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Acumulação de capital, internacionalização da economia e as pequenas e médias empresas

III TEMA - PEQUENA E MÉDIA EMPRESA

Acumulação de capital, internacionalização da economia e as pequenas e médias empresas

Henrique Rattner

EAESP/FGV

1. INTRODUÇÃO

Nos debates sobre o crescimento econômico dos países em desenvolvimento, destaca-se o papel atribuído ás pequenas e médias empresas (PME) como geradoras de empregos e de renda para as populações urbanas, cuja absorção produtiva pelo setor industrial moderno não correspondeu todavia ás expectativas e planos governamentais.

De fato, as PME constituem, apesar do crescimento e da expansão contínua de grandes unidades produtivas, a imensa maioria das empresas industriais e de serviços, responsáveis por uma parcela significativa do produto social, dos empregos, salários e impostos recolhidos. Por outro lado, o processo de concentração e centralização do capital parece prenunciar o fim próximo da maioria das PME, superadas do ponto de vista tecnológico, financeiro e organizacional pelo maior dinamismo das grandes unidades produtivas.

Como é superada esta contradição na vida econômica real? Como explicar a alta rotatividade de pequenas empresas e, sobretudo, o nascimento continuo de novos empreendimentos industriais, comerciais e de serviços? Quais são as chances de sobrevivência dessas empresas que concorrem freqüentemente, num mesmo mercado, com fortes oligopólios? E quais seriam as medidas mais eficazes a serem edotadas pelo poder público, a fim de assegurar condições de funcionamento, com lucratividade, às pequenas e médias empresas?

Partindo de uma premissa básica, segundo a qual as PME não estariam simplesmente fadadas a desaparecer, mas passam a desempenhar novas e diferentes funções no processo de produção capitalista, propomos uma abordagem multi e interdisciplinar do fenômeno das pequenas e médias empresas, sob os seguintes enfoques:

a) a dinâmica e o problema da "sobrevivência" das PME devem ser inseridos no - e relacionados com o - processo de acumulação-centralização e dispersão do capital, efetuando-se, hoje, em escala mundial. Novas PME, capital-intensivas, surgem e crescem à sombra de conglomerados internacionais, dos quais são tributárias e subordinadas, ou complementares e relativamente independentes;

b) para compreender as relações de dependência entre PME e grandes empresas, toma-se necessário estudar a estrutura da produção e do consumo, a nível do ramo, ou do subsetor industrial, além da análise do comportamento da empresa individual;

c) o crescimento e o "sucesso" das PME numa economia oligopolizada e aberta ao capital internacional exigem do empresário mais do que as virtudes "schumpeterianas". Para poder inovar, planejar e ter "sucesso" (lucro), torna-se necessário conquistar também a hegemonia política ou, pelo menos, uma participação mais ativa nos órgãos decisórios da política econômica do Estado;

d) os programas de apoio às PME, sob forma de crédito, capital de giro, financiamentos de novas máquinas e equipamentos etc, mais do que soluções técnico-econômicas, refletem a organização e as tentativas de pressão política dos empresários das PME;

e) a fim de completar a análise do comportamento dos empresários das PME, não basta sitúalo apenas no contexto de sua empresa ou das atividades econômicas. Como categoria social, os empresários apresentam trajetórias, alianças e inserções, nas quais a história das empresas se confunde com a de seus agentes ou proprietários. Em outras palavras, a análise sociológica das PME evidencia inúmeras combinações no processo de acumulação e reprodução do capital, no qual a função do capital social e cultural dos indivíduos e de suas famílias é de importância fundamental para a sobrevivência e a prosperidade da empresa. As evidências empíricas colhidas nesta e, também, em outra pesquisa1 1 Rattner, H. et alii. Pequena e média empresa no Brasil -1963-1976. São Paulo, Símbolo, 1978. apontam para a origem social, o tipo de escola freqüentada, o casamento e as relações de família, como os maiores trunfos do empresário bem-sucedido;

f) os estudos convencionais sobre PME apresentam geralmente um corte horizontal e, por isso, uma análise estática, com muitas informações quantitativas sobre a situação, em dado momento, das PME. Entretanto, para acompanhar a evolução e dela inferir sobre a dinâmica das PME, são necessários estudos em dimensão histórica, ou seja, analisar o comportamento dos empresários, em circunstâncias e conjunturas mutantes, tais como surgiram no Brasil, nos últimos 20 anos, o que toma possível observar e avaliar a capacidade das PME em assimilar, adotar e incorporar novas tecnologias, na área de produção, de marketing e das técnicas contábeis-financeiras mais atualizadas.

Tentaremos, a seguir, desenvolver algumas considerações sobre os problemas de definição e classificação das PME, baseando-nos numa análise crítica dos estudos e trabalhos publicados.

Em apoio e continuidade de nossa argumentação, procuraremos analisar alguns aspectos da acumulação de capital, relacionados com a dimensão das unidades produtivas, objeto de estudos e de polémica quase permanentes entre os economistas. A superação das aparentes contradições, a níveis teórico e empírico, é tentada através da analise da dinâmica da acumulação, impulsionada pela mudança tecnológica e suas aplicações em escala global, o que leva à internacionalização da econômica, com a conseqüente redefinição do papel e das potencialidades das PME.

2. PROBLEMAS DE DEFINIÇÃO

Um problema importante, presente em todos os estudos sobre PME, é o da definição, ou classificação do que seja uma "pequena" empresa. Os critérios convencionais, tais como número de empregados ou valor do faturamento, se mostram insuficientes, e mesmo índices baseados em capital social, patrimônio líquido e investimentos em ativos fixos (máquinas e equipamentos) não permitem o estabelecimento de categorias analíticas adequadas.

O recurso a critérios combinados - tais como a posição no respectivo mercado, o acesso ao mercado de capitais, o número de empregados e a relativa divisão de trabalho especializado - não é de grande ajuda, por basear-se em conceitos vagos, o que leva os estudiosos e os administradores a privilegiarem índices quantitativos como, por exemplo, os ativos fixos.

Entretanto, estudos comparativos internacionais evidenciam que cada país atribui pesos diferentes a cada um desses critérios, em consonância com as peculiaridades de sua estrutura econômica. Ademais, verifica-se também que a adoção de determinados critérios é algo arbitrária e varia de uma instituição para outra, de acordo com e em função das relações intra e in terse tonais da atividade econômica.

