Acessibilidade / Reportar erro

O planejamento do desenvolvimento

ARTIGOS

O planejamento do desenvolvimento

Edward S. Mason

Professor de Economia da Universidade de Harvard

"O planejamento econômico adequado é aquele que é capaz de fazer do plano uma reunião equilibrada de esforços e responsabilidades, com a finalidade de alcançar objetivos perfeitamente definidos." - ARY BOUZAN

No mundo moderno a simultânea existência de países desenvolvidos e países subdesenvolvidos tem sugerido aos generosos e esperançosos cidadãos dêstes e daqueles que a pobreza de uns pode ser curada pela transferência rápida, sistemática e em grande escala, da tecnologia que para os outros tenha produzido grandes riquezas.

O desenvolvimento, entretanto, não é uma questão pura e simples de tecnologia. Nas palavras de um observador, o mundo subdesenvolvido não pode "importar a revolução industrial, simplesmente instalá-la como se fôsse u'a máquina e fazê-la funcionar". A disponibilidade de tecnologia industrial moderna é fato de grande importância; deverá permitir que as nações em desenvolvimento não venham a passar por tôdas as dificuldades experimentadas pelos países ocidentais quando da realização de seu crescimento auto-sustentado. Mas a colocação em uso efetivo dessa tecnologia necessita de alguma coisa a mais do que unicamente tomá-la emprestada.

Em primeiro lugar, o empréstimo implica em relações econômicas e políticas, bem como culturais, entre o país que o recebe e o país que o cede. Nos estágios econômicos em que se encontram, a maioria dos países em desenvolvimento dependem, em muito, dos capitais estrangeiros. Todavia, seus credores não podem realisticamente esperar que êsses países venham a repetir os modelos de desenvolvimento do passado, com acordo prévio e preestabelecimento do alvo a ser alcançado.

Os países em desenvolvimento chegaram ao estágio atual depois de terem passado por diferentes circunstâncias históricas e econômicas. Entre êles incluem-se alguns dos mais antigos e outros dos mais jovens; alguns dos maiores em extensão territorial e em população, e alguns dos menores. Uns enfrentam acentuada superpopulação, outros com subpopulação, e todos com elevado índice de crescimento populacional; é enorme entre êles a diferença da relação população-recursos. Um grupo de países subdesenvolvidos, principalmente os ricos em petróleo, dispõe de produtos que podem ser exportados para efeito de obtenção de recursos para financiamento do desenvolvimento; muitos outros encontram dificuldades para reunir excedentes agrícolas para exportação. As perspectivas de desenvolvimento entre os países subdesenvolvidos diferem tanto quanto as condições das quais êsse desenvolvimento se originou.

De maneira geral, pode-se dizer que êsses países são caraterizados, predominantemente, por economias de livre emprêsa. Mesmo assim, em todos êles, sem exceção, o govêrno está tentando desempenhar, no processo de desenvolvimento, papel substancialmente maior do que o exercido pelo govêrno das nações ocidentais quando nos estágios correspondentes de desenvolvimento.

Parece que poucos são os países subdesenvolvidos sem um plano-de-desenvolvimento quadrienal, qüinqüenal ou mesmo sexenal. Ainda assim, na maioria dessas nações pouca relação perceptível existe entre as finalidades estabelecidas no plano e o que de fato se consegue realizar. Não obstante, as várias considerações objetivas e ideológicas que condicionam a maneira de tratamento para o desenvolvimento dos países subdesenvolvidos merecem atenciosa compreensão dos cidadãos dos países que os precederam na revolução tecnológica.

PRESSUPOSTOS DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

O desenvolvimento econômico pressupõe um conjunto de instituições, hábitos, incentivos e motivações tais, que os fatores aplicados (inputs) necessários para que haja contínuo aumento da produção devem ser autoproduzidos. São fatores essenciais o capital, a mão-de-obra especializada e a tecnologia, e somente existe probabilidade de ceiem autoproduzidos num meio no qual a população procure melhorar seu bem-estar físico, e no qual a retribuição do trabalho seja pelo menos aproximadamente proporcional à sua produtividade.

