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A reestruturação urbana de São Paulo (Brasil): aspectos administrativos

ARTIGO

A reestruturação urbana de São Paulo (Brasil) - aspectos administrativos

Antonio Delorenzo Neto

Professor de sociologia na Universidade Estadual Paulista (Unesp)

I

Nesta exposição, vamos retomar nossas ideias já desenvolvidas em comunicação apresentada ao XXIII Congresso Mundial de Municípios, realizado pela União Internacional de Poderes Locais (IULA), em Hamburgo, em setembro de 1977.1 1 A qualidade da vida urbana. In: Digesto Econômico, Associação Comercial de São Paulo, (263), set./out. 1978. Divulgada a todos os burgomestres da província de Hesse, em língua alemã. Seu fundamento teórico reflete nossa constante coerência com os postulados da descentralização e regionalização das atividades municipais, especialmente nos países de estrutura federal e demasiado extensos, com o Brasil.2 2 Sobre as contradições do federalismo, consultar nossa tese apresentada ao Congresso Mundial de Sociologia, realizado na Universidade de Uppsala, em junho de 1978, em Sociologia, revista da Escola de Sociologia e Política (instituição complementar da Universidade de São Paulo), 1980, sob o título: Diversification cultura/e et fédéralisme.

Quando se pretende reorganizar o espaço de uma grande capital, devemos harmonizar dois pontos de vista - o urbanístico e o administrativo. O primeiro visa atender à melhor estruturação do espaço, observada a vocação dos bairros, desligando-se da tirania de um único centro. Esse objetivo só poderá ser atingido se for adotada uma divisão administrativa levando em conta critérios orgânicos, com base no zoneamento funcional.

De acordo com a moderna contribuição dos urbanistas, a partir da lição e da experiência de Doxiadis, tende-se a admitir que a cidade polinucleada é a mais compatível com a escala humana.3 3 Doxiadis, CA. Ekislics - an introduction to the science of human settlements. London, Hutchinson, 1968 A cidade polinucleada derivou-se do urbanismo orgânico, através da criação dos escalões urbarios.-Sua unidade básica é o bairro ou a unidade de vizinhança (o setor humano). Hoje, a vida urbana está condicionada por quatro elementos - o homem, o automóvel, o avião e o projétil. Nestas circunstâncias, devemos manter a todo cuslo a dominância do primeiro - que deve controlar a síntese total da cidade. Isto não é possível em zonas extensas. Se presumirmos que os habitantes das cidades podem, em condições normais, percorrer 30min para ir ao trabalho, ao teatro, ao mercado etc, então a distância de 2,5km parece ser a distância máxima que se deverá admitir num setor sob o controle completo do homem. Parece que sua forma ideal é a oblonga, com um comprimento máximo entre 800 a 1.600m, de tal sorte que os habitantes possam percorrer distâncias até 800m para ir às casas comerciais, à escola, ao parque ou aos centros culturais ou sociais, ou para atender às outras necessidades básicas de seu bairro ou comunidade. O centro do setor será reservado exclusivamente para pedestres. O automóvel nele entra com velocidade reduzida, mas sem o cruzar realmente. É evidente que a criação de um setor ou núcleo humano não era necessária no passado, porquanto toda a organização urbana se confundia com a escala humana. Hoje, aparece ele como uma necessidade absoluta na reforma da estrutura de nossas caóticas cidades.

