Acessibilidade / Reportar erro

O conceito de capital e a teoria da distribuição da renda

ARTIGOS

O conceito de capital e a teoria da distribuição da renda

Luiz Antonio de Oliveira Lima

Professor-adjunto do Departamento de Economia da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas

A controvérsia que se vem desenvolvendo nos últimos anos sobre o significado do capital e a possibilidade de sua mensuração não deve ser considerada apenas mais um tema de moda, ou mais um motivo para os economistas publicarem artigos em revistas especializadas. Tal controvérsia tem um sentido muito mais profundo, na medida em que põe em xeque uma visão falseada do funcionamento do sistema capitalista, especialmente no que diz respeito à distribuição da renda, como também fornece condições de se compreender de forma mais adequada a realidade desse sistema.

O ensino acadêmico de economia pouco tem feito para proporcionar essa compreensão. Através de sua elegante estrutura intelectual, tem procurado antes justificar do que explicar o funcionamento dos sistemas econômicos de mercado. Por outro lado, os críticos desse tipo de economia simplesmente desprezam a teoria econômica tradicional, considerando-a uma simples ideologia, sem procurar mostrar as falhas de sua estrutura lógica. Por isso, até recentemente, pouco se fez de maneira sistemática para permitir a crítica mais profunda da economia ortodoxa. Tal situação, no entanto, vem-se alterando em razão da análise desenvolvida, principalmente pelos economistas da Universidade de Cambridge, Inglaterra, especialmente Joan Robinson e Piero Sraffa, que procuraram penetrar no sistema da economia tradicional e criticar a consistência do próprio sistema. Tais críticas provocaram a réplica da ortodoxia e a tréplica dos críticos, dando origem à referida controvérsia sobre a teoria do capital.

Assim sendo, este artigo tem como objetivo, em sua primeira parte, localizar tal controvérsia em um contexto mais amplo, procurando mostrar que suas raízes de sempre estiveram presentes na motivação dos principais apologistas e críticos do sistema capitalista. Nesta parte se discutirá ainda, de forma específica, o tipo de crítica desenvolvida por Joan Robinson. Na segunda parte serão analisadas, de forma sistemática, a lógica e as conclusões da teoria ortodoxa do capital e distribuição, especialmente na versão dos economistas que reagiram às críticas iniciais. Finalmente, na terceira parte será estudada a mais conhecida das tentativas de salvar essa teoria e porque tal intento não foi conseguido.

A escolha de um princípio explicativo de um fenômeno torna-se mais difícil quanto maior é o grau de generalidade desse fenômeno, pois menor será o número de condições que se podem considerar legitimamente constantes. A análise dos fatos econômicos não escapa a esta limitação. Por exemplo, se quisermos determinar o preço de um certo bem, digamos peixe, em um certo mercado e em determinado dia, basta estarmos familiarizados com a oferta local do produto, o desejo das donas de casa e o dinheiro que elas têm condições de gastar. De certa forma podemos considerar tais condicionantes como razoavelmente independentes entre si. Se, por outro lado, considerarmos um prazo mais longo, será possível admitir-se o nível de salário, o lucro regularmente aceito pelos empresários, e a renda como fatores determinantes do preço de uma mercadoria particular. Quando, no entanto, tomamos um grande grupo de mercadorias, torna-se evidente que os custos de produção não podem ser mais encarados como determinantes independentes dos preços, porquanto os próprios preços dos fatores produtivos passam a ser parcialmente dependentes dos preços das mercadorias. Por exemplo, a elevação do preço de bens agrícolas pode implicar uma maior remuneração para os proprietários agrícolas, fazendo com que a renda da terra passe a ser função do preço daqueles bens e não o seu determinante. O reconhecimento da interdependência dos vários elementos do sistema econômico levou os economistas interessados em estudar "a natureza e as causas da riqueza das nações", a procurar um princípio quantitativo unificador que servisse de "constante", isto é, que não variasse de conformidade com o valor das mercadorias, pela mesma razão que, quando se quer medir e comparar distâncias, é necessário tomar-se um padrão fixo de mensuração que não varie conforme variam as distâncias. À medida que a utilização dessa "constante" ou "princípio unificador" permite reduzir as dimensões reguladoras, a que se acham ligadas as variaveis-preços, a um fator comum, é possível para a teoria econômica a formulação de postulados quantitativos completos, mesmo quando se trate de expressar o valor de grandes grupos de mercadoria ou ainda a variação desse valor ao longo do tempo.

A determinação dessa constante ou princípio unificador capaz de expressar o valor da produção independentemente das variações dos preços das mercadorias, foi a preocupação central dos chamados economistas clássicos, especialmente Smith, Ricardo e Marx. Para esses pensadores, a quantidade de energia humana utilizada na produção de um bem poderia desempenhar o papel dessa constante, uma vez que seria uma determinante de caráter técnico, e não apenas um outro valor, isto é, uma quantidade expressa em termos de outra, como ocorre com os preços.

