídico-política no interior dos grupos sociais dominantes e formulou um projeto corporativo de participação nas estruturas do Estado em processo de agigantamento.

3. AS NOVAS ESTRUTURAS DO ESTADO: CORPORATIVISMO E POPULISMO

O Estado brasileiro durante esses 15 anos deixa de ser um Estado federal/oligárquico para transformar-se num Estado nacional/centralizado.

A centralização político-administrativa e a modernização institucional sobressaem como as grandes tendências do desenvolvimento do Estado no Brasil.

Essa centralização "tem para nós o sentido de visualizar a progressiva 'ocupação' do espaço organizacional e decisório por agências burocrático-estatais (...). O desmantelamento da velha ordem não ultrapassou os limites de uma modernização conservadora: sem qualquer reformulação da estrutura sócio-econômica existente encaixavam-se no sistema político novos grupos e interesses, devidamente cooptados e burocratizados".14 14 Campello de Souza, Maria do Carmo. Estado e partidos políticos no Brasil (1930-1964). São Paulo. Alfa-Ômega, 1976. p. 84-5.

Os mecanismos concretos da centralização autoritária que Maria do Carmo Campello de Souza analisou na obra citada são os seguintes:

a) sistema de interventorias/departamentos administrativos (daspinhos);

b) funcionamento do Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp);

c) funcionamento dos órgãos técnico-econômicos.

A atuação constante desses mecanismos centralizadores conduziu à criação de uma extensa máquina burocrática, que deixou de ser controlada pelo Poder Legislativo (com exceção do período 1934-37) ou qualquer outro organismo da sociedade civil.

Porém, através dessa nova máquina em expansão, os novos e antigos interesses dominantes, agora absorvidos e cooptados diretamente pelo Estado central, exerceram seu controle sobre a sociedade como um todo.

Quais seriam precisamente esses novos e antigos interesses dominantes? Ou as elites emergentes e tradicionais a que também nos referimos?

Que grupos comporiam, enfim, o "compromisso" que fundamenta o Estado brasileiro pós-30, e como se deu concretamente o inter-relacionamento entre eles?

A resposta a tais questões constitui uma das preocupações centrais no desvendamento da trama política própria da primeira era Vargas.

Sobre a burguesia industrial, uma das frações das novas elites emergentes, já discorremos anteriormente, de maneira sucinta.

Voltemos nossas preocupações para as chamadas oligarquias agrárias, dissidentes ou não, e que foram atoras fundamentais na Revolução de 30: "A centralização, que gradualmente esvazia uma parcela do poder oligárquico, destruindo suas manifestações de autonomia, opera-se com a ajuda desse mesmo poder oligárquico (grifo da autora da citação), graças às cisões que dividem internamente as elites regionais, e que as levam a competir pelos favores do Estado. A disposição latente de prestar vassalagem - sobretudo nas unidades mais carentes - será habilmente utilizada, através de uma complexa política de alianças que permite ao poder central readaptar ou substituir as velhas máquinas oligárquicas da República Velha por outras, mais permeáveis aos novos objetivos nacionais, dentro de uma estratégia global de fortalecimento do Estado."15 15 Camargo, Aspásia. A Revolução das elites. Clivagens regionais e centralização política. Rio de Janeiro, CPDOC-FGV. p. 5. mimeogr.

Assim, na visão de Aspásia Camargo, da qual compartilhamos, a questão central do processo político desencadeado em 30 é o da centralização estatal operada pelas próprias oligarquias, o que redunda numa ampla renovação das elites dirigentes.

As clivagens regionais que comandam esse processo seriam a ofensiva paulista para consolidar sua hegemonia, coincidindo com o descenso mineiro e ascensão gaúcha, assim como com a maior inserção nordestina nos centros de decisão política.

Minas Gerais, estado declinante em termos econômicos, com o rompimento do pacto do "café-com-leite", torna-se menos autônoma do que São Paulo, em relação ao Governo federal.16 16 Sobre a utilização dos estados como unidades de análise política ver Schwartzman, Simon. São Paulo e o Estado nacional. São Paulo, Difel, 1975. cap. 1: Política representativa e grupos de interesse.

Mas o próprio estado de São Paulo, embora mais autônomo do que Minas em relação ao centro, sofre a partir de 30 uma disjunção cada vez maior entre o seu peso econômico e sua importância política: "Basta lembrar aqui que o censo de 1940 já mostra ser este o maior Estado brasileiro em população, além de já ser a principal fonte de impostos do governo central e o foco de industrialização do país. Politicamente, no entanto, São Paulo desempenhou um papel inferior a seu tamanho e peso econômico relativos e, em 1932, foi o último Estado brasileiro a se levantar em armas contra o governo central."17 17 Schwartzman, Simon. op. cit. p. 49.

A diminuição relativa do peso político de São Paulo no pós-30, apesar da manutenção da primazia econômica, liga-se evidentemente ao processo de agigantamento do Estado, que ocorre simultaneamente a seu "descolamento" das forças sociais hegemônicas da sociedade brasileira.

Na raiz desse mesmo processo pode-se entender o fato de que Minas Gerais, ao contrário de São Paulo, mantém um peso político desproporcional à sua presença econômica.

A força política de Minas, não condizente com sua força econômica, fundamentava-se no seu grande peso eleitoral e na inserção de suas elites no aparelho de Estado: "Como o Estado mais populoso da nação, Minas Gerais possuía o maior eleitorado e ocupava o primeiro lugar no número de cadeiras no Congresso - 37, em relação às 22 de São Paulo e Bahia, e às 16 do Rio Grande do Sul. (Desde a Constituinte de 1933, até o golpe de novembro de 1937, a composição das bancadas estaduais permaneceu idêntica à de 1891). (...) Essa força eleitoral, associada a uma bancada grande e disciplinada - apelidade 'a carneirada' - eram os instrumentos do poder mineiro na arena nacional."18 18 Wirth, John. Minas e a Nação. Um estudo de poder e dependência regional - 1889-1937. In: Fausto, Boris, org. O Brasil Republicano/Estrutura de poder e economia (1889-1930). São Paulo, Difel, 1975. p. 89.

Quanto ao Rio Grande do Sul, Estado ascendente em termos econômicos, e com uma economia voltada prioritariamente para o mercado interno (charque, arroz, etc.) passa a ter depois de 30 participação maior na estrutura de poder, apesar de as oligarquias gaúchas, assim como as outras, serem progressivamente submetidas ao poder central: "Em 1932, às vésperas da Revolução Constitucionalista, o governo provisório consegue a adesão do Rio Grande, através de Flores da Cunha, para derrotar São Paulo, inclusive com a ajuda de suas tropas. Inversamente, em 1937, São Paulo não dificultará a renúncia forçada de Flores da Cunha, politicamente cercado em seu próprio Estado, graças às dissidências entre as lideranças gaúchas, e militarmente cerceado pela presença do General Daltro Filho e pelas diretivas centralizadoras de federalização das brigadas estaduais.

