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Rotatividade de empresas no mercado (estado geral e limitações dos dados para estudo do fenômeno no Brasil)

NOTAS E COMENTÁRIOS

Rotatividade de empresas no mercado (estado geral e limitações dos dados para estudo do fenômeno no Brasil)

José Carlos Durand* * Este estudo contou com subsídio financeiro oriundo do convênio FINEP/EAESP.

Professor adjunto do Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração, da EAESP/FGV. Coordenador do Grupo de Pesquisadores da Instituição dedicado ao estudo da Pequena e média empresa no Brasil

NOTA PRÉVIA

Em domínios onde o custo da investigação primária é demasiado alto para o pesquisador individual e o acesso ao informante, permeado de bloqueios, como se dá em relação ao empresário na sua condição de informante privilegiado acerca de atividade produtiva, parece justificável atentar com cuidado para as possibilidades de uso intensivo das estatísticas de governo. Reconhecendo o fato de que o fenômeno da rotatividade de empresas no mercado é precariamente expresso nos censos econômicos e demais levantamentos oficiais, e que a mensuração mais refinada desse fenômeno seria capaz de sugerir hipóteses fecundas a respeito da dinâmica setorial e regional da industrialização, o autor buscou inventariar as fontes de governo que registram a atividade econômica privada. Essa iniciativa situa-se no bojo de um programa de longo prazo de estudos a respeito da pequena e média empresa no Brasil, e, para além do fenômeno da rotatividade stricto sensu, buscava-se avaliar as possibilidades de uso combinado dos censos e cadastros de governo enquanto indicadores de características sociais da classe empresarial, e, a partir delas, de sua composição e modo de reprodução.

O resultado dessa busca mostrou-se pouco alentador, devido ao modo estanque como são recolhidos os dados pelas instâncias tributárias, censitárias e de registro jurídico das empresas, embora modificações em curso acenem com melhoras sensíveis nos dados que se espera disponíveis e combináveis a prazo não muito longo.

A intenção de publicar o relato da situação das fontes de dados sustenta-se em um questionamento da atitude corriqueira nos meios científicos de só divulgar os levantamentos que tenham chegado a bom termo de exprimir uma ordem de relação entre fenômenos. Afinal, é fácil de ver que a relegação ao silêncio das buscas infrutíferas - em termos substantivos da explicação causal - encerra uma séria dose de conformismo perante a informação tal como é coligida, organizada e publicada. Reagir a esse conformismo sem dúvida faz parte das atitudes que se espera dos que se dedicam a mostrar as coisas como realmente são. Ademais, em uma época de uso difundido do computador, o custo material envolvido em um programa de combinação de informações acerca da empresa e do empresariado é irrisório, o que é mais uma razão para se insistir na reformulação do aparato documental estatístico.

1. INTRODUÇÃO

Numa economia em expansão e diversificação como a brasileira, o fluxo de criação e de extinção de empresas é muito acentuado. Seguramente, é mais intenso (em qualquer setor da produção, circulação e serviços) do que nos países de capitalismo mais adiantado, onde, em que pese à continuidade do processo de concentração de capital, o espaço da pequena e média empresa é mais definido e estável. Ou seja, lá são mais consolidadas as relações de competição e/ou dependência entre pequenas e médias unidades, de um lado, e os grandes conglomerados, de outro, de modo que o avanço da concentração do capital tem impacto menor na "demografia" do parque produtivo, comercial e de serviços, configurando, ao nível da estrutura de classes, uma condição menos oscilante às várias frações da pequena burguesia.

Um primeiro indicador da elevada taxa de rotação de empresas na economia brasileira recente pode ser encontrado nas estatísticas de estabelecimentos industriais fornecidas pela FIBGE.1 1 Tomar índices de estabelecimentos por empresas é válido uma vez sabido que a relação estabelecimento/empresa é muito baixa na economia brasileira, sendo de 1,1 na indústria.

Para o setor industrial como um todo foram recenseados, em 1960, 107.341 estabelecimentos (A). Em 1970 foram recenseados 160.410 (B). O censo de 1970 indica também que 115.731 estabelecimentos foram instalados de 1961 em diante (C), isto é, até a data do censo seguinte.