Mas por que escolher-se tal constante? Por que basear o valor na quantidade de trabalho incorporada na mercadoria e não em outro elemento? Ronald Meek apresenta uma explicação bastante sugestiva: tal escolha explica-se "parcialmente, pela razão de não parecer haver algo mais em que se pudesse apoiar e que preenchesse as especificações da teoria do valor, como os economistas clássicos vieram a entendê-las. (O princípio da utilidade, naturalmente, já era conhecido, mas o fato de que os preços de equilíbrio, a longo prazo, das mercadorias normalmente permaneciam imutáveis, quando as estimativas dos compradores sobre a sua utilidade se alteravam, parecia aos economistas clássicos desaconselhar, por excelentes motivos, o seu uso.) Houve, contudo, razão ainda mais importante. A formulação da teoria do valor do trabalho vinculava-se estreitamente ao surgimento da idéia de que o 'principal cimento', como o chamou Harris, a manter os homens coesos na sociedade moderna era o simples fato de que eles, para viverem, valiam-se de determinadas artes e empregos e trocavam reciprocamente produtos do trabalho de cada um. Ao se empenharem independentemente na produção de mercadorias para o mercado, os homens realmente trabalhavam em proveito mútuo. E era em termos dessa básica relação socioeconômica entre os homens como produtores separados de mercadorias, embora mutuamente interdependentes, que suas relações no campo da troca deviam ser explicadas. Concebia-se a relação de valor entre as mercadorias, manifestada no mercado, como consistindo, em essência, da troca dos respectivos volumes de trabalho que os produtores haviam despendido ao produzi-las. Julgava-se ainda que os valores relativos das diferentes mercadorias - ou seus respectivos pesos sociais, para usar a expressão de Marx - eram, em última hipótese, determinados pelas quantidades relativas de trabalho que a sociedade julgava necessário conceder de tempos em tempos à sua produção. A postulação do esforço incorporado como constante constituiu, na verdade, a expressão geral da opinião (conscientemente formulada ou não) de que a Economia Política, para ser autenticamente científica, deve começar a partir das relações reais entre os homens na esfera da produção e não fazer abstração delas em nenhuma circunstância."1 1 Meek, 1961, p. 262-3.

A idéia implícita na teoria do valor trabalho, portanto, tal como desenvolvida por Smith, e de forma mais rigorosa por Ricardo e Marx, é a de que os preços dos bens mantêm uma certa relação com os gastos de energia humana envolvida em sua produção. Tal idéia decorre do fato de que os pagamentos feitos sob a forma de salários e a reposição do equipamento depreciado são gastos necessários, uma vez que permitem a subsistência do trabalhador e a reintegração na máquina de um valor igual ao seu desgaste. Tal tipo de gasto pode ser contrastado com os gastos não necessários, isto é, pagamentos aos proprietários de rendas, juros, lucros etc. Seria absurdo pensar-se que tal distinção implica que os recursos naturais não contribuam em termos físicos para a produção. O que esta teoria ressalta é a diferença de natureza entre a remuneração dos assalariados e a remuneração dos proprietários ou capitalistas, uma vez que é tecnicamente possível que os bens que são eventualmente apropriados, por exemplo, a terra, continuem contribuindo para o processo de produção sem nenhum tipo de remuneração a seus proprietários, ao passo que, não se pagando aos trabalhadores o necessário à sua subsistência, ou não se contratando novos trabalhadores para repor o equipamento depreciado, a força de trabalho e as máquinas simplesmente deixarão de existir.

É possível, portanto, perceber-se que essa teoria permitiu aos economistas clássicos estabelecer uma distinção fundamental entre os rendimentos de diferentes classes sociais, isto é, distinguir a natureza do rendimento pela posição que o indivíduo ocupa nas relações sociais de produção. Além disso, deu aos clássicos a possibilidade de elaborar uma análise do crescimento econômico "como algo mais do que o aumento do agregado material de bens da economia", mas reconhecendo "o efeito da distribuição da renda no crescimento do sistema, bem como dos valores econômicos que o sistema emprega em suas decisões sobre o desenvolvimento futuro".2 2 Kregel, 1972, p. 16. Em outras palavras, permitiu-lhes perguntar quem controla o excedente - isto é, a diferença entre o valor total produzido no sistema econômico e o valor dos gastos necessários - e como esse excedente é utilizado.

Ao mesmo tempo que Marx procurava levar às últimas conseqüências a teoria do custo real baseada no trabalho, delineava-se uma linha de ataque contra tal concepção. A teoria marginalista desenvolvida por Gossen, Menger, von Wiesser, Böhm-Bawerk, Walras, Jevons e outros, procurava mostrar que era insustentável o conceito de gastos necessários e, conseqüentemente, a idéia de que a remuneração da propriedade pudesse ser considerada um gasto não necessário ou um custo não real. Para tanto, passou-se a considerar os fatores de produção, trabalho, capital e mão-de-obra em pé de igualdade, ignorando-se as relações sociais existentes, entre proprietários e não-proprietários. Para tal teoria, não poderia haver discrepância entre preços e custos na medida em que se identificasse o preço como a manifestação do valor. A teoria marginalista podia fazer tal identificação, pois tomava como constante de mensuração do valor uma relação subjetiva que se estabelecia entre as mercadorias e estados de consciência. Tal relação manifestar-se-ia na realidade através das demandas individuais que por sua vez, influenciariam os preços. Assim, ao tomar como fundamento de valor um fato de consciência individual, tal princípio concentra-se apenas nos atributos do indivíduo como consumidor, deixando de lado as relações sociais condicionantes de sua ação econômica.

Para esta concepção, o consumidor é o juiz último do valor através do preço que está disposto a pagar por um certo bem. Assim, se alguém recebe remuneração, o consumidor está atribuindo direta ou indiretamente um certo valor a seus serviços e, portanto, qualquer fator cuja escassez seja revelada por ter um preço no mercado, está contribuindo para a criação do valor. Como diz Joan Robinson: "Os preços dos fatores de produção são derivados dos preços das mercadorias. Todos os fatores estão no mesmo pé de igualdade - o músculo de um trabalhador, o conhecimento de um engenheiro, a capacidade de um forno de produção de ferro, de um tear para produzir tecido, ou de um campo para produzir milho; cada um deles, de acordo com a oferta e procura, permite uma remuneração ao tipo de fator a que pertencem (trabalho, capital, propriedade)".3 3 Robinson, 1971, p. 31. Cada um desses fatores, porém, não receberia mais do que o preço que um empresário racional, funcionando em uma economia competitiva estaria disposto a pagar por eles, isto é, o valor de sua produtividade marginal. Deste ponto de vista, a remuneração recebida pelo capitalista seria tão legítima quanto a remuneração recebida pelo trabalhador, pois da mesma forma que o trabalho traz desutilidade para o operário e, portanto, um sacrifício pelo qual ele tem de ser remunerado, o capitalista deve ser remunerado pelo desprazer de adiar seu consumo e assim dar lugar à poupança. O consumo produz utilidade, a poupança desutilidade.

