Acessibilidade / Reportar erro

Aspectos econômicos e tecnológicos da indústria de alimentos brasileira

Aspectos econômicos e tecnológicos da indústria de alimentos brasileira

Henrique Rattner

1. A EVOLUÇÃO DA ECONOMIA BRASILEIRA

Para compreender o comportamento tecnológico das empresas estudadas neste projeto de pesquisa, mister se torna retroceder na história e analisar, mesmo resumidamente, as principais características da economia brasileira no período pós-guerra.

O período sobre o qual se estende a pesquisa caracteriza-se por fases alternadas de queda e expansão de negócios em ritmo e intensidade acelerados, refletindo a evolução da economia brasileira, no período pós-guerra, que é marcada por um nítido padrão cíclico de expansão e recessão.

Em retrospectiva, os períodos 1952-1956, 1962-1967 e 1974-? se apresentam como fases de diminuição das taxas de crescimento, enquanto os períodos 1947-1951, 1957-1961 e 1968-1973 são caracterizados por um crescimento e expansão das atividades econômicas acentuados.

Contudo, a história não se repete, ou seja, os ciclos de expansão e de retração das atividades produtivas não constituem meras repetições das fases anteriores, partindo-se cada vez da estaca zero. Bem ao contrário, cada um dos ciclos tem efeitos cumulativos, dando origem ora a um "ciclo virtuoso", ora a um "ciclo vicioso" de crescimento ou recessão, com profundos reflexos nas estruturas sociais e políticas.

Após a fase de crescimento de pós-guerra, o período do "Plano de Metas", com todas suas inovações no campo da economia, revelou também os pontos de estrangulamento e as contradições da estrutura econômica e social brasileira.

Nesta fase de expansão econômica do Brasil, caracterizada pelo auge do processo de industrialização por substituição das importações, surgem também os sinais de suas contradições e futuros problemas, tais como as escalas de produção relativamente amplas para um mercado de dimensões estreitas e a falta de bens intermediários e de produção no país, face a uma capacidade de importar em declínio.

De fato, a década de cinqüenta encerra-se com uma taxa de inflação em ascensão, e um déficit crescente no Balanço de Pagamentos enquanto a taxa de crescimento do PNB começa a declinar a partir de 1962, alcançando seu ponto mais baixo entre 1963-1965.

A queda da taxa de crescimento do PNB, provocando também uma queda da taxa de lucro, teve amplas e profundas reflexões na vida social e política da nação. Coincidindo com pressões políticas e revindicações salariais das massas urbanas, que buscam manter sua participação na distribuição do "bolo", a dinâmica do processo leverá ao desmoronamento da "aliança populista", à extensão de movimentos grevistas e, finalmente, à crise político-militar de 1964.

No período seguinte sobre o qual se estende a pesquisa, a economia brasileira atravessou uma fase de recessão econômica (1963-1967) orquestrada em parte pela política oficial e visando o controle da inflação provocada por "excesso de demanda", seguida, a partir de 1968, de uma nova fase de expansão prolongada (até inclusive 1973) cujos principais fatores enumeramos mais adiante.

O período de recessão de 1963-1967 foi caracterizado por uma série de medidas que prepararam um novo ciclo expansionista. Entre essas podemos destacar a política de controle da inflação, através da compressão salarial e da intervenção nos sindicatos, visando reprimir o "excesso de demanda", acompanhado de uma série de estímulos à poupança privada, e favores fiscais-tributários para os ganhos de capital, bem como a liberação dos "ordenados" e das remunerações das funções técnico-administrativas nas empresas públicas e privadas.

Outro ponto que merece destaque se refere à racionalização da administração pública, sobretudo em seus aspectos fiscais-tributários, e à melhoria da situação econômico-financeira das empresas públicas, que passam a cobrar tarifas mais "realistas".

Essas diretrizes da política econômica, favorecendo os ganhos de capital e os altos ordenados, enquanto comprimem violentamente os salários das categorias menos qualificadas da força de trabalho, levaram a uma concentração das rendas, com amplos reflexos na demanda e, portanto, nos níveis de consumo.

Verifica-se, neste período, uma queda acentuada da demanda por bens de consumo leves e bens de capital, enquanto a demanda por bens de consumo duráveis se mantém e, eventualmente, passa a crescer rapidamente, sobretudo a partir de 1967, em função das políticas de renda, salarial e de crédito adotadas pelo governo.

A produção de bens de consumo duráveis se baseia, via de regra, em processos e equipamentos mais sofisticados, capital-intensivos e de grande escala, favorecendo a penetração do capital estrangeiro representado por empresas transnacionais, cuja presença e atuação vão contribuir decisivamente para o processo de concentração econômica, com repercussões nítidas na distribuição da renda e, portanto, na estrutura do consumo.

1.1 O período de expansão ("o milagre brasileiro") econômica 1968-73

Ao findar o ano de 1967, as condições estavam maduras para um novo ciclo de crescimento da economia, com base nos seguintes fatores favoráveis:

1. Internamente, existia uma capacidade de produção ociosa, que permitia aumentar a produção, com custos unitários marginais decrescentes. A política de compressão salarial das massas urbanas, combinada com toda a série de mecanismos e diretrizes de incentivos à poupança privada, tornou os investimentos industriais em alternativa válida para os capitalistas.

Concomitantemente, ocorreu um aumento acentuado de poupança do Estado, enquanto se criaram as condições propícias para o ingresso da poupança externa - capital estrangeiro - atraído pelos incentivos, os estímulos e as dimensões potenciais do mercado interno, sem falar da "segurança do investimento" representada pela política autoritária salarial e sindical.

2. A maturação e a combinação dos fatores internos favoráveis coincidem a partir de 1968, com sua expansão inédita do comércio internacional estimulada por uma liquidez excessiva de recursos financeiros ("eurodólares") e a necessidade de suprimentos crescentes de matérias-primas para a expansão das atividades produtivas nos países "desenvolvidos". O boom econômico das nações industrializadas, enquanto conduz à elevação substancial dos salários devido à escassez de mão-de-obra, também desperta os primeiros protestos contra a poluição do meio-ambiente. Ambos os fatores contribuíram para o deslocamento, sob a forma de exportação de estabelecimentos completos, de atividades industriais para os países em desenvolvimento, por parte das corporações transnacionais.

Assim, não é de admirar-se do ingresso crescente do capital estrangeiro de risco no Brasil, representando investimentos que ultrapassam 1 bilhão de US$ ao ano, a partir de 1970.

3. O ingresso de capitais estrangeiros atraídos por uma série de vantagens, tais como baixos custos de matérias-primas e de mão-de-obra, mercado consumidor em expansão, política liberal de governo quanto à remessas de lucros e pagamentos por transferência de tecnologia, e ainda, de forma crescente, os incentivos e subsídios à exportação.

Os recursos maciços que entraram nos primeiros anos de setenta vieram juntar-se à poupança interna, privada e pública, sendo a primeira produto de uma política econômica altamente favorável aos rendimentos de capital e, portanto, concentradora das rendas, e a segunda estimulada por meio de toda uma série de políticas, programas e diretrizes, visando à transferência de recursos para o poder público (FGTS, BNH, PIS, PASEP, sem falar dos empréstimos compulsórios para a Eletrobrás, etc).

Uma das características mais salientes de todo esse período é a participação crescente do Estado na poupança e na formação de capital, as quais, partindo de uma modernização da máquina fiscal e tributária, resultaram na expansão do setor público nos diversos ramos de indústria de base (siderurgia, mineração, refinação de petróleo, energia, etc) e na conquista de posições quase monopolísticas no setor de transporte ferroviário, comunicações, saneamento, etc. A expansão e diversificação das empresas públicas, cuja situação financeira melhorou sensivelmente a partir do momento em que foram autorizadas a cobrar "preços realistas" por seus produtos e serviços, processou-se a um ritmo mais rápido do que das empresas privadas-nacionais. De fato, estalebeceu-se uma certa convergência de interesses entre as corporações transnacionais, que aqui se instalaram ou ampliaram seus estabelecimentos, a partir de 1970, e as empresas estatais, encarregadas de suprir a infra-estrutura produtiva e as "economias externas", indispensáveis para a produção e as exportações das primeiras.

As tabelas 1, 2, 3 e 4 permitem aferir o avanço das empresas públicas, mesmo no curto período de 1972 a 1976, em termos de sua participação no patrimônio líquido, nas vendas e nas exportações das maiores empresas brasileiras. Em 1972 (tabela 2) as empresas públicas não aparecem na relação das maiores, no ramo de alimentos, controlado por firmas estrangeiras (56,42%) e por privadas nacionais (43,58%). Contudo, nos dados sobre exportações do mesmo ramo, as companhias de capital estrangeiro figuram com 75,9% e na relação exportação/faturamento, com 37,3%, contra apenas 14,6% das empresas nacionais privadas, listadas na amostra.

Os dados da tabela 1, extraídos de "Quem é Quem na Economia Brasileira - 1974", e referentes a uma amostra das 5.113 maiores empresas, apresentam apenas 1% do patrimônio líquido do ramo nas mãos de empresas públicas, 31% nas de companhias transnacionais, e 68% sob controle de empresas nacionais privadas. Contudo, em 1976 (tabela 4, extraída de Exame, "Melhores e Maiores - 1977"), as empresas estatais do ramo alimentício aparecem com 10% das vendas, contra 32,5% das estrangeiras e 54,5% das privadas nacionais, entre as 20 maiores do ramo.