O setor humano deverá ser concebido como uma unidade, e terá de ser autônomo o quanto lhe seja possível, com funções centralizadas, instituições e serviços, possuindo o seu próprio sistema de transporte Estes setores irão substituir o antigo núcleo urbano c chegarão a ser a base da cidade do futuro. Somente eles poderão criar uma estrutura de base desconcentrada, e libertar a cidade da tirania do automóvel. Conceber-se-ão zonas autônomas cada vez mais amplas com o objetivo de suprir as necessidades urbanas. Doxiadis tentou descobrir um novo modelo de cidade que ultrapassasse a cidade estática, cujas forças restritivas ainda pesam sobreños, passando para a cidade dinâmica, fundada no setor humano, que chamou de "dinápolis". Segundo sua crítica, a expansão concêntrica das cidades estrangulou o seu centro, porque não tinha mais espaço para expandir-se. Para se evitar esta grave conseqüência, é necessário controlar o crescimento da cidade de modo que a metrópole moderna possa desenvolver-se em uma direção. Assim, somente por meio deste esquema, o centro e a periferia manterão um equilíbrio constante, enquanto a cidade se estender sobre espaços intactos ou ainda sem habitações (ver figuras 1 e 2). A dinápolis assumirá uma forma geométrica, com base num sistema retilíneo de eixos, através de uma expansão parabólica, cujo exemplo concreto pode ser apontado na evolução de Islamabad, a partir de 1961.4 4 A coleção de documentos fundamentais sobre Islamabad (Paquistão) abrange 101 monografias, especialmente, o Summary of final programme and plan. Athens, 1960. A contribuição de Doxiadis ao Brasil está consubstanciada em sua exaustiva análise - Guanabara, a plan of development. Athens, Doxiadis Associates, 1965. A dinápolis evitará o estrangulamento urbano, ou seja, a morte da cidade.



Diante do fenômeno irreversível da concentração metropolitana, essa filosofia urbanística permite antever uma forma terminal de evolução urbana, cuja hierarquia de funções permitirá maior aproveitamento e poupança no seu uso, movimentos e interligações. Sua estrutura parte de blocos residenciais, que passam a ser interligados sob a forma de setores, e estes, sob a forma de supersetores. E esta trama orgânica refletirá, a partir de módulos básicos, as diferentes escalas de agrupamentos urbanos.

II

O complexo urbano e metropolitano de São Paulo revela as dificuldades de utilização de um modelo teórico para a solução de seus problemas, desde os modelos analíticos de crescimento urbano até os modelos estratégicos de desenvolvimento urbano.5 5 Para uma discussão crítica e comparativa desses modelos, 1er a brilhante análise do Prof. Pierre-Hen® ri Derycke, em seu trabalho Économie et planification urbaines. Paris, Presses Universitaires de France, 1982. t.2, p. 111 e segs.

O debate em torno da reorganização de São Paulo ganha força atualmente, neste momento em que acaba de ocorrer uma mudança de variável política, qual seja o processo de eleição direta para as prefeituras das capitais de estados, considerado essencial na fase atual de redemocratização do País.

Há cerca de 20 anos, a cidade de São Paulo vem sendo submetida a diversas pesquisas sobre sua estrutura sócio-econômica, a fim de melhor definir sua estrutura político-administrativa. Historicamente, a iniciativa mais importante para rever e corrigir a estrutura administrativa concentrada na capital de São Paulo coube, sem dúvida, ao Prefeito Faria Lima, em 1967. Promoveu a elaboração de um plano-diretor para o município, que consistisse num instrumento dinâmico, capaz de acompanhar e atender ao desenvolvimento urbano, atualizando-o permanentemente. Desses estudos, foi concluído no primeiro semestre de 1969 o Plano Urbanístico Básico, com o objetivo de satisfazer às necessidades e aspirações da população de São Paulo, numa prospecção até o ano de 1990.6 6 Plano urbanístico básico. São Paulo, Cia. Litográfica Ypiranga, mar. 1969. Os objetivos gerais que nele se estabeleceram como metas fundamentais ainda permanecem válidos, em face de dificuldades estruturais que se acentuaram ao longo dos anos:

I. ampliar as oportunidades de desenvolvi mento individual e social de toda a população;

II. ampliar a disponibilidade de serviços urbanos de conforto;

III. ampliar a integração de grupos de imigrantes e de indivíduos marginalizados;

IV. ampliar as oportunidades de participação da comunidade;

V. elevar ao máximo o número de empregos, a fim de que sejam proporcionais à força de trabalho;

VI. contribuir para o aumento da renda regional.

Nessa vasta programação, ganha relevo o setor do bem-estar social, visando oferecer maiores possibilidades de ascensão econômico-social, principalmente às camadas de menor renda e aos grupos i migrantes, de modo a integrá-los plenamente na sociedade urbana. Para isso, foi recomendada ênfase à educação de base e ao treinamento profissional de jovens e adultos, com previsão de funcionamento, para 1990, de 140 centros de educação de base e 14 núcleos de supervisão e treinamento para a realização de programas de aperfeiçoamento da população que não completou o curso primário, ou sem habilitação profissional. Além disso, é necessário criar condições para que a população participe mais ativamente na solução dos seus próprios problemas, com uma vida comunitária mais intensa. Um sistema de centros sociais deverá ser estabelecido, composto de mil centros comunitários instalados junto aos parques infantis, 100 centros recreativos e 10 centros de reintegração social para educação e orientação de grupos de menor renda, e de imigrantes.

