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From peasant to farmer: a revolutionary strategy for development

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Henrique Rattner

From peasant to farmer: a revolutionary strategy for development

Por Raanan Weitz. New York, London, Columbia University Press, 1971. 292 p.

Os problemas das sociedades subdesenvolvidas, suas origens e hipotéticas soluções têm-se imposto como assunto central das preocupações acadêmicas e políticas nas últimas décadas. Recursos e esforços vultosos foram investidos no estudo dos fenômenos do subdesenvolvimento e na elaboração de planos e projetos concretos, destinados a modificar as condições socioeconômicas dos países pobres.

Entretanto, uma avaliação criteriosa dos resultados desses esforços sugere que a compreensão do processo de desenvolvimento é ainda bastante vaga e, freqüentemente, permeada de mitos e falácias. Não se admira, portanto, que os tremendos esforços de induzir e dinamizar as economias dos países subdesenvolvidos tenham resultado em decepções e, não raramente, em fracassos.

Fato é que, ao ingressarmos no último quartel do século XX, aproximadamente 70% da população mundial que vive em mais de 100 países-membros das Nações Unidas apresenta uma renda per capita inferior a US$ 250,00 por ano, insuficiente para prover as necessidades básicas de vida. Mais grave ainda, em que pese a ilusão das médias aritméticas, as perspectivas de uma melhoria a curto prazo são praticamente nulas.

O processo de urbanização nos países em desenvolvimento levou à hiperconcentração das populações nos maiores centros urbanos, freqüentemente em um único centro urbano do país (cidade-primata ou área metropolitana). É esse tipo de urbanização caótica e não controlada que se constitui em um dos maiores impecilhos à organização econômica e política das nações emergentes.

O livro de Raanan Weitz pode ser considerado como uma nova tentativa de equacionar e resolver os problemas mais urgentes dos países em desenvolvimento. Sua tese central afirma o enorme potencial do setor agrícola para induzir o processo de desenvolvimento nos países pobres, e aponta a necessidade de formular e desenvolver coordenadamente novos programas visando estimular uma rápida expansão e aceleração da produção e distribuição de alimentos.

O autor do estudo é presidente do Centro de Colonização Agrícola em Rehovoth, Israel, com larga experiência em planejamento e desenvolvimento rural naquele país, onde esteve associado à fundação de mais de 500 colônias agrícolas nas últimas décadas. O livro, todavia, se baseia também em trabalhos de campo realizados por Weitz e suas equipes no Ceilão, Grécia, Espanha, Turquia, México e no Nordeste do Brasil.

Praticamente, todos os autores que tratam do desenvolvimento econômico o concebem como um processo de "acumulação primitiva", cujas fontes se restringem à impossibilidade de recorrer à espoliação de colônias em nossa época, à mais-valia produzida pelos operários e/ou os recursos extraídos do setor agrícola da respectiva sociedade. Caracterizado por Marx como "burro de carga" da civilização, a população rural se torna de fato o elemento básico no processo de acumulação de capital, tanto nos modelos de desenvolvimento ocidentais quanto nos da Europa oriental. Essa opção "política" dos caminhos de desenvolvimento procura legitimação numa concepção dualista e, a nosso ver, falaciosa, do desenvolvimento e de seus principais fatores e constrangimentos. Partindo-se de uma visão dicotômica da sociedade, em que o progresso resultaria da invasão e transformação do setor rural pela dinâmica urbana e industrial, o desenvolvimento da agricultura tem sido equacionada como problema de introdução de uma tecnologia moderna, ou seja, capital-intensiva, no campo. Todavia, admitindo-se que, com cada "tecnologia" está associado um determinado nível de produção e de emprego da mão-de-obra, fica evidente o falso dilema produzido pela oposição de desenvolvimento industrial ao desenvolvimento agrícola. Tal colocação está baseada em um postulado falacioso, segundo o qual seria necessário "primeiro crescer, para depois distribuir". Ora, a experiência de três décadas de "desenvolvimento" mostra que essa distribuição dos frutos do desenvolvimento não pode ser concebida como atividade "residual" do processo de crescimento. A própria forma e o marco político em que se desenrolam os processos de transformação econômica e social da sociedade serão decisivos para a consecução do objetivo central e último do desenvolvimento - uma sociedade justa e harmoniosa. Entretanto, os modelos teóricos e as políticas práticas de desenvolvimento econômico, nos países situados no mundo capitalista e na maioria do campo "socialista" atribuem ao setor agrícola, caracterizado geralmente como tradicional, arcaico e retrógrado, uma série de funções auxiliares, porém subordinadas ao crescimento do setor urbano-industrial, dinâmico e moderno.