A liderança das empresas públicas se manifesta mais abertamente nos ramos de mineração, da siderurgia, de combustíveis e lubrificantes e, em grau um pouco menor, nos produtos químicos e nas resinas e fibras sintéticas.

A participação crescente das empresas públicas na indústria de transformação, embora com margens de lucratividade inferiores às da média do setor, vem suprir as necessidades das empresas privadas nacionais e estrangeiras, oferecendo-lhes os insumos básicos a preços que permitem subsidiar os custos de produção do setor privado.

Por outro lado, a capacidade de poupança do Estado a fim de financiar a expansão das empresas públicas é muito superior à do setor privado (nacional), o que resulta em taxas de crescimento mais elevado daqueles. Ademais, uma série de condições estruturais, produto da conjuntura e das relações econômicas internacionais, parece propícia à expansão e intensificação da participação do Estado nas atividades produtivas. Em todos os países que mantêm uma economia de mercado, verifica-se uma crescente tendência intervencionista - direta e/ou indireta - do Estado, estabelecendo tarifas protecionistas ou quotas de importação, celebrando acordos de mercadorias, e levantando ou eliminando obstáculos à movimentação de capitais, a fim de equilibrar o balanço de pagamentos na Nação. Nos países em desenvolvimento, todavia, dado o atraso com que chegaram à fase de industrialização, a baixa capacidade de poupança do setor privado interno e os baixos índices de rentabilidade das indústrias de base, a intervenção do Estado se manifesta também sob forma de atuação empresarial, predominantemente nos ramos que suprem insumos básicos e infra-estrutura aos outros setores da economia.

Controlando as áreas estratégicas da infra-estrutura do sistema produtivo, de baixa rentabilidade porém essenciais, e desenvolvendo seu potencial produtivo em estabelecimentos de grande escala, com estruturas organizacionais e hierarquias administrativas semelhantes às das grandes empresas transnacionais, a tecnoburocracia estatal se torna interlocutora mais válida e legítima das empresas transnacionais, do que os empresários privados nacionais.

Lidando ambos, os tecnoburocratas e os executivos, com grandes unidades, ou seja, organizações complexas que apresentam uma problemática semelhante e condicionam padrões de conduta e de "liderança" bastante similares, se estabelecem interesses, comunicações e relações de amizade, alimentados e fortalecidos por um sistema de "circulação das elites", entre as grandes empresas estatais e estrangeiras, por um lado, e as posições de chefia na tecnoburocracia civil e militar, por outro.

Não seria de admirar-se, portanto, que o tecnocrata do governo prefira lidar com grandes empresas, mais "produtivas, racionais e eficientes", do que com centenas ou milhares de pequenas unidades produtivas.

2. O PERÍODO DE EXPANSÃO DA ECONOMIA BRASILEIRA: 1968-1973

A queda da taxa de crescimento do PNB entre 1963-1967, refletindo a diminuição das atividades produtivas, deveu-se basicamente à redução da taxa de investimentos, em função da própria política econômica do governo (extinção do subsídio cambial às importações, combate à inflação visando reduzir a demanda agregada, etc) e resultou também num arrefecimento da dinâmica do setor industrial.

Contudo, nem todos os ramos da produção industrial foram afetados com a mesma intensidade pela recessão. Enquanto as empresas produtoras de bens de consumo não duráveis (Têxtil, Alimentos, Calçados, Bebidas etc.) e as de bens de capital (Indústria Mecânica) sofreram com mais rigor o impacto da política deflacionária, os sub-ramos de bens de consumo durável (Automóveis, Eletrodomésticos etc.) foram menos atingidos. De fato, em função das diretrizes e medidas que visavam imprimir uma nova estrutura de financiamento à economia e minimizar o impacto de inflação (a criação do Banco Central, a regulamentação do mercado financeiro, a instituição da correção monetária, assegurando a rentabilidade dos papéis de renda fixa etc), os ramos produtores de bens de consumo duráveis passaram a apresentar um crescimento apreciável, tornando-se os centros dinâmicos da Indústria de Transformação e da economia em geral.

O período 1968-1973 pode ser melhor analisado subdividindo-o em duas fases: a primeira, de recuperação da economia de recessão precedente (1968-1969), e, em seguida, a de plena expansão e crescimento (1970-1973).

Na primeira fase - a de recuperação - as diretrizes da política econômica do governo visam à elevação da demanda agregada, lançando mão de instrumentos de política monetária e fiscal, para financiamento de bens de consumo duráveis. O crescimento da produção que lhe segue é resultado da absorção da capacidade ociosa originária da recessão anterior.

O sucesso dessa política foi reforçado e realimentado por um processo de redistribuição das rendas, via diferenciais de salários, a favor das classes média e média-alta, cujo poder aquisitivo crescente estimulou poderosamente o crescimento industrial, mormente nos ramos de bens de consumo duráveis.

A expansão e diversificação do consumo ocorreram, portanto, a um nível de produtos sofisticados, de alto conteúdo tecnológico, cuja introdução se deveu basicamente às empresas transnacionais que predominam no setor de bens de consumo duráveis.

Além das vantagens de um acesso mais fácil ao crédito externo (e provavelmente também ao nacional), as estrangeiras têm também maior flexibilidade de ajuste a condições diferentes. Com base na amostra citada, as empresas estrangeiras transferem para as regiões-problema do Norte e Nordeste, através dos incentivos fiscais, maiores parcelas de seus ativos totais. A relação entre incentivos fiscais e ativos totais é de 1,8% para firmas nacionais e 2,1% para subsidiárias de firmas estrangeiras.

Também no comércio internacional as empresas estrangeiras são beneficiadas por suas redes de comercialização, já existentes. Verifica-se pela tabela 3 que, na amostra das maiores empresas, 51,4% da exportação é realizada pelas estrangeiras e apenas 9,8% pelas empresas privadas brasileiras.

Quanto à relação entre exportação e faturamento, as estrangeiras, em 1973, exportavam 7,9% de suas vendas, contra 4,8% das empresas nacionais. Os 11,5% das empresas do Governo são devidos principalmente à atuação da Vale do Rio Doce no setor de mineração. Evidentemente, as empresas estrangeiras importam muito mais do que exportam, sobretudo as de substituição de importações, e o impacto global sobre o balanço de pagamentos ainda está para ser estudado mais minuciosamente. É óbvio, no entanto, que as empresas estrangeiras desfrutam de uma série de vantagens sobre as nacionais, além de escala e acesso ao mercado de crédito.

Comparando os dados de 1972 baseados em "Quem é Quem" (tabela 2) com os de 1976 (tabela 4) da Revista Exame, verificamos o avanço contínuo das empresas estrangeiras, sobretudo nos ramos mais dinâmicos da indústria.

Assim, a participação das firmas estrangeiras nas vendas das 20 maiores nos respectivos setores e ramos de atividades econômicas ultrapassou, em 1976, os 30% nas Indústrias de Alimentos e de Minerais não-metálicos; alcançou 50% até 75%, nas Indústrias de Autopeças, Bebidas e Fumo, Comércio Atacadista, Distribuição de Petróleo, Máquinas e Equipamentos, Material de Transporte, Plásticos, Borracha e Têxtil e, finalmente, representou de 76% a 100% nas Indústrias Automobilísticas, Farmacêutica e de Material de Escritório.

Por outro lado, pelos dados das tabelas acima verificamos que a participação e o controle das empresas estrangeiras, entre as mais ou menos 5.000 maiores do país, em termos de percentual no total do Patrimônio Líquido, é predominante nos ramos Elétrico (61%), Mecânico (46%), Equipamentos de Transporte (63%), Borracha (61%) e Fumo (99%).1 1 A estreita relação entre o "dinamismo" de certos ramos e a propriedade de capital estrangeira fica mais claramente evidenciada ao reduzir-se o número da amostra, trabalhando apenas com as 300-400 maiores empresas do país, como o fazem Doellinger e Cavalcanti (1975) ou a Revista Exame (1977).

O crescimento e a expansão das empresas estrangeiras constituíram o elemento básico do modelo de desenvolvimento orientado para o exterior, e adotado a partir de 1964.

É na segunda fase do ciclo da expansão, com o contínuo crescimento da produção de bens duráveis, que se manifesta também um crescimento paralelo das indústrias de bens de capital. O aumento contínuo da demanda por bens duráveis, uma vez absorvida a capacidade ociosa, começa a pressionar as empresas no sentido de aumentarem suas inversões, a fim de ampliar a capacidade produtiva.

Na realidade, a rápida e contínua expansão da economia brasileira neste período (1969-1973) pode ser explicada tanto por fatores endógenos e cíclicos da economia brasileira como, também, por uma conjuntura econômica internacional extremamente favorável.

A concomitância dessas duas tendências e sua concretização mediante as diretrizes de política econômica executada nesse período fornecem uma visão mais correta do processo de expansão, sua precariedade e os problemas que deixou como herança.

Entre os fatores propícios e estimulantes do crescimento no período 1969-1973, convém destacar, em primeiro lugar, a capacidade ociosa da indústria de transformação que teria chegado, segundo estimativas diversas,2 2 Contador, C. R. Pleno emprego, inflação e política econômica no Brasil. IPEA/INPES, 1976, mimeo. a aproximadamente 25% do potencial instalado nos anos 1964-1967. O aproveitamento dessa capacidade resultou em baixos custos industriais e num crescimento da produção mais rápido do que do estoque de capital.