No Nordeste, a estratégia do Centro é ainda mais bem-sucedida, pois a região constitui-se em aliado incondicional da Revolução já em seus primeiros tropeços, criando bases sólidas que neutralizam o inconformismo paulista em face da hegemonia inicial dos tenentes."19 19 Camargo, Aspásia, op. cit. p. 36.

A dimensão regional da disputa pelo poder nos anos 30 e a subordinação das oligarquias nordestinas ao poder central também são constatadas por Maria Nazareth Baudel Wanderley: "Sob o impacto da crise de 30, a intervenção do Estado será definida em termos de uma política centralizada na esfera federal, e reguladora do comércio e da atividade produtiva. Como a crise não é exclusiva à produção do açúcar, mas atinge toda a economia do país, desorganizando o mecanismo tradicional de reprodução da atividade agroexportadora, a intervenção do Estado terá um caráter defensivo, de recuperação do dinamismo, assim amecado (...). Para garantir o apoio da IAA, os usineiros assumem a bandeira da defesa do Nordeste, identificando, em seu discurso, os interesses da região com seus próprios interesses de classe."20 20 Wanderley, Maria de Nazareth Baudel. Capital e propriedade fundiária. Suas articulações na economia açucareira de Pernambuco. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. p. 56-7.

Convém não esquecer, no entanto, que as disputas regionais que se acirram no processo revolucionário de 30 são bem anteriores a ele e têm muitas vezes fundamentos econômicos.

Em toda a década de 20, os cafeicultores de São Paulo tentam impor a própria hegemonia em relação aos cafeicultores de outros Estados, quebrando as alianças tradicionais da Primeira República, além de provocar resistência em outras oligarquias exportadoras e nos grupos produtores para o mercado interno. Para os interesses desses últimos, as políticas de defesa do café eram muito prejudiciais.

Essas resistências a São Paulo já se tornaram claras por ocasião da Terceira Valorização do café, empreendida e ganha por São Paulo no início da década de 20: "Aos emissionistas contrapunha-se uma outra corrente, liderada no Congresso por Antônio Carlos de Andrada, integrada principalmente por políticos gaúchos, pernambucanos e baianos. Colocavam-se tanto contra a Valorização quanto contra a criação do banco central, argumentando que as emissões ativariam a inflação e deprimiriam o já baixo poder de compra dos salários, além de comprometerem as finanças públicas, abaladas por sucessivos déficits desde 1914; protestavam contra o 'imperialismo paulista', solicitando que a proteção, em sendo concedida, se estendesse a todos os demais produtos. Uns temiam que a queda dos salários encurtasse seus mercados - os gaúchos e mineiros produtores agrícolas; outros, que a elevação dos salários industriais reduzisse seu poder de competição num momento de acirramento da concorrência inter-regional - os industriais."21 21 Aureliano da Silva, Liana Maria. No limiar da industrialização. Estado e acumulação de capital, 1919-1937. Tese de doutoramento, Capinas, Unicamp. p. 72. mimeogr.

A disputa regional continua e torna-se mais aguda a partir de meados da década, quando se efetiva a defesa permanente do café.

Para implementá-la, foi criado o Instituto do Café de São Paulo, que deveria regularizar o mercado cafeeiro e fazer acordos com os outros estados produtores, estabelecendo quotas para cada um deles.

Esses acordos redundaram em conflitos entre os estados cafeeiros: "Nestes convênios explicitam-se as disputas entre as distintas frações estaduais da burguesia cafeeira, especialmente entre a paulista e a mineira. Os mineiros, com menor produção e sem condições para realizar uma retenção a prazo largo - por não possuírem armazéns reguladores, não controlarem as estradas de ferro para estocar mercadorias nas estações, nem disporem de um sistema bancário como São Paulo - pretendiam escoar suas safras dentro do ano agrícola comercial cafeeiro, quando o interesse paulista era de imprimir a toda a safra nacional um ritmo de escoamento determinado exclusivamente por seu volume de produção. Sem a arbitragem federal, a disputa entre os dois estados se prolongou até o fim da República Velha."22 22 ld. ibid. p. 96.

Além das disputas regionais, seria conveniente indicar aqui a existência de conflitos internos da burguesia cafeeira paulista, que entrou cindida na revolução, e cujas divisões internas não estão suficientemente esclarecidas pela análise histórica e sociológica.

A chamada burguesia cafeeira paulista não é um grupo homogêneo, e o complexo cafeeiro paulista significa na verdade investimentos em distintos setores econômicos: agricultura, comércio, transporte, setor financeiro, etc.

O fazendeiro produtor, o comissário de café, o banqueiro que financia a estocagem, o cafeicultor com investimentos alternativos na indústria, configuram diferentes interesses econômicos e distintos graus de poder de barganha política.

Existe ainda a vinculação simultânea a diversos setores: "Os termos 'empresa' e 'empresário', quando se aplicam à oligarquia paulista, são justificados, pois inúmeras vezes a diversificação de atividades é uma constante. Veja-se, por exemplo, o caso do Conselheiro Antônio Prado, fundador do PD, tradicional fazendeiro possuidor de mais de 6 milhões de pés de café, possuidor de ações de ferrovias, de frigoríficos, de fábricas; o caso das famílias Altino Arantes, Rodrigues Alves, Paulo Nogueira, com interesses cafeeiros e industriais; o do coronel Francisco Schmidt, 'o rei do café', possuidor também de usina de açúcar; o do Conde Moreira Lima, o maior produtor do vale do Paraíba, também dono de usina de açúcar."23 23 Borges, Vavy Pacheco. Getúlio Vargas e a oligarquia paulista (história de uma esperança e muitos desenganos). São Paulo, Brasiliense, 1979, p. 22.

Os reflexos políticos dessa diversidade não estão ainda devidamente esclarecidos, mas sabe-se que as cisões dos cafeicultores atingiram o sistema partidário de São Paulo (PRP x PD), as associações de classe (Sociedade Rural x Federação dos Lavradores) e até a imprensa paulista (Correio Paulistano, O Estado de São Paulo, Folha da Manhã).

A intensidade e a complexidade das disputas intra e inter-regionais, muito agravadas pela crise econômica mundial, estão na raiz da emergência de um Estado todo-poderoso (o Leviatã brasileiro) - que se impõe a todos e garante a sobrevivência do conjunto.

De que maneira esses antigos interesses dominantes se acomodaram na nova coalizão no poder e como enfrentaram a expansão da burguesia industrial, assim como a centralização autoritária do período 30-45?