Independentemente de se aceitar ou não qualquer uma dessas teorias do valor, não é difícil concluir-se que nelas está corporificado algum tipo de princípio geral de causa e efeito que se julga útil na explicação da realidade econômica. O princípio incluído na teoria da utilidade difere radicalmente do incluído na teoria do valor trabalho. A primeira diz que se deve partir, não das relações socioeconômicas entre os homens, como está implícito na segunda, mas pelo contrário, das relações psicológicas entre indivíduos e produtos acabados. Assim, ela não apenas contribui para desviar a atenção da sensível área das relações de produção, como também serve de alicerce para uma nova teoria da distribuição na qual a distinção entre renda produzida pelo trabalho e renda produzida pela propriedade se torna mais ou menos irrelevante, podendo ser usada ainda como base da idéia que um sistema de livre concorrência maximiza a satisfação de todos.4 4 Meek, 1971, p. 268. Tal fato é claramente exposto por Joan Robinson apesar de severa crítica da teoria do valor trabalho: "A preocupação inconsciente do sistema neoclássico era principalmente a de promover os lucros ao mesmo nível de respeitabilidade moral dos salários. O trabalhador é digno de seu pagamento. E o capitalista é digno de que? A atitude insistente dos clássicos que viam na exploração a fonte da riqueza nacional foi abandonada. O capital não era mais apenas um adiantamento de salários (e de equipamentos) necessários pelo fato de que o trabalhador não tem propriedade e de que não pode manter-se até que os frutos de seus trabalhos apareçam. O capital passa a ser identificado também com o tempo de espera, que permite a produção extra que um maior período de gestação torna possível. Desde que o capital é produtivo, o capitalista tem um direito a sua contribuição. Desde que apenas os ricos poupam, a desigualdade é justificada."5 5 Robinson, 1964, p. 59-60.

Apesar de sua engenhosidade, a teoria neoclássica, no entanto, perde consistência quando passa da análise do equilíbrio parcial (do consumidor, do poupador etc.) para a agregação dos fatores de produção: como o fator heterogêneo capital pode ser agregado para se poder estabelecer uma relação funcional entre seu valor total e o total da remuneração aos seus proprietários? Em termos de oferta, o capital é visto como uma soma de riqueza ou propriedade dos meios de produção, que habilita seu proprietário a receber sua remuneração. Em termos de atividade produtiva, é um objeto físico concreto que se combina com o trabalho para a realização da produção. Ora, a solução da questão mencionada, a princípio, parece ser simples: basta somar o valor de cada item do estoque heterogêneo de bens de capital para se obter um valor monetário homogêneo, que seria o valor desse estoque. Tal simplicidade, no entanto, é aparente: o valor de um bem de capital pode ser obtido ou com base do custo de produção incorrido no passado ou com base nos lucros futuros que podem ser obtidos mediante a utilização de tal bem. Os dois tipos de avaliação levam ao mesmo resultado no mundo postulado pelos neoclássicos - competitivo e sem incerteza - quando o sistema encontra-se em equilíbrio. Em ambos os casos, a determinação do valor do capital depende do conhecimento das taxas de lucros e de salários. Se quisermos estabelecer o valor de um bem de capital pelo seu custo de produção, devemos considerar os salários pagos aos trabalhadores, a matéria-prima, e a taxa de juros ou de lucros normal sobre o valor da matéria-prima e sobre o valor do estoque de capital utilizado na produção. Se em vez disso considerarmos os lucros futuros, estes deverão ser descontados por meio da taxa de lucros normal do sistema, o que permite a obtenção do valor do bem de capital. Tal valor é dado pela seguinte expressão:

sendo P o lucro por período, r a taxa de lucro normal e K o valor do bem de capital.

Ora, nos dois casos podemos perceber um raciocínio circular, pois para determinar-se a taxa de lucros normal será necessário conhecer antes o valor da produtividade marginal do capital e portanto do estoque de capital do qual a produtividade depende; mas para se conhecer o estoque de capital é necessário conhecer-se antes a taxa de lucros. Tal inconsistência lógica é ressaltada por Joan Robinson: "Quando nós conhecemos a taxa esperada de produção associada com um certo bem de capital, e os futuros preços e custos, podemos avaliar o bem de capital como o fluxo descontado dos lucros futuros. Mas para fazê-lo, é necessário tomar-se a taxa de juros (ou lucro normal) como dada, enquanto o principal propósito da função de produção é mostrar como os salários e a taxa de juros ou lucro normal (remuneração do capital) são determinados pelo desenvolvimento tecnológico e pela proporção dos fatores. "6 6 Id. 1953, p. 48.

II

As críticas de Joan Robinson, que deram origem a controvérsia, prendem-se basicamente ao problema de como medir o estoque de capital: "Ensina-se o estudante de economia a escrever Y = f (L, K) onde L é a quantidade de mão-de-obra, K a quantidade de capital, e Y a produção. Se lhe ensina a supor todos os trabalhadores como sendo iguais, e a medir L em termos de homens horas de trabalho, se lhe ensina ainda alguma coisa sobre o problema de números-índices, envolvido na escolha da unidade de produção; e então é levado imediatamente para outro assunto, na esperança de que ele se esqueça de perguntar em que unidade K é medido. Antes que faça tal pergunta, ele se tornou um professor, e então, esse escorregadio hábito de pensar é transferido de uma geração para outra."7 7 Id. p. 47.

Tal tipo de crítica, da mesma forma que a de Piero Sraffa,8 8 S Sraffa, 1960. que não será analisada aqui, levou os economistas ortodoxos que Joan Robison passou a chamar de neo-neoclássicos, a procurar refúgio no mundo das parábolas.9 9 Especialmente: Solow, 1956 e 1962; Meade, 1961; Swan, 1956. Se o capital fosse feito de alguma substância maleável e homogênea, o equipamento físico seria exatamente como capital monetário, pois uma firma está continuamente recuperando o dinheiro investido em bens físicos, através das reservas de depreciação, para aplicá-lo em outros tipos de bens. Da mesma forma, tal substância pode ser remodelada à vontade, de forma mais conveniente ainda que o estoque monetário, pois este está sujeito ao risco e é recuperado somente após certo período de tempo, enquanto o capital homogêneo pode ser ajustado instantaneamente, toda vez que ocorrer uma alteração na demanda. Tal substância homogênea e maleável poderia ser constituída por conjuntos de "mecano", geléia, manteiga, aço, milho etc.