Assim, podemos admitir que (D) = A + C - B exprima o total de estabelecimentos extintos na década, que seriam 62.662, ou, em termos percentuais, configurando o que se poderia chamar de taxa de extinção de empresas: 58,4%. Quer dizer, quase seis entre as 10 empresas de 1960 desapareceram no curso do decênio, e um número sensivelmente maior foi criado. Obviamente essa taxa de extinção é muito desigual conforme o porte da empresa: para as microempresas, que têm menos de cinco empregados e são a maioria, ela foi de 71,1% e, para as demais, de 38,4%.

Pode-se também presumir que, para o conjunto da economia, essa taxa de extinção (e seu contrário, de criação de empresas) seja ainda maior, tendo em conta que, por características estruturais, os empreendimentos de comércio e de serviços são mais flutuantes do que na produção material e, dentre eles abundam mais ainda os micro estabelecimentos.

A análise de feitio econômico privilegia, no exame dos indicadores da produção e da circulação, os elementos substantivos, entre os quais o valor produzido, o emprego de insumos e a absorção de mão-de-obra, a fim de avaliar o perfil e os efeitos da organização dos fatores na dinâmica do sistema produtivo. A esse nível, não se justificam observações mais cuidadosas de fenômenos como a duração de uma empresa no mercado, ou a seqüência de iniciativas de um mesmo indivíduo ou família entre os vários setores e ramos da produção e da circulação.

Todavia, para quem nutre esperanças de dispor algum dia de informação estatística hábil para examinar o impacto da concentração econômica e da diversificação da produção no alargamento de horizontes para o pequeno empresário, ou ainda, a nível mais amplo, nas suas conseqüências sobre a composição e a dinâmica da estrutura de classes sociais, e em particular na estrutura da classe dirigente, as estatísticas disponíveis mostram-se demasiado insuficientes.

O exame que se segue situa-se no terreno descritivo de um inventário de informações disponíveis ou em implementação por parte de instâncias de governo e que direta ou indiretamente exprimam o fenômeno da rotatividade empresarial.

Ao final da descrição, o leitor encontrará considerações - meramente a título de exercício - de refinamentos de análise econômica e social que se tornariam possíveis caso as várias agências de governo inter-relacionassem (e divulgassem) os dados que permanente ou periodicamente recolhem a respeito do parque produtivo, da população, da estrutura da renda pessoal e da propriedade jurídica do capital. Essas considerações são feitas abstendo-se o autor de exame crítico mais aprofundado das razões objetivas que fazem com que as estatísticas de governo não estejam a salvo das injunções de interesses dominantes que reclamam discrição e ocultamento, seja por meio puro e simples do impedimento legal à divulgação (como é o caso das informações ao fisco cujo tratamento ameace identificar o contribuinte) seja por meio da impossibilidade de se associar dados de fontes diversas e relativos a dimensões entre si articuladas, tais como produção física, propriedade jurídica, renda pessoal e familiar e características demográficas de indivíduos ou famílias.

O relato descritivo obedece à seqüência das fontes consultadas, por meio do exame de publicações e de entrevistas com técnicos envolvidos em sua organização e análise.

2. INSTITUIÇÕES DE ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA

Dividem-se, segundo o nível de governo, em secretarias municipais de finanças, secretarias estaduais da Fazenda e Ministério da Fazenda. No nível municipal, o cadastro de empresas tem por fim organizar a cobrança do imposto sobre serviços (ISS), a par da variada série de taxas, abrangendo os empreendimentos total ou parcialmente prestadores de serviços, aí incluídos os escritórios ou consultórios de profissionais liberais ou autônomos. Seu universo é assim restrito ao setor terciário da economia. No âmbito dos governos estaduais o cadastramento para lançamento fiscal incide sobre as empresas que transacionam mercadorias e que devem pagar o imposto sobre circulação de mercadorias, isto é, sobre as empresas industriais e/ou comerciais, sejam estas atacadistas ou varejistas. Ao nível federal o Cadastro Geral de Contribuintes, do Ministério da Fazenda, vem a ser a fonte mais abrangente, porquanto a lei obriga o registro a todas as firmas, independentemente da natureza de sua atividade.

Para este estudo de fontes foram consultadas a Secretaria das Finanças do Município de São Paulo, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo e a Delegacia Regional do Ministério da Fazenda em São Paulo (e também seu Centro de Informações Sócio-Econômico-Fiscais - CIEF, sediado no Rio de Janeiro).