A questão da centralização estatal nos remete diretamente ao binômio interventorias/daspinhos que citamos anteriormente. "Vedados os canais tradicionais de representação e influência, as antigas e novas oligarquias foram absorvidas e encurraladas num sistema que tinha como fulcro as interventorias acopladas a órgãos burocráticos subordinados ao Dasp (...), sujeitos por sua vez ao presidente da República. Nem sempre salientado ou compreendido pelos analistas, o papel do Dasp é sem dúvida decisivo, não pelo que de real reforma possa ter realizado na administração pública, nos processos de seleção e admissão de pessoal, etc., mas pela sua função na montagem da estrutura de poder burocrático: a de um cinto de transmissão entre o Executivo federal e a política dos estados."24 24 Campello de Souza, Maria do Carmo. op. cit. p. 86.

Os interventores, nomeados pelo poder central, deviam a ele sua permanência nos estados, embora fossem algumas vezes ligados às oligarquias regionais.

É o caso dos estados fortes (São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul), cujos interventores têm raízes regionais.

Minas e o Rio Grande do Sul estavam no poder, logo após a revolução, e se confundiam um pouco com o próprio poder central: "Depois de 1930, a tradicional capacidade dos mineiros de se unirem em torno do governador voltou a assegurar-lhes uma influência nacional, mas em condições que fizeram de Minas um cliente político de Vargas."25 25 Wirth, John D. Minas e a nação. Um estudo de poder e dependência regional, 1889-1937. In: Fausto, Bóris, org. História geral da civilização brasileira. São Paulo, Difusão Editorial, 1975 tomo III. O Brasil Republicano, 1. Estrutura de poder e economia (1889-1930). Cap. 2: O poder dos Estados. Análise regional p. 77.

O "caso de São Paulo" que conduziu à Revolução de 1932, ou seja, o enfrentamento entre o Governo Provisório e as elites de São Paulo, se originou exatamente das tentativas varguistas de imposição de interventores vinculados ao poder central (começando pelo "tenente" João Alberto Lins de Barros).

Já nos estados mais fracos (econômica e politicamente) a grande maioria dos interventores foram tenentes, delegados do Executivo central.

É o caso da Bahia (Juracy Magalhães); Rio de Janeiro (Ary Parreiras); Ceará (Roberto Carneiro de Mendonça); Piauí (Landry Salles Gonçalves); Rio Grande do Norte (Hercolino Cascardo); Sergipe (Augusto Maynard Gomes); Paraíba (Gratuliano da Silva Brito); Espírito Santo (Punaro Bley); e Pernambuco (Carlos de Lima Cavalcante).

O caso da Bahia é ilustrativo de como os interventores, se impuseram, mas também conciliaram-se com as oligarquias locais.

Por ocasião da Revolução de 30, os coronéis baianos se dividiram entre os que apoiaram Washington Luiz e os partidários da Aliança Liberal. Estes "coronéis revolucionários" consolidaram seu poder nos municípios do vale médio e superior do rio São Francisco, e em troca aceitaram a liderança do tenente Juracy no executivo estadual.

Os coronéis derrotados em 30 mobilizaram-se para apoiar São Paulo na Revolução de 1932. Quando o serviço de informações relatou ao interventor a mobilização dos adeptos bernardistas na Bahia (Artur Bernardes foi um dos líderes da conspiração mineira pró-São Paulo em 1932), este acionou os coronéis leais a Salvador para que sustassem a rebelião.

Conseguiu esse objetivo e mais ainda: reforçou seus vínculos com os "coronéis revolucionários". Tanto que em janeiro de 1933 eles mesmos proclamaram sua fidelidade a Juracy Magalhães e elegeram-no o primeiro governador constitucional da Bahia depois da revolução.

Aproveitaram a oportunidade para aderir ao Partido Social Democrático organizado pelo interventor (não é o PSD criado em 1945. Depois da redemocratização, Juracy Magalhães foi um dos fundadores da UDN na Bahia) e romperam seus vínculos partidários com o Partido Republicano da Bahia, liderado pelos clãs Calmon e Mangabeira.

Os interventores do Norte/Nordeste, liderados pelo tenente Juarez Távora, o vice-rei do Norte, formaram um bloco político para se opor a São Paulo na Assembléia Nacional Constituinte de 1934.

Freqüentemente se aliaram à bancada dos representantes classistas 40 deputados eleitos pelos sindicatos patronais e de empregados, assim como de representantes dos profissionais liberais) para impor diretrizes políticas àquele colegiado.

Para supervisionar os interventores e impedir um excessivo acúmulo de poder em suas mãos, o poder central contava com os "daspinhos", seções estaduais do Dasp: "Tendo surgido no contexto de uma ditadura comprometida com a modernização, sem um partido de massas, o departamento criou meios convenientes para o controle central do sistema administrativo. Como agência do Executivo federal, exercia responsabilidades que iam além das preocupações técnicas. Na realidade o Dasp tornou-se uma espécie de superministério."26 26 Campello de Souza, Maria do Carmo. op. cit. p. 96.

Os "daspinhos" funcionavam como uma espécie de corpo legislativo, controlando os interventores e garantindo sua lealdade ao Executivo federal.

Todo esse esquema de montagem das relações de poder centro-estados, assim como os novos órgãos técnico-econômicos (por meio dos quais a burguesia industrial e as "categorias sociais de Estado" se insinuaram no aparato estatal) configuram a nova forma de interação entre as classes dominantes: "A recomposição do poder oligárquico regional se efetivou sob a cláusula de sua simultânea vinculação ao sistema burocrático governamental, processo esse que teria decisiva significação, como é sabido, na formação do maior dos partidos do pós-guerra, o PSD.

De maneira análoga ao que se passava com os grupos dominantes estaduais, os organismos econômicos estabeleceram formas de controle cuja tônica principal foi também a absorção burocrática. Os agentes autárquicos e os conselhos técnicos, na maioria dos casos, institucionalizaram uma modalidade de atuação que era, na realidade, semilegislativa ou semi-representativa, não raro com a participação direta dos interessados."27 27 Id. ibid. p. 103.

Vimos exemplos concretos do funcionamento desses órgãos técnico-econômicos e da inserção neles de representantes da burguesia industrial e das categorias sociais de Estado.

No entanto, nossa análise não pode e não pretende restringir-se ao bloco dominante. Tencionamos verificar como se dá a relação entre ele e as classes populares em geral, e especificamente como se dá a articulação entre Estado e massas urbanas.

Essas questões nos remetem à problemática do populismo: "Mas a modificação do sistema político ultrapassou a pura reforma das estruturas do Estado e o alargamento do bloco político dominante. Mais precisamente, a Revolução de 30 se encontra na origem de uma modificação nas relações políticas entre o bloco dominante e as classes populares (...), a Revolução de 30 deixou, assim, quase intacta a capacidade oligárquica de controle das massas rurais. Todavia, a complexidade do novo bloco político dominante e a ausência de uma força política claramente hegemônica traziam ao novo Estado tão-somente um equilíbrio instável: avista disso, a conquista de uma base social de apoio se impôs desde logo. Tal base, o Estado oligárquico não poderia evidentemente buscá-la nos focos do coronelismo. Se as massas rurais permaneciam sob o poder oligárquico local, a nova composição política dominante só poderia encontrar a fonte de uma estabilidade política relativa no mundo social engendrado pela urbanização e pelo crescimento industrial: a classe operária e os trabalhadores do aparelho urbano de serviços, ou, conforme a expressão clássica da sociologia brasileira, as massas urbanas."28 28 Saes, Décio. Industrialização, populismo e classe média no Brasil. Cadernos do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas, nº 6, 1976.