Além do ajustamento imediato para atender às variações da demanda, tais substâncias poderiam ser moldadas de modo a permitir uma variação infinita de combinações com o fator trabalho, e o que é mais importante, permitiriam a agregação de bens heterogêneos de capital em termos de sua unidade técnica. As máquinas seriam medidas em termos de toneladas, litros, metros, dependendo da substância que fosse utilizada. Desta maneira, o capital se encontraria na forma adequada para sua inclusão em uma função de produção, vista como uma descrição técnica de um fluxo de produção que pode ser esperado da utilização de certos fluxos de homens e máquinas por período de tempo.10 10 Harcourt, 1972, p. 37.

A utilização de tais parábolas permitiu aos neo-neoclássicos obterem os mesmos resultados em termos de distribuição, que os obtidos pelos seus antecessores neoclássicos, isto é, a distribuição do produto far-se-á de acordo com a relação capital/trabalho. Quando esta relação tende a aumentar, aumentará a produtividade marginal da mão-de-obra, e reduzir-se-á a do capital, o que implica um aumento dos salários, ocorrendo o contrário quando diminui.

Para descrevermos como ocorre esse processo de ajustamento, exporemos de maneira mais formalizada o modelo neo-neoclássico. Para tanto, começaremos qualificando a função de produção por eles utilizada e que vem expressa por

Y = f (K, L)

onde Y é a produção, K o fator capital e L o fator trabalho.

1. Supondo-se a inexistência de progresso tecnológico, se aumentarmos sucessivamente a quantidade de um fator, permanecendo o outro fator constante, a produção aumentará a taxa decrescente (hipótese de rendimentos decrescentes).

2. Se variarmos em uma mesma proporção a quantidade dos fatores produtivos, também a produção variará na mesma proporção (hipóteses de rendimentos de escala constante). Por esta hipótese αY = F (αK, αL).

Como caso particular dessa função, fazendo-se , obtém-se:

que será expresso por y = f (k)

Tal função postula uma relação entre renda por trabalhador e capital por trabalhador, podendo ser expressa graficamente da maneira a seguir:

Além dessa suposição de caráter tecnológico, os neo-neoclássicos admitem que os empresários procuram maximizar seus lucros em mercados competitivos, o que implica que utilizarão os fatores produtivos até o ponto em que seus preços igualem-se ao valor de suas produtividades marginais. Assim a produtividade marginal do trabalho deverá igualar-se ao salário, e a produtividade marginal do capital à taxa de lucro. Disto decorre que a escolha da técnica produtiva, por parte do empresário, isto é, quanto vai usar de K e quanto vai usar de L decorrerá do preço desses fatores. Por exemplo, a escolha da técnica k*, deverá corresponder a uma taxa de lucros r* e ao salários w*. Tais valores podem ser determinados graficamente. Traçando-se pelo ponto P uma tangente a f (k*), esta encontrará a ordenada no ponto w* e terá a inclinação g* dada pela relação que representa a produtividade marginal do capital, isto é, a relação entre variação da produção e variação do capital, quando esta variação é muito pequena. Dado que se supõe um sistema competitivo, produtividade marginal do capital será igual à taxa de lucro r*. O lucro por unidade de mão-de-obra será igual a P* Q, isto é, a produtividade marginal do capital multiplicado por k*, pois:

, assim P*Q = r* WQ;

como w*Q = k* temos que P*Q = r* k*

O restante de P*k*, isto é, Q k*, é a parte y* que se constituirá na remuneração do fator trabalho, isto é, w*. A partir dessa análise podemos estabelecer:

(No apêndice 1, demonstra-se que w corresponde à produtividade marginal do fator trabalho.)

Além disso, pode-se inferir dessa análise que sendo dados w* e certas condições tecnológicas, apenas uma técnica isto é, um valor de k*, pode atender a condições de igualdade estabelecida pela competição, isto é, a igualdade entre preço de fatores e respectivas produtividades marginais. Se ocorresse uma redução de salários, por exemplo, poder-se-ia verificar que seria escolhida uma técnica com uma relação capital/trabalho mais baixa (um valor k menor que k*), o que implicaria numa taxa de lucros mais elevada que r*.

Do que foi exposto, é possível retirar-se as três conclusões básicas da análise neo-neoclássica:

a) existe uma relação inversa entre a taxa de lucros (r) e a relação capital/trabalho;

b) baixas taxas de lucros estão associadas com elevadas relações capital/produto (pode-se notar que a relação capital/produto é dada no gráfico para o valor k* pelo inverso da tangente do ângulo v*);

c) como corolário de a, a distribuição da renda está determinada pela produtividade marginal dos fatores vezes as suas quantidades (ver apêndice 1).

Algumas pessoas de espírito mais prático poderiam perguntar-se por que não deixar os neo-marginalistas com suas hipóteses sobre a natureza dos bens de capital (geléia, manteiga, conjuntos de mecano etc.), que mal isto pode fazer? O mal, diz Joan Robinson, é que construções desse tipo impedem que a teoria econômica estude qualquer questão relevante: quando o equipamento é feito de qualquer uma dessas substâncias, não há distinção entre os problemas do curto e longo prazo; não há o problema real da maior ou menor intensidade na utilização de equipamentos devido a variações no nível da demanda efetiva; não há lugar para a competição imperfeita; não há diferença entre o passado e o futuro, pois o passado pode ser sempre desfeito e reajustado para uma mudança na situação presente, e com isso elimina-se, por um passe de mágica, a possibilidade da incerteza e de expectativa não realizadas.