Por outro lado, os critérios puramente contábeis - tais como ativos fixos, patrimônio líquido, lucros etc. - são pouco confiáveis, devido á tendência natural por parte dos empresários de sonegar informações e tributos e, por-outro lado, à erosão contínua de valores pela inflação permanente, o que dificulta análises e comparações de séries temporais-históricas.

Na definição do tamanho da PME pelo número de empregados, está implícita a premissa de que este determina a produtividade ou VTI (Valor de Transformação Industrial). Entretanto, este último depende da composição técnica do capital e sua adoção indiscriminada poderia levar à classificação de empresas altamente capital-intensivas, numa mesma categoria, com empresas artesanais, tradicionais e mão-de-obra intensivas.

Verificando-se que a classificação de PME por "tamanho" dificilmente nos proporciona indicadores válidos para aferir seu comportamento real, suas articulações e sua posição na estrutura hierárquica das empresas do ramo, é lícito indagar sobre o porqué da manutenção desses critérios.

Trata-se aqui, a nosso ver, de um viés ideológico da microeconomia, que postula um mercado de concorrência perfeita, com ajustamentos sucessivos da empresa, até chegar à dimensão ótima. Ademais, a função da produção (tecnologia) é tida como um bem 'livre" e comum a todas as empresas do ramo.

Na realidade, o ramo não é um simples agregado de empresas, funcionalmente idénticas. Ao contrário, revela-se- ao analista como uma estrutura complexa de relações dinâmicas e diferenciadas entre unidades com posições e funções diferentes. Embora os dados quantitativos sejam necessários para dimensionar e comparar certos aspectos e problemas típicos de PME, é necessário se obterem informações complementares qualitativas e que exigem estudos mais aprofundados.

A título de exemplo, apontamos alguns desses aspectos qualitativos:

- referentes à administração geral: sistemas de organização e administração tradicionais, concentrados nas funções do proprietário-adrriinistrador e dos membros de sua família. Pouca especialização dos diversos cargos administrativos, e relações internas e externas da empresa do tipo essencialmente pessoal. O elemento humano é pouco qualificado, o que resulta em programação pouco eficaz da produção e falta de integração desta com os outros setores ou departamentos da empresa, refletindo-se também na ausência de um sistema de informações para tomada de decisão, na organização;

- referentes à administração financeira-contábil: destacam-se as dificuldades para obtenção de financiamentos, agravadas pela escassez de recursos próprios. Na impossibilidade de ter acesso ao mercado de capitais, a empresa é obrigada a procurar crédito a curto prazo, pagando altas taxas de juros. Ademais, aponta-se para uma série de falhas no sistema contábil das PME;

- referentes à administração mercadológica: constituem aspectos e características fundamentais o tipo de participação no -e de - controle do mercado: a forma e o grau de concorrência; o número de produtos comercializados, tanto na compra de insumos e matérias-primas, quanto na venda de produtos acabados;

- referentes à gestão tecnológica: nesta área, são importantes as informações sobre ativos fixos imobilizados; força motriz instalada por empregado; tipos e proporções de mão-de-obra (qualificação, instrução, técnica, administrativa etc); tipos de máquinas e ferramentas utilizadas (manuais, mecânicas, elétricas, eletrônicas etc); tipos de divisão de trabalho e, finalmente, caracterização da tecnologia utilizada (tradicional ou moderna; nacional ou estrangeira; capital-intensiva ou trabalho-intensiva etc).

Entretanto, a enumeração, mesmo a mais completa, desses critérios meramente descritivos não nos aproxima do problema central da analise, ou seja, a dinâmica das PME, referida à sua função na acumulação e reprodução social do capital. Em outras palavras, toma-se necessária uma análise que abranja desde as etapas históricas do desenvolvimento das PME até a compreensão de sua natureza e função no processo de produção capitalista, incluindo os fenômenos de surgimento, desaparecimento, dissolução e reaparecimento das pequenas e médias unidades produtivas. A apreensão dessa dinámica - a centralização e a dispersão do capital na economia oligopolizada contemporânea - nos permite ultrapassar a caracterização e definição convencional das PME como meras e hipotéticas etapas de futuras unidades produtivas médias ou grandes.

3. ACUMULAÇÃO DE CAPITAL E PME

Dados estatísticos censitários apontam sistematicamente para a perda de participação e peso relativos das PME na economia nacional, enquanto se verifica, paralelamente, um processo de concentração e centralização de capital, em praticamente todos os ramos de atividade econômica. Em conseqüência, verifica-se uma grande instabilidade e insegurança no que se refere à sobrevivência das PME, sendo que uma alta percentagem sucumbe nos primeiros anos de sua existência.

O fenômeno da alta rotatividade das PME não pode ser explicado unicamente por seus aspectos econômicos. A analise sócio-política evidencia as importantes funções desempenhadas pelas PME na sustentação e legitimidade do próprio sistema, amortecendo os conflitos entre o capital e o trabalho, enquanto proporcionam vias de acesso e mobilidade ocupacional e social, tudo integrado por uma base ideológica vital para o sistema, expressa pela Uberdade individual e a livre iniciativa dos indivíduos membros da sociedade.

No fim da década de 60 e nos primeiros anos da de 70, ocorreu no Brasil uma intensa expansão industrial, acompanhada de forte tendência á concentração e centralização do capital. A "nova" industrialização não se limitou apenas à substituição das importações, mas induziu uma diversificação da produção, com bens intermediários, indústrias de base e bens de consumo duráveis.

O fortalecimento e a expansão das empresas estatais no setor de infra-estrutura abriu o caminho para a internacionalização da economia e o crescimento dos grandes grupos econômicos nacionais, facilitando a formação e penetração dos conglomerados, em todos os setores da economia mundial. A conglomeração e a conseqüente oligopolizaçào dos principais setores industriais, todavia, não levaram ao desaparecimento dás PME. Ao contrário, a conjuntura geral favorável, com uma demanda crescente, estimulou a expansão e, assim, a sobrevivência das PME, geralmente mediante sua integração vertical a grandes empresas, suprindo-as com bens intermediários e outros insumos (por exemplo, a indústria de autopeças).

Este tipo de relacionamento e a conseqüente estrutura de mercado não poderiam ser apreendidos pela análise, por mais minuciosa que fosse, da unidade-empresa.