A perspectiva apontada por Décio Saes liga-se à análise clássica do populismo realizada por Francisco Corrêa Weffort ainda nos anos 60 e que tomamos por base para o esclarecimento da participação política popular nos anos 30.

O Estado pós-oligárquico reconheceu a presença política da classe operária e, portanto, sua capacidade reivindicativa e sua cidadania: daí a promulgação da legislação trabalhista e a montagem da estrutura sindical.

Porém, a integração política da classe operária se fez através do corporativismo: "A expressão da contestação política dos 'de baixo', até então uma ameaça virtual, coloca com nitidez a impropriedade da forma de dominação liberal, que não teria força para impedir a crescente organização sindical e política das classes subalternas, já não contida pelo autoritarismo moderado dos primeiros anos do Governo Provisório. Se até esse acontecimento o corporativismo cumprisse em primeiro lugar as funções de arranjar politicamente as frações de classe dominantes - com o que não concordamos - indubitavelmente, a partir daí, trocaria de natureza para consistir num regime primordialmente preocupado em subordinar coercitivamente as classes subalternas, e a operária em particular."29 29 Vianna, Luiz Werneck op. cit. p. 126.

Não se trata da velha idéia da outorga pelo Estado da legislação trabalhista a uma classe operária imóvel, ou ausente ou totalmente inconsciente de si mesma.

Pelo contrário, a idéia é a de que o corporativismo se impôs como uma forma de controle (obviamente não só da classe operária) para obstaculizar a expansão político-social das classes subalternas e para impedir a ampliação do sindicalismo independente.

O corporativismo se impõe também como uma forma de brecar o aumento da influência do Partido Comunista Brasileiro sobre o movimento operário: "O caráter excludente do sistema político é dissimulado na fórmula corporativa, abrindo-se canais de participação controlados e manipulados pelo Estado. Elimina-se ou rebaixa-se a cota de livre manifestação dos grupos sociais na sociedade civil.

Em relação às camadas médias urbanas, a política se completa com a cooptação operada a partir do recrutamento para as funções públicas que o Estado alarga bem além das suas necessidades. A legislação sindical, ao invés de procurar cortar o passo da crescente organização dos assalariados, buscará orientá-la para dentro do aparato estatal."30 30 Id. ibid. op. cit. p. 135.

A doutrina corporativista, que permeia todo o pensamento político da época, propõe a harmonia social e a eliminação dos conflitos de classe pela imposição de um Estado neutro, poderoso e benefactor, que realize a arbitragem dos dissensos sociais.

Esse Estado distribui equitativamente suas benesses e se relaciona com a sociedade civil através das corporações profissionais.

É através delas que a sociedade, de uma forma organizada e não caótica como no Estado liberal, se faz representar na arena política.

Os partidos políticos são recusados como canal eficaz de comunicação entre os grupos sociais e o Estado. São vistos como agrupamentos que expressam interesses particularistas e que conduzem e incrementam a disputa entre as classes sociais.

Porém, a proposta corporativista de organização do Estado que acabou predominando no Estado Novo (e para a qual muito contribuíram os tenentes, não se impôs sem resistências: "Neste sentido, o marco corporativo de organização social e política seria questionado e denunciado por parcelas do movimento operário e pelos próprios setores empresariais, como veremos a seguir, além de sofrer ataques da oligarquia agrária. Desta forma, vigora nestes anos uma espécie de duplo sistema de organização de interesses privados: um enquadrado nas normas da lei de sindicalização e outro fora destes postulados. Além deste fato, nos anos de abertura política que assinalaram a reconstitucionalização do país, ganharam primazia real e legal os instrumentos de representação política de formato liberal-democrático - os partidos - voltando o sindicalismo a gozar, ao menos por normas constitucionais, do estatuto de autonomia e pluralidade típico de uma proposta política não-corporativa."31 31 Castro Gomes, Angela Maria, op. cit. p. 217.

Quanto à presença das classes médias, via categorias sociais de Estado ou via movimentos políticos como a Ação Integralista Brasileira (AIB ) e a Aliança Nacional Libertadora (ANL), pretendemos discuti-la no item a seguir.

Entretanto, antes de passar adiante, gostaríamos de enfatizar que já questionamos as proposições, dois, três e quatro apresentadas no início deste trabalho, como tendências dominantes da explicação sociológica sobre o período em questão.

Com relação à questão da primazia do Estado no desenvolvimento capitalista brasileiro, todas as nossas colocações tendem a reafirmá-la, porém sem que essa constatação implique uma ausência política das classes fundamentais.

Não é porque o Estado se autonomiza no político que ele deixa de expressar o domínio de algumas classes sobre outras.

Não há um vazio de poder no Brasil. Pelo contrário, há um poder que se impõe de forma mais violenta e brutal do que nos países de desenvolvimento capitalista originário.

A dominação de classe passa pela coerção extra-econômica. Não são apenas as leis do mercado que impõem a submissão das classes subalternas. É preciso reprimir não só pela ideologia. É preciso um aparato repressivo muito desenvolvido, é preciso transformar o Exército em Polícia. Isso não é vazio de poder.

4. CAMADAS MÉDIAS URBANAS E RADICALIZAÇÃO POLÍTICO/IDEOLÓGICA

A hipótese principal que pretendemos desenvolver é a de que, com o tenentismo, o integralismo, o aliancismo, mas principalmente com a inserção das categorias sociais de Estado no aparelho estatal, as camadas médias urbanas adquiriram um certo grau de autonomia política, em relação tanto às classes dominantes quanto às classes subordinadas.

No que diz respeito aos intelectuais, Sérgio Miceli admite a existência dessa autonomia relativa: "Os anatolianos participavam direta e ativamente das campanhas eleitorais de seus mandachuvas ou de candidatos por eles indicados, ao passo que os intelectuais do regime Vargas se empenhavam sobretudo em ampliar, reforçar e gerir as 'panelas' burocráticas de que faziam parte e só se sentiam credores de lealdade em relação ao poder central. Desta maneira, os intelectuais contribuíram decisivamente para tornar a elite burocrática uma força social e política que dispunha de uma autonomia relativa tanto em relação aos interesses econômicos regionais como em relação aos dirigentes políticos estaduais."32 32 Miceli, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo, Difel, 1979.

A presença política das classes médias, no período que estamos estudando, é tão relevante que alguns autores consideram 30 como a "revolução das classes médias". É o caso de Virginio Santa Rosa, Hélio Jaguaribe e Guerreiro Ramos.