Existem países - Burma pode ser citado como exemplo - nos quais o progresso material não se situa em ponto elevado na escala de valores aceitos pela, maioria da população. Nessas condições é difícil perceber como poderão ser produzidos os fatores necessários para aumentar a produção. Existem outros, ainda, nos quais a retribuição do trabalho é canalizada para outras mãos através da propriedade de terras ou de contratos de arrendamento de terras ou por governos corruptos e predatórios. No Irã, pelo menos anteriormente à reforma agrária atual, a parte da colheita destinada ao lavrador era muito pequena para provocar-lhe esforço adicional.

Seria bom reconhecer que em várias regiões do mundo subdesenvolvido as perspectivas de desenvolvimento econômico não se tornarão particularmente acentuadas até que ocorram mudanças um tanto profundas nas motivações e nos valores humanos, bem como em suas estruturas sociais e políticas. É engano pensar que o desenvolvimento econômico goze de grande prioridade em todo o mundo subdesenvolvido, Algumas populações - e especialmente alguns grupos dirigentes - decididamente preferem a situação existente.

Não obstante, na maioria das nações subdesenvolvidas a renda nacional tem aumentado mais rápidamente do que a população, a despeito da aceleração na taxa de crescimento populacional; em alguns países tem aumentado mais rapidamente ainda. O Brasil, a Grécia, Israel e Formosa parecem ter conseguido satisfatórios índices de desenvolvimento econômico auto-sustentado. A índia, o Paquistão, a República Árabe Unida, a Turquia, as Filipinas, a Colômbia e talvez outras nações aparentam razoáveis perspectivas de alcançar êsse objetivo dentro dos próximos dez ou vinte anos. Nesses países está aumentando a poupança em relação à renda nacional, os programas de educação e treinamento estão produzindo resultados, e a adaptação e difusão da tecnologia ocidental, auxiliada em alguns casos por apreciável ajuda externa, estão estimulando a produtividade. A Nigéria e outras jovens nações africanas localizadas ao sul do Saara têm estrada muito mais longa que percorrer.

Nas nscões subdesenvolvidas é raramente posta em dúvida pela opinião pública a propriedade do papel dominante pxercído pelo govêrno sôbre o desenvolvimento econômico. De fato, a pressão da opinião pública é geralmente dirigida no sentido da aceleração e expansão da ação do govêrno. iulerada necessária para a realização de um crescimento rápido.

Ouanto a saber se a política posta em prática por êsses governos é ou não a mais adequada ao desenvolvimento, é outra questão. No momento, entretanto, o que realizam ou deixam de realizar exerce pouco efeito sôbre as condições materiais cotidianas do povo.

Nos países com renda per capita inferior a 100 dólares por ano a participação do govêrno na renda nacional habitualmente é de 6, 7, até cêrca de 15 por cento. Onde a renda per capita vai até 700 dólares, como em alguns países latino-americanos, a participação do govêrno gira um tanto acima de 15 por cento. Na Europa Ocidental e nos Estados Unidos essa participação varia de 20 a 30 por cento. Existe, assim, relação aproximada entre a renda per capita e a participação do govêrno no produto nacional.

A INICIATIVA PRIVADA E O DESENVOLVIMENTO

Nos países não-comunistas parece que quanto mais pobre o país, tanto maior o papel a ser desempenhado pela emprêsa privada em sua vida econômica. Essa generalização necessita de exame mais cuidadoso.

A razão da preponderância do setor privado nas economias, em desenvolvimento não é difícil de encontrar. São economias predominantemente agrárias, e isso é verdadeiro também para os países em desenvolvimento, como a China, que tenham govêrno comunista. Na verdade, pode-se razoàvelmente supor que em qualquer país no qual a renda per capita esteja abaixo de 100 dólares por ano, 50 a 70 por cento de sua mão-de-obra disponível estão empregados na agricultura. As indústrias existentes são predominantemente de artesanato. O comércio está quase exclusivamente nas mãos de pequenos comerciantes. A agricultura, o artesanato, o comércio e a prestação de serviços são atividades tradicionalmente privadas, e representam nos países subdesenvolvidos 80 por cento ou mais do emprego total e cêrca de três quartos da renda nacional. Por isso, pode-se concluir que do estímulo dado às atividades no setor privado resultará maior desenvolvimento econômico do que qualquer coisa que se faça no setor público.