Dentro dessas funções se destacam:

a) o fornecimento de contingentes de mão-de-obra ao setor urbano em expansão;

b) o fornecimento ao mesmo de matérias-primas e produtos alimentícios;

c) o carreamento de divisas fortes, resultado da exportação de produtos agrícolas;

d) a transferência de capitais do setor agrário para o setor industrial, mais dinâmico e mais rentável;

e) a formação de um mercado consumidor, elevando a demanda por produtos manufaturados pelo setor industrial.

Essa visão do setor agrícola como um meio para um fim, embora possa ter função ideológica e política, peca em sua abordagem metodológica porque o sistema econômico é uno e seus setores são profundamente interdependentes. Em conseqüência, a espoliação da população rural nunca poderá levar ao desenvolvimento "nacional".

Raanan Weitz, solidamente ancorado em sua experiência de campo, propõe uma nova estratégia de desenvolvimento, baseada na premissa de que o ciclo de crescimento e a expansão econômica devem iniciar-se na área rural. O autor é taxativo a esse respeito - nenhum desenvolvimento nacional real ocorrerá enquanto não for assegurado o desenvolvimento da agricultura.

Os motivos para promover o crescimento da produção agrícola são fundamentados não somente na situação dramática de dezenas de milhões de seres humanos aflitos pela fome e desesperados mas também na convicção de que os costumes, valores e tradições da população rural e de suas comunidades possam prover um quadro fundamental, a partir do qual um programa de mudanças pode ser firmemente implantado.

Conseqüentemente, também uma estratégia revolucionária para a urbanização e o desenvolvimento industrial é proposta pelo autor. Seu princípio básico implica o desenvolvimento concomitante da indústria com a agricultura, mediante a dispersão e descentralização dos estabelecimentos industriais nas áreas urbanas e rurais. Concretamente, a política de industrialização deve ser reformulada, transferindo-se os investimentos das áreas metropolitanas para uma rede nacional de cidades "rurais". Em apoio a sua estratégia proposta, Weitz apresenta modelos concretos daquelas indústrias que poderiam ser adaptadas às áreas rurais.

Na primeira parte do livro, o autor trata de três condições consideradas essenciais para o desenvolvimento da agricultura: em primeiro lugar, analisa as transformações de estrutura agrária necessárias para atender a demanda crescente por produtos agrícolas. Em seguida, trata dos serviços de extensão rural e de assistência aos agricultores e suas comunidades rurais, visando seu ajustamento à estrutura agrária em mudança. Finalmente, desenvolve suas idéias quanto à criação de um meio-ambiente externo necessário para apoiar o desenvolvimento agrícola e industrial, dentro de um sistema descentralizado de centros funcionais.

A realização dessa última pré-condição é das mais difíceis porque envolve mudanças na estrutura institucional e política das comunidades rurais existentes. Contudo, Weitz acredita que os agricultores, embora acostumados durante gerações à "tradição rural", estarão dispostos a mudar suas atitudes, interesses e métodos de trabalho. A fim de conseguir mudanças dessa ordem, seria necessário conhecer e considerar os aspectos socioculturais da população rural, seus valores e sua "visão do mundo", para poder inspirá-los e motivá-los em função dos programas de desenvolvimento.

Admitindo-se a validade deste enfoque, surge todavia o problema de como passar de uma diretriz bastante vaga e generalizada para normas práticas e detalhadas de operacionalização, em todos os níveis de atividades desenvolvimentistas, desde os ministérios de planejamento e secretarias de governos, até os instrutores e técnicos de extensão rural, na comunidade agrícola.

Na segunda parte do livro, o autor propõe um novo conceito para o planejamento regional de desenvolvimento, definido como "função cruzada". Sua aplicação facilitaria a elaboração de métodos e de uma estrutura organizacional indispensáveis para a implementação de um plano de desenvolvimento, desde sua fase de concepção e formulação até as de execução e avaliação dos resultados.

Escrito num estilo sóbrio e muito bem documentado, o livro de Weitz impõe-se como leitura obrigatória em todos os cursos e programas atinentes a problemas de desenvolvimento econômico e social.

Instrutivo e estimulante, a obra deixa o leitor, contudo, com dúvidas: o desenvolvimento econômico dependeria apenas do volume e proporção de recursos disponíveis para investimentos ou, essencialmente, dos desígnios e planos de quem queira controlar esses recursos? Ou, em outras palavras, as mudanças pretendidas mediante inovações técnicas poderiam ser conseguidas independentemente do poder político?

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 1975
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