Os dados sobre os contribuintes das repartições fiscais tendem a limitar-se aos seguintes: número de CGC, localização, endereço, razão social, natureza jurídica, atividade principal, faixa de capital, nome do responsável perante o fisco, data de inscrição, revalidação, cancelamento, alteração e baixa. Podemos assinalar, na ordem de importância, as seguintes restrições extensivas a todos os cadastros fiscais.

a) O caráter recente dos cadastramentos fiscais realmente abrangentes e do processamento eletrônico da informação. Por exemplo, a Secretaria das Finanças do Município recadastrou seus contribuintes em 1973, ano em que também a nível federal ocorreu recadastramento de porte no Ministério da Fazenda. A Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo reforçou seu cadastro em 1966. Os técnicos do setor nos três níveis de governo são unânimes em afirmar o caráter pouco abrangente dos cadastros em relação ao público de contribuintes potenciais até essas iniciativas de recadastramento. Além disso, as campanhas de cadastramento ou de recadastramento, embora forneçam à autoridade fiscal informação segura quanto ao número e potencial tributário dos contribuintes, não implicam reforço dos registros sobre o passado da empresa, na medida em que chegam mesmo a dispensar informações sobre a data de instalação da empresa matriz ou filial, satisfazendo-se em registrar o ano de inscrição. Assim, tomar o fluxo de inscrição e baixas como indicador do movimento de criação e extinção de empresas seria precário, inflando os números tanto de inscrições como de baixas durante os períodos das campanhas.

b) A elevada margem de firmas inativas ou omissas nos cadastros. A proporção dos inativos nos cadastros fiscais não é constante, mas flutua conforme os "apertos" promovidos pelos órgãos de arrecadação tributária e segundo as iniciativas de cobrança automática de impostos independentes de declaração. No CGC/MF haveria atualmente uma margem de 7 a 8% de firmas inativas sem a respectiva baixa, percentual que chega a 25% no caso da Secretaria das Finanças do Município, declarando o técnico da Secretaria da Fazenda do Estado um percentual de 30% de omissos entre seus contribuintes. Um dado retirado do Anuário Econômico-Fiscal de 1977, do Ministério da Fazenda, assinala o expurgo por iniciativa do governo (baixa ex-officio) de 25,5% dos contribuintes inscritos, proporção essa bastante superior à dos cancelamentos por iniciativa do contribuinte, que naquele ano representaram 16,7% do total de firmas.

c) A ausência ou pouca fidedignidade de informações sobre os motivos do cancelamento da inscrição. As instâncias fiscais, com exceção do Ministério da Fazenda, não solicitam informações sobre os motivos de pedidos de cancelamento de inscrição das firmas. O Ministério da Fazenda introduz um conjunto de alternativas para o contribuinte preencher, distinguindo entre falências, incorporações, fusões, extinção, liquidação, não-início de atividades. O cotejo dos resultados desse quadro em relação ao tamanho das empresas,2 2 Cf. Ministério da Fazenda, Anuário Econômico Fiscal, 1977. medido em faixas de capital - único resultado divulgado pelo órgão - indica que 58% do total de firmas baixadas assinalaram "extinção", menção vaga, que, segundo os técnicos do setor, é muitas vezes preenchida por comodidade. Embora esses dados, apesar da presumida resposta "por comodidade", sejam de interesse por exprimir as razões do pedido de exclusão do cadastro, não existem eles senão para um período de quatro exercícios fiscais, posto que são dados solicitados a partir de 1973, sendo que o último anuário publicado (até fins de 1979), refere-se ao ano fiscal de 1976.

d) O caráter reservado da declaração fiscal e a finalidade repressiva dos estudos internos sobre contribuintes. Os trabalhos de análise da evolução da população de contribuintes elaborados pelos próprios órgãos fiscais são geralmente encomendados, tendo em vista refinar malhas capazes de detectar tendências a sonegação, e por isso não são de acesso fácil ao público. De qualquer forma, prevalecem restrições quanto ao manejo livre dos cadastros fiscais tendo em vista as garantias que a lei confere ao sigilo sobre as declarações de renda e demais informações sobre as empresas, sob a guarda da autoridade tributária.