Ao mesmo tempo, a política econômica do governo encorajou a expansão do aparelho produtivo, mediante um sistema de incentivos, subsídios, créditos para a expansão de bens de capital e insenções fiscais e tributárias.

Também, ao lado da demanda, uma série de medidas de caráter fiscal e monetário, sobretudo linhas de crédito fácil para aquisição de bens duráveis, conseguiu estimular o crescimento da produção industrial, especialmente de bens duráveis. Em conseqüência, enquanto a produção industrial aumentou a uma taxa de 14,7% ao ano, entre 1967-1973, a de bens de consumo duráveis expandiu-se a 23,8% ao ano.

Outro aspecto, estreitamente relacionado com a expansão da produção de bens de consumo durável, se refere à concentração da renda, já assinalada acima.

A demanda interna crescente por bens manufaturados foi reforçada por uma política de incentivos à exportação, o que elevou a participação de produtos industrializados no total das exportações, de 5% em 1968, para 18% em 1971.

Do lado das relações comerciais internacionais, os superávits do balanço de pagamentos brasileiro permitiram a expansão das importações de bens de capital e de matérias-primas, a fim de atender a demanda da indústria em expansão. Por outro lado, na década de sessenta e nos primeiros anos de setenta verificou-se uma expansão intensa do comércio mundial, com fortes movimentos do capital internacional (eurodólares etc.) canalizado sob forma de empréstimos, créditos ou financiamentos, ou também investimentos diretos, aos países em desenvolvimento. Alguns destes, entre os quais o Brasil, foram escolhidos pelo capital internacional para neles investir em empreendimentos industriais. A renda per capita relativamente elevada assegurando um mercado real e potencial apreciável, a presença de uma mão-de-obra abundante, relativamente bem treinada e, sobretudo, controlada por uma política salarial e sindical repressiva, e last but not least, as diretrizes a política econômica, concedendo vantagens, incentivos, subsídios e insenções, tiveram como resultados uma elevada lucratividade e uma forte atração para o capital estrangeiro, cujo ingresso permitiu manter, por mais algum tempo, as altas taxas de crescimento do PNB.

As diretrizes da política econômica interna foram elaboradas em função do objetivo precípuo - a maximização do PNB -, sem muita preocupação com os custos sociais e as conseqüências para a própria economia a médio-longo prazos.

Assim, a política salarial funcionou como mecanismo de transferência de renda dos assalariados para o capital, mantendo-se as organizações sindicais paralisadas ou sob intervenção, enquanto a correção monetária e uma série de incentivos fiscais estimularam poderosamente a poupança e acumulação privadas.

Por outro lado, a poupança compulsória imposta pelo poder público (FGTS, PIS, PASEP etc.) carreou recursos enormes para o Estado, os quais permitiram a expansão dos empréstimos e financiamentos pelo setor público ao privado a uma taxa anual de mais ou menos 50%, em termos nominais, entre 1967 e 1975.

Finalmente, além dos incentivos fiscais e tributários concedidos, a política cambial de minidesvalorizações, implantada a partir de 1968, contribuiu como estímulo às exportações e ao ingresso de capital estrangeiro, sem onerar excessivamente as importações de bens de capital e de insumos. Os investimentos estrangeiros realizados no período 1970-1974, se tiveram papel fundamental na manutenção da alta taxa de crescimento do PNB, também aceleraram e intensificaram os processos de concentração econômica, da distribuição desigual da renda, e da elevação da dívida externa.

3. ASPECTOS DA CONCENTRAÇÃO ECONÔMICA NA INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO BRASILEIRA

A concentração da produção em grandes empresas pode ser considerada um processo histórico inexorável para todas as sociedades que se engajam no caminho da industrialização e conseqüente modernização de seu aparelho de produção. No decorrer do processo de industrialização, com a ampliação e diversificação de todas as atividades econômicas, são criadas condições propícias para aquelas empresas capazes de realizar "economias de escala".

Essas empresas, por disporem de maiores recursos financeiros, têm acesso mais fácil à tecnologia moderna e, assim, a um equipamento mais eficiente, reunindo, também, contingentes crescentes de mão-de-obra e capital sob seu controle.

O poder econômico das grandes empresas, sua política de preços e, freqüentemente, sua interferência em esferas extra-econômicas são assuntos altamente polêmicos e sobre os quais existe uma vasta documentação.3 3 Vide Rattner, H. Industrialização e concentração econômica em São Paulo. Fundação Getúlio Vargas, R. Janeiro, 1972.

Importa, contudo, para os objetivos deste trabalho, distinguir entre as duas fases ou formas diferentes de concentração.

Nos períodos de surto desenvolvimentista, caracterizados pela expansão do sistema global, todas as empresas crescem e se expandem; aumenta o número de estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços; a produção se desenvolve por meio de atividades cada vez mais especializadas e diversificadas, dando assim origem a um aumento contínuo da produtividade. Em virtude da ampliação dos mercados, nesta fase, também as pequenas e médias empresas conseguem conquistar uma parcela destes e, como base nos lucros auferidos, aumentar seu capital e ampliar suas instalações e escalas de produção.

Em outras palavras, o aumento da dimensão média das empresas, em conseqüência de sua maior capitalização, leva a um aumento da produtividade que resulta, normalmente, em maiores lucros, cujo reinvestimento enceta um novo ciclo de expansão da economia e, portanto, das empresas.

A segunda metade dos anos cinqüenta e os anos de 1968-1973 constituem exemplos apropriados para ilustrar a expansão geral do sistema, em que as indústrias "modernas" criadas com recursos financeiros relativamente reduzidos e com facilidades de importação de equipamentos (por exemplo, a Instrução 113, da SUMOC) absorveram contigentes crescentes de mão-de-obra semi ou não-qualificada e concorreram para uma elevação do nível de emprego nas áreas metropolitanas.

Com o início dos períodos de recessão (1963 e 1974), verificou-se uma retração paulatina do mercado comprador e, em conseqüência, dos níveis de produção de bens e de serviços. As pequenas e médias empresas não somente não crescem mais, como muitas são obrigadas a cerrarem suas portas ou, na melhor das hipóteses, a procurarem em fontes externas recursos para seu capital de giro, reequipamento, racionalização administrativa etc. Inevitavelmente, para não serem eliminadas do mercado, terão que procurar a associação com empresas mais poderosas, isto é, com mais capital e acesso à tecnologia moderna, nacionais ou estrangeiras.

Entretanto, a tendência geral à concentração econômica fica também evidenciada nos períodos de recessão econômica. A racionalização das empresas que sobrevivem graças a facilidades de crédito e financiamentos obtidos de instituições financeiras oficiais ou estrangeiras resulta novamente em elevação da produtividade, sem que os resultados desta atinjam, necessariamente, o mercado consumidor. Ao contrário, a redução do número de empregados leva à diminuição da demanda agregada por bens de consumo. Logo, as empresas tendem a diminuir sua produção, passando a trabalhar com capacidade ociosa e custos unitários mais elevados. Os custos mais elevados dos produtos resultam em nova redução do consumo e, assim, completa-se o círculo vicioso da queda de negócios e da redução do nível de emprego agregado.

Vários fatores atuam nesse processo universal e característico do sistema capitalista:

a) A grande empresa dispõe, geralmente, de técnicas de produção e de mercadização mais avançadas, o que lhe permite reduzir o custo unitário, através de uma melhor distribuição dos custos fixos, sobre uma quantidade maior de unidades produzidas. A restante produção em massa torna, pelo menos teoricamente, os produtos mais baratos e mais acessíveis às camadas mais pobres da população.

Dizemos teoricamente porque, na realidade, as vantagens e custos mais baixos obtidos pela aplicação de uma técnica mais avançada freqüentemente são desvirtuados por práticas monopolísticas, em beneficio de indivíduos ou grupos restritos, porém economicamente poderosos, sem necessariamente resultar numa redução dos preços e, assim, na melhoria do nível de vida da população.

b) À medida que aumenta a escala de produção das empresas, torna-se imprescindível o emprego de quantidades de recursos cada vez maiores, para a modernização constante do equipamento, através de pesquisas e inovações, seja de técnicas de produção, seja da qualidade do próprio produto.

Isto favorece novamente a grande empresa que tem acesso mais fácil ao mercado de capitais e aos organismos oficiais de financiamento. Por outro lado, a crescente racionalização e mecanização das operações tende a alterar paulatinamente as proporções do capital variável em relação ao capital fixo, a favor deste último. Assim, cada novo investimento exige importâncias elevadas em capital para cada unidade de trabalho (mão-de-obra), sobretudo nos setores modernos da economia, como eletrônica, eletromecânica, química e petroquímica etc, o que elimina automaticamente as pequenas e médias empresas do mercado competitivo e, paulatinamente, também do setor. Essas, não dispondo das mesmas facilidades de crédito que as grandes e produzindo com custos unitários mais elevados, também carecem de promoção e redes de distribuição de produtos que mantêm o nível das vendas bem mais estável, sobretudo nas épocas de crise e retração do mercado comprador. As pequenas e médias empresas, que não podem acompanhar por seus próprios recursos a evolução, do mercado, sendo-lhes portanto impossível conhecer a priori as tendências e a evolução dos setores do mercado em que operam, tornam-se muito mais sensíveis às suas flutuações cíclicas.

c) Finalmente, a política do próprio poder público, em matéria de tributação e impostos, pode ter profunda influência sobre o processo de concentração da produção em grandes empresas. Um bom exemplo a respeito nos é fornecido pela análise da situação na indústria automobilística no Brasil.