Toma-se imprescindível a v análise do contexto, da articulação da empresa com a estrutura produtiva e do mercado, que determinam sua subordinação ás grandes empresas-líderes do respectivo ramo e as diferentes formas de conglomeração.

Destas últimas dependerá a relativa independência e sobrevivência das PME, as quais, em vez de serem eliminadas, estabelecem relações de complementaridade com as grandes, sob forma de subordinação e satelização conforme a hipótese de Sylos-Labini.2 2 Sylos-Labini, P. Oligopólio y progreso téc nico. Madrid, Oikos-Tau, 1966.

Verifica-se, assim, a reprodução contínua das contradições do processo de acumulação de capital, criando e destruindo, ao mesmo tempo, pequenas unidades produtivas. A chave do enigma, ou a superação da contradição, parece encontrar-se na dinâmica da inovação tecnológica.

No caso hipotético da ausência de inovações - não se modificando a relação entre o capital variável e o constante - a expansão do sistema de produção levaria ao esgotamento da oferta de mão-de-obra, com o conseqüente aumento dos salários reais e a diminuição da taxa de lucro, que provocaria, em última analise, a redução da taxa de acumulação, ou da reprodução ampliada do capital.

Este dilema leva o empresário a desenvolver novas técnicas de produção, incorporando o progresso técnico e novas formas de organização do trabalho, geralmente poupadoras de mão-de-obra. As novas formas de produção e acumulação não se impõem à totalidade do capital: somente uma fração é afetada, enquanto outras empresas continuam a reprodução, em diferentes lugares e momentos, nas condições anteriores, originando assim uma difusão desigual do progresso técnico, a nível intra e interindustrial.

A difusão desigual do progresso técnico, entre e dentro dos diferentes ramos industriais, nas empresas de tamanho e potencial diferentes, determina as relações de complementaridade e/ou dependência entre essas unidades e permite, assim, contrabalançar a tendência ao desaparecimento das PME, que passam a girar ao redor das grandes empresas (satelização), refletindo claramente um "dualismo" tecnológico e uma relação de dornmação-subordinação.

A hipótese da relação dominação-subordinação traz de forma implícita uma série de outras inferências hipotéticas, importantes para a compreensão do problema de inovação tecnológica nas PME:

- é importante analisar o funcionamento dos mercados de insumos e de produtos acabados, os quais permitem a percepção e compreensão do processo de satelização e da inovação tecnológica dependente;

-a relação de dependência resulta, geralmente, em intercâmbio de certos insumos em duas direções, como, por exemplo, na indústria metal-mecánica, onde as PME treinam pessoal que posteriormente passa a trabalhar nas grandes empresas, enquanto estas continuam a descartar seus equipamentos e máquinas usados para as PME;

- outra conseqüência séria da relação de subordinação e dependência das PME se manifesta na "deterioração das relações de troca" entre estas e as grandes empresas-lideres dos respectivos ramos. Estas últimas exercem pressão sobre os preços dos produtos intermediários adquiridos das PME, ou operam com preços administradores na venda de matérias-primas e insumos às mesmas.

Desta forma, para manter-se no mercado, as PME sâc obrigadas a pagar salários inferiores aos pagos pelas empresas grandes, o que leva â exploração da mão-deobra e à transferência da mais-vaiia para o grande capital.

Por outro lado, à medida que algumas indústrias passam da acumulação sob forma extensiva para a intensiva (manifesta pela elavação da composição técnica do capital), é gerada uma população relativamente excedente que permitirá a valorização do capital em alguns ramos da produção, ainda de forma extensiva. Resolve-se assim, pelo menos temporariamente, a contradição inerente ao processo de acumulação, sem necessidade de alterar a composição técnica do capital, em todos o ramos de produção. O desenvolvimento de setores produtivos caracterizados por acumulação intensiva cria condições objetivas para a permanência e a expansão - embora dependentes e subordinadas - das PME que continuam a valorizar o capital em condições de acumulação extensiva. Em resumo, para resolver a contradição da acumulação extensiva sem modificar a composição técnica do capital, toma-se imprescindível a existência de um exército de reserva da força de trabalho e que a capacidade de negociação da classe operária, ou, peio menos, da fração empregada em condições de acumulação extensiva, seja bastante diminuída, ou anulada politicamente.

4. A POLÊMICA DOS ECONOMISTAS SOBRE AS PME

A vida efémera de muitas pequenas empresas têm-se constituído em tema predileto do discurso dos economistas, que tentaram explicar esse fenômeno, bem como a sobrevivência de outras, em termos de uma teoria ou modelo econômico coerentes. O relativo fracasso dessas tentativas deve ser atribuído, por um lado, a uma percepção empírica imediatista que capta os fenômenos em sua aparência apenas, e às deduções às vezes arrojadas, baseadas em premissas do tipo coeteris paribus, por outro. Preocupados mais em legitimar a ascensão do grande capital do que em explicar a dinâmica do sistema capitalista, os teóricos da escola neoclássica recorreram a esquemas e modelos analíticos derivados por analogia do funcionalismo biológico, abstraindo por completo as classes sociais e as relações entre elas desenvolvidas no processo de produção. Assim, ao tentar explicar o desaparecimento das pequenas empresas, A. Marshall3 3 Marshall, A. Principles of economics 8 ed. New York, 1952. baseia-se nas premissas darwinianas da "lei de sobrevivência do mais apto" e da "evolução dos organismos dentro de um sistema funcionalmente diversificado e integrado". A evolução natural, segundo a primeira "lei", levaria ao crescimento de algumas pequenas empresas sua transformação em médias e, eventualmente, em grandes unidades produtivas.

Nessa luta pela sobrevivência, terão vantagem aquelas empresas que tomarem a dianteira no processo de divisão do trabalho. A diferenciação das tarefas e funções levaria à crescente especialização dos conhecimentos técnicos e gerenciais, com vantagens para a organização como um todo. Essas vantagens, decorrentes da diferenciação das funções, são qualificadas como economias internas, enquanto aquelas resultantes da integração são qualificadas de economia externas, por Marshall. As últimas resultam do desenvolvimento de transportes e de comunicações e das relações interindustriais de empresas localizadas no mesmo espaço geoeconômico e independem até certo ponto da dimensão das empresas individuais. À medida que aumenta o volume de produção de um ramo específico, amplia-se também o tamanho médio das empresas a eie pertencentes, sendo que as maiores têm, em geral, melhor acesso às economias externas, com correspondente redução de seus custos de produção. A correlação negativa entre o custo de produção e a dimensão do estabelecimento fica mais patente ao analisar as economias internas, sob forma de benefícios em larga escala, baseados na especialização, que permitiriam obter elevados rendimentos das máquinas, dos materiais e da mão-de-obra.