Os dois últimos, pesquisadores do velho Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), imbuídos da ideologia nacional populista vigente nos anos 50, estão entre os que têm essa visão do processo revolucionário.

Sem chegar a esses extremos de considerar as camadas médias como principal agente político, ou principais beneficiárias dela, consideramos fundamental o seu papel político na conjuntura revolucionária e nos anos que se seguem.

A presença política da classe média nesse período assume duas formas distintas.

De um lado temos a participação das categorias sociais de Estado (militares, burocratas e intelectuais) na coalizão dominante, forçando a destruição do Estado oligárquico agromercantil.

É uma "representação" autoritária, na qual uma classe social se faz presente no sistema político por intermédio do próprio aparelho de Estado: "Mas, de outro lado, para além das motivações puramente 'técnicas', é preciso considerar a dupla filiação das 'categorias sociais' integradas ao bloco dominante: filiação às camadas médias urbanas, de um lado, e inserção nos aparelhos de Estado, de outro. Ora, as disposições ideológicas próprias a cada uma dessas situações induziram igualmente as 'categorias sociais' a tomar decisões favoráveis à industrialização. A esse respeito, podemos discriminar, numa perspectiva analítica, três exemplos: os tenentes, as Forças Armadas (alta oficialidade) e a alta burocracia."33 33 Id. ibid. p. 20.

Mas nem sempre a alta burocracia foi favorável aos interesses industriais, é o que Eli Diniz afirma, ao pesquisar o Conselho Federal de Comércio Exterior (CFCE) e o Conselho Técnico de Economia e Finanças (CTEF).

Freqüentemente, os técnicos governamentais divergiam dos porta-vozes da indústria, já que estes não eram nacionalistas (e aqueles sim) e resistiam à intervenção do Estado no sistema econômico (e aqueles tentavam intensificar essa intervenção nos mais variados aspectos da vida política, econômica, cultural, etc).

Reforçando o argumento da oposição entre a classe média e a burguesia industrial, podemos lembrar também a posição contrária que ela sempre assumiu em relação ao protecionismo alfandegário reivindicado pelos industriais.

Em geral, os setores médios, no período que nos ocupa, reforçavam os argumentos antiindustrialistas da burguesia agrária e culpavam os industriais pela carestia da vida.

Além disso tudo, amplos setores das camadas médias urbanas estiveram vinculados à luta contra as "indústrias artificiais" e aderiram à perspectiva agrarista que, aliás, era também dos tenentes. O programa dos tenentes não é industrializante: não rejeitam a necessidade da industrialização, mas dão prioridade, na fase histórica que o Brasil vive, ao desenvolvimento agrícola. Os tenentes defendem a instalação da indústria siderúrgica e a exploração estatal do petróleo. No entanto, tais propostas estão mais ligadas ao problema da segurança nacional do que propriamente a um projeto industrializante. Pretendem a estatização dos núcleos fundamentais da infra-estrutura econômica, mas não a ampliação da concentração capitalista. Pelo contrário, condenam os trustes, monopólios e organizações no gênero.

Warren Dean, em seu trabalho sobre a industrialização de São Paulo, aponta também a hostilidade da classe média para com a indústria brasileira: "Uma das disposições arbitrárias do governo provisório foi um tributo de 8% sobre os lucros remetidos para o estrangeiro. O decreto levava a intenção de agradar aos sentimentos nacionalistas da classe média, em cuja opinião as firmas estrangeiras haviam intensificado a crise, retirando seus lucros em ritmo acelerado, e que não fazia distinções precisas entre estrangeiros em geral e os estrangeiros aqui residentes, como Matarazzo e os Jafets. (...) A animosidade da classe média evidenciou-se também num decreto que exigia a identificação de todos os tecidos nacionais por meio de um rótulo indelével."34 34 Dean, Warxen. A industrialização de São Paulo (1880-1945). São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1971. p. 199.

Tanto militares quanto intelectuais e quanto burocratas assumiram um papel fundamental no processo de centralização do Estado e na sua autonomização em relação às classes dominantes.

À medida que se efetivava um processo de "descolamento" do Estado em relação à sociedade civil, essas categorias sociais ganharam um peso enorme na formulação de decisões políticas: "Sem sombra de dúvida, esse engendramento de pessoal político e intelectual no interior da classe dirigente constitui um requisito indispensável para que se possa discernir as peculiaridades de um sistema de dominação cujas raízes remontam à crescente disjunção entre os detentores do poder econômico e os grupos (militares, intelectuais, políticos profissionais) que foram tomando as rédeas do comando político."35 35 Miceli, Sérgio, op. cit. p. 195.

Os militares tiveram papel destacado na formulação das diretrizes da política econômica do país no período 1930-45.

É amplamente conhecida a influência militar na elaboração da política siderúrgica e petrolífera no Brasil: "Em seguida à revolta paulista de 1932, os tenentes entraram em declínio como força política nacional efetiva. Deixaram, contudo, um legado de centralismo e deram ao país um impulso de reorganização que os seus oficiais superiores levaram avante com objetivos de defesa militar e econômica. Assim, em 1931, o Ministro da Guerra Leite de Castro organizou uma Comissão Nacional do Aço, para estudar todo o problema do ferro e do aço. Em 1933, chefiou uma missão encarregada de estudar as usinas siderúrgicas européias. A recém-fundada Escola de Engenharia do Exército começou a formar engenheiros metalúrgicos; muitos oficiais do Exército receberam treinamento especializado no estrangeiro. E, em 1934, o general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, antigo líder tenentista, instou com Vargas para que estatizasse a nascente indústria siderúrgica nacional. Poucos dentre os oficiais mais velhos se dispuseram a seguir o eloqüente Góis pela estrada do estatismo. Não obstante, o estabelecimento militar havia assumido, no início da década de 30, um papel importante, embora ainda não preponderante, na elaboração da política para os planos siderúrgicos do governo.

Ali estava a origem da regeneração nacional, do aprestamento militar e da intervenção do governo na economia, que deram impulso ao nacionalismo econômico como ideologia modernizante dentro das Forças Armadas. Em 1937, o Exército, em particular, enquanto instituição nacional, decidiu-se a encontrar uma alternativa realista para a produção de aço em pequena escala e estabelecer uma base para a auto-suficiência econômica nacional, com vistas à eventualidade de guerra ou bloqueio. E, se bem que os oficiais militares interessados no desenvolvimento industrial não se mostrassem unidos na oposição a Farquhar, havia entre eles unanimidade quanto à necessidade de uma solução imediata."36 36 Wirth, John D. A política do desenvolvimento na era de Vargas. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1973. p. 67.

Além de participar concretamente na formulação de decisões econômicas estratégicas, os militares tiveram, a partir de 1930, um papel político essencial como árbitros internos dos grupos dominantes.