Através dessa prospecção, vê-se como será complexa a sociedade urbana de São Paulo do ano 2000, atingida intensamente pelos fenômenos de mudança social, em decorrência das alterações do processo tecnológico. Por isso, torna-se imprescindível um vasto programa de "reconstrução" da sociedade urbana ao nível das exigências científicas.

A cidade de São Paulo ocupa o centro da região metropolitana que constitui a "Grande São Paulo", com 38 municípios abrangendo uma população de 8.811.505 habitantes para a área urbana, e de 12.588.439 habitantes para a área da região. Dessa imensa população 96% vivem em áreas urbanas.

Pesquisas recentes têm revelado os aspectos negativos que pesam sobre a grande metrópole, desafiando os especialistas quanto à solução dos respectivos problemas administrativos.7 7 Verificar especialmente os dados da Pesquisa Cebrap. In: Kowarick. Lucio & Brant. Vinícius Caldeira. São Paulo - 1975 - Crescimento e pobreza. São Paulo. Ed. Loyola, s.d.

A concentração espacial da renda chega ao auge em São Paulo. Em 1960, concentravam-se em São Paulo 21 das 50 maiores empresas do País. Hoje, esta cifra excede a 30. A pujança econômica de São Paulo revela-se tanto na enormidade de sua infra-estrutura (edificações, energia elétrica etc), como em qualquer dos indicadores habitualmente empregados para medir o crescimento econômico (a produção industrial, o crescimento financeiro, a renda per capita etc), mas acentua-se a pobreza dos bairros periféricos de trabalhadores, carentes de serviços urbanos básicos - transporte, água, esgoto, habitação.

Citemos algumas cifras.

As áreas verdes são insuficientes: 4,5m2 por habitante, enquanto o padrão mínimo recomendável é de 8m2. Na região metropolitana dos 8 mil km que formam a rede de circulação do tráfego local, apenas 40% são pavimentados. Cerca de um milhão de habitantes moram em residências desprovidas de iluminação elétrica. Apenas cerca de 30% dos domicílios da região metropolitana são servidos pela rede de esgotos e 53% pela de água. Mesmo considerando apenas o município da capital, as deficiências são enormes. Já em 1968, 52,4% dos domicílios não contavam com serviço de água e 41,3% eram desprovidos de esgotos. A situação desde então vem-se agravando, em especial na periferia, onde a carência é ainda mais drástica: tão-somente 20% das casas têm rede de esgotos e 46% de água. Em amplos trechos da capital, principalmente em bairros do Sudeste, Nordeste e Leste, muitas ruas não são pavimentadas e há extensas áreas desprovidas de iluminação.