A predominância do setor privado nessa situação da vida dos países de renda baixa ofusca o papel que seus governos procuram desempenhar - ou são chamados a fazê-lo - no tocante ao desenvolvimento. Examinando-se os novos investimentos, aquêle papel torna-se ainda mais claro. Nos países latino-americanos 40 a 50 por cento dos novos investimentos são tipicamente públicos. Na índia bem acima de 50 por cento do investimento planejado é no setor público. No Paquistão êsse investimento é de aproximadamente dois terços.

Não se limita ao campo do investimento público, como habitualmente se pensa, o papel do govêrno na canalização da atividade econômica. Funções que nas nações desenvolvidas integram tipicamente o âmbito da emprêsa privada estão freqüentemente enquadradas no setor público dos países em desenvolvimento. A exploração de recursos minerais e o incremento de indústrias básicas, como aço, fertilizantes e cimento, são exemplos comuns.

Além disso, mesmo nas atividades que se circunscrevem ao setor privado o fluxo dos recursos econômicos não está de modo algum abandonado à discrição das forças do mercado. A distribuição geográfica de novos investimentos privados é controlada pela existência de economias externas em certas regiões e sua inexistência em outras. Os problemas oriundos da falta de divisas são usualmente resolvidos pelo racionamento das quantidades disponíveis a serem distribuídas entre os vários solicitantes; essa distribuição de divisas é poderoso instrumento de orientação do fluxo dos recursos privados. Freqüentemente é suplementada por licença prévia, controle de preços, regulamentação dos novos lançamentos de ações e outras medidas. Mesmo em Pôrto Rico - que provavelmente se fundamenta no investimento privado (em grande parte estrangeiro) mais acentuadamente do que qualquer outra região subdesenvolvida - o desenvolvimento é estimulado e orientado pelo govêrno. De fato, o Govêrno de Pôrto Rico freqüentemente constrói e financia fábricas, e indica, através das atividades de um departamento empresarial de planejamento, as oportunidades econômicas para os empreendimentos privados.

Para a promoção do desenvolvimento econômico, então, o govêrno da maioria dos países subdesenvolvidos está tentando realizar muito mais do que habitualmente realizam os governos dos países avançados, e muito mais ainda do que se imagina que os governes dos países ocidentais realizaram quando nos mesmos estágios de desenvolvimento de seus países. Cabe perguntar porque isso é assim e se os governos de muitos países de baixa renda não estariam tentando realizar demasiadamente. Não se pode fazer aqui uma apreciação definitiva.

Em primeiro lugar, a impressão de que durante a fase "clássica" da revolução industrial os governos deixaram o desenvolvimento a cargo do empreendimento privado é, pelo menos parcialmente, ilusória. Na Inglaterra, é verdade, o Govêrno limitou-se a proporcionar o meio adequado e deixou tudo o mais - até mesmo a construção de estradas, o melhoramento de portos e a educação - para o empreendimento -privado. O mesmo não se verificou em outros países; certamente não ocorreu nos Estados Unidos, onde o Govêrno proporcionou a infra-estrutura e, como no caso das ferrovias, forneceu apreciáveis subsídios públicos para o empreendimento privado.

O exemplo mais ilustrativo de desenvolvimento estimulado e orientado pelo govêrno em qualquer economia capitalista é, a nosso ver, o do Japão. Lá o Estado dirigiu o investimento criando companhias com participação do público, participando de sociedades de economia mista, subsidiando o investimento privado, garantindo a taxa de retorno, e comprando extensivamente para atender suas necessidades tanto civis como militares.

Na década que se seguiu a 1870 o Japão construiu e operou emprêsas diversas como minas de carvão, cobre e ouro; fundições de ferro; estaleiros; oficinas mecânicas; fábricas - piloto de cimento, papel, vidro, ácido sulfúrico, fiação de algodão e muitas outras. Indubitavelmente, a contribuição mais fecunda do Govêrno foi no campo da educação. Parece aue o Govêrno Japonês, de fato, programou suas despesas educacionais tendo em mira, especificamente, finalidades de desenvolvimento.