Trata-se de uma indústria em cujo produto final são incorporados milhares de peças dos mais diversos materiais e processos de produção, tais como: borracha, fibras, plásticos, metais ferrosos e não-ferrosos etc. O rápido crescimento dessas empresas favorecia uma concentração horizontal, estimulada também pelas autoridades governamentais, interessadas em criar possibilidades para novos investimentos na indústria de autopeças. Segundo os planos iniciais, iria processar-se uma integração horizontal das empresas produtoras de automóveis, sendo que as próprias fábricas iriam montar os veículos, recebendo grande parte das peças de estabelecimentos especializados e independentes, ligados apenas por subcontratos. Essa forma de produção iria permitir também uma maior descentralização geográfica, com vantagens óbvias para o planejamento urbanístico e social dos municípios, na área metropolitana de São Paulo.

A realidade, porém, parece ter levado a uma solução diferente e até diametralmente oposta à prevista.

Em primeiro lugar, a crise econômica a partir de 1963 e a conseqüente retração do mercado forçavam várias empresas menores, com níveis de produção reduzidos, a associar-se com as grandes ou perecer.

Em segundo lugar, o gradual aperfeiçoamento do produto nacional, principalmente de um produto tão complexo como é o automóvel, exigiu observância rigorosa das medidas e padrões de qualidade, normalmente fora de alcance de pequenos e médios fabricantes, que não têm acesso ao know-how, às pesquisas, inovações e às patentes delas resultantes.

Finalmente, este setor de produção industrial sofreu um acúmulo de impostos e tributos, que constituíram uma sobrecarga pesada nos custos do produto final, e que levou as empresas a modificarem seus planos iniciais, de apenas montar o veículo com as peças fornecidas por terceiros, para passarem a fabricar grande parte de suas próprias peças e apetrechos, em vez de adquiri-las de terceiros, procedimento normalmente mais em conta.

4. PROGRESSO TÉCNICO E CONCENTRAÇÃO ECONÔMICA

A tendência central e fundamental do sistema econômico capitalista se manifesta na aceleração da acumulação de capital, por meio de inovação tecnológica e a concorrência entre as empresas, nos mercados nacional e internacional.

A aplicação de uma tecnologia mais capital-intensivo leva a um aumento da produtividade do trabalho, como conseqüência de um maior domínio de equipamentos e processos (know-how) pelos operários. Produzindo-se mais, com relativamente menos mão-de-obra, tende-se a aumentar as escalas de produção e aumenta-se, também, o número médio de empregados por empresas.

No período de "vacas-gordas", a euforia geral é compreensível pela expansão geral do sistema: todas as empresas - pequenas, médias e grandes -, sobretudo estas últimas, crescem por meio de concentrações, ou seja, ocorre um processo intenso de acumulação de capital. Cresce a produção, os mercados se expandem e assim, também, as pequenas empresas conseguem uma fatia do mercado, já que a pressão da concorrência não é tão sentida.

A segunda metade da década dos cinqüenta e o qüinqüênio 1968-1973 são caracteristicamente épocas de expansão do sistema industrial brasileiro, concentrado no espaço geoeconômico da RMGSP. Mas, assim como em 1963, também em 1974 o processo de acumulação de riqueza social estancou ou diminuiu sensivelmente, desencadeando a descapitalização e enfraquecimento das empresas menores e menos bem organizadas.

Importa frisar, todavia, a tendência imperiosa em direção à racionalização e modernização das empresas, como condição essencial para sua sobrevivência.

Na luta pelo mercado minguante defender-se-á melhor a empresa apta a inovar, isto é, a introduzir tecnologia poupadora de mão-de-obra, com conseqüente redução de custos e elevação de lucros. Novamente, é a grande empresa que estará em condições mais favoráveis de acesso ao know-how e de obter recursos para investir em inovações tecnológicas. Daí o aparente paradoxo: as grandes empresas continuam a crescer e a se expandir, mesmo em períodos de recessão ou de diminuição relativa das atividades econômicas. Entretanto, o preço a pagar pela racionalização e modernização, por meio de fusões, incorporações e absorções de empresas menores, é, além do encerramento de atividades de muitas pequenas empresas, um aumento paulatino do desemprego tecnológico, cujas vítimas irão engrossar os contingentes do subemprego e do desemprego estrutural.

4.1 A concentração na indústria e a presença de companhias transnacionais

Verifica-se que o grau de rentabilidade das empresas líderes nos ramos de alta concentração está geralmente mais elevado do que nos ramos competitivos, o que resultará em maior capacidade de expansão, seja dentro do ramo original ou em outro, por via de diversificação e conglomeração.

Considerando que a expansão das companhias transnacionais a nível mundial se verifica especialmente nos ramos cujas estruturas nos países de origem são oligopolísticas, é de esperar-se que sua presença no Brasil coincida com os ramos mais concentrados, ou seja, aqueles que experimentaram a maior expansão, freqüentemente levantando recursos no mercado de capitais local para seus projetos de ampliação.

Segundo dados publicados recentemente4 4 Revista Exame. "Melhores e Maiores - 1977". o grau de concentração em alguns dos setores-chave da economia brasileira tem avançado inexoravelmente, constituindo hoje motivo de séria preocupação de empresários nacionais e da opinião pública, sobretudo daqueles que acreditam na relação indissolúvel entre a descentralização e o pluralismo econômico, por um lado, e um regime político aberto e democrático, por outro.

Tomando por base as vendas das empresas, "Melhores e Maiores" - que analisa 33 setores - identificou forte concentração em dez setores, e relativa concentração em outros dez. E as áreas mais concentradas são dominadas inteiramente pelas empresas estatais e multinacionais.

A rapidez e intensidade dos processos de concentação e centralização do capital no Brasil são documentados pela tabela 6, sobre as maiores empresas no Brasil versus as maiores do mundo.

O número de empresas estabelecidas no Brasil,5 5 Incluindo as estatais, estrangeiras e privadas nacionais. que por seu faturamento teriam condições de figurar na lista de Fortune, aumentou para 34 em 1976, mas era de 30 em 1975, de 25 em 1974 e apenas 19 em 1973 (como se vê na tabela 6). Da mesma forma, cresceu o número das que seriam incluídas entre as 1.000 maiores norte-americanas consideradas a partir da 501ª colocação (que aparecem em "The 2nd 500", de Fortune).

Neste caso, 172 empresas brasileiras participariam da lista de Fortune contra apenas 101 em 1973, evidenciando aumento considerável do porte das empresas do país.

Em termos de rentabilidade do patrimônio, nota-se uma situação de igualdade entre as brasileiras, as norte-americanas e as do resto do mundo.

É preciso considerar, porém, que as comparações, neste caso, devem ser encaradas com algumas reservas devido às diferenças de critérios contáveis vigentes nos vários países.

Do ponto de vista estritamente contábil, o endividamento das empresas brasileiras pode ser considerado tímido. De fato, as empresas brasileiras estão pouco mais endividadas que as norte-americanas e muito menos que as 500 maiores do mundo. Porém, o dado mais preocupante é a enorme diferença entre as despesas financeiras sobre vendas das 500 maiores do Brasil e das 400 maiores norte-americanas, relacionadas por "Standard and Poors". As norte-americanas despendem 1,5% sobre vendas e as brasileiras, 5,9% - quase 400% a mais.

Pesados todos esses fatores, porém, e considerando-se o aperto da conjuntura, pode-se concluir que, apesar de todas as adversidades, que começaram a partir de 1974, as grandes empresas brasileiras conseguiram evitar a crise.

Segundo um estudo apresentado recentemente6 6 Conceição Tavares, Maria da e Façanha, Luiz O. A Presença das Grandes Empresas na Estrutura Industrial Brasileira. Comunicação ao V Encontro Nacional de Economistas, 1977. tem se intensificado e aprofundado o processo de internacionalização da economia brasileira desde a segunda metade dos sessenta e, sobretudo, a partir de 1970.

Entre os 272 grupos estrangeiros que se destacam na amostra de empresas líderes que operam no Brasil, contam-se 114 grupos de capital de origem americana nos quais 107 são filiais de empresas internacionais (constantes da lista das 500 maiores de Fortune), apenas 5 são empresas maiores de capital privado americano, 43 são controladas por conglomerados financeiros de origem americana.

Dos restantes 159 grupos, não americanos, presentes na liderança industrial brasileira, a maioria é de origem européia, mas só cerca de metade pertence à lista das grandes empresas.

De fato, apenas 84 são filiais de empresas internacionais (isto é, que operam em seis ou mais países, que constam da lista de Fortune) e os restantes representam grupos menores de capital estrangeiro (54) e conglomerados financeiros (24).

As empresas de capital estrangeiro (não internacional) são em geral de entrada mais recente no país e correspondem sobretudo à diversificação das indústrias metal-mecânicas, química e de instrumentos químicos e de instrumentos diversos. O desenvolvimento acelerado do período recente permitiu brechas de mercado ocupadas por empresas menores de capital europeu e japonês, bem como a expansão igualmente rápida de pequenas e médias empresas nacionais.