Tornaram-se sustentáculos desse novo Estado, crescentemente autonomizado dos detentores diretos do poder econômico: "Por trás da retórica da identificação Exército-Estado e da visão de ambos como expressão orgânica da nação, estava a realidade de um projeto que se caracterizava pela nacionalização da política, pelo industrialismo e pela ideologia da nova ordem não liberal mas inequivocamente burguesa (...). O projeto da intervenção controladora dos militares sem dúvida fugia do modelo de Exército burguês clássico. Além disso, nas motivações imediatas de seus promotores, sobressaíam aspectos que eram de natureza especificamente militar, vinculados aos problemas da segurança interna e externa. Mas o conteúdo concreto da intervenção, particularmente em seus aspectos nacionalizantes, industrializantes e de contenção política, revelava-se compatível com a ordem burguesa industrial que se gestava no país, embora fosse a antítese do liberalismo político."37 37 Carvalho, José Murilo de. Forças Armadas e política 1930-1945. Rio de Janeiro CPDOC FGV. p. 55. mimeogr.

Depois de sofrer um processo interno de homogeneização, vencendo a profunda fragmentação que o atingiu com a revolução e o tenentismo, é que o Exército pôde se impor como instituição unificada: "Se sete anos antes parcela do Exército liderara o movimento de destruição da velha ordem, agora ele servia de parteiro para a nova ordem, mas diferente da imaginada pelos revolucionários de 1930. A ênfase agora não seria nas reformas sociais, na representação classista, no combate ao latifúndio, mas no desenvolvimento econômico, na indústria de base, na dívida externa, na exportação, nas estradas de ferro, no fortalecimento das Forças Armadas, na segurança interna e na defesa externa."38 38 Id. ibid. p. 53.

Esse padrão de intervenção militar na política foi chamado, por um brazilianista famoso, de "moderador". Nele, além do impulso castrense de intervir, avulta a mentalidade das elites civis de "chamar" os militares para mediar os conflitos políticos.

Tanto para romper a legalidade, como para restabelecê-la; tanto os grupos no poder, quanto os da oposição; tanto a esquerda, como a direita apelam para a intervenção militar.

É o "militarismo civil" que as elites brasileiras compartilham com as latino-americanas em geral, e que o depoimento de um militar legalista ilustra muito bem: "Fosse outra a orientação dos homens públicos do Brasil (...). Mas a orientação que possuíam era, quando na oposição, desconhecer as vantagens de permanecerem aquelas forças (armadas) fora dos prélios partidários; e, quando no governo, servirem-se delas em apoio de seus interesses políticos."39 39 Carvalho, General Estevão Leitão de. Dever militar e política partidária. São Paulo, Nacional, 1959. p. 173.

Apesar da relevância política dos militares no processo de desenvolvimento político no Brasil, no entanto, não há estudos e pesquisas, empíricas ou teóricas, proporcionais ao seu peso: "Sobre o mérito da questão - por que e como, na formação social que nos é peculiar, os militares se tornaram em decisivo atores no sistema de Estado - realmente (há) muito pouco, em termos de insights teóricos e fecundos trabalhos de pesquisa empírica."40 40 Figueiredo, Eurico de Lima, org. Os Militares e a Revolução de 30. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979.

A outra forma de representação política das camadas médias urbanas nos anos 30, a que já nos referimos de passagem, são os movimentos da Ação Integralista Brasileira e da Aliança Nacional Libertadora (AIB e ANL, respectivamente).

Ambos se caracterizam pela intensa e rápida mobilização, pelo seu caráter nacional (pela primeira vez no Brasil movimentos políticos assumiram âmbito nacional significativo e não se restringiram ao âmbito regional) e pelo radicalismo ideológico (de direita e de esquerda).

A Ação Integralista Brasileira, que foi fundada em 1932, tem um programa fascista, adaptado às condições nacionais, que rejeita simultaneamente o comunismo e o liberalismo e que se define mais por oposição a eles do que pela afirmação de princípios independentes.

O discurso integralista tem a classe média como destinatária e sua composição social confirma esses laços ideológicos com as camadas médias urbanas.

Segundo Marilena Chauí, uma entre os vários pesquisadores que ultimamente se dedicaram à análise do integralismo, a razão principal da adesão das camadas médias ao movimento integralista é o medo da ascensão operária e comunista.

Entre os argumentos que sustentariam essa tese, a autora afirma:

- a tônica anticomunista da AIB;

- a efetiva ampliação do movimento operário nos anos 30, que teria assustado a classe média;

- o efetivo recrudescimento do Partido Comunista Brasileiro e o aumento de sua influência sobre a organização da classe operária.

A adesão de Luiz Carlos Prestes ao Partido Comunista Brasileiro provocou uma enxurrada de adesões (de extenentes principalmente) e colaborou bastante para sua expansão e popularização. Prestes era o maior líder político vivo nesse momento histórico.

Essas adesões são em parte responsáveis pela representação, da classe média conservadora e mesmo dos industriais, de que "tenentismo" é sinônimo de "comunismo".

Outro canal de ampliação da influência política do Partido Comunista foi a Aliança Nacional Libertadora. Fundada em 1935 por uma ala do Partido, a Aliança tinha um programa nacionalista, popular e antiimperialista.

Foi presidida por Prestes e pretendia constituir uma "frente de massas" para o PCB. Sua capacidade de mobilização se demonstrou rapidíssima e veio "justificar" a necessidade do fechamento do sistema político e eliminação definitiva das instituições liberais.

Diferentemente da representação autoritária e "de cima para baixo" efetuada pelas categorias sociais de Estado, esses movimentos significaram a emergência de uma forma de participação política mais aberta e derivada da organização mais autônoma (é importante o mais, indicando o relativismo da afirmação) de setores da sociedade civil.

Entre outras razões, a ameaça concreta representada pela expansão da mobilização popular acirrou o clima propício à instauração do Estado Novo.

Se a inserção das categorias sociais no Estado se faz via "cooptação", as camadas médias urbanas também se fizeram presentes politicamente, no início dos anos 30, via "representação".

No período constitucional de 1934 a 1937, quando as diferentes forças sociais tiveram condições políticas de colocar demandas ao sistema político, o integralismo e a Aliança Nacional Libertadora cresceram assustadoramente, assim como o movimento operário se expandiu e progrediu na direção de uma organização autônoma, que tentava escapar aos liames corporativistas.

5. O CLIMA IDEOLÓGICO DA ÉPOCA

Resta-nos tecer algumas considerações gerais e sucintas sobre o clima ideológico dominante nessa etapa histórica que estamos analisando.

Partimos do pressuposto de que: "Não é fortuito o fato de que, em todos os momentos em que numa sociedade se faz imperiosa uma mudança institucional, recrudescem os esforços de teorização da realidade social."41 41 Guerreiro Ramos, A. Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro, Editorial Andes, 1957. p. 36.

O debate intelectual foi acirrado e rico nesse período, e uma das características gerais do pensamento social produzido então é a consciência da existência de uma crise e a noção da necessidade da mudança, assim como o ceticismo e a inquietação.