Desaparece ainda a possibilidade de desemprego. As barganhas salariais são feitas em termos de bens físicos e há perfeita competição entre trabalhadores por salários e entre empresários por mão-de-obra. Os trabalhadores desempregados aceitariam salários mais baixos e a "geléia" ou qualquer outro material da mesma natureza seria moldado para acomodá-los. Reconstrói-se, assim, o dogma da teoria dos salários, destruída por Keynes, isto é, que o desemprego é determinado por salários elevados. Além disso, qual o sentido de pensar-se em um processo de acumulação como um movimento ao longo de uma função de produção, de baixas relações , para relações mais elevadas? Seria possível uma acumulação de capital desse tipo, isto é, um processo de acumulação que constasse apenas em adicionar esta espécie de ectoplasma ao estoque de capital existente e redistribuí-lo em várias quantidades por homem empregado, de forma completamente independente do progresso tecnológico?11 11 Robinson, 1970, p. 237-8.

III

Tal crítica não passou despercebida para os defensores da velha fé, o que provocou dois tipos de reação: a) omitir completamente qualquer referência ao capital; b) tentar reintroduzir no modelo, o capital heterogêneo, o que equivale supor diferentes tipos de bens de capital com coeficientes fixos. O primeiro tipo de argumentação foi desenvolvido especialmente por Solow e está baseado no conceito de taxa de retorno.12 12 Solow, 1963. A crítica a esta tentativa de resgatar a teoria neoclássica foi feita por Pasinetti, Garegnani e Spaventa. "Pasinetti mostrou que outro pilar da teoria neoclássica, a noção de taxa de retorno, não pode ser definida independentemente da taxa de lucro, e é destituída de qualquer conteúdo teórico autônomo."13 13 Nutti, 1970, p. 224. O segundo tipo de argumento foi desenvolvido por Paul Samuelson, em seu famoso artigo de 1962 "Parable and realism in capital theory: the surrogate production function". As idéias de Samuelson foram criticadas especialmente por Garegnani e Badhuri. É especialmente nos argumentos de Samuelson e de seus críticos que nos concentraremos de agora em diante.

Samuelson torna explícito seu objetivo de provar que a "teoria do capital pode ser desenvolvida rigorosamente sem se recorrer a qualquer conceito de capital agregado... baseando-se apenas em uma análise completa de uma grande variedade de bens físicos heterogêneos de capital e processos através do tempo". De outro lado afirma que "a função agregada de produção tem um valor heurístico considerável por dar insights sobre os fundamentos de uma teoria do lucro em toda sua complexidade. "14 14 Samuelson, 1962, p. 214. Para tanto, ele se propõe demonstrar que a construção que chama de "pseudo-função de produção" pode fornecer um racional para a validade da parábola como modelo explicativo da realidade e para a sua previsão básica de que a baixas taxas de lucros correspondem elevadas relações capital/trabalho e vice-versa.

Para chegar a essa conclusão, Samuelson supõe um sistema econômico que produz apenas um bem de consumo, mediante a utilização alternativa de diferentes técnicas, que serão indicadas por α, β, γ, δ etc. Tais técnicas requerem a utilização de bens de capital diferentes que serão indicados por, α, β, γ, δ etc. os quais, por sua vez, só poderão ser produzidos pela técnica indicada com a mesma letra. Assim, a técnica α pode produzir o bem único de consumo e apenas o bem de capital α. O conjunto de técnicas produtivas que são utilizadas no sistema produtivo caracteriza-se por rendimento de escala constante, e pode ser definido neste contexto da seguinte maneira: para se produzir uma unidade do bem de consumo, utilizando-se a técnica α, será necessário empregarem-se Lα trabalhadores e utilizarem-se Kα unidade do bem de capital α. Da mesma forma, a utilização da técnica β requer Lβ trabalhadores e Kβ unidades do bem de capital. Para a produção de uma unidade do bem de capital α, serão requeridos Hα unidades do bem de capital e Nα unidades de trabalho, e assim por diante. O bem de consumo será considerado como numerário, isto é, corresponderá a uma unidade monetária do sistema, sendo Pα, Pβ etc. o preço dos bens de capital e w o salário. Supondo-se uma situação competitiva, podemos admitir que em equilíbrio, preços e custos igualam-se. Assim o custo de cada unidade produzida será igual à soma dos salários pagos para produzir-se esta unidade, mais a taxa de juros (lucro normal) sobre o valor do bem de capital investido para produzir essa mesma unidade. (Supõe-se que o bem de capital tenha duração infinita.)

Considere-se agora a técnica α. As equações de preço para essa técnica podem ser definidas por:

sendo pα o preço do bem de capital em termos do bem de consumo. (A interpretação que segue está em grande parte baseada em Harcourt (1972) e Cozzi (1972).)

Se eliminarmos pα desse sistema de equações, obteremos a seguinte relação entre w e r:

Neste ponto, Samuelson faz a hipótese drástica de que qualquer que seja a técnica produtiva usada, a relação capital/trabalho tanto no setor de produção de bens de capital como no de bens de consumo é sempre a mesma, isto é , o que implica que Kα Nα = Hα Lα, e que, portanto, a relação entre w e r pode se transformar em:

Se supusermos que, para uma dada relação e , a mão-de-obra é um recurso livre, de tal maneira que seu preço seja nulo, teremos r igual a . De outro lado, se supusermos que o capital é bem livre, e portanto r é igual a zero, teremos que w será igual a . A relação representará assim a remuneração máxima que poderá ser paga ao capitalista e , a remuneração máxima que poderá ser paga ao trabalhador dada a técnica α.

Assim, se representarmos em um sistema de coordenadas cartesianas, o valor máximo dos salários, e no eixo horizontal o valor máximo dos lucros, e unirmos esses dois pontos por uma reta, que Samuelson chama de fronteira do preço dos fatores, teremos as várias combinações possíveis de salários e lucros permitidos pela técnica a (gráfico 2).



Se supusermos que as demais técnicas existentes no sistema econômico apresentam relações capital/trabalho progressivamente mais altas, isto é, a técnica β tem uma relação mais alta que α; γ uma relação mais alta que p e assim por diante, teremos fronteiras de preços cada vez mais inclinadas, como se pode observar na representação do gráfico 3.