Num grande estabelecimento, as tarefas podem ser programadas e subdivididas em diferentes fases e processos, atingindo o rendimento das máquinas e dos operários, enquanto num pequeno estabelecimento as máquinas são de uso genérico e não-especializado, sendo essas também as características do seu operador. A tendência crescente à instalação de máquinas e equipamentos especializados, caros e de alta produtividade não pode ser acompanhada pelo pequenos industrial, que acaba sendo marginalizado do mercado. Da mesma forma, a grande empresa leva vantagem sobre a pequena, utilizando operários mais especializados para funções específicas. Esta • especialização se reflete também nas esferas técnicas e administrativas, submetidas a Uma rigorosa divisão de trabalho na grande empresa. Na pequena empresa, os empresários devem cuidar das tarefas rotineiras para assegurar a sobrevivência do negócio, não lhes sobrando tempo para tratar de projetos de expansão ou de modernização. Acrescentando-se a isto as vantagens mercadológicas da grande empresa, comprando grandes lotes, economizando nas despesas de transporte, gastando em publicidade e promoção e beneficiando-se da imagem da empresa e/ou de suas marcas, fica patente a inferioridade das pequenas unidades produtivas.

Marshall aponta essas dificuldades das pequenas empresas, que operam com custos mais elevados - por falta de economias de escala - e têm problemas na hora de tentarem expandir sua produção, por esbarrar na concorrência das outras pequenas empresas do ramo.

Como, então, explicar a continuidade de dezenas de milhares de pequenas empresas numa economia tendente à concentração e centralização do capital? O próprio Marshall, em face das evidências empíricas incontestáveis, propõe a tese de "permanência temporária" das pequenas unidades produtivas, não eliminadas por seus grandes concorrentes.

Os agentes dessa sobrevivência provisória aparecem constantemente no papel de empresários "aventureiros", dispostos a correr o risco do lançamento de uma nova empresa. Realizando um ato de "destruição criadora" (nas palavras de J A. Schumpeter), esses empresários impulsionam uma renovação contínua do mundo empresarial e, ao mesmo tempo, a expansão dos negócios.

Outro fator importante para a manutenção dos pequenos estabelecimentos seria o sistema de subcontratação implantado em alguns ramos pelas grandes fábricas.

Nas indústrias de confecção, ou de calçados, é comum as grandes empresas subcontratarem os serviços de indivíduos ou de pequenas oficinas, que trabalham em casa, sendo remunerados por peça, geralmente a níveis abaixo dos operários regularmente empregados e registrados nas fábricas.

Uma das indagações que mais têm preocupado os estudiosos dos problemas das PME refere-se à permanência da maioria destas, sem que fossem necessariamente extinguidas, nesta categoria, sem possibilidade de crescer. A resposta de que haveria um "tamanho adequado", ou uma racionalidade intrínseca ao tamanho da empresa não é satisfatória, porque pretende isolar a empresa individual de seu contexto, da dinâmica do ramo e do setor industrial. Mesmo admitindo-se diversos tamanhos "adequados" da empresa do ponto de vista tecnológico ou gerencial, parece fora de dúvida que, na própria dinâmica do sistema econômico, a grande empresa se beneficia melhor das "economias externas", especialmente na obtenção de toda espécie de favores, privilégios, incentivos etc, concedidos pelo poder público. O acesso facilitado estará em razão direta ao tamanho, ou "poder de mercado" da empresa, cujo poder financeiro superior lhe permite também arcar com os gastos necessários para manter-se em evidência junto às instâncias decisórias da política econômica. A contradição entre a tese dos rendimentos crescentes à escala, que levariam à concentração e até crescimento do número de PME, foi contornada por Marshall4 4 Marshall, A. op. cit. p. 292. pela premissa do "ciclo vital" da empresa, o qual asseguraria a substituição contínua de empresas e empresários decadentes por novos, mais dinâmicos e eficientes.

A análise da realidade das atividades industriais e comerciais apontou para a necessidade de uma revisão critica da tese marshalliana da extinção das PME, levando seus discípulos a pesquisar as causas da persistência e, eventualmente, da expansão em termos absolutos, das unidades produtivas de pequena escala.

Os resultados desses estudos levam à conclusão de que, em determinados setores e ramos de atividades, as deseconomias de escala (a nível de estrutura industrial), enquanto restringem a validade da tese dos rendimentos crescentes à escala, criam condições propícias para a sobrevivência e expansão das pequenas e médias empresas.

Os discípulos de Marshall tentaram oferecer explicações pragmáticas e, às vezes, até tautológicas para a sobrevivência das PME, tais como o conceito de "escala eficiente de produção"5 5 Ver Thorp, W. The integration of industrial operation London, 1924. , segundo o qual a presença diferenciada de pequenas e médias unidades produtivas nos diversos setores industriais dependeria essencialmente das características intrínsecas destes. Assim, os ramos caracterizados pela presença de grandes empresas seriam aqueles que exigem, entre outros:

- grandes investimentos iniciais;

- atendimento de um mercado de grande escala;

- fabricação de produtos padronizados, com rigoroso controle de qualidade;

- tecnologia e estrutura organizacional complexas.

Por outro lado, os ramos favoráveis à presença de pequenas e médias unidaades se caracterizam por:

- produtos de difícil padronização (moda);

- mercados limitados;

- artigos de consumo local e de transporte caro:

- matéria-prima dispersa regionalmente, perecível e de difícil transporte.

Admitindo-se, todavia, que a escala ótima de produção não seja necessariamente a da grande empresa e que aquela é definida pelo custo unitário ou pela rentabilidade por unidade de capital investida, toma-se fácil a comprovação de que não é das PME a rentabilidade mais elevada, enquanto o custo de produção mais baixo não corresponde necessariamente à freqüência mais elevada de unidades produtivas de determinado tamanho.

