Acessibilidade / Reportar erro

O conceito de um mercado nacional e as suas implicações no crescimento da economia

ARTIGOS

O conceito de um mercado nacional e as suas implicações no crescimento da economia

Walt W. Rostow

Conselheiro e Presidente do Conselho de Planejamento Político do Departamento de Estado dos Estados Unidos

"Sômente. .. mercados domésticos ampliados e exportação diversificada podem formar a base para a expansão da estrutura industrial."

Posso dizer-lhes, sem vaidade, que acredito nas técnicas que essa organização postula e representa e que se revelarão cruciais na próxima geração, para o desenvolvimento de países e regiões que abrigam a maioria da população mundial. Estou me referindo às nações em desenvolvimento da Ásia, Oriente Médio, África e América Latina. Refiro-me igualmente à União Soviética e aos países do Leste Europeu. Diria mesmo que, venha a China Comunista algum dia a formular uma estratégia racional e efetiva de desenvolvimento - o que ainda não fêz - para que a mercadização venha desempenhar um papel nôvo e importante sob todos os aspectos.

A fim de entender por que essa proposição é válida, devese lançar os olhos às teorias e políticas de desenvolvimento que tem sido aplicadas a essas regiões, nas últimas gerações, examinar onde elas agora se situam e para onde devem ir à medida em que aquelas regiões avançam pelos estágios do desenvolvimento.

Com poucas exceções, as nações em desenvolvimento da Ásia, Oriente Médio e América Latina iniciaram deliberadamente seu primeiro estágio de modernização concentrando esforços em duas áreas: produção de bens manufaturados para substituir bens de consumo importados e criação de infra-estrutura básica, isto é, estradas, energia, portos, educação, etc. A agricultura e a modernização da vida rural foram sistemàticamente negligenciadas, cujo resultado presente é um perigoso declínio na produção de alimentos per capita em algumas regiões importantes.

Havia uma certa legitimidade nesse estabelecimento de prioridades iniciais. O desenvolvimento de uma economia, em seu núcleo básico, consiste na progressiva difusão dos frutos da ciência e da tecnologia modernas. A Indústria é a forma mais dramática que a ciência e a tecnologia modernas podem assumir; uma infra-estrutura básica é diretamente necessária para a industrialização.

Mas existia também um elemento de irracionalidade: a agricultura associada à época colonial e/ou à excessiva dependência com relação aos mercados de exportação dos países industrializados, parecia ser uma atividade de segunda categoria, para não dizer humilhante, quando comparada às atividades industriais.

A combinação dêsses dois fatores, racional e irracional, tem ocasionado uma fase de desenvolvimento grandemente concentrado em poucas cidades, em tôrno de algumas indústrias e uma negligência sistemática da contribuição que a agricultura pode e deve oferecer em têrmos de alimentos, matérias-primas industriais, divisas estrangeiras e mercados internos ampliados.

O início do processo de industrialização variou, tanto no tempo como entre as nações em desenvolvimento no mundo contemporâneo. Os países latino-americanos deram início ao processo no período imediatamente anterior à Segunda Guerra Mundial, ou durante ela, enquanto muitos outros somente o iniciaram, dé modo sério, a partir de 1945. Na verdade, alguns ainda nem lançaram sua primeira fase de industrialização sistemática. Todavia, é geralmente verdade que já chegamos (ou estamos chegando) ao fim da fase em que a estratégia inicial de desenvolvimento do pós-guerra pode ser encarada como viável, embora limitada sob certos aspectos.

Nas nações em desenvolvimento está se difundindo a idéia de que a próxima fase de desenvolvimento deve se basear na difusão sistemática, entre os agricultores, de técnicas modernas hoje concentradas preferencialmente nas áreas urbanas; na constituição de mercados nacionais eficientes; e, de um ponto de vista amplo, na criação de novas linhas diversificadas de exportação que prometam produzir as divisas de que os países em desenvolvimento necessitarão nos próximos anos. Somente êsse esquema de mercados domésticos ampliados e exportação diversificada pode fornecer a base para a expansão da estrutura industrial (do setor de bens de consumo ao de bens de capital e indústria pesada) exigida por uma moderna sociedade industrial.