3. O REGISTRO DE COMÉRCIO

O Registro de Comércio está, para as empresas, como o Registro Civil para as pessoas naturais. Por suas atribuições legais, compete às instâncias primárias do Registro do Comércio, que são as Juntas Comerciais, apreciar e arquivar os atos jurídicos que dão início legal às iniciativas econômicas e suas alterações posteriores, tais como mudanças na atividade da empresa, composição societária, etc, até os atos finais que, conforme o tipo jurídico adotado pela empresa, marcam o encerramento de suas atividades. Consideradas em suas atribuições jurídicas, as Juntas Comerciais são, portanto, a fonte por excelência para exame do fluxo de criação e extinção de empresas. Todavia, o caráter cartorial antiquado, que até recentemente era imprimido ao serviço de registro executado pelas Juntas Comerciais, não permitia a geração de estatísticas fiéis e atualizadas a esse respeito. Talvez a limitação mais flagrante esteja no fato de que, até a implementação, ainda em curso, das mudanças instituídas no Registro de Comércio pela Lei n.º 4.726, de 1965, as firmas não contassem, nos arquivos das Juntas Comerciais, com dossiês unificados que dessem conta das características que compete às Juntas anotar, tornando necessário levantamento especial para cada empresa que se quisesse estudar.3 3 Além disso, restringem-se as Juntas Comerciais aos empreendimentos classificáveis como de finalidade mercantil, excluindo as sociedades civis com ou sem finalidade econômica, que devem iniciar-se e encenar-se legalmente nos cartórios de registros de títulos e documentos, que estão sob a supervisão do Poder Judiciário, por intermédio da Corregedoria Geral da Justiça. Esta, por sua vez, não compila ou divulga os dados agregados desse grupo enorme e diversificado que são as empresas de serviço.

Deve-se agora pensar nas mudanças em curso, quanto à sistemática de coleta de informações sobre empresas. A principal delas diz respeito ao sistema de informação do Registro de Comércio sob direção do Departamento Nacional do Registro de Comércio, do Ministério da Indústria e Comércio, atualmente em implementação.

O programa de modernização do Registro de Comércio prevê a padronização de arquivos das Juntas Comerciais, por meio de microfilmagem dos documentos arquivados e montagem de um Cadastro mais completo das empresas do País, subdividido em quatro grandes tópicos de informações que passam a ser exigidas através da imposição de quatro fichas elaboradas para processamento eletrônico.

Na primeira ficha, de Identificação da Empresa, cada firma que se constitui recebe um número, o NIRC (N.º de inscrição no Registro de Comércio), que é conferido uma única e definitiva vez a determinada empresa; é diferente portanto do número de CGC que, uma vez liberado pela empresa após baixa no Ministério da Fazenda, é atribuído a outra firma. Além disso, o NIRC é número atribuído somente às empresas mercantis, excluindo-se toda uma série de associações culturais, recreativas, obras de caridade, etc, que devem dispor de CGC para funcionamento. Além dos dados de identificação, compreendendo o nome comercial, nome de fantasia, grupo empresarial a que eventualmente pertença, endereço completo, tipo jurídico adotado, há registro codificado das atividades a que pretende dedicar-se, segundo os códigos da FIBGE, além de informações discriminadas quanto ao montante do capital e à origem - nacional ou estrangeira - desse capital.

Na segunda ficha, de Dados dos Administradores e dos Membros do Conselho Fiscal, reúnem-se informações individualizadas a respeito das pessoas que vão dirigir a firma, discriminando-se sua profissão, naturalidade e nacionalidade e sua função, se de administradores ou de membros de conselhos fiscais. A cada nome de pessoa aí anotado pede-se o correspondente número de CPF, ou seja, o sistema prevê a possibilidade de cruzamento de informações com o cadastro de pessoas físicas do Ministério da Fazenda, tornando possível o relacionamento de patrimônio e renda das empresas com patrimônio e renda de seus diretores e/ou sócios proprietários. Essa ficha é, pois, um Quem é quem na empresa, qualificando procuradores, diretores, representantes legais (no caso de empresas estrangeiras) e gerentes, no caso das sociedades limitadas.