No gráfico 3 pode-se perceber que, a baixas taxas de salários, se escolherá uma técnica de baixa relação capital/trabalho, pois tal escolha permite uma taxa de lucros mais elevada. Conforme os salários elevam-se, a escolha recairá sobre uma técnica de maior intensidade de capital. Assim, após o salário atingir um certo nível, abandona-se α e passa-se para β e assim por diante. Para a economia em questão, a fronteira de preço de fatores é dada pela linha quebrada ABCDE.

No ponto B, por exemplo, as técnicas α e β são indiferentes. No entanto, se o salário eleva-se, a técnica β torna-se a preferida.

Nota-se que a técnica β, com uma relação capital/trabalho mais elevada permitirá uma produtividade do fator trabalho maior que a permitida por a e, portanto, um salário máximo maior, ocorrendo o contrário em relação ao fator capital e sua remuneração. No gráfico pode-se notar também que após a técnica de menor intensidade de capital ter sido deixada de lado, ela não será mais utilizada, se w continuar elevando-se.

O principal ponto que tal construção ilustra é a possibilidade de ordenarem-se as técnicas de acordo com seu grau de intensidade de capital e o fato de que a salários mais elevados e a taxas de lucros mais reduzidas, correspondem relações capital/trabalho cada vez mais elevadas. São exatamente essas as afirmações que podem ser feitas com base no gráfico 1, que relaciona salários com diferentes relações capital/trabalho e com diferentes taxas de lucros. Por essa construção, percebemos que a salários mais elevados correspondem taxas de lucros mais reduzidas e relações capital/trabalho (k) mais elevadas. Se quiséssemos uma aproximação maior entre os resultados da função agregada de produção e a construção de Samuelson, bastaria aumentar o número de técnicas, não só intermediários entre α e δ, mas também de menor e maior intensidade de capital. Com isso seria possível transformar a fronteira de preços em uma curva - onde a cada ponto corresponde um par r-w, da mesma maneira que ocorre em relação a cada ponto de função agregada de produção. (No apêndice 2 demonstramos que essas características são exatamente aquelas que podem ser encontradas em uma fronteira de preços derivada a partir da parábola neoclássica, isto é, da função agregada de produção e que os efeitos das duas construções em termos de distribuição do produto são os mesmos, isto é, dependem basicamente da relação capital/trabalho.)

A construção obtida a partir de um mundo de técnicas heterogêneas que parece de início justificar a construção neo-neoclássica tradicional, na verdade constitui apenas um caso muito especial que não pode validar uma teoria geral da distribuição. O primeiro crítico a apontar essa limitação foi Piero Garegnani, chamando a atenção para o fato de que o caso descrito seria uma "subclasse de casos realísticos". Tal limitação foi reconhecida pelo próprio Samuelson.15 15 Id. p. 225. A hipótese em consideração é, portanto, grandemente limitada, pois supõe que a relação capital/trabalho seja a mesma, tanto no setor de bens de consumo como no setor de bens de capital. Esta hipótese já havia sido introduzida por Marx nos primeiros dois volumes de O capital, pois assim eliminar-se-ia qualquer discrepância entre valor e preço. No entanto, Marx abandona essa suposição no terceiro volume ao reconhecer que as relações capital/trabalho, que ele chama de composição orgânica do capital, tendem a ser diferentes nos diversos setores da economia. "Na verdade o Prof. Samuelson redescobriu a importância desta suposição com um atraso de cerca de cem anos."16 16 Badhuri, 1969, p. 257.

Se abandonarmos tal hipótese restritiva, vamos verificar que a fronteira de preços de fatores não será necessariamente uma reta. Se supusermos que a relação capital/trabalho é mais elevada no setor de bens de capital, isto é , obteremos uma fronteira de preços que estará acima da antiga reta (a), para os valores de r que vão de 0 a , como mostra o gráfico 4.


O comportamento da nova fronteira de preços (b) pode ser entendido pelo simples exame das equações III-2 e III-3. Quando r aumenta, na equação III-3, o denominador permanece constante enquanto o numerador diminui. Consideremos agora o caso mais geral que é dado por III-2. A suposição de que implica em que Hα Lα > Kα Nα e, portanto, que (Kα Nα - Hα Lα) < 0.

Neste caso particular, se r está aumentando, tanto o denominador quanto o numerador de III-3 estão diminuindo (o último na mesma taxa que em III-2); logo, o valor de w sera maior que no caso em que , exceto quando w ou r são iguais a 0. Assim é fácil de se entender também que quando , teremos uma frotneira c, que estará abaixo de a salvo quando r ou w são iguais a 0.

Considere-se agora um hipotético sistema econômico que produza apenas o bem único de consumo e os bens de capital α e β, evidentemente, mediante as técnicas α e β, e cujas fronteiras de preços de fatores são representadas por uma reta e uma curva respectivamente (gráfico 5).


Com base nas informações do gráfico 5, pode-se determinar a técnica a ser escolhida para diferentes valores de w. Se w < , escolher-se-á a técnica α, pois comparando-se as fronteiras de preços de fatores, verifica-se que para tais valores de w, a técnica α oferece maior lucratividade que β. Para os valores de w maiores que e menores que opta-se por β, pois neste caso a lucratividade de β é maior do que a de α. Para w > , retorna-se à técnica α. Naturalmente, quando w = e w = , as duas técnicas são indiferentes.

Considere-se agora o valor do capital envolvido por cada uma dessas técnicas para diferentes valores de w. Para simplificar a explicação, suponhamos que os equipamentos tenham duração infinita. Como a construção de Samuelson fornece os mesmos resultados que a função agregada de produção em termos de distribuição, já que se supõem mercados perfeitamente competitivos, retornos de escala constante, e infinidade de técnicas,17 17 Samuelson, 1962, p. 215-27. pode-se generalizar para tal construção a equação que identifica a distribuição das rendas per capita, isto é, a equação II-1.

de onde se pode estabelecer o valor de

Supondo-se que r = 0, pode-se dizer que w=y, ou que

y = wmax

isto é, o salário máximo que pode ser pago ao trabalhador é igual ao produto por trabalhador. Pode-se determinar o valor do capital também pela fórmula:

A fórmula (III-5) permite avaliar o valor do capital para a técnica a ou p, como é mostrado no gráfico 6.