Tomo a liberdade de fazer uso de um vocabulário que chamaria de particular,

Essa é uma idéia rudimentar da tarefa que se apresenta à próxima geração das nações do Mundo Livre, que possui a maioria das populações da Ásia, Oriente Médio, África e América Latina; bem como, o problema a ser resolvido, se uma China modernamente industrializada, deve surgir no cenário mundial.

O problema na União Soviética e em grande parte da Europa Oriental, é, evidentemente, um pouco diverso. Ali as origens do processo de industrialização localizam-se no último quartel do século passado para algumas regiões, e são anteriores a êsse período em outras. Essas nações, salvo poucas exceções, no período seguinte à Segunda Guerra Mundial, têm avançado em direção à total maturidade industrial. Assim fizeram a partir de ideologias que encaravam a expansão da indústria pesada como um objeto em si mesma, ou seja, a indústria pesada era desenvolvida ou para equipar as forças militares ou para construir mais indústria pesada. Chegaram agora a um estágio de desenvolvimento que justificou a atitude de Krushchev, ao atacar o que êle chamou de "comedores de aço". Deve estar ainda na lembrança a pergunta que êle fêz: "o que que-rem vocês que nós façamos com mais aço, comê-lo?" É o inevitável e previsível declínio nos setores de indústria pesada que são os principais responsáveis pela apatia generalizada dessas economias. Já se exauriu a capacidade de os setores de indústria pesada liderar o processo de desenvolvimento.

Nesse sentido, como os países em desenvolvimento, a União Soviética e os países do Leste-Europeu negligenciaram a agricultura. Ademais, ela foi mantida sob formas coletivas de organização que se revelaram bastante ineficientes no emprêgo de mão-de-obra e capital. Em certas partes do Leste-Europeu, porém, essa experiência coletivista está sendo abandonada num esforço para se oferecer incentivos reais aos agricultores.

O próximo estágio de desenvolvimento na União Soviética e países do Leste-Europeu deve, evidentemente, ser baseado não apenas na correção da ineficiência da agricultura, mas também na mudança de seus complexos industriais relativamente maduros a fim de oferecer aquilo que a população deseja, quando níveis médios de renda atingem o ponto que já alcançaram nesses países.

Se taxas elevadas de crescimento vão reaparecer nesses países, elas o farão através de alguma versão da revolução econômica e social que, nos Estados Unidos, nós iniciamos na década de 1920 e que começou a se apossar da Europa Ocidental e do Japão na década de 1950. Em outros têrmos, a revolução desenvolvida em tôrno da rápida difusão do automóvel, de bens de consumo durável, expansão dos subúrbios e de tôdas as coisas que hoje estão incorporadas ao nível de vida de nossas populações urbanas.

Devo dizer, nesse ponto, que essa revolução não deve ser entendida simplesmente em têrmos de produtos industriais. Atrás do desejo de possuir um automóvel, uma televisão, uma residência num bairro confortável, com jardim e espaço de sobra, existem dois profundos desejos humanos que, de tudo o que pudemos observar, são universais: o desejo de mobilidade, superar seus próprios horizontes, e o desejo de preservar sua própria individualidade. Os aparelhos que usamos representam, simplesmente, os caminhos que a indústria moderna encontrou para satisfazer êsses profundos, legítimos e justificados desejos humanos.

Novamente, retornando às minhas próprias palavras, eu diria que, da mesma maneira que a maioria dos países em desenvolvimento encontra-se em um processo de ajuste da decolagem (take-off) ao estímulo dirigido à maturidade tecnológica, a União Soviética e o Leste da Europa encontram-se no processo de ajustar a sua própria versão daquele estímulo ao estágio de elevado consumo em massa.

Aqui, então, é que se insere a Mercadologia.

Obviamente, a modernização do interior dos países em desenvolvimento possui muitas dimensões. A partir de experiências práticas, conhecemos o suficiente para poder dizer que, pressupondo-se a existência de estradas e de um mínimo de educação básica, bem como a de um certo acúmulo de tecnologia agrícola, há quatro condições necessárias e suficientes para uma revolução agrícola.