A terceira ficha, que dá o Quadro Societário, Principais Acionistas ou Empresas Coligadas, obriga à discriminação dos acionistas (sejam pessoas físicas ou jurídicas), informando assim do quadro de acionistas que detêm até 60% do capital votante da empresa. A inclusão de dados relativos a CPF, no caso de pessoas físicas, e do CGC e NIRC das empresas coligadas, permitirá estabelecer, sem dificuldades operacionais, as relações de dependência econômica juridicamente estabelecidas entre as empresas.

Finalmente, a última ficha inventaria as empresas que antecederam, que controlam ou que estão consorciadas à empresa que pede inscrição no Registro de Comércio - é a ficha de Controladas, Consorciadas e Antecessoras, que, a partir dos números de NIRC de cada empresa anotada, permitirá restabelecer a rede de relações de participação e de dependência econômica entre empresas.

Pela nova sistemática, associa-se a concessão do CGC ao registro comercial, posto que doravante ele passa a ser conferido nas Juntas Comerciais, por ocasião da constituição de novas pessoas jurídicas. Dessa forma, o entre-cruzamento de informações capaz de associar empresas presentes a passadas, reconstruindo a rede de iniciativas e participações concomitantes e sucessivas do mesmo empresário dirigente e/ou investidor, poderá (e parece que já se trata do assunto) ser ligado ao inventário de estabelecimentos dos censos econômicos, que por sua vez levanta o fluxo real de recursos empregados na produção, o pessoal empregado e o produto resultante, fechando o circuito de informações fundamentais para conhecimento mais aprofundado da dinâmica empresarial.

O critério adotado para implantação do Cadastro Nacional de Empresas, a partir de janeiro de 1978, quando o preenchimento das fichas se tornou obrigatório, foi o de começar pelas empresas que suscitam as Juntas Comerciais para constituição, alteração contratual e arquivo de outros documentos.

Segundo informações colhidas no DNRC, o Cadastro deverá estar abrangendo o universo todo das firmas ativas até o final de 1981, uma vez que se pretende proceder a um "chamamento" de empresas, oferecendo-se certificado de regularidade que se tornará obrigatório para habilitação a concorrências públicas. Além disso, as empresas serão convidadas por carta a preencher os formulários. Cogita-se também de ameaçar com o cancelamento de registro as firmas que não devolverem os formulários preenchidos. Outro aspecto da bateria de fichas do CNE é que a partir delas poder-se-ão discriminar melhor os motivos de extinção de empresas, na medida em que se vai indagar em cada pedido de registro ou arquivamento se se trata de: constituição de sede, incorporação, transformação, fusão, sucessão ou abertura de filial, criação de agência ou sucursal, levantamento de concordata, reabilitação, registro de consórcio, concordata, falência, distrato, extinção, dissolução, liquidação, proteção ao nome comercial ou alteração de outros dados quaisquer. Quanto menos, deverá reduzir bastante a proporção de empresários de firmas extintas e de paradeiro desconhecido, uma vez que, dedicando-se eles com muita freqüência a novas empresas,4 4 Segundo evidência recolhida no estudo divulgado sob o título Pequena e média empresa no Brasil, de H. Rattner, J. C. Durand, S. Miceli e L. M. Rodrigues, São Paulo, Editora Símbolo, 1979. seu endereço estará automaticamente atualizado, e sua pessoa identificada pelo CPF.

No momento, o estádio ainda incipiente de implantação do Cadastro Nacional de Empresas e o "inchamento" do cadastro antigo pelas inúmeras firmas inativas sem baixa (o cadastro antigo compreende um total de mais de quatro milhões de empresas, entre sociedades e firmas individuais), tornam inoportuna uma tentativa imediata de aproveitamento dos dados para análise. Segundo os registros de constituições (de empresas) relativos ao primeiro semestre de 1978 e de 1979, temos um total de 103.871 firmas individuais constituídas e 68.708 companhias limitadas que, em seu conjunto e para o total dos dois anos, deve alcançar cerca de 350.000 empresas; tendo em conta o ritmo estimado de implantação do cadastro ao universo provável de 1,8 milhão de empresas existente no Brasil, é possível prever para fins de 1981 um nível de abrangência que autorize estudos quantitativos com intenções de generalização.