A forma predominante e aparentemente ainda mais eficaz, para o grande capital internacional, de controle de mercado, continua através da operação de filiais fechadas que seguem as políticas tecnológica, comercial e financeira de suas respectivas matrizes. As operações inter-matriz-filial são as as que parecem responsáveis por fenômenos tão citados na literatura recente, como transferpricing, política atada de importações-exportações, diversificação excessiva de produtos, de tecnologia etc, dos quais o aspecto de déficit da balança de Contas Correntes que lhe é atribuível tem sido apenas mais visível e dramatizado.

Durante o período do "milagre" (1968-1973) - fase de grande expansão da economia - houve também oportunidade de crescimento para as empresas nacionais e, portanto, não ocorreu uma desnacionalização acentuada da indústria brasileira.

A partir de 1974, as condições gerais do mercado sofreram mudanças - retração da demanda e diminuição de investimentos governamentais -, o que deve ter enfraquecido as pequenas e médias empresas nacionais, face ao capital estrangeiro cujo ingresso continuou em altos níveis, haja vista os problemas do Balanço de Pagamentos.

Em conseqüência, deve-se esperar uma onda de take-over e de desnacionalização de empresas brasileiras de pequenas e médias dimensões, por parte do capital internacional, no período de "desaquecimento da economia".

5. A ESTRUTURA DA PRODUÇÃO E DO CONSUMO NO RAMO DE ALIMENTOS

A tendência geral à concentração industrial, mediante fusões, absorções e incorporações de empresas menores, que confere aos diferentes ramos seu caráter oligopolista, se manifesta também crescentemente nos diversos sub-ramos de alimentos. Os principais fatores dinâmicos deste processo, além da necessidade do elevado investimento inicial para ter acesso à tecnologia sofisticada e capital-intensiva, são a perecibilidade dos produtos matérias-primas, seu alto custo unitário de transporte e, devido à urbanização contínua, o distanciamento cada vez maior das áreas produtoras em direção à fronteira agrícola.

A produção concentrada em estabelecimentos de grande escala, orientada para a exportação, e a política industrial do governo, facilitando o acesso aos equipamentos e processos alienígenos, favorecem a introdução de tecnologias, com proporções crescentes de máquinas e equipamentos mecânicos ou semi-automáticos, com uma correspondente diminuição do emprego da mão-de-obra. Por outro lado, dadas as facilidades de importação (até a instituição do depósito compulsório, em fins de 1976) pouco ou nenhum esforço tem sido realizado no sentido de diminuir a dependência tecnológica do País.

As tecnologias alternativas conhecidas para a produção industrial variam com a escala de produção, que dependem da dimensão do mercado consumidor. No caso do setor alimentício, a escala é determinada pela disponiblidade e perecibilidade das matérias-primas, o que favorece, teoricamente, a descentralização da produção. Os custos de transporte do produto acabado, todavia, podem contrabalançar as vantagens iniciais obtidas com a localização das empresas perto de suas fontes de abastecimento em matérias-primas.

A concentração da produção, por tamanho das empresas, pela própria natureza dos produtos e as peculiaridades de seu mercado consumidor, apresenta um perfil diferente quando comparada aos outros ramos da indústria de transformação.

Assim, em 1970, as empresas médias, ou seja, as que empregavam entre 50 e 500 pessoas, embora representassem 6% do número de estabelecimentos, absorviam 46% dos empregados e geravam 54% do valor da transformação industrial. Trata-se, portanto, do segmento mais significativo do ramo alimentar.

Sem grande significado econômico, as pequenas empresas do ramo, com até 9 empregados, representavam 71% do número de estabelecimentos e participavam com apenas 9% do valor da transformação industrial.

No outro extremo, empresas com mais de 500 empregados - representando 0,31% do número de estabelecimentos - geravam 12% do valor de transformação industrial, conforme os dados da tabela 7.

Os estabelecimentos de mais de 10 e menos de 50 empregados representavam aproximadamente 20% em relação aos três aspectos comentados.

Do ponto de vista da concentração, dentro do ramo alimentar, a situação resume-se no seguinte: existe grande número de pequenas empresas sem maior importância econômica; há o predomínio econômico e social das empresas médias e, finalmente, são raras as grandes empresas, sendo, porém, o seu significado na economia não desprezível.

As empresas, face à estrutura oligopolista do mercado e para conservarem suas posições, serão estimuladas a empregar tecnologias capital-intensivas. Os custos do investimento inicial no equipamento k-intensivo constituem uma barreira à "entrada", no sub-ramo, de novos competidores. Ao mesmo tempo, as escalas de produção dos novos equipamentos - concebidos para os mercados de consumo nos países desenvolvidos - são grandes demais para a estrutura de consumo do País, determinada por uma distribuição de renda extremamente desigual. Os efeitos combinados serão altos custos unitários, devido à capacidade ociosa, e o baixo nível de criação de empregos, atuando como espécie de "ciclo vicioso", no sentido de reprimir a demanda.

Em suma, a estreiteza do mercado interno é resultado da estrutura da produção que determina um alto grau de concentração de renda, distorce os padrões de consumo da população e orienta as atividades produtivas para aqueles bens e serviços que estão ao alcance dos grupos com renda mais alta.

Face às dificuldades para ampliar a demanda pelos produtos alimentares "modernos", as empresas deste ramo recorrem à diferenciação dos produtos existentes ou à introdução de novos produtos, para incrementarem suas vendas. Esta estratégica requer verbas elevadas para propaganda e promoção dos novos produtos, dado que seus consumidores potenciais já alcançaram níveis de satisfação razoáveis de suas necessidades alimentares, tornando necessário estimular os gostos puramente gastronômicos. Os meios de comunicação de massa, todavia, atingem igualmente as camadas de baixa renda, provocando nelas uma distorção dos padrões de consumo de alimentos nutritivos para outros de valor nutricional inferior, embora de custo mais elevado.

A distorção dos padrões de consumo sofre aceleração constante pelo processo de urbanização: as massas migrantes que abandonam a área rural também deixam de produzir seus próprios alimentos. Essa tendência é agravada pela integração crescente da mulher ao mercado de trabalho urbano que leva a população urbana a consumir em grau crescente alimentos industrializados, cujo custo mais elevado se reflete desfavoravelmente no custo de vida.

A indústria de alimentos tem sido classificada geralmente entre os ramos "tradicionais", significando uma relação de c/v (capital constante sobre o variável), com um baixo nível correspondente de produtividade. A produção se realiza predominantemente em estabelecimentos de pequena e média dimensão. Tecnicamente, o ramo caracterizar-se-ia por fortes ligações "para frente - para trás" (Jorward e backward linkdges), porém de baixo efeito "multiplicador" dos investimentos, no sentido de relações interindustriais.

Essas características do ramo alimentício estão sendo superadas pela evolução dinâmica da economia, pelo menos em alguns de seus sub-ramos que receberam investimentos maciços de capital estrangeiro, nesses últimos dez anos.

Num estudo, com base em pesquisas sobre orçamentos familiares,7 7 Pomeranz, L. A demanda de produtos alimentícios industrializados no Brasil, EAESP/FGV, 1976, mimeo. verifica-se que os produtos alimentícios industrializados constituem uma parcela ponderável do dispêndio familiar com alimentação. Esta parcela dos gastos com alimentação não varia significativamente com a variação do nível de renda, nem entre as principais cidades do país. Contudo, alguns produtos alimentícios têm consumo mais difundido, relativamente inelástico em relação à renda, enquanto outros são consumidos pelas famílias de maior nível de renda, aumentando seu consumo com o crescimento da renda. Entre as da primeira categoria incluem-se: produtos beneficiados, pães, massas e biscoitos, óleos e gorduras e, secundariamente, carnes preparadas. Na segunda constam: produtos conservados, doces, geléias e produtos derivados de cacau, legumes em conserva, pescado industrializado e laticínios.

O mercado dos produtos da primeira categoria depende basicamente do crescimento do nível de emprego, enquanto o mercado dos produtos da segunda categoria depende do crescimento do emprego e da renda, bem como da distribuição desta.

Os dados estatísticos disponíveis levam à inferência que esta segunda categoria teve um crescimento maior e constitui, portanto, o segmento mais dinâmico do setor alimentício. Convém ressaltar, todavia, as dimensões de ambos os mercados consumidores: com base na distribuição da renda da população ativa, verifica-se que o primeiro segmento é bastante amplo, e tende a crescer a medida da elevação do nível de emprego.