O vertiginoso crescimento demográfico da região, que entre 1960-70 foi de5,5% ao ano, juntamente com o processo de retenção dos terrenos à espera de valorização levou ao surgimento de bairros cada vez mais distantes. Amontoam-se populações em áreas longíqüas, afastadas dos locais de trabalho, impondo-se distâncias de deslocamento cada vez maiores. Neste contexto, além do trabalho e da habitação, os transportes passam a ser um dos problemas cruciais. Quanto ao "metrô", inaugurado em 1982, com duas linhas, marcou um padrão de projeto e de desempenho exemplares, transportando cerca de um milhão de passageiros por dia, 60% dos quais resultantes da integração ônibus-metrô. Conviria, em vista desta elevada percentagem, que as decisões sobre extensões de linhas levem em conta o critério de conexão do metrô com ônibus e trens. Trata-se de um investimento de custo elevadíssimo, extremamente deficitário, pois a tarifa anual cobre apenas 20% do custo global (operações, investimentos e depreciações). Outro grave problema é o das favelas da capital, que abrigavam, em 1975, 130 mil pessoas, ou seja, 80% amais em relação ao último cadastramento realizado em 1973 pela Prefeitura municipal. Enquanto a população do município de São Paulo aumentou em 44% entre 1970 e 1980, o número de favelados, em igual período, cresceu 446%, segundo dados da Coordenadoria do Bem-Estar Social da Prefeitura; as causas combinadas desse surto são as migrações e o empobrecimento da população. Em 1977, o Departamento Estadual de Estatística concluía que, enquanto o crescimento da população era de 4,03% ao ano, as favelas aumentavam 66% em dois anos.8 8 Consultar os dados publicados pela Folha de São Paulo, 23 maio 1982. Há em São Paulo ainda 615 mil moradores de cortiços. Ademais, 1,8 milhão de indivíduos em casas precárias na periferia. As últimas estimativas apontam que deveremos ter hoje mais de um milhão de habitantes alojados em barracos. Além disso, os índices de nutrição são insatisfatórios, com maior risco de mortalidade prematura: 52% da população da capital e 73% nos demais municípios da região são subnutridos . Acresce-se a tudo isto o aumento dos acidentes de trabalho: 712 mil em 1973 e hoje ultrapassando a cifra de um milhão, o que corresponde a um índice de 1 /4 em relação à força de trabalho registrada.

As condições sombrias da estrutura urbana reclamam soluções urgentes para a correção de desvios que se possam tornar insanáveis. Isto será possível se for adotada uma corajosa política de planejamento urbano e metropolitano. Dessa forma, uma nova polarização de atividades poderá ser criteriosamente determinada, através de soluções políticas com rigoroso suporte técnico-científico.9 9 Entre as contribuições mais recentes, citemos o texto de Wilheim, Jorge. Projeto São Paulo - Propostas para a melhoria da vida urbana. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982; e, o artigo de Souza, Maria Ádélia Aparecida de. O governo da metrópole do terceiro milênio. In: Folha de São Paulo, 26 mar. 1983.

III

São Paulo, embora venha desde 1940 perdendo posição relativa na Grande São Paulo, é ainda, em 1980, destacadamente o município mais populoso da região metropolitana, do estado e do Brasil. O seu crescimento na década foi, no entanto, bastante desigual. O município como um todo cresceu à base de 3,67% ao ano, ficando, pois, abaixo da média metropolitana. Hpá dentro dele, todavia, segmentos com crescimento bastante significativo. É o caso do vetor Sul do município, onde se destacam os subdistritos de Socorro (10,58% ao ano), Santo Amaro (7,35%) e o Distrito de Pareiheiros (8,23%). É igualmente o caso do vetor Leste, enfatizando-se os distritos de Itaquera (8,13%), Guaianazes (7,22%) e São Miguel Paulista (6,59%) e os subdistritos de Ermelino Matarazzo (4,73%) e Vila Matilde (4,72%). O Vetor Noroeste também se destaca, principalmente nos distritos de Jaraguá (9,33%), Peru (5,72%) e no subdistrito de Brasilândia (5,86%). Por último, merece ainda menção o subdistrito de Butantã (6,12%) no vetor Oeste. Estes números indicam um claro crescimento das áreas periféricas da capital, pois o centro histórico do município, devido à alta e crescente tercilização ou a problemas de saturação, vem perdendo posição há várias décadas.10 10 Para uma análise pormenorizada, consultar o documento A grande São Paulo hoje. São Paulo, Secretaria dos Negócios Metropolitanos, 1982. p. 52 e segs.