• O agricultor deve receber um preço justo e razoável pelo seu produto.

• Deve poder dispor de crédito, a taxas razoáveis, para que possa mudar a natureza do seu produto ou alterar o esquema de produtividade desejado.

• Deve ter à sua disposição assistência técnica que seja pertinente ao solo, clima e à desejada mudança de produto ou produtividade que quiser introduzir.

• Finalmente, deve ser capaz de adquirir, a preços razoáveis, fertilizantes químicos, inseticidas e implementos agrícolas, e bens de incentivo, isto é, bens de consumo, de boa qualidade, que êle e sua família comprariam em maiores quantidades, ou trabalhariam mais para adquiri-los, se custassem menos ou se a sua renda fôsse mais elevada.

Essas quatro condições podem ser satisfeitas de várias maneiras. Em minhas viagens de estudo por áreas em desenvolvimento, impressionou-me a variedade de formas institucionais que a atividade agrícola pode assumir: cooperativas de produtores, indústrias de processamento de alimentos, fazendas comerciais, etc.; mas tôdas essas formas possuem a característica básica de reunirem em tôrno do agricultor aquelas quatro condições necessárias e suficientes.

Convém observar que a mercadização entra diretamente em tôdas as fases do processo levando bens e serviços do campo à cidade e vice-versa.

Para o agricultor receber um preço justo pelo seu produto, sem um aumento correspondente no preço dos alimentos nas cidades, deve haver uma modernização dos processos mercadológicos, a fim de que tal ocorra.

Nenhum acontecimento nos países em desenvolvimento me impressiona mais do que a situação generalizada em que o agricultor recebe 15 ou 20 por cento do preço de venda do seu produto, sendo elevados os preços nas cidades, e enorme o desperdício entre os dois pontos extremos.

Argumenta-se, às vêzes, que os processos mercadológicos existentes, fragmentados e caros para muitos produtos nos países em desenvolvimento, são simplesmente um aspecto do subdesenvolvimento, que desaparecerá com o tempo e com a modernização. Mais especificamente, às vêzes, dizse que a modernização do processo de mercadização poderia causar o desemprêgo de pessoas, mesmo trabalhando a baixos níveis de produtividade.

Três tipos de considerações contradizem êsse pensamento tão complacente.

Primeiro, em muitos casos, os processos mercadológicos que se apresentam a um agricultor num país em desenvolvimento, são o que os economistas chamam de monopsônico; ou seja, o agricultor individual enfrenta uma situação na qual só há um intermediário a quem êle pode vender o seu produto. No ponto crítico da estação da colheita, fica à mercê dêsses intermediários. Essa condição desigual de barganha é agravada, pois o comprador do produto, geralmente, é também a sua única fonte de crédito. Em resumo, os processos mercadológicos tradicionais são não apenas ineficientes; na maioria dos casos, êles não possuem as características competitivas que os economistas supõem lhes sejam implícitas.

Segundo, a diferença entre os preços do campo e os preços para o consumidor urbano constitui uma barreira entre o campo e a cidade, cujo efeito deve ser medido não só em têrmos de emprêgo alternativo de mão-de-obra, mas também nos das relações cidade-campo como um todo. Especificamente, processos mercadológicos arcaicos tornam não-lucrativo para o agricultor o seu comprometimento em processos produtivos agrícolas de maior produtividade; assim, por êsse motivo, reduzem o volume de bens agrícolas produzido e, simultáneamente, o tamanho do mercado para produtos manufaturados. No processo de modernização das relações mercadológicas, devemos considerar não apenas o possível deslocamento da mão-de-obra utilizada no sistema mercadológico existente, mas os efeitos agregados na produção e nos mercados, e aquilo que um presidente latino-americano chamou de "Muralha Chinesa", erguida entre a cidade e o campo.

Terceiro, em têrmos práticos, onde processos mercadológicos modernos foram introduzidos (sob a forma de cooperativas de produtores, indústrias de alimentos, etc.) a absorção da mão-de-obra, liberada de outras atividades, pelo setor mercadológico, não apresentou maiores dificuldades.