O ESTADO E O DESENVOLVIMENTO

Não é sem precedentes, portanto, a ênfase dada pela maioria do mundo subdesenvolvido ao desenvolvimento patrocinado pelo govêrno. Não obstante, constitui um fato que esses governos estão favorecendo o desenvolvimento de maneira muito mais pronunciada do que a adotada pelos governos dos atuais países desenvolvidos capitalistas em estágios correspondentes de sua história.

Isso resulta, em parte, de circunstâncias objetivas que condicionam o atual processo de desenvolvimento e, por outro lado, de uma ideologia sobremodo diversa da que prevalecia nos primórdios do século XIX.

A mais importante entre as considerações "objetivas" é a grande prioridade que deve ser dada às estradas, ferrovias, portos, produção e distribuição de energia elétrica, comunicações, irrigação e similares. Na maioria das nações em desenvolvimento as necessidades de capital para êsses empreendimentos representam aproximadamente 50 por cento do investimento total.

Embora o capital privado costumasse ser investido em algumas dessas finalidades - nos primitivos estágios do desenvolvimento latino-americano o capital privado estrangeiro financiou, por exemplo, a construção de ferrovias, sistemas telegráficos e telefônicos, e emprêsas de energia elétrica - hoje não é mais assim. Na verdade, as instalações existentes de propriedade particular têm sido e estão sendo adquiridas pelos governos latino-americanos em ritmo crescente. Em suma, o papel investidor do govêrno nas economias em desenvolvimento tende a tornar-se cada vez maior.

É também muito provável que venha a ser grande a participação do govêrno na transferência de tecnologia. O primitivo desenvolvimento da tecnologia industrial no Ocidente foi empreendido por qualificados artífices e funileiros do século XVIII, cuja atividade eqüivalia à das atuais oficinas mecânicas, e o ensino de novas técnicas era realizado entre pessoas e emprêsas familiais que operavam em ambiente relativamente livre do controle governamental. Agora que essas técnicas estão desenvolvidas, elas podem ser tomadas de empréstimo, e nesse processo de empréstimo a emprêsa governamental não está fora de propósito, como talvez estivesse nos primitivos estágios do desenvolvimento tecnológico.

A aplicação moderna dessas técnicas requer instalações de grande porte, cujo financiamento está acima da capacidade tanto da emprêsa de estrutura familial, quanto da reunião dos capitais privados disponíveis nos países subdesenvolvidos. A transferência de tecnologia através de órgãos governamentais parece-nos inevitável. Novamente aqui o exemplo japonês sugere que nos primórdios da industrialização a intervenção, em larga escala, do govêrno pode facilitar e acelerar o processo.

Durante o século XIX o investimento privado estrangeiro e as emprêsas estrangeiras foram os instrumentos mais importantes na transferência de tecnologia para a maioria das nações subdesenvolvidas. Ainda são importantes e, preço por preço, constituem, provavelmente, a maneira mais eficiente de transferência. Mas, o investimento privado estrangeiro encontra poucas oportunidades em determinadas áreas e, por razões várias, não é bem recebido em outras. É agora sobremodo suplementado pelos programas governamentais de assistência técnica e pelos órgãos técnicos da Organização das Nações Unidas. Atualmente, êsses programas importam despesas de, pelo menos, 500 milhões de dólares por ano. Êsse tipo de transferência de técnica implica, inevitàvelmente, a participação extensiva do govêrno da nação que recebe a ajuda.

Coisa parecida vem ocorrendo no âmbito da transferência de capitais. No século XIX o fluxo de capitais para as regiões subdesenvolvidas foi quase todo representado por investimentos privados. Embora alguns dêsses recursos se destinassem a companhias de serviços públicos do govêrno, essas importâncias eram pequenas em proporção ao total do investimento estrangeiro.