Outra tentativa de explicação das razões da sobrevivência das PME é apresentada por Ford6 6 Ver Ford, P. Economics of modem industry. London, 1930. , que procura vincular os ciclos econômicos a essa problemática. A acumulação conseguida nos períodos de expansão permitiria a persistência das PME nas fases de recessão. Ademais, na fase posterior a esta, de recuperação do mercado, a presença das PME seria funcional para o pronto atendimento da demanda.

As teses ou propostas de explicação da sobrevivência das PME formuladas pelos discípulos de Marshall, embora procurem apoiar-se em grande número de observações e estudos empíricos, não chegam a enfocar a problemática sob o ângulo da inserção das PME no seu setor, mercado e no sistema econômico em geral. As análises se restringem à empresa isolada, sua estrutura e desempenho, sem procurar estabelecer os determinantes macro, ou seja, a dinâmica do processo de produção e acumulação capialistas.

5. CONCENTRAÇÃO E CENTRALIZAÇÃO DE CAPITAL E AS PME

O poder explicativo da análise neoclássica ao tratar da problemática das PME é limitado e, às vezes, até confuso, por trabalhar com categorias e conceitos ideiais e estáticos, dentro de um modelo microeconômico, fundamentado na cláusula coeteris paribus. Operando com conceitos abstratos, tais como "preço normal, empresa individual representativa, equilíbrio de mercado" etc, a análise não consegue captar a dinâmica do processo de acumulação e reprodução do capital, em seu movimento histórico e contraditório.

A análise marxista recusa o esquema formal de "equilíbrio de mercado" como base do processo econômico, em que os fatores de produção estariam concorrendo em pé de igualdade para a produção, remunerados de acordo com sua produtividade marginal, por implicar esta colocação uma visão essencialmente idealista e irreal do processo histórico.

Postulando o conflito e a tensão histórica entre capital e trabalho, a problemática das PME, como conceito histórico, é inserida no processo de acumulação e reprodução do capital, num movimento dinâmico caracterizado por contradição, desequilíbrio e conflitos reais, a nível da divisão social do trabalho.

Ao desenvolver e analisar o processo de transformação do trabalho isolado em trabalho social, Marx relacionou as três formas de cooperação simples, da manufatura e da indústria, como aspectos da transição e evolução das PME no processo de produção capitalista.

Da cooperação simples, onde a divisão do trabalho e o emprego de máquinas são pouco significativos, passa-se à cooperação manufatureira, que pressupõe não somente uma divisão do trabalho interna, como também a concentração dos meios de produção nas mãos de um capitalista.

A cooperação da manufatura não representa, todavia, a maior eficiência organizacional da produção, por seus resquícios de trabalho artesanal. A subordinação completa da força de trabalho ao capital será realizada na cooperação da indústria, internamente nos aspectos técnico e organizacional e, externamente, por sua transformação em mercadoria, uma vez espoliada de seus meios de produção.

A tecnificação crescente da produção pelo uso de máquinas, equipamentos e processos de produção cada vez mais complexos e sofisticados tende, inexoravelmente, a elevar as escalas de produção e as dimensões dos estabelecimentos fabris, ao mesmo tempo impondo um sistema autoritário de administração, baseado em ritmos e normas de comportamento rígidos, despojando os trabalhadores de sua autonomia e habilidades profissionais, transferidas aos técnicos e burocratas.

À medida que se evidenciam as vantagens do sistema de produção industrial, que reduz as funções dos operários a meros atos fragmentados e parciais, com perda da visão do know-how do conjunto, a indústria maquinizada se transforma em "grande empresa", enquanto a cooperação da manufatura passa à categoria de pequena ou média empresa.

A distinção entre as diferentes formas de produção não se estabelece pela escala, mas pela tecnologia preponderante, a qual passa da operação manual-individualizada no sistema de cooperação simples e artesanal para o predomínio das máquinas e da técnica sobre o trabalho humano, na cooperação da indústria.

Contudo, a análise baseada na evolução da divisão interna do trabalho é incompleta, exigindo uma articulação do sistema de produção concreto, baseado em determinada técnica, em cada fase histórica, com a evolução da divisão social do trabalho na sociedade. Assim, se a cooperação simples artesanal correspondia a uma economia e sistema de produção praticamente autosuficientes, a manufatura se expande na fase da economia mercantil, estimulando-se reciprocamente a divisão do trabalho interna à empresa e a divisão social do trabalho, a nível da sociedade.

Quando surge o sistema fabril, racionalizando ao extremo a divisão interna do trabalho, as formas de organização precedentes - a cooperação simples e da manufatura (ou, para nossos fins, as pequenas e médias empresas) - sofrem o impacto da nova tecnologia, de sua capacidade produtiva e, portanto, sua competitividade superior, no mercado.

A caracterização desse processo não se fundamenta unicamente no aumento das dimensões dos estabelecimentos e empresas industriais, mas na tecnificação crescente da produção, com o aumento da composição orgânica do capital 0, ou crescente proporção de capital fixo, em relação ao capital variável).

Entretanto (a tese da destruição inevitável das PME não pode ser inferida da análise marxista sobre a transição de formas produtivas menos complexas para a organização industrial em grande escala, pois esta se refere ao desaparecimento de empresas pré-capitalistas, enquanto na época atual deparamo-los com pequenas e médias unidades perfeitamente integradas nas relações capitalistas de produção, de tecnologia avançada e associadas às - ou tributárias das - grandes unidades produtivas.

Em outras palavras, na fase do capitalismo oligopolista, os conceitos "pequena", "média" e "grande" não significam mais unidades produtivas de estrutura e estágio de desenvolvimento diferentes, mas devem ser referidos às descontinuidades tecnológicas, de escala, de tamanho e de poder de mercado diferentes das empresas integradas no sistema de produção capitalista.

A observação empírica do aumento, em termos absolutos, do número de pequenas e médias unidades produtivas, em pleno processo de industrialização oligopolista, colocou a problemática das PME de novo no centro das polêmicas dos economistas.

Postulando uma escala de produção ótima que não seja a grande, pelo menos em alguns setores das atividades industrial, comercial e de serviços, procurou-se uma explicação teórica da "geração contínua e circular de pequenas unidades produtivas". Em outras palavras, a dispersão de capitais conjugada com a aspiração à autonomia de determinadas categorias de empregados propiciariam os elementos necessários para o ressurgimento contínuo de PME.