Para qualquer valor de w, o valor do capital envolvido pela técnica α é o mesmo, pois:

Estas fórmulas dão as tangentes dos ângulos e respectivamente, que são iguais (gráfico 6a). O mesmo já não ocorre para a técnica β, pois um rápido exame do gráfico 6b mostra que:

isto é, a tangente do ângulo é maior que a do ângulo. Em conseqüência disto, ao longo da curva da figura 6b verifica-se que, conforme o valor de w se eleva e, portanto o valor de r diminui, haverá uma redução do valor de k, isto é, da relação capital/trabalho.

Depois desta pequena digressão sobre a maneira de se avaliar o capital correspondente às técnicas α e β, pode-se voltar ao gráfico 5. Ao nível salarial , as técnicas α e β são indiferentes. No entanto, se w eleva-se, passa-se a utilizar a técnica β que, como se pode notar pelo gráfico, corresponde a um valor de capital menor do que o valor de α, menor ainda do que o era ao nível , pois se de um lado o valor do capital correspondente a permanece constante para todos os níveis de salário, o valor do capital correspondente a β tende a tornar-se cada vez menor, conforme w aumenta e r diminui (ver gráfico 6b). Tal movimento contraria as conclusões válidas tanto para a parábola como para a "pseudo função de produção" de que toda vez que w aumenta escolhe-se uma técnica de maior intensidade de capital e de maior relação capital/produto. Este fenômeno passou a ser denominado na literatura econômica recente de capital reversing. Se o salário continuar aumentando, o que implica que r está diminuindo, vai-se atingir um ponto , onde as técnicas α e β vão-se tornar de novo indiferentes; se porém w > , retorna-se para a técnica α, isto é, para a técnica com maior intensidade de capital. (Apenas neste ponto, a mudança de técnica corresponde à previsão dos neo-neoclássicos.) Tal retorno de técnica é chamado reswitching. Assim, o "reswitching ocorre sempre que um método de produção é o mais lucrativo para mais de uma taxa de lucros, enquanto outros métodos são mais lucrativos no intervalo entre essas taxas".18 18 Dietz, 1973.

Estes fenômenos descritos, sem dúvida, abalaram os fundamentos da teoria neo-neoclássica. A validade dessa teoria depende de que, métodos de produção com maior intensidade de capital, sejam utilizados conforme aumentem os salários e caiam as taxas de lucro. Esta suposição, no entanto, não é necessária, conforme ilustra o fenômeno do capital reversing. Além disso se aceitarmos a possibilidade do reswitching ou de retorno de técnicas, vamos verificar que outras coisas, que não a produtividade marginal dos fatores, determinam a distribuição do produto. Tal fenômeno mostra-nos que a uma mesma técnica, isto é, a um mesmo valor de k, pode corresponder mais de uma taxa de lucro. O que determina então a distribuição do produto entre o trabalho e o capital? As análises neoclássicas e neo-neoclássicas não conseguem responder, pois ao pretenderem elaborar uma explicação da distribuição independentemente das relações que refletem a propriedade social dos instrumentos de produção, e sem considerar a taxa de lucros ou o salário como um dado independente, ou são levadas a uma inconsistência lógica, isto é, supor que o capital possa ser agregado sem se conhecer anteriormente a taxa de lucros; ou a suposições muito especiais, de que o capital seja homogêneo ou de que ocorra igualdade de relação capital/trabalho em todos os setores da economia. Nenhum destes casos justifica a construção de uma teoria da distribuição.

BIBLIOGRAFIA

A data entre parênteses refere-se ao ano da primeira publicação do livro ou artigo; a segunda data refere-se ao ano da edição utilizada para consulta.

Badhuri, A. (1965). On the recent controversies on capital theory: a marxist view. In: Harcourt & Laaing. Capital and growth. Penguin Books, 1971.

Cozzi, Terenzio (1972). Teoria dello sviluppo económico. Bologna, II rulino, 1972.

Dietz, James L. (1973). Paradise reswitched. Review of Radical Political Economics, verão de 1973.

Dobb, Maurice (1937). Economia política y capitalismo. México, Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 1966.

Garegnani P. (1970). Teterogeneous capital the production functions and the theory of distribution. Review of Economic Studies, v. 37.

Harcourt (1972). Some Cambridge controversies in the theory of capital. Cambridge University Press, 1972.

Harcourt G. C. & Laing, N.F. (ed.) (1971). Capital and growtr. Penguin Books, 1971.

Hunt, E.K. & Schwartz, J.F. (1972). A critique of economic theory. Penguin, 1972.

Kregel J. (1972). The theory of economic growth. The MacMillan Press, 1972.

Meade, J.E. (1961). A neo-classical theory of economic growth. Oxford, U.P. 1961.

Meek, R. (1967). Economia e ideologia. Edição Zahar, 1971.

Nell, E. Property and the means of production. Mimeogr.

Nutti, D.M. (1970). Vulgar economy in the theory of income distribution. In: Hunt & Schwartz.

Robinson J. (1970). Capital theory up to date. In: Hunt & Schwartz.

Robinson, J. (1962). Economic philosophy. New York, Anchor Books, 1964.

Robinson, J. (1953). The production function and the theory of capital. In: Harcourt & Laing.

Robinson, J. (1971). The relevance of economic theory 1971. In: Monthly Review, Jan. 2971.

Pasinetti, L. (1969). Switches of technique and the rate of return. In: Harcourt & Laing.

Solow, R.M. (1956). A contribution to the theory of economic growth. Quarterly Journal of Economics, v. 70.

Solow, R. M. (1963). Capital and the rate of return. In: Harcourt & Laing.