Em 1961, por outro lado, de um fluxo total de 8,75 bilhões de dólares, em fundos a longo prazo dos países desenvolvidos para os subdesenvolvidos fora do bloco soviético, aproximadamente 6 bilhões representavam empréstimos públicos e doações. (A ajuda do bloco soviético aos países em desenvolvimento não situados na área sob seu domínio importou em bem menos de 1 bilhão de dólares, a maioria na forma de empréstimos a longo prazo, a juros baixos, pagáveis em mercadorias.)

Grande parte dêsses fundos foi destinada ao financiamento de atividades no setoj- público. Essa tendência é reforçada pelo fato de que os órgãos internacionais de empréstimos e doações dão preferência aos grandes projetos; e nos países sem emprêsas privadas altamente desenvolvidas só se encontram grandes projetos no setor público. Embora o empréstimo ou a doação para cobrir as necessidades de divisas de um programa de desenvolvimento possam encontrar destinação no setor privado - e isso, de fato, tem ocorrido -, os projetos de empréstimos para grandes instalações dificilmente se aplicam às emprêsas privadas encontradiças na maioria dos países subdesenvolvidos.

A AJUDA EXTERNA E O DESENVOLVIMENTO

Alguns aspectos dêsse fluxo maciço de recursos merece exame mais cuidadoso. Em primeiro lugar, os 8,75 bilhões de dólares não incluem assistência militar. Desde a solução do problema argelino quase todos os fundos sob essa designação provêm dos Estados Unidos e têm girado, anualmente, em torno de 1,5 a 2 bilhões de dólares. Como é sabido, essas despesas tendem a concentrar-se nas üete ou oito nações do perímetro asiático.

As despesas militares, certamente, disputam com as despesas destinadas ao desenvolvimento econômico a posse dos recursos disponíveis, tanto nas nações em desenvolvimento, como nos programas norte-americanos de ajuda. O que não é tão evidente é que as despesas para finalidades assim aparentemente divergentes são, sob certo aspecto, reciprocamente complementares.

As pontes e estradas construídas por razões militares são geralmente disponíveis para utilização civil. Em vários países em desenvolvimento o Exército é instrumento efetivo de combate ao analfabetismo e de ensino de atividades úteis. Conquanto as despesas militares constituam um provável obstáculo ao desenvolvimento econômico, deve-se reconhecer-lhes certo grau de complementação. Cêrca de 90 por cento dos 6 bilhões de dólares de fundos públicos, a longo prazo, fornecidos em 1961 pelo Ocidente às nações em desenvolvimento correspondem a empréstimos realizados sob forma de ajuda bilateral. A maioria do restante proveio de órgãos da ONU, principalmente do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento e da Associação Internacional de Desenvolvimento.

De maneira crescente, porém, a ajuda bilateral está ocorrendo sob alguma forma de coordenação multilateral. Os consórcios compostos por vários países e instituições são agora formados para o financiamento de programas de desenvolvimento na índia, no Paquistão, na Turquia e em outros países. Grupos consultivos de vários países, pertencentes ao Comitê Consultivo do Desenvolvimento, com sede em Paris, estão iniciando a coordenação da ajuda bilateral para alguns países em desenvolvimento. Os países do Mercado Comum Europeu coordenam agora a ajuda para regiões associadas de além-mar. A ajuda externa norte-americana só recém se orientou, especificamente, à tarefa do desenvolvimento. O Gráfico 1 mostra as destinações da ajuda econômica norte-americana desde o início da programação de pós-guerra. (Observe-se a mudança de escala indicada pela faixa cinzenta.) O grosso da ajuda destinou-se, em primeiro lugar, às nações da Europa compreendidas no Plano Marshall e, depois, aos aliados norte-americanos do Extremo Oriente.

Em 1961 os Estados Unidos forneceram aproximadamente 60 por cento dos fundos públicos cedidos pelo Ocidente às nações subdesenvolvidas, inclusive a remessa de excedentes agrícolas determinada pela Public Law 480, aprovada em 1954 pelo Congresso Norte-Americano.

Avaliadas aos preços do mercado internacional, as remessas de excedentes alimentícios têm sido da ordem de 1,5 bilhões de dólares por ano. Para alguns países essa espécie de ajuda é tão valiosa quanto o próprio ouro.