Outros traços comuns que definem esse clima ideológico são o autoritarismo (que permeia todas as correntes políticas, da esquerda até a mais extrema direita), o estatismo (com muitas variações de grau), o combate ao liberalismo e a todas as outras "idéias importadas", a mentalidade antipartido político, o corporativismo, o nacionalismo e o objetivismo tecnocrático.

Quanto aos temas mais comuns do debate político, podemos apontar os seguintes:

- unidade nacional e integração do território;

- autonomia estadual (defendida somente pelas elites de São Paulo contra a maioria dos outros agentes históricos do momento) versus centralização;

- incorporação de novos setores sociais ao sistema político;

- representação classista (ou mais comumente chamada "representação profissional");

- soberania nacional;

- racionalização da administração pública (ou tecnificação dela);

- rejeição dos modelos teóricos importados;

- construção de um pensamento brasileiro;

- necessidade de dar "forma" à sociedade brasileira, através do corporativismo.

Porém, a existência de traços ideológicos comuns a várias correntes políticas e forças sociais não nos deve induzir ao erro de supor que não há divergências ideológicas sérias no interior do pensamento autoritário predominante na época: "A predominância da resposta autoritária não deve obscurecer, entretanto, a existência de contradições entre as várias posturas e de inconsistências no interior de cada uma das correntes. É porém certo que os pontos de divergência entre as várias manifestações autoritárias tornam-se cada vez mais claros no decorrer do debate. Assim, no final da década de 20 e início dos anos 30, todas as correntes seguem uma mesma direção, cujo objetivo é o fortalecimento do Estado; os mecanismos para tal, e sobretudo o espaço deixado para a manifestação e organização dos interesses a nível da sociedade civil, comporão gradativamente as zonas de atrito."42 42 Sadek, Maria Tereza Aina. Machiavel, Machiáveis: a tragédia octaviano. Estudo sobre o pensamento político de Octávio de Faria. São Paulo, Símbolo, 1978. p. 91-92.

E mais, houve não só divergência no interior do pensamento autoritário, como também a imposição de uma corrente vencedora: a "ideologia de Estado", modelo de pensamento analisado pelo sociólogo Bolívar Lamounier,43 43 Lamounier, Bolívar. Formação de um pensamento político autoritário na Primeira República. Uma interpretação. In: Fausto, Bóris, org. O Brasil republicano - sociedade e instituições (1889-1930). Rio de Janeiro/São Paulo, Difel, 1977 (História geral da civilização brasileira, tomo III, v.2). e que se impõe definitivamente com a implantação do Estado Novo.