Em resumo, estou confiante em que a modernização dos processos mercadológicos, do campo para a cidade, é uma cruzada em que podemos entrar com a convicção de que os benefícios a serem obtidos mais do que compensarão os custos de readaptação exigidos.

Visto sob outro aspecto, isto é, da cidade para o campo, a modernização da vida rural exige meios novos e efetivos para fazer chegar ao fazendeiro as coisas de que necessita para aumentar a sua produtividade, e os bens de incentivo.

Com respeito aos fertilizantes químicos, inseticidas, sementes e implementos, há um papel importante a ser desempenhado pelo vendedor que excede os quadros convencionais da atividade mercadizadora. Embora alguns o considerem um sacrilégio, está realmente provado que o agente mais poderoso na difusão da nova tecnologia agrícola tem sido a emprêsa comercial, ao invés das instituições públicas especialmente criadas para oferecer assistência técnica ao campo. Não pretendo diminuir a importância que, nos Estados Unidos, possui o "agente municipal", ou aquêles que desempenhem papel semelhante nas áreas em desenvolvimento; acontece, simplesmente, que não existe um número suficiente dêsses "agentes" para executar a tarefa nos países em desenvolvimento. Entre outras razões, existem técnicos agrícolas demais trabalhando em escritórios oficiais, nas cidades, em vez de estarem no campo. Um trabalho excelente e prático de difusão de conhecimentos técnicos pode ser, e está sendo feito, em muitas partes do mundo, por aquêles que têm um interêsse estritamente comercial em vender o seu produto. O vendedor sabe que precisa gastar o seu tempo com fregueses em potencial.

Com respeito aos bens de incentivo, devemos aceitar o fato básico de que as populações rurais dos países em desenvolvimento são pobres. Até que suas rendas aumentem, elas possivelmente não poderão comprar muito mais do que estão comprando agora. Por outro lado, é também verdade que os produtos manufaturados que podem comprar nas vilas que freqüentam são quase sempre caros e de má qualidade. Conhecemos através da história rural dos Estados Unidos - mesmo na recente experiência na área do Vale do Tennessee - que a disponibilidade de bens de consumo, baratos e atraentes, pode representar um importante estímulo à produção e à produtividade. Preços mais baixos podem produzir mais compras, a curto prazo; preços baixos e a disponibilidade de bens de incentivo de boa qualidade podem determinar mais produção, maior renda, e mais compras a longo prazo. O mesmo exemplo pode ser observado no México e noutras áreas em desenvolvimento onde os esforços para aumentar a produtividade são combinados com tais incentivos.

O problema técnico-mercadológico, da cidade para o campo, consiste em descobrir meios de reduzir os custos unitários de distribuição a mercados rurais geográficamente esparsos e onde o volume de qualquer mercadoria a ser vendida, em qualquer ponto da área, é baixo. Nas nações em desenvolvimento, o exemplo de maior sucesso é o da mercadização de refrigerantes e cerveja. Nesse caso, todavia, o volume de vendas é suficiente para justificar a entrega regular por caminhão mesmo em áreas rurais de baixa renda. O que parece ser necessário é o desenvolvimento de processos mercadológicos unificados para uma grande variedade de mercadorias, a fim de que os custos gerais de distribuição para cada produto sejam reduzidos.

Quando vejo caminhões carregados de refrigerantes dirigirem-se a povoados distantes, desejaria que levassem um reboque carregado de tecidos, sapatos, utensílios domésticos, lanternas, rádios transistorizados, livros e outras coisas que os habitantes dêsses locais comprariam se custassem menos.

Cooperativas de produtores, indústrias de processamento de alimentos, e outras instituições pertinentes às áreas rurais podem freqüentemente servir de centros para a armazenagem e distribuição de tais bens de incentivo, bem como de fertilizantes, inseticidas, etc., necessários para aumentar a produtividade.

