COMENTÁRIOS
Sôbre os alcances e efeitos da realimentação social tipo lógico
Csaba Deák
Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
Referimo-nos à realimentação social em geral e à realimentação social tipo lógico, como definidas por N. Wiener em Cibernética e sociedade.
Descrevemos, até aqui, apenas um processo de cunho evolucionista que se encaixa perfeitamente na visão do mundo com entropia crescente e com bolsões (áreas da vida) de sistemas com entropia decrescente,
Queremos agora focalizar, em apenas alguns parágrafos, um conceito que parece ser desenvolvimentista, ou perfeccionista, emitido através do exemplo da técnica telefônica.
Parece-nos que o aperfeiçoamento sugerido por Wiener, além do indubitável aumento do rendimento do sistema, produziria um efeito secundário considerado indesejável pelo próprio Wiener, a saber, o aumento de rigidez do sistema.
Pode parecer pessoal ou subjetivo a preferência, ou não, de multiplicar contatos com indivíduos conhecidos ou estabelecer contatos com indivíduos desconhecidos, mas do ponto de vista social haverá consenso em reconhecer que a sociedade resultante do sistema de comunicações acima descrito, apesar de não ser uma sociedade de castas, talvez nem mesmo de classes, teria uma tendência inerente de fechamento, tendência essa que é contrária àquela observada nas sociedades pós-industriais contemporâneas.
As considerações acima dizem respeito apenas a opiniões sobre a desejabilidade ou não dos efeitos de uma realimentação informada por um fim específico,
Uma consideração seguinte nos coloca, porém, uma dúvida quanto à coerência interna do pensamento exposto na obra citada, pelo menos em alguns de seus pormenores.
As passagens já referidas segue a afirmação
Estamos inclinados a acreditar que se trata, no caso do sistema de comunicações telefônicas, de um processo de saturação, nos termos em que é referido na nota 6.
Queremos dizer com isso que, indubitavelmente, o aparecimento das comunicações telefônicas constitui um passo no sentido negentrópico: de fato, a telefonia possibilita comunicações afastadas geograficamente, até então altamente improváveis. No enfoque considerado, o invento da telefonia é o início de um ciclo negentrópico, em relação ao ciclo anterior.
Não temos condições de afirmar que o sistema telefônico esteja, no presente momento, em sua fase de saturação. Isto depende de condições técnicas: podem advir aperfeiçoamentos que dêem continuidade por algum tempo ao processo riegentrópico dentro do ciclo.
Voltando à realimentação social, podemos tirar algumas conclusões a partir da análise do exemplo do sistema de comunicações.
Admitiremos inicialmente que um processo de realimentação é informado por uma finalidade -
No caso do organismo constituído pela sociedade, existem vários fins simultâneos e de graus e áreas de atuação diversos, cada um informando um processo de realimentação que capacita a sociedade a atingir aqueles fins, o que não; significa que todos os processos de realimentação ajam no sentido negentrópico: isso dependerá da natureza do fim a ser atingido, conforme vimos no caso do exemplo discutido acima.
Essa contradição é aparente absurdo são superados pela regressão final. Com efeito, podemos considerar todos os fins específicos como intermediários, ordenados em função de úm fim não discutível. O conceito acerca desse último fim tem variado através da história de nossa civilização, sendo que hoje a estrutura de nosso pensamento indica a própria vida como o fim indiscutível. Em termos denotativos, a vida é característica dos organismos que contrariam a segunda lei da termodinâmica. Portanto, em termos denotativos, o fim irredutível dos organismos vivos,
Em função desse fim irredutível, fins intermediários que visam à ação e informam processos de realimentação são fixados.
Ocorre que esses fins têm alcances diversos no tempo e no campo das ações. Existem fins imediatos como ir ao Rio de Janeiro, por exemplo. Esse fim determina uma série de ações necessárias, controladas por um processo de realimentação informado pelo fim em questão. Seja, por exemplo, a série de ações programadas: "fazer as malas, reservar hotel no Rio, lubrificar o carro"; ao surgir um novo fato como: "meu amigo vai ao Rio na mesma época, eu posso ir com êle e seu carro é mais veloz", o processo de realimentação, tendo em vista o fim "ir ao Rio", alterará o programa de ações e vai substituir "lubrificar o carro" por "combinar com o amigo a hora e local da partida". No enfoque considerado, esse processo de realimentação é do tipo lógico e é análogo àquele discutido no exemplo, do sistema telefônico.
Mas existem também fins mais remotos como {para relacionar com o exemplo anterior) de "resoJver um assunto numa repartição que funciona no Rio", que desencadeou uma série de programas de ação com fins intermediários, dos quais um é aquele "ir ao Rio"
A possível obsolescência de um processo - e do fim específico correspondente - fica clara ao imaginarmos o seguinte: durante o funcionamento dos processos que visam aos fins intermediários, "ir ao Rio", por exemplo, surge uma nova condição no meio: recebemos a informação de que "a dita repartição transferiu-se para Brasília".
O processo de realimentação informado pelo fim "resolver um assunto na dita repartição" alterará parte dos fins intermediários e vai substituir "ir ao Rio" por "ir a Brasília", tornando obsoleto, por ser entrópico, o fim "ir ao Rio" e o processo de realimentação correspondente.
Quanto mais complexo fôr o organismo ou sistema, tanto mais difíceis serão as mudanças corretivas em função de novas condições, pois maior será o número de subsistemas em funcionamento, que deverão ser realimentados. É o caso da sociedade, e essa é a razão pela qual no organismo social extremamente complexo coexistem processos entrópicos e negentrópicos.
1. A coexistência de processos entrópicos e negentrópicos na sociedade não só não é contraditória, ainda menos absurda, mas é inerente ao próprio sistema pelo fato de não existirem comunicações instantâneas: o sistema "ir ao Rio", do nosso exemplo, funciona até ser substituído por "ir a Brasília". O que se pode fazer é reduzir as áreas entrópicas pela aceleração dos veículos de informação, o que aliás é, sem dúvida, uma tendência da sociedade. 2. É difícil, na prática, discernir quais subsistemas pertencem a sistemas entrópicos, pelo fato de que nem todos os subsistemas de um sistema entrópico são forçosamente entrópicos em si. Isto se torna claro se analisarmos o que ocorre no exemplo acima no momento em que o sistema "resoíver um assunto numa repartição que funciona no Rio" é realimentado. O subsistema "ir ao Rio", entrópico, é substituído por "ir a Brasília". A nova programação será: "fazer as malas", "reservar hotel em Brasília" e "lubrificar o carro". Vemos que apenas um item, "reservar hotel no Rio", do sistema obsoleto, é alterado, conservando-se os outros dois.
Em sistemas extremamente complexos, como a sociedade, onde há superposição de número nao-infinito, porém não-inumerável de sistemas, a dificuldade de discernimento dos processos entrópicos aumenta excessivamente e escapa ao processamento digital.
- 1 Wiener, N. Cibernética e sociedade. cap. 3.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
28 Maio 2015 -
Data do Fascículo
Set 1971