Para enfrentar as tendências desse crescimento e expansão periférica, a partir de 1965 a Prefeitura Municipal deu o primeiro passo para a adoção de um esquema descentralizado, criando em outubro desse ano sete Administrações Regionais da capital, hoje em número de 17. São dirigidas por elementos da confiança do prefeito, demissíveis adnutum, que têm a seu cargo a execução dos serviços de rotina, o levantamento periódico das eventuais deficiências verificadas nos serviços públicos e a sugestão das providências cabíveis. Fiscalizam, também, o exato cumprimento das leis, regulamentos e contratos, promovendo as medidas executivas previstas em lei. Cada Administração Regional possui uma subdivisão de equipamento social, de serviços, de obras, de finanças, de expediente e de pessoal. Cuidam, ainda, do fornecimento de plantas para construção de moradias econômicas, do emplacamento de ruas e numeração de prédios, colaboração na criação de centros cívicos sociais, de postos de pronto-socorro e puericultura, de campos de esporte, bibliotecas, teatro e cinemas educativos. Fiscalizam obras e serviços públicos realizados na unidade respectiva, bem como as obras, serviços e construções particulares. Enfim, exercem toda uma competência ligada, geralmente, ao exercício do poder de polícia na esfera da competência administrativa. Numa primeira fase, todas essas atividades estavam reunidas na Coordenadoria das Administrações Regionais. Essa experiência se consolidou em 1977, com a criação da Secretaria das Administrações Regionais.

As Administrações Regionais pretendem a execução descentralizada de serviços públicos, de modo a assegurar, com a economia de recursos, o atendimento das necessidades do povo. Contudo, até o orçamento de 1976, durante 10 anos, não apresentavam dotações financeiras discriminadas para o seu respectivo campo operacional. Somente nessa data, um importante passo foi dado no sentido de fixar sua competência em termos de desapropriações, com dotação própria.

Numa avaliação de suas atividades, podemos considerar que os serviços que realizam constituem um real benefício à população. Mas, para os mais importantes, como os de pavimentação, água, luz e execução de obras ainda permanece centralizada na Secretaria de Vias Públicas, na Sabesp e na Eletropaulo. Para uma estrutura mais eficiente e ousada, seria necessário buscar uma forma de conciliar medidas de desconcentração administrativa com a delegação de competência no campo das decisões. Dessa forma se atenderia ao princípio da descentralização, com a outorga de parcela de poder político e unidades descentralizadas.

A dimensão alcançada pela metrópole de São Paulo e a complexidade burocrática dela resultante levam a justificar a necessidade de uma reformulação de sua estrutura através da regionalização de sua ação administrativa e política.

IV

Se verificarmos o tamanho das 17 Administrações Regionais, teremos de admitir mudanças no sistema de administração, pois cada uma delas abrange territórios que, pela superfície e população, correspondem a cidades grandes, congregando diversos bairros, "vilas" e "jardins" (ver tabela 1).

Dentro deste contexto, talvez fosse aconselhável manter as 17 ARs, mas transformadas em subprefeituras, conciliando, do ponto de vista jurídico, a desconcentração e a descentralização. Cada uma delas seria dividida em setores, cada um com 50 mil habitantes nas áreas não-periféricas; e, de 20 mil habitantes nas áreas periféricas. Para garantir um mínimo de participação popular, em cada setor se elegeria uma Junta Comunitária, de nove membros. Uma lei municipal poderá, nessa primeira reestruturação, avançar nas medidas explícitas de descentralização e desconcentração.

Todo esse esforço de readaptação a novos modelos será feito sem prejuízo da criação de distritos-satélites, num raio de 60km do centro, em convênio com os municípios limítrofes (modelos de Paris ou Estocolmo).

Como medida prioritária, a fim de determinar a consolidação de recursos financeiros próprios, será imprescindível a criação de um Fundo Municipal de Desenvolvimento.

V

A justificativa de novos modelos descentralizados em áreas metropolitanas encontra-se na experiência internacional.11 11 Blair, Thomas L. The International urban crisis. Hart Da vis, London, Mac Gibbon, 1974; Derycke, Pierre-Hen ® ri.op. cit. Paris, 1979. t.1 ; e o número especial de Le Monde: La régionalisation. Dossiers et documents. Paris, feb. 1974. Ainda, os documentos publicados pelo Serviço Federal de Habitação e Urbanismo do Ministério do Interior, a partir de 1968 (Ciclos Internacionais de Conferências sobre Planejamento Urbano).

Tabela 2

Lembremos, a título de comparação, alguns dos mais significativos modelos descentralizados quanto aos resultados obtidos.

Os modelos de Paris, Londres, Estocolmo e Tóquio são realmente notáveis no plano da descentralização urbana, pelo melhor arranjo metropolitano, conduzindo à implantação das cidades novas.

Em Berlim prefere-se adotar a concepção de bairros-satélites, para desconcentrar a cidade. Também em Moscou e Leningrado segue-se a mesma política de implantação de bairros-satélites.