Tentei indicar de modo concreto os tipos de operações mercadológicas necessárias, para que aquêles envolvidos em atividades de distribuição contribuam para a derrubada da "Muralha Chinesa", que existe entre o campo e as cidades, nos países em desenvolvimento, bem como auxiliem a criação de mercados nacionais. A modernização da vida rural, fator básico dêsse problema estrutural, evidentemente abrange elementos que ultrapassam os limites da própria atividade distributiva. Em recente carta aos presidentes dos países latino-americanos e ao presidente dos Estados Unidos, os membros do CIAP - Comité Interamericano da Aliança para o Progresso relacionaram sete elementos-chave para acelerar a modernização da vida rural. Além de distribuição mais eficiente, os elementos são os seguintes: mudanças no sistema de arrendamento de áreas rurais em certas regiões dos países latino-americanos; mudanças em algumas políticas governamentais de preços agrícolas; expansão de produção e da distribuição de fertilizantes químicos; expansão e aperfeiçoamento do crédito rural; estabelecimento de instituições rurais como cooperativas de produtores, emprêsas de processamento de alimentos; programas de cooperação popular e desenvolvimento comunitário. Dentro dêsse complexo de ações, destinado a quebrar a apatia e a estagnação da vida e da produção nas áreas rurais, processos mercadológicos modernos desempenham um papel vital.

A variedade de medidas específicas, exigidas pelas condições da União Soviética e Europa Oriental, é semelhante às exigidas nos países em desenvolvimento; mas as nações de regime comunista estão limitadas pelo seu comprometimento herdado às instituições coletivas de produção e distribuição, De um modo geral, essas instituições se revelaram ineficientes e resistentes a reformas que formam, ou estão sendo, tentadas em vários países da Cortina de Ferro. Conheço pouquíssimas agências de distribuição, criadas e administradas por governos, que se provaram eficientes; e conheço muitas que exigem maciços subsídios oficiais para apenas se manterem em funcionamento. A razão é a falta de interêsse direto, por parte do burocrata, em obter aquela redução de custo e aquela margem extra de venda que fazem a diferença.

Todavia, é certo que existem discussões na União Soviética e Europa Oriental a respeito da falta de incentivos para a produtividade agrícola e sôbre métodos que tornem o sistema de distribuição mais adequado às necessidades, interêsses e preferências do consumidor. Existe uma tomada de consciência crescente da profunda contradição entre as formas de organização, criadas no passado a partir de compromissos ideológicos, e o imperativo de progresso. Ninguém pode predizer o resultado dêsses debates e as mudanças de diretrizes que advirão; mas êles constituem um importante e interessante elemento de mudança no cenário mundial, o que é particularmente esperançoso.

A formação de mercados nacionais, através da união mais efetiva entre as áreas rurais e urbanas, tem implicações diretas sôbre a outra importante tarefa dos países subdesenvolvidos, ou seja, a sua necessidade de diversificar as exportações. Todo um conjunto de técnicas e esforços especiais são necessários para mercadizar novos produtos no exterior. Mercados potenciais devem ser cuidadosamente estudados em função das preferências locais; vias de distribuição devem ser estabelecidas; fluxos regulares de mercadorias devem ser mantidos e financiados; controle de qualidade deve ser instituído e produção eficiente deve ser assegurada, ou as exportações não disporão de condições competitivas. Para aqueles países, cuja primeira fase de industrialização ocorreu internamente, à sombra de altas barreiras alfandegárias, que protegeram o mercado local, uma mudança de mentalidade, profundamente revolucionária, é necessária antes que as emprêsas possam gerar a eficiência que lhes permita enfrentar as tempestades da competição internacional. Essa mudança está apenas começando a ocorrer em uns poucos países latino-americanos no momento, embora, na Ásia, Formosa já tenha feito a transição para exportações diversificadas de artigos manufaturados, e a Coréia do Sul já andou mais da metade dês se caminho. Em mercados internacionais altamente competitivos, não são precisos muitos casos de mercadorias entregues com atraso, ou de qualidade duvidosa, para que o esforço de exportação falhe.

O setor da técnica de distribuição ligada ao setor exportador, evidentemente, terá importância crescente nas áreas em desenvolvimento nos próximos anos.