Essas novas pequenas e médias empresas, embora juridicamente independentes, constituem-se na realidade em extensões dependentes das grandes organizações produtivas, relação essa categorizada por laços de dependência técnica ou institucional. As pequenas unidades produtivas, nominalmente independentes, de fato só sobrevivem assumindo o papel de subordinadas às grandes empresas, num sistema de subcontratação, fornecimento de insumos, compra e uso de tecnologia, assistência técnica e controle de qualidade e preços etc.7 7 Kaustsky, K. La doctrina socialista. Buenos Aires, Claridade, 1966.

Por outro lado, o processo de concentração de capital não se realiza de modo uniforme e simultaneamente em todos os setores da economia, o que criaria oportunidades e possibilidades de sobreviência para pequenos empresários, expulsos de seus ramos tradicionais, para outros, ainda não plenamente desenvolvidos pelo grande capital. Tratar-se-ia, nestes casos, apenas de um adiamento temporário da setença fatal, ou seja, da eliminação das PME.8 8 Id. ibid. p. 75.

Essa tese é vigorosamente refutada por Lenin9 9 Lenin, VJ. El imperialismo, fase superior dei capitalismo. Progreso, 1970. ao retomar o enfoque da associação dependente das PME na fase do capitalismo monopolista. Segundo este autor, a discussão dos números de PME, sua sobrevivência, extinção ou transformação em unidades médias ou grandes seria, a rigor, irrelevante, quando dissociada da análise das relações de subordinação e dependência impostas pelos grandes blocos de capital.

A situação de dependência altera significativamente as relações entre as PME e as grandes empresas, passando aquelas a seguir, quase pari passu, as imposições destas, no que tange aos preços, quantidade de produção, qualidade de produtos, portanto, tipo de insumos, máquinas e processos a serem utilizados. Contrariamente à fase inicial da implantação do sistema de produção capitalista, na época do capitalismo monopolista, as PME não combatem ou competem com as grandes empresas, às quais são organicamente ligadas e cuja prosperidade se reflete também em melhores negócios e maiores lucros para as unidades tributárias periféricas.10 10 Hilferding, F. El capitalismo financeiro. Madrid, Tecnos, 1973.

Contudo, diversos estudos apontam para a exploração das PME pelas grandes empresas, contribuindo assim, para a acumulação de capital destas. Numa crítica das recomendações da missão da Organização Internacional de Trabalho (OIT) no Quénia, advogando um relacionamento mais estreito entre os setores formal e informal (isto é, as PME), C. Leys11 11 Leys, Colin. Underdevelopment in Kenya: the politicai economy of neo-colonialism. London, Heinemann, 1975. aponta para seus efeitos duplamente negativos: o setor informal fornece ao formal bens e serviços a baixo custo, proporcionando-lhe elevados lucros. Por outro lado, é esta relação que permite às empresas do setor informal impor baixos salários aos seus empregados. Outro aspecto relevante no relacionamento entre grandes empresas e as PME é representado pela subcontratação, que reforça a dependência e, assim, a exploração dos pequenos produtores, obrigados a trabalhar com mão-de-obra não-remunerada (geralmente, membros da família), a fim de manter seus custos de produção baixos, em face da pressão das grandes empresas.

Fato curioso, essa situação de dependência com relação à grande unidade produtiva não escapava dos teóricos do socialismo, no começo deste século, embora os levasse a adotar posições doutrinárias contrárias a políticas de apoio às PME.

Tanto Marx quanto Lenin viam a pequena empresa familiar como um resquício das relações de produção pré-capitalistas, que deviam ser substituídas rapidamente pelo trabalho assalariado.

Constatando a dupla exploração dos trabalhadores nas pequenas empresas, pela subcon tratan te e pela grande unidade compradora dos bens ou serviços daquela, Lenin polemiza contra uma política de apoio aos pequenos produtores, reclamada insistentemente pelos Narodna Volja (Revolucionários do Povo), pois, segundo ele, as pequenas empresas mantêm e perpetuam relações de exploração piores do que as grandes, as quais são beneficiadas pela subcontratação daquelas, o que levaria, em última análise, ao atraso do desenvolvimento industrial capitalista!

Trata-se, obviamente de uma contradição flagrante: como é possível as PME atrasarem o pleno desenvolvimento da industrialização e do capitalismo, se, de acordo com o próprio Lenin, sua exploração pelas grandes empresas acelera o processo de acumulação destas? Ademais, na fase do capitalismo oligopolista, de centralização e dispersão de capitais, em conseqüência do "progresso técnico", são criadas constantemente condições para a subcontratação e, assim, o ressurgimento de PME, as quais, longe de constituir-se em anacronismos e obstáculos ao desenvolvimento capitalista, desempenham função essencial no processo de acumulação e produção do capital.

Para compreender a dinâmica deste processo e a inserção das PME, toma-se necessário caracterizar as estruturas de mercado em que concorrem unidades produtivas de tamanhos diferentes, seguindo as categorias analíticas de M. da C. Tavares. No primeiro caso, aparece o oligopólio puro ou concentrado, caracterizado por apresentar "elevada concentração técnica e econômica, em que um número reduzido de empresas através de plantas industriais de grande escala de produção absorve uma parcela substancial da demanda do setor; produto razoavelmente homogêneo, pouco passível de diferenciação (...); importantes descontinuidades de escala e de técnicas de produção, que permitem a coexistência de firmas de tamanhos muito distintos no mesmo mercado (...); existência de fortes barreiras à entrada de novas firmas de grande porte no mercado (...) que minimiza a possibilidade de eliminação mútua e assegura a estabilidade desse tipo de estrutura de mercado".12 12 Tavares, Maria da Conceição et alii. Estrutura industrial e empresas/líderes Rio de Janeiro, Finep, 1978. p. 82. As barreiras à entrada são .estabelecidas tanto a partir da tecnologia como do montante elevado de capital necessário à instalação.

O segundo tipo de estrutura de mercado é o oligopólio diferenciado, concentrado ou misto que, além das características comuns do oligopólio puro (descontinuidades de escala - não "necessariamente tecnológicas e concentração), apresenta diferenciação de produtos, constituídos por bens de consumo duráveis, segundo marcas, modelos e por faixas de renda dos consumidores, o que representa um papel decisivo na concorrência entre as empresas já presentes no mercado, bem como na formação de barreiras à entrada de novas firmas.