Bem interessante é a contribuição dos professores espanhóis, que buscam modelos dimensionados pelas necessidades do futuro. Na experiência espanhola não se verifica a experiência de cidades novas, e sim, a rigor, a de bairros-satélites, conforme os planejamentos de Madri e Barcelona. O Prof. Antonio Merino propõe, contudo, que se implantem nos arredores de Madri 10 cidades novas, cada uma delas com 150 mil habitantes, como único meio viável de se impedir o seu desastroso crescimento metropolitano.12 12 Merino, Antonio. Las nuevas ciudades residenciales. Madrid, Dossat, 1978.

No caso da reestruturação de São Paulo, de um ponto de vista administrativo será aconselhável reter a experiência de Roma. A rigor, tanto em Roma como em Milão, quanto à adoção do modelo de cidades novas, as operações de planejamento são ainda discretas, preferindo-se antes a organização de bairros-satélites.

A medida de caráter administrativo de grande alcance é a recente Deliberação nf 1.484, de 31 de maio de 1977, da Prefeitura de Roma, aprovando o Regulamento para a Execução da Descentralização Administrativa, com base na Lei nº 278/1977. Contém disposições sobre a divisão do território municipal em 20 circunscrições, como expressões da autonomia municipal. Consagra uma ampla descentralização de órgãos e serviços, e real participação popular à gestão administrativa. Criou, originariamente, um Consiglio Circoscrizionale, com 25 membros, cuja competência se aplica ao exame das questões relativas à atividade própria da administração comunal, que interessem diretamente à respectiva circunscrição. Prevê, ainda, a delegação de atribuições do prefeito ao presidente do Consiglio, em matéria de descentralização de serviços. A sua competência consultiva é relevante nas matérias que se referem ao peculiar interesse das unidades que compõem o município de Roma.13 13 Consultar o Relatório da 1 Repartizione dei Comune di Roma. Le circoscrizioni. Roma, abr. 1979.

Em conclusão, devemos reconhecer que os fenômenos de urbanização e de concentração metropolitana são, realmente, ameaçadores e irreversíveis. E, sobretudo, criando para os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento os problemas que decorrem da formação de bairros imensos nas periferias, revelando em alto grau a desorganização econômica, a degradação e a pobreza.

É neste sentido que a administração moderna poderá oferecer novos critérios de racionalização e reconstrução.14 14 Para um estudo aprofundado das tendências atuais de desenvolvimento periurbano, e das conseqüências das migrações urbanas, ler a notável monografia de Pages, Michel. La maîtrise de la croissance urbaine. Paris, Press Universitaries de France, 1980. cap. 1 (Que sais-je? n. 1.843). Mas qualquer reforma descentralizadora deverá permanecer articulada ao poder legislativo fundamental, representado pelas câmaras municipais, enquanto órgãos eleitos para atender às aspirações do povo.

* Comunicação apresentada ao XXVI Congresso Mundial de Municípios, organizado pela Union Internationale des Villes et Pouvoirs Locaux, em Estocolmo, jun. 1983.