Na tabela 8 são apresentados alguns indicadores sobre o crescimento do produto interno bruto per capita, do emprego e do consumo pessoal, no período 1950-1970. Verifica-se, além de crescimento a taxas quase idênticas do emprego e da população, nas duas décadas, o aumento mais rápido da população urbana e de empregos mais qualificados. Ademais, aparece claramente o deslocamento da renda para as camadas mais "ricas", caindo a participação dos 80% mais "pobres" de 45,65% para 37,76% entre 1960 e 1970. Estes dados nos levam a uma divisão do mercado em dois segmentos, em função de seu dinamismo e de seu volume de renda: o primeiro constituído por uma massa de poder aquisitivo relativamente grande em termos agregados, mas baixo em termos unitários por pessoa ocupado, com o dinamismo de crescimento sujeito basicamente ao crescimento do nível de emprego. Trata-se do mercado de bens essenciais, de baixa elasticidade-renda. O segundo segmento é representado por um mercado constituído por uma massa de poder aquisitivo grande em termos agregados e unitários, cujo crescimento depende fortemente do crescimento do nível de emprego e da renda. Seus bens são de menor grau de essencialidade, elásticos à renda e constituem a cesta de bens consumidos pelas famílias de nível de renda mais elevado. Em termos de consumo, de produtos alimentícios e, particularmente, dos sub-ramos - objeto desta pesquisa -, consideramos os produtos beneficiados em geral, as massas, os óleos e as gorduras vegetais como bens de consumo popular, com as características do primeiro segmento assinaladas acima. O segundo grupo de produtos alimentícios - conservas de frutas e legumes, doces e geléias, biscoitos e laticínios - se enquadram claramente no segundo segmento do mercado, de alta elasticidade-renda e, portanto, de difícil acesso às camadas menos afortunadas.

6. ALGUMAS CARACTERÍSTICAS TECNOLÓGICAS DA INDÚSTRIA DE ALIMENTOS8 8 Vide R. Daines, Samuel. Analysis of industrial structure, technology and productivity in the food processing sector of Brasil. V.I, M.I.T., 1975.

É difícil definir o conceito de "nível tecnológico" de uma indústria e, ainda mais, medi-lo adequadamente, tendo em vista a escassez e precariedade de dados disponíveis.

Admitindo as características seguintes como indicadores para avaliar o nível tecnológico, tentaremos estabelecer algumas comparações interindustriais, referentes ao setor de Indústria de Transformação Brasileira.

a) Intensidade "mecânica" dos investimentos. Dados elaborados a partir do Censo Industrial de 1970 evidenciam o mais baixo índice tecnológico da indústria de alimentos comparado com os de outros ramos, e aferido pela proporção do investimento em equipamento mecânico em relação ao investimento total do ramo. Os respectivos índices são 0,551 (alimentos), 0,772 (têxtil), 0,725 (produtos químicos), 0,713 (produtos metálicos).

b) Tecnologia mecânica importada. Novamente, os dados disponíveis mostram que o ramo de alimentos apresenta os índices mais baixos entre os outros da Indústria de Transformação, quanto à importação de máquinas. De toda a maquinaria comprada pelo ramo em 1970, somente 16,3% foi importada, enquanto o índice médio de toda a Indústria foi de 33,3%, e no ramo de têxteis, de quase 50%.

c) Tecnologia incorporada à mão-de-obra qualificada. Embora o ramo ocupe 13,8% do total da mão-de-obra empregada na Indústria de Transformação, somente 6,3% de todos os técnicos industriais nele estão lotados, o que compara desfavoravelmente com o ramo de produtos químicos, por exemplo, que ocupa 9,8% de todos os técnicos, para uma parcela de 3,9% do total da mão-de-obra industrial.

Os respectivos índices para ramos mais dinâmicos, tais como Mecânica e Eletro-Eletrônica, são de 16,0% e 10,7% de técnicos para um contigente de 6,7% e 4,3% do total de mão-de-obra industrial, respectivamente.

d) Tecnologia importada, segundo royalties pagos. Esses pagamentos podem servir de indicador de nível tecnológico do ramo, sendo que os dados novamente parecem confirmar as inferências feitas acima. Somente 0,5% de todas as empresas do ramo pagaram royalties e estes representaram 1,2% do total pago a este título pela Indústria de Transformação. Comparando esses índices com aqueles da indústria química - 13% do total dos royalties pagos por 30% das empresas do ramo -, confirma-se a baixa densidade tecnológica do ramo, bem como sua menor dependência de fontes externas.

De todos os índices precedentes infere-se que o ramo de alimentos encontra seus insumos principais - máquinas e mão-de-obra qualificada - no mercado nacional e, portanto, não alcança níveis de sofisticação tecnológica comparáveis aos dos outros ramos. Por outro lado, essas mesmas características do ramo o destacam como exportador em potencial (vantagens comparativas), gerador de empregos e, assim, fonte de redistribuição de renda.

7. ANÁLISE CONJUNTURAL DO RAMO DE PRODUTOS ALIMENTÍCIOS9 9 Baseado em "Quem é Quem na Economia Brasileira". Visão, 31.08.76 e 22.08.77.

O ramo de alimentos, de importância capital para o país, por seus aspectos político-sociais, conseguiu modernizar-se e ampliar sua capacidade na última década, apesar das habituais barreiras encontradas, como as oscilações dos preços das matérias-primas, resultado das quebras de safra, a deficiência na infra-estrutura de transporte e armazenagem e a estreiteza do mercado interno. Os maciços investimentos das empresas nos últimos anos podem ser atribuídos a três fatores principais. Primeiro, a expansão de algumas faixas de mercado, com o aumento de seu poder aquisitivo. Em segundo lugar, a inovação das técnicas de comercialização (auto-serviço, novas embalagens etc.) e a ampliação das redes de distribuição. E, por último, a crescente importância das exportações na obtenção de divisas para o país.

Em 1973, o setor ganhou novo impulso com a criação de bases para a implantação de uma política nacional de alimentação, cujo objetivo consistiu em corrigir o estado de subnutrição de uma grande parcela da população, o que significa uma eventual ampliação do mercado.

1. De fato, o ramo de produtos alimentícios, juntamente com o de bebidas e fumo, teve um crescimento de 12% em 1976, uma das taxas mais altas registradas no período dentro da indústria de transformação. O desempenho do ramo é fortemente influenciado pelas flutuações de volume e preço da produção agropecuária. Ao mesmo tempo, distinguem-se em seu interior dezenas de atividades caracterizadas pelo tipo de matéria-prima empregada e técnicas específicas de transformação.

A tabela 9 fornece dados sobre o desempenho dos principais sub-ramos alimentícios, alguns dos quais são destacados por fazerem parte de amostra pesquisada.

Em 1977, as pequenas e médias empresas continuaram a enfrentar grandes dificuldades no que diz respeito à obtenção de crédito, o que eventualmente contribuiu para deprimir a produção. Para as grandes empresas, no entanto, as perspectivas são boas. Embora não pareçam interessadas em proceder ao lançamento de novos produtos, muitas planejam ampliar sua capacidade de produção, contando com as possibilidades do mercado externo.

Na realidade, a indústria alimentícia em geral, apesar de sua amplitude, apresenta uma expansão moderada mas segura, pois a demanda é crescente, em função do aumento vegetativo da população. Mas o ramo enfrenta constantemente sérios riscos quanto ao fornecimento de suas matérias-primas, e devido à política de distribuição da renda regressiva.

Mesmo assim, empresas de grande porte, como a CICA, não conseguiram atender plenamente à demanda.

A política da empresa foi explicitada nos seguintes pontos que parecem ser representativos para o ramo em geral: reavaliar e selecionar os investimentos; intensificar a análise das projeções; maximizar o giro do capital; aperfeiçoar a promoção comercial.

Por outro lado, alguns aspectos inovadores que pareciam ser promissores não tiveram confirmadas as expectativas empresariais. É o caso de produtos gelados que pareciam oferecer boas perspectivas, principalmente nas grandes concentrações metropolitanas do Rio e São Paulo.

Contudo, os resultados projetados se mostraram pouco promissores.

O ramo alimentício engloba só indústrias de bens de consumo, compreendendo oito sub-ramos que aparecem na amostra de "Quem é Quem - 1977", com 532 empresas e 282.201 empregados, e em 1976 somaram 35,7 milhões de cruzeiros de patrimônio líquido, 110,1 bilhões de faturamento e 6,6 bilhões de lucro líquido.

Conforme a tabela 9 acima, o sub-ramo mais importante pelo critério de patrimônio líquido é o de açúcar e álcool (AÇU), com 12,9 bilhões de cruzeiros, ou 34,3% do total dessa conta, seguindo-se em ordem decrescente de importância: produtos alimentares diversos (ALM), com 8,7 bilhões, ou 24,3%; carnes frigorificadas e industrializadas (FRI), com 3,8 bilhões, ou 10,5%; moinhos (MOI), com 3,3 bilhões, ou 9,4%; óleos vegetais (OLV), com 3,1 bilhões, ou 8,6%; pescado (PES), com 1,6 bilhões, ou 4,4%; café solúvel (CAF), com 1,4 bilhões, ou 3,9%; e laticínios (LAT), com 1 bilhão, ou 2,9%.

Os oito sub-setores têm estruturas mais ou menos parecidas no que se refere ao controle acionário e à concentração do patrimônio líquido. Em todos eles a empresa nacional privada é predominante e a participação direta do Estado é nula ou muito pequena, chegando a um máximo de 6,4% do patrimônio líquido total no sub-setor FRI; a empresa estrangeira, por sua vez, está presente em todos os sub-setores, com exceção do AÇU, numa proporção variável de 7,8% dessa conta no sub-setor PES e 33,2% no sub-setor ALM.

Quanto à concentração, predomina em todos os sub-setores a média empresa, que detém um mínimo de 50% do patrimônio líquido no sub-setor FRI e um máximo de 85% no sub-setor PES.