4. A FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA

A FIBGE, órgão central de recenseamento demográfico, sócio-cultural e econômico a nível nacional, recolhe, nos censos econômicos decenais e nas pesquisas anuais, informações a respeito do número de empresas, de estabelecimentos e uma série de indicadores de tamanho, custos, valores consumidos e produzidos, fornecendo os dados em séries desde o início do século.

A sistemática da FIBGE está voltada, mediante levantamentos conduzidos diretamente por ela através da remessa de questionários às empresas, para os estabelecimentos em atividade em determinado ano. A respeito de encerramento de empresas a FIBGE não recebe informações do registro de comércio ou das repartições fiscais, e todos os dados que fornece são obtidos em sua coleta primária.

No que se refere às estatísticas de estabelecimentos, mencione-se que os dados não exprimem rigorosamente o número de iniciativas econômicas, pois computa como estabelecimento novo - por exemplo, na indústria - qualquer etapa do processo produtivo em relação à qual os informantes estejam capacitados a prestar a bateria de dados que o questionário solicita. Assim, por exemplo, uma empresa do ramo têxtil que se dedique a fiação, tecelagem e estamparia poderá ser inventariada três vezes se ela dispuser, para cada fase, de dados sobre valor da produção, volume produzido, capital aplicado, energia consumida, despesas com salário, etc; ou, ainda, poderá ser inventariada mais vezes se alguma dessas atividades for realizada em mais de um local.

Embora no geral o número de estabelecimentos esteja historicamente bem próximo do número de empresas, dado o predomínio maciço das pequenas e médias firmas (variando no conjunto de 1,1 a 1,2 estabelecimentos/empresa), no espaço das grandes organizações a média sobe a 2,5, segundo exemplo de levantamento amostral conduzido pela própria FIBGE em 1974, que analisou 5 mil estabelecimentos pertencentes a 2 mil empresas. Assinale-se ainda que, embora esclareça sobre as características dos estabelecimentos industriais quanto à produção e mão-de-obra empregada, entre outras informações, e sobre o número de empresas e sua figura jurídica, a FIBGE, segundo técnico consultado, não tem meios no questionário até hoje aplicado de reunir a totalidade dos estabelecimentos de uma mesma empresa, relacionamento importante para rastrear o processo de concentração econômica ao nível comercial e financeiro, e não apenas no âmbito da produção.

Segundo o mesmo técnico informante, a FIBGE somente em época recente tem-se voltado para uma revisão crítica mais aprofundada dos indicadores econômicos; a expansão de sua Divisão de Estatísticas Derivadas (setor analítico distinto da seção incumbida da coleta imediata da informação) para os assuntos econômicos data de cinco anos atrás; até então apenas os dados demográficos e geográficos eram objeto de elaboração interna e de revisão constante.

5. O INSTITUTO GASTÃO VIDIGAL

O Instituto Gastão Vidigal, da Associação Comercial do Estado de São Paulo, organiza, desde 1969, indicadores de requerimentos de falência e pedidos de concordata relativos à Capital e ao Estado de São Paulo, valendo-se das informações divulgadas pelo Poder Judiciário e publicadas no Diário Oficial. Classifica esses dados por setor de atividade da empresa concordatária ou em processo falimentar distinguindo entre indústria, comércio, serviços e confecções (transformação e comércio), classificando ainda por ramo dentro de cada setor. Faz a compilação com a finalidade primeira de informar a massa de credores e de fornecedores e clientes de modo geral.

Embora seus resultados venham sendo aceitos como indicador do grau de insolvência das empresas, é preciso assinalar que eles abrangem apenas os casos de insolvência provisória ou definitiva que dão ensejo ao recurso de apelo ao Judiciário; sabe-se, porém, que esses casos compreendem parcela pouco significativa do total de empresas que se extinguem. Apenas para regular proporções, mencione-se que, enquanto o Instituto Gastão Vidigal registrava 2.707 empresas afetadas por requerimentos de falência e 148 por pedidos de concordata em 1976, no mesmo ano eram excluídas 204.873 pessoas jurídicas do Cadastro Geral de Contribuintes do Ministério da Fazenda da região fiscal relativa ao Estado de São Paulo.