Mas existe uma outra relação que vale a pena ser mencionada. Historicamente, a exportação de artigos manufaturados comumente acompanha, ou é paralela ao desenvolvimento de mercados nacionais. O exemplo clássico é o dos tecidos de algodão. Começando com a Inglaterra, um país após o outro entrou no comércio exportador de tecidos, como uma espécie de reflexo do seu aprendizado de como produzir e distribuir eficientemente em seu próprio mercado, pois tecido de algodão é o primeiro produto manufaturado moderno capaz de desenvolver um mercado de massa, num país pobre. Outros bens manufaturados, por sua vez, inundaram as vias de distribuição internacional, na medida em que se afirmavam em seus mercados nacionais - até mesmo no caso da sensacional exportação de rádios transistorizados por parte do Japão. Através da concentração, nos próximos anos, no desenvolvimento de mercados nacionais, as nações em desenvolvimento estarão lançando as bases para as exportações daqueles artigos manufaturados, sôbre as quais repousará grande parte de sua capacidade futura para angariar divisas.

As considerações que tentei alinhar aqui têm especial significação para o desenvolvimento do pensamento econômico bem como para diretrizes governamentais. Independente de estarmos ou não cônscios dêsse fato, a verdade é que quando pensamos em têrmos econômicos, nosso raciocínio está ainda matizado por idéias que voltam aos economistas clássicos do século dezenove e, na verdade, ao mundo fisiócrata do século dezoito. Êles começaram a organizar o seu pensamento, focalizando os fatores físicos da produção, especialmente o trabalho e a terra. O conceito de expansão do mercado foi introduzido e efetivamente dramatizado por ADAM SMITH. Mas o que se fazia necessário para expandir o mercado, além dos meios físicos de transporte, não foi considerado sèriamente pelos fundadores do pensamento econômico moderno. Na verdade, a distribuição e os serviços em geral tendiam a ser ignorados, ou encarados como um tipo inferior de atividade econômica. Mesmo nos dias de hoje, é difícil fazer com que economistas de desenvolvimento e formuladores de diretrizes emprestem aos problemas sôbre eficiência de distribuição a mesma atenção que dão automaticamente aos problemas de produção, investimentos, e finanças.

Para os comunistas, o problema é complicado pela natureza da economia marxista. KARL MARX , como economista, era enraizado na tradição clássica. Suas proposições perpetuaram a tendência de menosprezar a distribuição de uma maneira particularmente incisiva, e em tal magnitude que ela é formalmente excluída dos conceitos comunistas de renda nacional.

Assim, confrontados agora com a tarefa de ampliar o mercado, nas áreas em desenvolvimento, na União Soviética e Europa Oriental, os governos devem dominar aquela forma de pressão que é a mais insidiosa, isto é, as pressões criadas pela aceitação, às vêzes, inconsciente, de idéias do passado que obscurecem a natureza e a prioridade dos problemas atuais.

Se eu estiver certo em dizer que os homens devem, na geração seguinte, difundir o processo de modernização a áreas rurais há muito esquecidas, criando novas e eficientes rêdes de distribuição, assistiremos não somente a tarefas novas e desafiadoras se apresentarem àqueles que comandam as técnicas de distribuição, mas também a um respeito nôvo e teórico pela arte da expansão de mercados que, por tanto tempo, foi tido como pré-existente.

  • 1) O Dr. Rostow refere-se ao seu livro, The stages ot Economic Growth: A Non-Communist Manifesto, Cambridge: Cambridge University Press, 1960.
  • (
    1
    ) para dizer que na última geração, em muitas partes do mundo, ocorreu uma decolagem
    (take-off) no qual os setores líderes se compõem de indústrias construídas para substituir importações de bens de consumo; e para essas nações adquirirem o estímulo, que eventualmente as conduza à maturidade industrial, é preciso que as suas concentrações industriais urbanas, ainda um tanto isoladas, sejam convertidas em centros ativos e dinâmicos que, deliberadamente, promovam a difusão, em escala nacional, do processo de modernização. Porém, ao mesmo tempo, êles devem gerar recursos que, baseados nesses mercados mais amplos, possam financiar sua transição para sociedades inteiramente industrializadas.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1967
    Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rae@fgv.br