Sraffa Piero. Production of commodities by means of commodities. Cambridge University Press, 1960.

Swan, T.W. (1956). Economic growth and capital accumulation. In: Harcourt e Laing.

APÊNDICE 1

Dado Y = F (K, L), com as características já descritas anteriormente, podemos transformá-la em ou representá-la ainda por y = f sendo y =. Dado tal tipo de função supondo-se uma economia competitiva quer-se demonstrar que, se for pago a cada fator produtivo o correspondente à sua produtividade marginal, todo o produto será distribuído entre esses fatores. Isto é, quar-se demonstrar que em tal situação

Y = wL + rK

ou multiplicando-se ambos os lados da equação por que

(produtividade marginal da mão-de-obra) e

(produtividade marginal do capital).

Dado: Y = LF diferenciando-se parcialmente Y em relação a L, obteremos:

Temos então que:

pois Y = LF

De outro lado, temos que:

e

Combinando-se as equações 1 e 2 teremos:

isto é,

Portanto em situação competitiva, onde não ocorram nem economias nem deseconomias de escala, se o fator capital recebe uma remuneração correspondente à sua produtividade marginal, o restante do produto caberá ao fator trabalho sendo este restante igual à produtividade marginal deste fator. Portanto, w é igual à produtividade marginal do trabalho.

APÊNDICE 2

É possível demonstrar-se que o envelope da fronteira de preço de fatores gerada a partir de uma série de técnicas como definidas no artigo de Samuelson, pode ser aproximada pelo uso de uma função de produção agregada onde o capital é uma substância homogênea.

Partindo-se da equação de distribuição: y = w + rk, podemos obter sua diferencial total: dy = rdk + kdr + dw.

Dividindo-se a expressão por dy e lembrando-se de que r = , obteremos: 1 = 1 + , o que implica que - k = , sendo - k, portanto, a inclinação de uma fronteira de preços de fatores correspondente a uma certa relação , em uma função agregada de produção.

Tal inclinação corresponde a uma fronteira de preços com a seguinte conformação:

É lógico que se pensarmos em uma infinidade de relações , característica da função agregada de produção, obteremos uma infinidade de fronteiras de preço de fatores que descreverão um envelope semelhante ao obtido a partir da pseudo-função de produção de Samuelson.

Usando-se a equação

= - k, podemos determinar a elasticidade de qualquer ponto ao longo dessa linha pela fórmula:

O valor de mostra, portanto, como a renda é distribuída entre os fatores para cada ponto da fronteira de preços. Ora, podemos perceber que na construção de Samuelson, a elasticidade da fronteira de preços é dada também pela mesma relação ; logo, as construções são equivalentes em termos de distribuição.

Pode-se mostrar também que a pseudo-função de produção de Samuelson teria que se basear necessariamente em fronteiras representadas por retas.

Tomando-se dy = rdk + rdr + dw para que a produtividade marginal do capital seja igual a r de acordo com a suposição de um modelo competitivo, isto é:

= r

será necessário que:

kdr + dw = 0

o que implica que:

= - k

(Badhuri, 969, p. 255-6.)

  • Cozzi, Terenzio (1972). Teoria dello sviluppo económico. Bologna, II rulino, 1972.
  • Dietz, James L. (1973). Paradise reswitched. Review of Radical Political Economics, verão de 1973.
  • Dobb, Maurice (1937). Economia política y capitalismo. México, Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 1966.
  • Garegnani P. (1970). Teterogeneous capital the production functions and the theory of distribution. Review of Economic Studies, v. 37.
  • Harcourt (1972). Some Cambridge controversies in the theory of capital. Cambridge University Press, 1972.
  • Harcourt G. C. & Laing, N.F. (ed.) (1971). Capital and growtr. Penguin Books, 1971.
  • Hunt, E.K. & Schwartz, J.F. (1972). A critique of economic theory. Penguin, 1972.
  • Kregel J. (1972). The theory of economic growth. The MacMillan Press, 1972.
  • Meade, J.E. (1961). A neo-classical theory of economic growth. Oxford, U.P. 1961.
  • Meek, R. (1967). Economia e ideologia. Edição Zahar, 1971.
  • Nell, E. Property and the means of production. Mimeogr.
  • Nutti, D.M. (1970). Vulgar economy in the theory of income distribution. In: Hunt & Schwartz.
  • Robinson J. (1970). Capital theory up to date. In: Hunt & Schwartz.
  • Robinson, J. (1962). Economic philosophy. New York, Anchor Books, 1964.
  • Robinson, J. (1953). The production function and the theory of capital. In: Harcourt & Laing.
  • Pasinetti, L. (1969). Switches of technique and the rate of return. In: Harcourt & Laing.
  • Solow, R.M. (1956). A contribution to the theory of economic growth. Quarterly Journal of Economics, v. 70.
  • Solow, R. M. (1963). Capital and the rate of return. In: Harcourt & Laing.
  • Sraffa Piero. Production of commodities by means of commodities. Cambridge University Press, 1960.
  • Swan, T.W. (1956). Economic growth and capital accumulation. In: Harcourt e Laing.
  • 1
    Meek, 1961, p. 262-3.
  • 2
    Kregel, 1972, p. 16.
  • 3
    Robinson, 1971, p. 31.
  • 4
    Meek, 1971, p. 268.
  • 5
    Robinson, 1964, p. 59-60.
  • 6
    Id. 1953, p. 48.
  • 7
    Id. p. 47.
  • 8
    S Sraffa, 1960.
  • 9
    Especialmente: Solow, 1956 e 1962; Meade, 1961; Swan, 1956.
  • 10
    Harcourt, 1972, p. 37.
  • 11
    Robinson, 1970, p. 237-8.
  • 12
    Solow, 1963.
  • 13
    Nutti, 1970, p. 224.
  • 14
    Samuelson, 1962, p. 214.
  • 15
    Id. p. 225.
  • 16
    Badhuri, 1969, p. 257.
  • 17
    Samuelson, 1962, p. 215-27.
  • 18
    Dietz, 1973.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 1974
    Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rae@fgv.br