No sub-ramo AÇU o desvio-padrão é igual a 3 vezes a média do patrimônio líquido, e a 3,3 vezes no sub-ramo ALM, o que reflete a presença de algumas empresas gigantes ao lado das de pequeno e médio porte: a Copersucar, 31ª na ordem geral do "Quem é Quem" e primeira do sub-setor AÇU, com 23,5% do patrimônio líquido do sub-setor; a Nestlé e a Sanbra, que juntas englobam 38,5% do patrimônio líquido do sub-setor ALM e se colocam em 78º e 95º posição, respectivamente, na ordem geral.

7.1 Carnes industrializadas e frigorificadas (FRI)

O sub-ramo de carnes frigorificadas e industrializadas (FRI) atinge um grau de concentração superior ao da média, porque as quinze maiores empresas das 72 no conjunto aparecem com patrimônio líquido médio em torno de 38 milhões de cruzeiros e respondem por 67% do total de patrimônio líquido. Neste sub-ramo, onde trabalham 52.920 pessoas, as quatro maiores empresas (Sadia, Anglo, Swift Armour e Bordon) representam cerca de 50% do PL (patrimônio líquido).

Depois de haverem realizado, em passado recente, importantes investimentos na ampliação e modernização de suas instalações, os frigoríficos vêm enfrentando atualmente dificuldades financeiras decorrentes da existência de capacidade ociosa nos períodos de entressafra, quando a venda de carne congelada é obrigatória. Outro problema sério tem sido a dificuldade de colocação de produto brasileiro no mercado internacional, devido ao seu preço demasiadamente elevado. Em dezembro de 1976 a carne estava cotada entre 810 e 830 dólares a tonelada no Mercado Comum Europeu, enquanto o preço da carne brasileira chegava a 1.300 dólares e o da carne argentina e uruguaia era de 700 dólares. Ainda assim houve recuperação do volume das exportações no ano passado, embora sem atingir o nível de 1973. Com uma receita de 114 milhões de dólares, as carnes industrializadas representaram 88% do total das exportações de carne, registrando-se um aumento em valor de 61 % em relação a 1975.

Neste sub-ramo a tendência foi de retomada do crescimento depois de dois anos de estagnação e dificuldades financeiras: o patrimônio líquido aumentou 14,5%, contra um declínio médio de 5% ao ano em 1974-1975; o faturamento aumentou 25,8%; o lucro líquido, 30,2%; e o número de empregados, 35,7%, para taxas médias de 3,3%, 27,2% e 7,1% ao ano, respectivamente, no biênio anterior. O faturamento por empregado caiu 7,2%. E os principais índices registraram os seguintes valores: liquidez igual a 1,2, endividamento de 63%, rentabilidade de 11,8%.

7.2 Óleos e gorduras vegetais

Neste sub-ramo houve equilíbrio entre a oferta e a demanda internas durante o ano de 1976, apesar de os preços do óleo, de soja e de amendoim haverem alcançado níveis mais compensadores no mercado externo do que no interno. Os preços internos dos óleos refinados enlatados puderam, ainda que apenas parcialmente, acompanhar o aumento dos custos da matéria-prima. Para as margarinas e gorduras hidrogenadas, no entanto, houve defasagem nos reajustes, o que poderá criar dificuldades para os fabricantes num futuro próximo se essa situação persistir.

Dentro do índice do custo de vida no Rio de Janeiro, o óleo de algodão aumentou 33%, o óleo de soja 59%, o óleo de milho 66% e a margarina 46%.

As exportações de óleo de soja chegaram a 175 milhões de dólares, num crescimento em valor de 32% sobre 1975: as de óleo de amendoim montaram a 88 milhões de dólares, com 88% de crescimento.

O sub-ramo de óleos vegetais (OLV) engloba quarenta e nove empresas, empregando 15.355 pessoas. O nível de concentração é expressivo, pois apenas quatro empresas (Samrig, Olvebra, Alimonda e Indústrias Coelho) detêm 40% do total do patrimônio líquido do sub-ramo, representando as dez maiores cerca de 60%.

Em 1975 os índices econômico-financeiros revelaram ligeira queda. O ILG caiu de 1,13 para 1,06, ao passo que a rentabilidade sofreu maior decréscimo, como se observa na evolução dos índices abaixo relacionados:

Quanto ao nível de produtividade expresso pelo índice faturamento/empregado, registrou-se o valor de 543.850 cruzeiros, em 1975, e de 828.000 cruzeiros, em 1976.

Em 1976, o sub-ramo ALM registrou um crescimento de 6,3% do patrimônio líquido, 22,4% do faturamento, 33,2% do lucro líquido e 21,4% do número de empregados, contra taxas de 11,8%, 2,4%, 0,2% e -0,8%, respectivamente, em 1975.

O faturamento por empregado permaneceu praticamente estacionário, em termos reais, na faixa dos 428.400 cruzeiros. A rentabilidade, calculada através do lucro disponível pelo patrimônio, teve um aumento de 11,9% em relação a 1975, chegando a 21,7%. A liquidez média foi igual a 1,5% e o endividamento, de 56,8%.

O sub-ramo de produtos alimentares diversos é que apresenta maior nível de concentração, pois as 27 empresas de maior porte (entre as 134, no conjunto, em 1975) representaram cerca de 75% do total do patrimônio líquido e as quatro maiores (Nestlé, Sanbra, União dos Refinadores e CICA), mais de 40%.

7.3 A evolução das contas

Este ramo apresentou um crescimento constante no período de 1966 a 1975 em todas as suas contas, tendo o número de empresas aumentado de 453, em 1973, para 472, em 1974, e 532, em 1976.

Os maiores acréscimos na conta do patrimônio líquido foram verificados nos anos de 1967 e 1968, com um crescimento real de 40% em cada um destes anos.

O faturamento mostrou uma taxa de crescimento médio, durante os últimos dez anos, de 26%. Nos anos de 1969, 1973 e 1974 as taxas de crescimento foram de 7%, 11% e 15%, respectivamente. Estes índices foram, porém, compensados pela grande expansão observada nesta conta nos anos de 1967 e 1968, quando ocorreram aumentos de 33% e 56%, respectivamente. No ano em que houve o crescimento de 56% (1968) o faturamento foi de 22 bilhões de cruzeiros, contra 14,1 bilhões de cruzeiros em 1967, em termos reais.

A conta do lucro líquido tem acompanhado a tendência de expansão do faturamento, apresentando taxas excepcionais nos anos de 1967 (89%), 1971 (52%) e 1973 (56%) em relação a cada um dos anos anteriores, resultando numa taxa de crescimento médio anual de 39%. A julgar pela evolução desta conta, pode-se dizer que as empresas do ramo, em geral, tiveram bom desempenho ao longo dos últimos dez anos.

O disponível + realizável do setor também tem crescido regularmente, passando de 5,9 bilhões de cruzeiros em 1966 para 32 bilhões de cruzeiros em 1975. A aplicação de capital de terceiros vem aumentando de ano para ano, mostrando a necessidade de maior numerário para capital de giro ou, pelo menos, que a conta realizável do setor está aumentando à custa da diminuição do capital de giro.

7.4 Análise econômico-financeira

A análise dos dados mostra uma diminuição do valor dos índices patrimônio líquido/exigível a partir de 1971, significando uma maior utilização do capital de terceiros. Nos anos de 1973 e 1974 estes índices apresentavam valores menores do que 1, ou seja, nesses anos havia, no setor, volume de capital de terceiros maior do que o capital próprio.

O índice de liquidez geral oscilou muito neste decênio. Em alguns anos esse índice traduzia estar o setor em condições razoáveis de liquidar suas dívidas. Entretanto, a partir de 1971 o ILG vem decrescendo, o que demonstra que a situação do setor está piorando. Em 1974, por exemplo, o índice foi de 0,96, indicando que o setor dispunha de 0,96 cruzeiros para cada 1 cruzeiro de dívida.

A lucratividade é igualmente baixa, como ressalta o índice lucro líquido/faturamento: menor que 0,5% no ano de 1966, ele melhorou um pouco nos seguintes anos, oscilando entre 3% e 6% (este último índice foi obtido nos anos de 1973 e 1974).

Por outro lado, a rentabilidade tem-se caracterizado por índices mais elevados, demonstrando que, apesar de o lucro do setor ser pequeno, o retorno sobre o capital investido é bom.

Com efeito, a rentabilidade (lucro líquido/patrimônio) oscilou entre 6% e 17% no período analisado, tendo atingido o índice de 15%, em 1975.

7.5 Controle acionário

A participação do capital estatal neste ramo é relativamente pequena e o número de empresas também. De 1966 a 1969 houve apenas uma empresa estatal, com uma participação entre 0,5% e 1,0% sobre o total do capital. No ano de 1970 a participação estatal foi nula, passando, contudo, para três empresas no ano seguinte, com uma participação de 0,8% no total de capital.

O ano de 1974 registrou a entrada de mais uma empresa estatal. E, com isso, a participação do Estado no total do patrimônio líquido subiu de 0,5%, em 1973, para 1,0%, em 1974.

Em 1975 o número de empresas estatais subiu para sete, com uma participação de 2% no patrimônio.

Neste ramo alimentício há um predomínio de capital privado nacional sobre o estrangeiro, o mesmo ocorrendo com o número de empresas. No ano de 1966, o capital estrangeiro participava com 42,8% do capital total do ramo, através de doze empresas. Enquanto isso, 81 empresas nacionais privadas se responsabilizaram por 56,2% do capital. Nos últimos dez anos a participação do número de empresas estrangeiras oscilou muito, não chegando a representar uma tendência. Notou-se o inverso quanto às nacionais privadas, que marcaram sua presença de forma sempre crescente, passando de 81, em 1966, para 444, em 1975.