Essa estrutura de mercado é característica da expansão capitalista após a II Guerra, através das empresas transnacionais, que utilizam estruturas de produção e acumulação mais complexas que a simples diferenciação de produtos. Sua expansão ultrapassa os limites de crescimento dos países centrais e gera investimentos diretos em diferentes partes do globo em níveis nunca antes alcançados, além de um diversificação que ultrapassa a diversificação e integração na esfera produtiva para abarcar as esferas comercial e financeira da acumulação. Situados no setor de bens de consumo duráveis, principalmente nos ramos de material de transporte e eletro-eletrônicos, os efeitos desses oligopólios ultrapassam em muito os contextos setoriais definidos, sobretudo pelo encadeamento intersetorial através da formação de uma subestrutura de produção intermediária (insumos, peças e acessórios diversos) e de bens de capital, em sua maior parte constituída de empresas nacionais de porte médio ou pequeno, acopladas às empresas terminais e, de outro lado, uma "superestrutura" de distribuição.

A terceira estrutura é o oligopólio diferenciado que, de certa forma, apresenta fronteiras fluidas em relação ao oligopólio concentrado-diferenciado, ao oligopólio competitivo ou ainda aos mercados não-oligopólieos. É importante a diferenciação dos produtos como forma de concorrência que existe tanto pela existência de inúmeras marcas e produtos como também por faixa de consumidores. Em geral, são bens de consumo não-duráveis, tais como: cigarros, produtos farmacêuticos, de perfumaria e de laticínios.

O quarto tipo de mercado é o oligopolista competitivo, onde as maiores empresas, embora não detenham uma porção substantiva do mercado, nele exercem uma liderança real. De modo geral, as empresas estrangeiras não ocupam de forma significativa as posições de domínio, ao contrário dos outros tipos de mercado. A diferenciação de produtos, embora existente, não é variável fundamental na concorrência, pois não consegue estabelecer barreiras à entrada. Além disso, esse mercado se caracteriza por um baixo dinamismo que depende do crescimento geral da economia, principalmente do crescimento da renda urbana. Representam essa estrutura de mercado as indústrias tradicionais de bens de consumo não-duráveis como a indústria de alimentos, bebidas e alguns sub-ramos da indústria têxtil.

Finalmente, os setores não-oligopólicos constituem um tipo de estrutura de mercado caracterizado por baixa concentração e presença minoritária de grandes empresas na liderança. Pode-se separar o setor em duas categorias, uma cuja produção é constituída de produtos homogêneos, predominantemente produtos intermediários para consumo, e outra, setores com produção diferenciada, na maioria bens de consumo não-duráveis. Também nesta estrutura de mercado, a presença de empresas nacionais na liderança é dominante.

A partir desse quadro geral que destacou as principais estruturas do mercado, podemos inserir a pequena e média empresa, buscando determinar as diferentes formas de sua articulação com o grande capital.

Uma primeira forma de articulação seria numa estrutura competitiva de mercado onde a pequena e média empresa se aproximaria de um produto marginal. Uma segunda corresponderia a uma estrutura de mercado com limitação de concorrência, onde a descontinuidade tecnológica é decisiva, como no caso do oligopólio concentrado; neste caso, as pequenas e médias empresas seriam concentradas por oposição à grande empresa. Finalmente, uma terceira forma de articulação corresponderia a uma situação de dependência e subordinação das pequenas e médias empresas às grandes empresas em estruturas concentradas-diferenciadas, onde é comum a pequena e média empresa situar-se em complementaridade subordinada à grande empresa.

A capacidade de acumulação da pequena e média empresa vincula-se à forma como se insere dentro das diferentes estruturas de mercado, o que vai determinar seu dinamismo e expansão ou, pelo menos, sua sobrevivência. O processo de acumulação de uma empresa relaciona-se às possibilidades de aumentar seu potencial produtivo, assimilando inovações tecnológicas e administrativas a fim de conseguir a redução de seus custos.

Na estrutura do, oligopólio competitivo, as possibilidades de expansão e sobrevivência das pequenas e médias empresas estariam limitadas basicamente pela taxa de expansão do mercado e pelo ritmo de expansão das grandes empresas. As empresas pequenas e médias só poderiam expandir-se na medida em que a taxa de crescimento das grandes empresas não tivesse superado a taxa de expansão do mercado.

No oligopólio concentrado, a expansão das pequenas e médias empresas é viável desde que limitada a certos mercados que por localização e/ou tamanho não interfiram nos interesses de expansão das grandes.

No caso do oligopólio diferenciado, a expansão das pequenas e médias empresas depende do seu grau de integração com as grandes empresas. Aquelas que produzem num regime de complementaridade, subordinada às empresas maiores, poderão modificar com maior facilidade a sua linha de produção e isso se deve à circunstância de que estas mudanças estariam de certa forma garantidas pelas grandes - tendo em vista as necessidades de estas últimas abastecerem-se nas pequenas e médias no que se refere a partes e materiais componentes.13 13 Há farta literatura sobre essa questão, porém pretendemos destacar apenas alguns aspectos que atendem mais as nossas preocupações atuais. Alguns estudos priorizam mais os problemas econômicos e políticos, enquanto outros enfatizam o aspecto tecnológico. Ver, entre outros, tratando do problema brasileiro: Cardoso, Fernando Henrique & Faletto, Enzc. Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro, Zahar, 1977; Furtado, Celso. Análise do modelo brasileiro. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975; Beato, Francisco de Almeida. A transferência de tecnologia no Brasil Ipea, 1972. Tratando a problemática mais geral, ver: Vernon, Raymond. Tempestade sobre as multinacionais. Rio de Janeiro, Zahar, 1980; Hymer, Stephen. Empresas multinacionais e internacionalização do capital. Rio de Janeiro, Graal, 1978; Singer, Paul. Divisão internacional do trabalho e empresas multinacionais. Cebrap, 1976. mimeogr. As empresas não integradas ao esquema de subcontratação têm que procurar caminhos próprios para expandir ou sobreviver, o que é conseguida apenas com a superação de muitas dificuldades definidas pela própria fragilidade dessas empresas em face das empresas que estão melhor integradas às grandes unidades produtivas.