Na República Árabe Unida, por exemplo, onde pouca é a terra adequada ao cultivo do trigo, as escassas divisas disponíveis para o desenvolvimento, na ausência dessas remessas de alimentos, seriam utilizadas na importação de produtos alimentícios. Em outros países, contudo, o recebimento de excedentes alimentícios norte-americanos em base de doação pode elevar as importações a montante prejudicial ao desenvolvimento da agricultura local.

Os excedentes agrícolas constituem importante assistência ao desenvolvimento econômico, e é provável que seu volume venha a aumentar, em vez de diminuir, mas essas remessas não podem ser equiparadas, preço por preço, com as outras modalidades de asssitência econômica.

O fluxo total de recursos a longo prazo, públicos e privados, é de importância crucial no presente estágio para os países em desenvolvimento. Se há ou não possibilidade de que êsse fluxo venha a aumentar é difícil dizer. O investimento privado estrangeiro poderia, indubitàvelmente, ser estimulado em várias nações em desenvolvimento por uma atitude de maior receptividade. A diminuição no ritmo da corrida armamentista haveria de aumentar o fluxo dos fundos públicos. Nas circunstâncias atuais, entretanto, a ajuda externa dificilmente pode ser descrita como empreendimento politicamente popular em qualquer nação avançada onde é praticada.

Sem embargo, deve-se admitir que o declínio nos últimos dez anos dos preços das mercadorias de exportação que produzem divisas para as nações subdesenvolvidas tem reduzido, substancialmente, o auxílio recebido.

Para o cacau, chá e café - produtos vitais de exportação da Nigéria, índia e Brasil, respectivamente - o índicé denota um declínio médio de mais de 30 por cento. Como se vê pelo Gráfico 2, não têm sido favoráveis para os países subdesenvolvidos as condições de comércio. Os preços de suas exportações têm baixado (linha contínua), enquanto que os preços das exportações das nações desenvolvidas, das quais devem comprar, têm permanecido estáveis (linha interrompida). As flutuações nos preços das mercadorias constituem problema especial. A linha pontilhada indica o índice de preços de um grupo de mercadorias constituído de cacau, chá e café.

A IDEOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

As considerações de natureza objetiva que têm levado os governos a assumirem tão proeminente papel no desenvolvimento são reforçadas por considerações, menos tangíveis, de natureza ideológica.

Preliminarmente muitos da elite que agora ocupam importantes cargos governamentais nas nações subdesenvolvidas foram treinados no Ocidente durante o período em que o capitalismo do século XIX, com sua ênfase sôbre "os direitos de propriedade", estava abrindo caminho para um "capitalismo de bem-estair social", igualitário e mais preocupado com os "direitos humanos"'. Sua opinião é a de que é necessário e conveniente utilizar o poder do Estado para diminuir as desigualdades na distribuição da renda e proteger os menos privilegiados da população.

Entre os "efeitos de demonstração" que impressionam os observadores de muitos países subdesenvolvidos está a prevalência no Ocidente da procura de serviços sociais de tôda a sorte. De acordo com uma autoi idade, "a maioria dos países subdesenvolvidos deseja atualmente as bênçãos de um estado de bem-estar completo, com aposentadoria por velhice, seguro contra o desemprego, abono familiar, seguro de saúde, semana de 40 horas e tudo o mais".

Nos países ocidentais o crescimento sustentado da produção nacional antecipou-se a difusão dos serviços sociais dessa espécie. Em quase todo o mundo subdesenvolvido atual a procura dêsses serviços no momento não pode, politicamente, deixar de ser atendida. Essa mutação nos valores políticos, certamente, atribui ao govêrno funções novas e freqüentemente difíceis de serem exercidas.

Embora a deficiência do setor privado em muitas nações em desenvolvimento ajude a explicar a ascendência do govêrno em sua vida econômica, a pressão nesse sentido é acentuada, amiúde, por uma hostilidade latente à emprêsa privada, particularmente à emprêsa privada estrangeira. Essa hostilidade pode ser observada (a) no fato de a emprêsa privada ser excluída de alguns ramos de atividade econômica, (b) na situação privilegiada dada à emprêsa pública quando se trata da distribuição de escassas divisas, e (c) nos controles minuciosos e extensivos que se estabelecem para impedir o exercício de qualquer atividade privada que, no entender dos dirigentes governamentais, possa ser considerada prejudicial ao interêsse público.