Em 1972, as empresas nacionais privadas responderam por 81,7% do total de capital, em termos reais. No ano de 1975, a participação do setor privado nacional no total do capital foi de 83%. Contudo, conforme assinalado acima, a presença do capital estrangeiro é destacada, mediante algumas empresas gigantes nos sub-ramos mais "dinâmicos", como os de carnes frigorificadas e industrializadas, doces e conservas de frutas, e biscoitos.

Em resumo, os resultados econômico-financeiros comparativos do ramo alimentício com o conjunto da economia, com base em "Quem é Quem - 1977", parecem indicar o caráter crescentemente dinâmico e moderno do mesmo.

A taxa de crescimento do sub-ramo, em 1976, foi de 12% contra 4% apenas da indústria em geral.

Na amostra de "Quem é Quem - 1977", constam 5.887 empresas, de 20 ramos divididos em 77 sub-ramos, representando um patrimônio líquido de 810,7 bilhões de cruzeiros, um faturamento de 1.260 bilhões de cruzeiros, um lucro líquido de 123,7 bilhões de cruzeiros e 4.356.615 empregados.

O sub-ramo de alimentos figura na amostra com 532 empresas, representando um patrimônio líquido de 35,7 bilhões de cruzeiros, um faturamento de 110,1 bilhões de cruzeiros, um lucro líquido de 6,6 bilhões de cruzeiros e 282.201 empregados.

Calculando o índice

obtemos 15,2% para toda a amostra e 18,5% para as 532 empresas do ramo alimentício.

Contudo, o índice

é de 9,8% para a amostra, e 6,0% para o ramo alimentício. Finalmente, o lucro líquido por empregado, em 1976, alcançou Cr$ 186.085,00 para toda a amostra, enquanto o ramo de alimentos apresentou um índice de Cr$ 234.042,00 o que pode ser considerado, junto com os índices acima, uma indicação de um campo promissor para os investimentos.

8. CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA

A pesquisa de campo procurou abranger empresas de quatro sub-ramos, sendo dois considerados "modernos" (carne industrializada e conservas de frutas e legumes), e dois "tradicionais" (óleos e massas). A fabricação de biscoitos, embora orientada para consumidores de renda mais elevada, está incluída, junto com as massas, no mesmo sub-ramo.

No processo de amostragem tentou-se obter uma certa representatividade de pequenas e médias empresas, em cada um dos sub-ramos, bem como sua distribuição regional, por três áreas geoeconômicas importantes no Brasil. O fato de a maior parte das empresas entrevistadas terem seus estabelecimentos fabris no Estado de São Paulo, reflete apenas a tendência geral à concentração industrial nesta unidade da Federação, que responde por mais de 60% da produção industrial do país.

Mesmo assim, foram realizadas 18 entrevistas no Nordeste (Bahia, Pernambuco e Ceará), em empresas produtoras de conservas de frutas, doces e óleos; e 12 entrevistas no Sul (8 no Rio Grande do Sul, 2 no Paraná e 2 em Santa Catarina), e os restantes 28, em São Paulo.

Na classificação das empresas por tamanho, foi adotado, como critério de aferição, o número de empregados, informado pelas empresas, sendo até 100 empregados considerado estabelecimento pequeno, mais de 100 e até 500 como médio e acima de 500 empregados, estabelecimento grande.

A distribuição das empresas da amostra, por tamanho segundo as classes acima e por sub-ramo, é apresentada na tabela 10.

Observa-se que as grandes empresas se encontram em proporção mais elevada nos sub-ramos "modernos", de carne e frutas e legumes industrializados, enquanto as de dimensões médias predominam nos sub-ramos de massas e óleos.

Admitindo-se que o número de empregados seja insuficiente como critério de avaliação de tamanho das empresas, tendo em vista as diferenças em equipamentos e, portanto, a densidade de capital utilizado, tentamos aplicar um critério combinado para a classificação segundo o tamanho qual seja capital: nº de empregados, o que indicaria também níveis e graus diferentes de tecnificação da produção em cada sub-ramo.

Tabela 12

A classificação obtida pela aplicação do indicador c/e (capital: nº de empregados) é apresentada na tabela 11.

Hipotetizando o índice de capital até Cr$ 50.000,00 por empregado como provável de estabelecimentos de pequena escala; de Cr$ 50.000,00 até Cr$ 250.000,00 por empregado como correspondente à dimensão média e mais de Cr$ 250.000,00 por empregado - apesar dos 3 sub-ramos contidos na classe - como grande unidade, teríamos 18 pequenos, 27 médios e 8 grandes estabelecimentos, sendo que 5 empresas forneceram dados incompletos, não permitindo sua classificação.

8.1 Distribuição das empresas da amostra segundo sua propriedade

O capital estrangeiro está presente em todos os sub-ramos da indústria alimentícia, numa proporção variável de 7,8% do Patrimônio Líquido no sub-ramo pesca até 33,2% no grupo de alimentos diversos (massas e biscoitos, chocolates, doces e geléias, conservas de frutas e legumes). Na amostra, todavia, aparecem somente cinco empresas estrangeiras, sendo uma do ramo de carne; duas do de massas e biscoitos e duas do de óleos.

Essa proporção inferior à participação real nas atividades produtoras do ramo é devido a maior resistência da direção das empresas estrangeiras em divulgar informações sobre problemas e práticas atinentes à tecnologia, chegando inclusive a recusar a concessão de entrevistas aos pesquisadores.

O cruzamento das variáveis origem de capital e tamanho mostra que as empresas de capital estrangeiro se situam predominantemente no extrato médio (101 - 500 empregados), devendo-se, todavia, considerar as recusas mencionadas acima, bem como o fato conhecido de as duas maiores empresas do ramo alimentício, em termos de faturamento e patrimônio líquido, serem de propriedade estrangeira.

Outra informação importante refere-se ao ano de fundação da empresa, que pode ser significativa quanto à idade do equipamento em uso, por um lado, e à medida que revele o início mais recente das atividades (após 1970), indicaria algo sobre as escalas dos estabelecimentos e seu potencial produtivo, por outro. A tabela 14 mostra que apenas 7 estabelecimentos ou 12% da amostra representam empresas fundadas após 1970, das quais 5 (71%) são pequenas, e 2 (29%) médias. 60% das empresas com mais de 500 empregados foram fundadas antes de 1950, 26% entre 1950 e 1960, e 14% entre 1960 e 1970.

Quanto à origem do capital, 6 das 7 empresas fundadas após 1970 são nacionais e apenas uma de capital estrangeiro.

Outro aspecto indagado refere-se à ordenação jurídica das empresas do ramo alimentício. Dada a predominância de empresas pequenas e médias, encontramos um número significativo de "sociedades limitadas" - 24% -, nenhuma das quais no sub-ramo da carne, porém 35% das empresas entrevistadas no sub-ramo de massas, 33,3% no de frutas e legumes e 19% no de óleos vegetais, são sociedades limitadas.

Como seria de se esperar, a maior proporção de Sociedades Limitadas encontramos entre as pequenas empresas, 9 ou 64% do total dessa categoria.

Finalmente, 13 empresas ou 93% das Sociedades Limitadas são de propriedade nacional, com apenas uma empresa estrangeira nessa categoria.

Tabela 13

Tabela 15

  • 2 Contador, C. R. Pleno emprego, inflação e política econômica no Brasil. IPEA/INPES, 1976, mimeo.
  • 4 Revista Exame. "Melhores e Maiores - 1977".
  • 6 Conceição Tavares, Maria da e Façanha, Luiz O. A Presença das Grandes Empresas na Estrutura Industrial Brasileira. Comunicação ao V Encontro Nacional de Economistas, 1977.
  • 7 Pomeranz, L. A demanda de produtos alimentícios industrializados no Brasil, EAESP/FGV, 1976, mimeo.
  • 1
    A estreita relação entre o "dinamismo" de certos ramos e a propriedade de capital estrangeira fica mais claramente evidenciada ao reduzir-se o número da amostra, trabalhando apenas com as 300-400 maiores empresas do país, como o fazem Doellinger e Cavalcanti (1975) ou a
    Revista Exame (1977).
  • 2
    Contador, C. R. Pleno emprego, inflação e política econômica no Brasil. IPEA/INPES, 1976, mimeo.
  • 3
    Vide Rattner, H.
    Industrialização e concentração econômica em São Paulo. Fundação Getúlio Vargas, R. Janeiro, 1972.
  • 4
    Revista Exame. "Melhores e Maiores - 1977".
  • 5
    Incluindo as estatais, estrangeiras e privadas nacionais.
  • 6
    Conceição Tavares, Maria da e Façanha, Luiz O. A Presença das Grandes Empresas na Estrutura Industrial Brasileira. Comunicação ao V Encontro Nacional de Economistas, 1977.
  • 7
    Pomeranz, L. A demanda de produtos alimentícios industrializados no Brasil, EAESP/FGV, 1976, mimeo.
  • 8
    Vide R. Daines, Samuel.
    Analysis of industrial structure, technology and productivity in the food processing sector of Brasil. V.I, M.I.T., 1975.
  • 9
    Baseado em "Quem é Quem na Economia Brasileira".
    Visão, 31.08.76 e 22.08.77.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Set 1978
    Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rae@fgv.br