Tentemos recapitular e resumir as diferentes posições analisadas, procurando explicar o fenômeno de geração contínua de empresas de pequena e média dimensão, operando com volumes relativamente reduzidos de capital, e que desaparecem ou acabam satelizadas pelas grandes organizações, a curto-ou médio prazo.

Seguindo o raciocínio de Marx sobre a acumulação de capital, deparamo-nos com os três movimentos dialéticos deste processo - a concentração, que cria sua antítese na dispersão, para resultar na negação da negação, ou seja, a centralização de capitais. O primeiro estágio do processo realiza-se na transição de formas pré-capitalistas (cooperação simples) para a organização propriamente capitalista da produção industrial, que pressupõe a acumulação primitiva a fim de acelerar o desenvolvimento de forças produtivas do trabalho.14 14 Sato, A.K. Pequenas e médias empresas no pensamento econômico. Campinas, IFCH da Unicamp, 1977. mimeogr. Com a implantação e consolidação das empresas baseadas na tecnologia e na divisão social do trabalho industrial, as "pequenas" unidades remanescentes da fase pré-capitalista são eliminadas e tendem a desaparecer. A expansão e a generalização da produção capitalista são acompanhadas pela concentração que, por sua vez, amplia a escala de produção aumentando a produtividade do trabalho e, concomitantemente, os lucros e o ritmo de acumulação. Verifica-se, portanto, num processo retroalimentador, a expansão do sistema de produção capitalista e a acumulação do capital, refletidas também na alteração contínua da composição do capital, aumentando a parcela do capital constante em relação ao variável pu, em outras palavras, a quantidade de máquinas e equipamentos por operário.

Incapazes de acompanhar essa tendência à tecnificaçáo crescente de produção, as PME tenderiam a desaparecer- não fosse o movimento contrário de dispersão de capitais, provocado pelo próprio processo de acumulação e concentração de capital.

O crescimento do volume de capital gerado no processo de acumulação leva também à sua dispersão, ou seja, á formação de novos capitais ou empresas, em conseqüência da expansão geral do sistema. O surgimento de PME, resultando dessa dispersão de capitais, acompanharia paralelamente o processo de acumulação e concentração de capital. Entretanto, completando a tríade dialética, surge também a tendência à centralização de capital, diferente em sua mecânica e seus resultados do processo de concentração.15 15 Marx, K. El capital. México, Fondo de Cultura Económica, 1977. t.1.

A centralização como tendência dominante do capitalismo oligopolista ficou amplamente evidenciada com a formação de conglomerados, de âmbito global, após a II Guerra Mundial.

Sua capacidade de diversificação e penetração nos mais diversos setores de atividade econômica confere ao conglomerado, apoiado numa infra-estrutura de comunicações, processamento de informação e centro decisório altamente centralizado, vantagens inéditas no processo de acumulação. As elevadas taxas de lucro decorrentes aceleram o ritmo e a intensidade de seu crescimento e expansão, em escala mundial. A dependência e subordinação das PME dos grandes conglomerados reflete-se, inevitavelmente, nas relações políticas.

As entidades representativas das PME - a imensa maioria em praticamente todos os setores de atividade - são organizações politicamente inexpressivas, oscilando em suas posições, que não ultrapassam o nível de tímidas reivindicações por mais créditos e proteção perante o Estado, o que deve também assegurar maior espaço à "iniciativa privada".

Fato significativo, as PME não reivindicam o restabelecimento do mercado de livre concorrência, mas clamam por mais proteção e privilégios, que possam assegurar uma barreira à entrada de concorrentes e, portanto, uma taxa de lucro extraordinária. O problema da sobrevivência para as PME não se coloca como capacidade maior de resistência e luta contra a grande empresa, mas sua associação com esta, compartilhando os benefícios e lucros de sua expansão.16 16 A expansão da indústria automobilística no início dos anos 70, inclusive as exportações crescentes de veículos e peças, desenvolveu um estado de euforia e adesão completa no setor de autopeças, constituído, basicamente, de PME. Por outro lado, esta dependência tenderia a acentuar-se nas fases de recessão da economia, dada a impossibilidade prática de alterar linhas de produto, máquinas e equipamentos, sem acesso a recursos financeiros de vulto e sem garantia de mercado. As atitudes políticas decorrentes, se por um lado se manifestam em apoio quase incondicional às pretensões do grande capital, por outro se refletem em um antagonismo virulento às organizações sindicais e políticas, dos trabalhadores.

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  • 1
    Rattner, H. et alii.
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  • 2
    Sylos-Labini, P.
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  • 3
    Marshall,
    A. Principles of economics 8 ed. New York, 1952.
  • 4
    Marshall, A. op. cit. p. 292.
  • 5
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  • 6
    Ver Ford, P.
    Economics of modem industry. London, 1930.
  • 7
    Kaustsky, K.
    La doctrina socialista. Buenos Aires, Claridade, 1966.
  • 8
    Id. ibid. p. 75.
  • 9
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    El imperialismo, fase superior dei capitalismo. Progreso, 1970.
  • 10
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    El capitalismo financeiro. Madrid, Tecnos, 1973.
  • 11
    Leys, Colin.
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  • 12
    Tavares, Maria da Conceição et
    alii. Estrutura industrial e empresas/líderes Rio de Janeiro, Finep, 1978. p. 82.
  • 13
    Há farta literatura sobre essa questão, porém pretendemos destacar apenas alguns aspectos que atendem mais as nossas preocupações atuais. Alguns estudos priorizam mais os problemas econômicos e políticos, enquanto outros enfatizam o aspecto tecnológico. Ver, entre outros, tratando do problema brasileiro: Cardoso, Fernando Henrique & Faletto, Enzc.
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    Análise do modelo brasileiro. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975; Beato, Francisco de Almeida.
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  • 14
    Sato, A.K.
    Pequenas e médias empresas no pensamento econômico. Campinas, IFCH da Unicamp, 1977. mimeogr.
  • 15
    Marx, K.
    El capital. México, Fondo de Cultura Económica, 1977. t.1.
  • 16
    A expansão da indústria automobilística no início dos anos 70, inclusive as exportações crescentes de veículos e peças, desenvolveu um estado de euforia e adesão completa no setor de autopeças, constituído, basicamente, de PME.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1984
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