Talvez não seja tanto uma questão de hostilidade à emprêsa privada, mas sim de excesso de confiança na habilidade dos administradores públicos para dirigir, nos mínimos pormenores, o devido curso da atividade econômica. As preferências ideológicas em muitas nações subdesenvolvidas apresentam-se sob a forma de tipos locais, não muito bem definidos, de socialismo. Na índia ouve-se falar de "um padrão socialista da sociedade". Na República Árabe Unida são exaltados os méritos do socialismo árabe. Em várias das recentes nações africanas o povo fala de um "socialismo africano". Sem tentar classificar os significados dessas variedades de socialismos, pode-se dizer que elas tendem a encorajar e racionalizar a iniciativa do govêrno na promoção do desenvolvimento econômico.

PLANEJAMENTO

Na tentativa de se desincumbirem das pesadas responsabilidades assim assumidas, os governos dos países subdesenvolvidos consagram o planejamento, se não como a técnica essencial de desenvolvimento, ao menos como a mais aconselhável.

Os dados indicam, entretanto, que a consagração do planejamento, de pais para país, é mais eloqüente do que sua execução. O plano originário do órgão de planejamento pode não ser aceito pela autoridade política como programa de ação; ou, se o plano fór ratificado pelas autoridades devidamente constituídas, pressões políticas e rivalidades ministeriais podem fazer com que os gastos com o desenvolvimento se afastem das dotações; ou ainda que os recursos e necessidades previstos pelo plano se afastem tanto das possibilidades reais, que se tornem sem sentido como um conjunto de diretrizes.

Pode-se citar exemplos em apoio de todas essas observações. A Indonésia, desde sua independência, nunca esteve sem um plano. Mas nenhum plano mereceu suficiente apoio político para que produzisse qualquer efeito significativo sobre o curso do desenvolvimento econômico - ou do não desenvolvimento - do país.

Diversos países latino-americanos elaboraram planos de desenvolvimento, mas na ausência de eficiente controle orçamentário sôbre as despesas ministeriais, grandes diferenças surgiram entre as palavras e os atos.

A República Árabe Unida, que tem realizado mais e melhor do que a maioria, tem um plano de desenvolvimento cuja meta é dobrar a renda nacional em 10 anos. Mas, como êsse objetivo está muito acima do que permitem os recursos egípcios, a taxa de crescimento atual está abaixo da meta programada. Ademais, o estabelecimento de metas ultra-ambiciosas tem surtido efeito contrário, fácil de demonstrar, sôbre a distribuição dos recursos locais e das divisas disponíveis.

Esses exemplos não devem constituir argumento contra o planejamento, mas sim contra a confusão que se faz entre a mera existência de um plano com um planejamento efetivo. O govêrno ao assumir qualquer atitude de intervenção na economia terá de realizar, necessariamente, alguma espécie de planejamento. O plano pode-se limitar ao estabelecimento de prioridades para os investimentos públicos, e de alguma lógica nas diretrizes que afetam o setor privado. Na verdade, nesse lato sentido, mesmo os Estados Unidos da América, como o personagem de MOLIÈ-RE, tem planejado através de tôda a sua vida nacional.

Os países subdesenvolvidos vão além disso. Parece evidente que sempre que os governos deliberadamente procuram acelerar a taxa de desenvolvimento o planejamento econômico efetivo constitui parte essencial do processo. São três as principais preocupações dos planejadores:

• como aumentar a quantidade e qualidade dos recursos disponíveis para o desenvolvimento econômico;

• como distribuir os investimentos públicos entre os vários projetos de desenvolvimento do setor privado; e

• como estimular a produção privada dentro dos limites estabelecidos pelas metas do programa de desenvolvimento em seu conjunto.