5.1 Observação sobre o estado geral dos dados

O pesquisador interessado em investigar o fluxo de iniciativas econômicas formalizadas em empresas juridicamente constituídas, bem como o correspondente refluxo de empresas que chegam a termo por insolvência ou não, e, a partir daí, de relacionar esse movimento de homens e de capitais a outras dimensões, como a distribuição da, propriedade e do acesso à propriedade e ao controle dos meios de produção, e finalmente à estrutura da distribuição da renda e da composição do consumo, o pesquisador, repito, vê-se pouco favorecido pelo modo estanque como até agora vêm sendo compilados e apresentados os dados básicos sobre empresas e empresários a nível das estatísticas básicas a cargo do aparelho de Estado. Antes que de uma simples precariedade de informações, está-se em presença de uma impossibilidade de articulação entre três ordens ou dimensões:

a) dimensão da produção. O porte e as características setoriais e regionais do parque produtivo e seus correspondentes fluxos de recursos materiais, financeiros e humanos, dimensão essa que tem nos censos econômicos oficiais (censo industrial, comercial e de serviços), o seu inventário principal, costuma ser completado por inúmeros inquéritos de iniciativa governamental e/ou privada; porém, essa dimensão, que é a da estrutura da produção, ordinariamente é inventariada a partir das informações fornecidas pelos responsáveis mantendo como ponto de referência o estabelecimento produtivo efetivamente em funcionamento, sem recolher os informes capazes sequer de reunir o conjunto de estabelecimentos de uma mesma empresa, isto é, o conjunto de propriedades dos mesmos indivíduos ou sociedades de indivíduos. Tal como apresentada é, pois, um parque produtivo e uma massa de produção socialmente anônimos;

b) dimensão da população e do consumo. O volume e a composição multivariável da população, que são captados pelos censos demográficos, a partir da unidade "domicílio residencial", informa também de modo estanque o número das pessoas que no momento do censo habitam o domicílio e as qualifica por idade, sexo, ocupação, escolaridade e renda, entre outras características, não permitindo que se possam associar entre si as pessoas inventariadas em determinado domicílio e muito menos de associar as partes de uma mesma família ampla (por exemplo, pais e filhos adultos que comumente habitam domicílios diversos). Assim, a estrutura da população das pessoas físicas registradas pelos censos demográficos não pode ser imediatamente referida à estrutura da produção anteriormente descrita;

c) dimensão da propriedade e da apropriação da renda. O nível dos registros jurídicos que regimentam os direitos e responsabilidades sobre o controle e o usufruto dos recursos e bens sob o regime da propriedade privada (o aparelho judiciário e o registro de comércio) e dos controles fiscais que têm em vista promover a realocação de renda entre grupos e classes sociais, entre a esfera privada e a pública, constituem, ao menos teoricamente, o reservatório de dados capaz de revelar a estrutura da propriedade e portanto de fazer ponte entre as duas dimensões: a da produção e a da população e do consumo. O universo das pessoas jurídicas, enquanto expressão da propriedade de recursos e das alianças de capitais e de interesses entre indivíduos e grupos, e da regulamentação desses interesses a ponto de permitir o curso da atividade produtiva e do fluxo de rendas e insumos, é, pois, instância privilegiada de informação sobre o poder de mando e sobre a apropriação da renda econômica. Assim, o descompasso e/ou a incomunicabilidade entre os inventários oficiais sobre a estrutura da produção e da população, de um lado, e os cadastros de registros de declaração de renda das empresas, de outro lado, não acontecem por acaso; justificam-se antes pelas injunções de interesses que estatuem a nível legal e consensual os limites de respeito ao domínio do privado e a discrição exigida da autoridade fiscal ou censitária, que não pode, por lei, publicar informação qualquer que individualize o informante ou facilite sua identificação. Não é possível, pois, deixar de relacionar a escassez de informações exigidas nos cadastros fiscais e o campo de censura quanto à divulgação de seus dados às resistências dos grupos privilegiados em tornar pública sua vida econômica, e, por que não, de remeter assim uma parcela certamente grande de lucros à circulação clandestina, através de práticas reativas às iniciativas tributárias. Entre tais práticas, provavelmente as mais visíveis seriam a omissão de declaração de renda, a subestimação dos resultados financeiros, a não declaração de receitas de origem duvidosa, as transformações e doações fictícias e as tantas modalidades de fuga à tributação que o engenho dos advogados e dos contadores se incumbe de criar e renovar ao compasso das investidas fiscais do governo. Não é possível também deixar de associar tais injunções de interesses ao fato de que até há pouco mais de uma década a sonegação de impostos pelas empresas fosse mais regra do que exceção, lembrando-se que ainda hoje a sonegação das parcelas devidas pelas empresas ao fundo de garantia por tempo de serviço é prática bastante comum.