  • 2 Diniz, Eli. Empresário, Estado e capitalismo no Brasil: 1930-1945, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. p. 31.
  • 3 Expressão forjada por Francisco Corrêa Weffort no artigo "Le Populisme dans la politique brésilienne. Les Temps Modernes, Paris, nş 257, 1967. Atualmente a expressão está generalizada na sociologia brasileira para definir o Estado pós-oligárquico, e esse texto foi publicado, juntamente com outros do mesmo autor, no livro O Populismo na política brasileira. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978.
  • 5 Fausto, Boris. A Revolução de 1930, historiografia e história. São Paulo, Brasiliense, 1970, p. 104-5.
  • 8 Tomamos como expressivos dessa corrente os seguintes autores: Pelaez, Carlos Manoel. As conseqüências econômicas da ortodoxia monetária, cambial e fiscal no Brasil entre 1889-1945. Revista Brasileira de Economia. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, jul./set. 1971;
  • Villela, Aníbal & Suzigan, Wilson. Política do Governo e crescimento da economia brasileira, 1889-1945, Rio de Janeiro, IPEA/Inpes, 1973.
  • 9 Furtado, Celso. Formação econômica do Brasil. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1959;
  • Castro, Antônio de Barros. Sete ensaios sobre a economia brasileira. São Paulo/Rio de Janeiro, Forense, 1969 e 1971. 2 v.
  • ; Tavares, Maria da Conceição. Da Substituição de importações ao capitalismo financeiro. Ensaios sobre economia brasileira. Rio de Janeiro, Zahar, 1972.
  • 11 Castro Gomes, Angela Maria. Burguesia e trabalho. Política e legislação social no Brasil 1917-1937. Rio de Janeiro. Campus, 1979. p. 51.
  • 13 Vianna, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976, p. 73.
  • 14 Campello de Souza, Maria do Carmo. Estado e partidos políticos no Brasil (1930-1964). São Paulo. Alfa-Ômega, 1976. p. 84-5.
  • 15 Camargo, Aspásia. A Revolução das elites. Clivagens regionais e centralização política. Rio de Janeiro, CPDOC-FGV. p. 5. mimeogr.
  • 20 Wanderley, Maria de Nazareth Baudel. Capital e propriedade fundiária. Suas articulações na economia açucareira de Pernambuco. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. p. 56-7.
  • 21 Aureliano da Silva, Liana Maria. No limiar da industrialização. Estado e acumulação de capital, 1919-1937. Tese de doutoramento, Capinas, Unicamp. p. 72. mimeogr.
  • 23 Borges, Vavy Pacheco. Getúlio Vargas e a oligarquia paulista (história de uma esperança e muitos desenganos). São Paulo, Brasiliense, 1979, p. 22.
  • 28 Saes, Décio. Industrialização, populismo e classe média no Brasil. Cadernos do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas, nş 6, 1976.
  • 32 Miceli, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo, Difel, 1979.
  • 34 Dean, Warxen. A industrialização de São Paulo (1880-1945). São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1971. p. 199.
  • 36 Wirth, John D. A política do desenvolvimento na era de Vargas. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1973. p. 67.
  • 37 Carvalho, José Murilo de. Forças Armadas e política 1930-1945. Rio de Janeiro CPDOC FGV. p. 55. mimeogr.
  • 39 Carvalho, General Estevão Leitão de. Dever militar e política partidária. São Paulo, Nacional, 1959. p. 173.
  • 40 Figueiredo, Eurico de Lima, org. Os Militares e a Revolução de 30. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979.
  • 41 Guerreiro Ramos, A. Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro, Editorial Andes, 1957. p. 36.
  • 42 Sadek, Maria Tereza Aina. Machiavel, Machiáveis: a tragédia octaviano. Estudo sobre o pensamento político de Octávio de Faria. São Paulo, Símbolo, 1978. p. 91-92.
  • *
    Texto extraído do trabalho
    Tenentismo e Forças Armadas na Revolução de 30, tese de doutoramento apresentada ao Departamento de Ciências Sociais da USP, em março de 1982. mimeogr.
  • 1
    A respeito do conceito de capitalismo tardio ver Cardoso de Melo, João Manuel.
    O Capitalismo tardio: acumulação de capital e industrialização no Brasil. Tese de doutoramento, Unicamp, 1975. mimeogr.
  • 2
    Diniz, Eli.
    Empresário, Estado e capitalismo no Brasil: 1930-1945, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. p. 31.
  • 3
    Expressão forjada por Francisco Corrêa Weffort no artigo "Le Populisme dans la politique brésilienne.
    Les Temps Modernes, Paris, nº 257, 1967. Atualmente a expressão está generalizada na sociologia brasileira para definir o Estado pós-oligárquico, e esse texto foi publicado, juntamente com outros do mesmo autor, no livro
    O Populismo na política brasileira. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978.
  • 4
    A noção de "categorias sociais de Estado" e seu comportamento político-ideológico é desenvolvida por Décio Saes em sua tese de doutoramento (terceiro ciclo):
    Classe moyenne et système au politique Brésil, École Pratique des Hautes Études, Paris, 1974.
  • 5
    Fausto, Boris.
    A Revolução de 1930, historiografia e história. São Paulo, Brasiliense, 1970, p. 104-5.
  • 6
    Ver Schwarz, Roberto. As idéias fora do lugar. In:
    Estudos CEBRAP, nº 3, 1973.
  • 7
    Chauí, Marilena.
    Apontamentos para uma critica da ação integralista brasileira. In: & Carvalho Franco, Maria Sylvia. Ideologia e mobilização popular. São Paulo, Cedec/Paz e Terra, 1978 p. 21 e 30.
  • 8
    Tomamos como expressivos dessa corrente os seguintes autores: Pelaez, Carlos Manoel. As conseqüências econômicas da ortodoxia monetária, cambial e fiscal no Brasil entre 1889-1945.
    Revista Brasileira de Economia. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, jul./set. 1971; Villela, Aníbal & Suzigan, Wilson.
    Política do Governo e crescimento da economia brasileira, 1889-1945, Rio de Janeiro, IPEA/Inpes, 1973.
  • 9
    Furtado, Celso.
    Formação econômica do Brasil. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1959; Castro, Antônio de Barros.
    Sete ensaios sobre a economia brasileira. São Paulo/Rio de Janeiro, Forense, 1969 e 1971. 2 v. ; Tavares, Maria da Conceição.
    Da Substituição de importações ao capitalismo financeiro. Ensaios sobre economia brasileira. Rio de Janeiro, Zahar, 1972.
  • 10
    Diniz, Eli. op. cit.
  • 11
    Castro Gomes, Angela Maria.
    Burguesia e trabalho. Política e legislação social no Brasil 1917-1937. Rio de Janeiro. Campus, 1979. p. 51.
  • 12
    Diniz, Eli. op. cit. p. 240-1.
  • 13
    Vianna, Luiz Werneck.
    Liberalismo e sindicato no Brasil, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976, p. 73.
  • 14
    Campello de Souza, Maria do Carmo.
    Estado e partidos políticos no Brasil (1930-1964). São Paulo. Alfa-Ômega, 1976. p. 84-5.
  • 15
    Camargo, Aspásia.
    A Revolução das elites. Clivagens regionais e centralização política. Rio de Janeiro, CPDOC-FGV. p. 5. mimeogr.
  • 16
    Sobre a utilização dos estados como unidades de análise política ver Schwartzman, Simon.
    São Paulo e o Estado nacional. São Paulo, Difel, 1975. cap. 1: Política representativa e grupos de interesse.
  • 17
    Schwartzman, Simon. op. cit. p. 49.
  • 18
    Wirth, John. Minas e a Nação. Um estudo de poder e dependência regional - 1889-1937. In: Fausto, Boris, org.
    O Brasil Republicano/Estrutura de poder e economia (1889-1930). São Paulo, Difel, 1975. p. 89.
  • 19
    Camargo, Aspásia, op. cit. p. 36.
  • 20
    Wanderley, Maria de Nazareth Baudel.
    Capital e propriedade fundiária. Suas articulações na economia açucareira de Pernambuco. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. p. 56-7.
  • 21
    Aureliano da Silva, Liana Maria.
    No limiar da industrialização. Estado e acumulação de capital, 1919-1937. Tese de doutoramento, Capinas, Unicamp. p. 72. mimeogr.
  • 22
    ld. ibid. p. 96.
  • 23
    Borges, Vavy Pacheco.
    Getúlio Vargas e a oligarquia paulista (história de uma esperança e muitos desenganos). São Paulo, Brasiliense, 1979, p. 22.
  • 24
    Campello de Souza, Maria do Carmo. op. cit. p. 86.
  • 25
    Wirth, John D. Minas e a nação. Um estudo de poder e dependência regional, 1889-1937. In: Fausto, Bóris, org.
    História geral da civilização brasileira. São Paulo, Difusão Editorial, 1975 tomo III.
    O Brasil Republicano, 1. Estrutura de poder e economia (1889-1930). Cap. 2: O poder dos Estados. Análise regional p. 77.
  • 26
    Campello de Souza, Maria do Carmo. op. cit. p. 96.
  • 27
    Id. ibid. p. 103.
  • 28
    Saes, Décio. Industrialização, populismo e classe média no Brasil.
    Cadernos do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas, nº 6, 1976.
  • 29
    Vianna, Luiz Werneck op. cit. p. 126.
  • 30
    Id. ibid. op. cit. p. 135.
  • 31
    Castro Gomes, Angela Maria, op. cit. p. 217.
  • 32
    Miceli, Sérgio.
    Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo, Difel, 1979.
  • 33
    Id. ibid. p. 20.
  • 34
    Dean, Warxen.
    A industrialização de São Paulo (1880-1945). São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1971. p. 199.
  • 35
    Miceli, Sérgio, op. cit. p. 195.
  • 36
    Wirth, John D.
    A política do desenvolvimento na era de Vargas. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1973. p. 67.
  • 37
    Carvalho, José Murilo de.
    Forças Armadas e política 1930-1945. Rio de Janeiro CPDOC FGV. p. 55. mimeogr.
  • 38
    Id. ibid. p. 53.
  • 39
    Carvalho, General Estevão Leitão de.
    Dever militar e política partidária. São Paulo, Nacional, 1959. p. 173.
  • 40
    Figueiredo, Eurico de Lima, org.
    Os Militares e a Revolução de 30. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979.
  • 41
    Guerreiro Ramos, A.
    Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro, Editorial Andes, 1957. p. 36.
  • 42
    Sadek, Maria Tereza Aina.
    Machiavel, Machiáveis: a tragédia octaviano. Estudo sobre o pensamento político de Octávio de Faria. São Paulo, Símbolo, 1978. p. 91-92.
  • 43
    Lamounier, Bolívar. Formação de um pensamento político autoritário na Primeira República. Uma interpretação. In: Fausto, Bóris, org.
    O Brasil republicano - sociedade e instituições (1889-1930). Rio de Janeiro/São Paulo, Difel, 1977
    (História geral da civilização brasileira, tomo III, v.2).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Set 1984
    Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rae@fgv.br