Com respeito à primeira dessas preocupações, a expansão dos recursos disponíveis para investimento não implica somente numa limitação do consumo em favor da poupança, mas também, durante certo tempo, na orientação dos investimentos para as aplicações mais produtivas. No sistema da livre emprêsa é essa a função tradicional dos incentivos do mercado. Nos países subdesenvolvidos, onde o investimento público constitui grande parte do total, o estabelecimento de prioridades de investimento torna-se a função central do planejamento.

ORIENTAÇÃO DO PLANEJAMENTO

Os conselhos de planejamento são naturalmente de natureza consultiva para as decisões do govêrno, e não será necessário acrescentar que o planejamento reflete, inevitàvelmente, as caraterísticas do govêrno que está sendo assessorado. Um govêrno totalitário poderá ser capaz de individualmente levar adiante um objetivo em desacordo com os desejos da maioria da população. Um govêrno democrático não poderia por muito tempo seguir um curso de ação dessa espécie.

Além disso, a estrutura das instituições governamentais, as classes de que se compõe a população e a concorrência entre interêsses especiais não podem deixar de afetar o caráter do plano. Tudo isso não quer dizer que o planejamento democrático deva ser um acordo economicamente irracional entre pressões políticas divergentes. Significa, isto sim, que as projeções econômicas giram dentro de um conjunto razoàvelmente rígido de limitações.

Uma preocupação dirigida no sentido único do desenvolvimento econômico pode indicar a ordem em que devem ser exploradas as oportunidades econômicas, tendo-se em vista as taxas sociais de retorno; mas, influências políticas podem forçar uma dispersão geográficamente "equitativa" do investimento público. As pesquisas econômicas podem indicar um extenso programa de reforma agrária como uma das medidas mais promissoras no sentido do desenvolvimento econômico. Mas a realidade política interfere para sugerir outra medida melhor. Dispondo de recursos extremamente limitados, os planejadores do desenvolvimento poderão ser compelidos, como ocorreu na Nigéria, a reduzir as dotações para os serviços sociais e para a educação primária, em favor do investimento "produtivo" e do treinamento técnico.

O fato de que as forças políticas "escolhem" objetivos outros aue não o de elevar ao máximo a taxa de crescimento econômico não torna irracionais essas escolhas. Mesmo sob o aspecto do crescimento econômico, uma distribuição geográfica dos recursos públicos ditada por razões políticas pode ser desejável, se essa distribuição contribuir para a estabilidade política.

Existem, além disso, planejamentos de objetivos nacionais distintos do crescimento econômico. O processo político não somente estabelece limites às projeções econômicas, como também força o planejamento para caminhos mais positivos. Um govêrno decididamente empenhado no desenvolvimento econômico, e que conte com o apoio da população, pode movimentar e organizar o esforço humano ainda não utilizado efetivamente. Algo parecido foi realizado pelo Govêrno Japonês no século XIX, e parece estar em processo de realização na índia atual.

Nos países democráticos subdesenvolvidos que têm realizado apreciável progresso econômico as maiores dificuldades não se situam na interferência dos interêsses políticos nas projeções econômicas, nem na qualidade da própria análise econômica, mas sim no fato de que a máquina administrativa não está atualizada em relação aos planos de desenvolvimento.

Devido cuidado com essa limitação demarcaria a extensão do programa de investimentos públicos a dimensões compatíveis com sua efetiva administração; desaconselharia o estabelecimento de controles cuja execução estivesse acima da possibilidade dos serviços públicos existentes; e realçaria a importância das modificações que se fazem necessárias nos procedimentos governamentais.

Enumerar os erros, as dificuldades e limitações do processo de planejamento nos países subdesenvolvidos não é argumentar contra o planejamento como técnica essencial de desenvolvimento. Existem importantes razões, tanto objetivas, como ideológicas, que justificam o papel saliente a ser, exercido pelo govêrno no planejamento e na promoção do desenvolvimento econômico.

Nota da Redação - Publicado, originariamente, na revista Scientific Americany, Inc., copirraite©, setembro de 1963, vol. 209, n.º 3, Nova Iorque, sob o título "The Planning of Development". Todos os direitos reservados. Traduzido do inglês por Frediano Quilici.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2015
  • Data do Fascículo
    Jun 1965
Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rae@fgv.br