Sem dúvida que os aperfeiçoamentos ora em implementação no Cadastro Nacional de Empresas deverão gerar informações capazes de revelar o ritmo real de criação e extinção de empresas bem como identificar os proprietários ou sócios proprietários das firmas existentes. A combinação ora em curso dos números dos cadastros fiscais de pessoas naturais e jurídicas com o número da empresa no registro de comércio deverá proporcionar, por sua vez, possibilidade de relacionar patrimônios e rendas individuais bem como propriedade e controle sobre empresas. Assim, a título de exercício, pode-se sugerir outras associações de dados de cadastros e inventários globais suscetíveis de revelar tendências de modo mais fiel e completo. Por exemplo:

a) os censos econômicos da FIBGE, uma vez que introduzam o registro, para cada estabelecimento industrial, comercial ou de serviços recenseado, o NIRC (Número de Inscrição no Registro de Comércio) da empresa a que corresponde, permitirão não só reunir, para fins de análise, o conjunto de estabelecimentos de uma mesma empresa, como relacionar o porte e o valor da atividade econômica, do estabelecimento e da empresa à rede de propriedades e às demais características anotadas pelo registro de comércio;

b) uma vez que seja possível, nas declarações de bens que fazem parte das declarações de renda das pessoas físicas, registrar o valor real dos patrimônios individuais, e não apenas por valores históricos como até o momento se faz, ficará viável uma análise que associe a propriedade e controle sobre empresas ao enriquecimento individual, revelando a trama de transferências de recursos entre ramos de negócio e o destino dos recursos gerados nas atividades produtivas;

c) uma vez que os censos demográficos da FIBGE possam registrar, para a população adulta, o número de cadastro fiscal (CPF) do informante, e estabelecer meios de se reconstituir as redes de relação familiar nos domicílios inventariados, será possível referir a estrutura da produção e da propriedade à estrutura da composição familiar e do consumo dos grupos e classes que controlam a produção;

d) a possibilidade de associação entre os números NIRC e do CGC tornará viável cotejar as transformações societárias com os aportes de capital, e examinar por meio das últimas declarações de renda das firmas que se extinguem, seu estado real de solvência, visto que no momento a insolvência é indicada de forma insuficiente, ou seja, apenas pelos índices de falência e concordata, sem inclusão das firmas cujo encerramento não é decidido sem a intervenção do poder judiciário.

O autor reconhece a atenção recebida da parte de técnicos e/ou diretores da Junta Comercial do Estado de São Paulo, do Departamento Nacional de Registro de Comércio, do MIC, da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, da Delegacia Regional do Ministério da Fazenda e do seu Centro de Informações Econômico-Fiscais. Agradece, também, a colaboração da FIBGE, da Secretaria de Finanças da PMSP e do Instituto Gastão Vidigal.

  • *
    Este estudo contou com subsídio financeiro oriundo do convênio FINEP/EAESP.
  • 1
    Tomar índices de estabelecimentos por empresas é válido uma vez sabido que a relação estabelecimento/empresa é muito baixa na economia brasileira, sendo de 1,1 na indústria.
  • 2
    Cf. Ministério da Fazenda,
    Anuário Econômico Fiscal, 1977.
  • 3
    Além disso, restringem-se as Juntas Comerciais aos empreendimentos classificáveis como de finalidade mercantil, excluindo as sociedades civis com ou sem finalidade econômica, que devem iniciar-se e encenar-se legalmente nos cartórios de registros de títulos e documentos, que estão sob a supervisão do Poder Judiciário, por intermédio da Corregedoria Geral da Justiça. Esta, por sua vez, não compila ou divulga os dados agregados desse grupo enorme e diversificado que são as empresas de serviço.
  • 4
    Segundo evidência recolhida no estudo divulgado sob o título
    Pequena e média empresa no Brasil, de H. Rattner, J. C. Durand, S. Miceli e L. M. Rodrigues, São Paulo, Editora Símbolo, 1979.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1981
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