  • 2 Sobre as contradições do federalismo, consultar nossa tese apresentada ao Congresso Mundial de Sociologia, realizado na Universidade de Uppsala, em junho de 1978, em Sociologia,
  • revista da Escola de Sociologia e Política (instituição complementar da Universidade de São Paulo), 1980, sob o título: Diversification cultura/e et fédéralisme.
  • 3 Doxiadis, CA. Ekislics - an introduction to the science of human settlements. London, Hutchinson, 1968
  • 4 A coleção de documentos fundamentais sobre Islamabad (Paquistão) abrange 101 monografias, especialmente, o Summary of final programme and plan. Athens, 1960.
  • A contribuição de Doxiadis ao Brasil está consubstanciada em sua exaustiva análise - Guanabara, a plan of development. Athens, Doxiadis Associates, 1965.
  • 6 Plano urbanístico básico. São Paulo, Cia. Litográfica Ypiranga, mar. 1969.
  • 8 Consultar os dados publicados pela Folha de São Paulo, 23 maio 1982.
  • 9 Entre as contribuições mais recentes, citemos o texto de Wilheim, Jorge. Projeto São Paulo - Propostas para a melhoria da vida urbana. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982;
  • 10 Para uma análise pormenorizada, consultar o documento A grande São Paulo hoje. São Paulo, Secretaria dos Negócios Metropolitanos, 1982. p. 52 e segs.
  • 11 Blair, Thomas L. The International urban crisis. Hart Da vis, London, Mac Gibbon, 1974;
  • t.1 ; e o número especial de Le Monde: La régionalisation. Dossiers et documents. Paris, feb. 1974.
  • 12 Merino, Antonio. Las nuevas ciudades residenciales. Madrid, Dossat, 1978.
  • 14 Para um estudo aprofundado das tendências atuais de desenvolvimento periurbano, e das conseqüências das migrações urbanas, ler a notável monografia de Pages, Michel. La maîtrise de la croissance urbaine. Paris, Press Universitaries de France, 1980. cap. 1 (Que sais-je? n. 1.843).
  • 1
    A qualidade da vida urbana. In:
    Digesto Econômico, Associação Comercial de São Paulo, (263), set./out. 1978. Divulgada a todos os burgomestres da província de Hesse, em língua alemã.
  • 2
    Sobre as contradições do federalismo, consultar nossa tese apresentada ao Congresso Mundial de Sociologia, realizado na Universidade de Uppsala, em junho de 1978, em
    Sociologia, revista da Escola de Sociologia e Política (instituição complementar da Universidade de São Paulo), 1980, sob o título:
    Diversification cultura/e et fédéralisme.
  • 3
    Doxiadis, CA. Ekislics - an introduction to the science of human settlements. London, Hutchinson, 1968
  • 4
    A coleção de documentos fundamentais sobre Islamabad (Paquistão) abrange 101 monografias, especialmente, o
    Summary of final programme and plan. Athens, 1960. A contribuição de Doxiadis ao Brasil está consubstanciada em sua exaustiva análise -
    Guanabara, a plan of development. Athens, Doxiadis Associates, 1965.
  • 5
    Para uma discussão crítica e comparativa desses modelos, 1er a brilhante análise do Prof. Pierre-Hen® ri Derycke, em seu trabalho
    Économie et planification urbaines. Paris, Presses Universitaires de France, 1982. t.2, p. 111 e segs.
  • 6
    Plano urbanístico básico. São Paulo, Cia. Litográfica Ypiranga, mar. 1969.
  • 7
    Verificar especialmente os dados da Pesquisa Cebrap. In: Kowarick. Lucio & Brant. Vinícius Caldeira.
    São Paulo - 1975 - Crescimento e pobreza. São Paulo. Ed. Loyola, s.d.
  • 8
    Consultar os dados publicados pela
    Folha de São Paulo, 23 maio 1982.
  • 9
    Entre as contribuições mais recentes, citemos o texto de Wilheim, Jorge.
    Projeto São Paulo - Propostas para a melhoria da vida urbana. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982; e, o artigo de Souza, Maria Ádélia Aparecida de. O governo da metrópole do terceiro milênio. In:
    Folha de São Paulo, 26 mar. 1983.
  • 10
    Para uma análise pormenorizada, consultar o documento A grande São Paulo hoje. São Paulo, Secretaria dos Negócios Metropolitanos, 1982. p. 52 e segs.
  • 11
    Blair, Thomas L.
    The International urban crisis. Hart Da vis, London, Mac Gibbon, 1974; Derycke, Pierre-Hen
    ® ri.op. cit. Paris, 1979.
    t.1 ; e o número especial de Le Monde: La régionalisation. Dossiers et documents. Paris, feb. 1974. Ainda, os documentos publicados pelo Serviço Federal de Habitação e Urbanismo do Ministério do Interior, a partir de 1968 (Ciclos Internacionais de Conferências sobre Planejamento Urbano).
  • 12
    Merino, Antonio. Las nuevas ciudades residenciales. Madrid, Dossat, 1978.
  • 13
    Consultar o Relatório da 1 Repartizione dei Comune di Roma. Le circoscrizioni. Roma, abr. 1979.
  • 14
    Para um estudo aprofundado das tendências atuais de desenvolvimento periurbano, e das conseqüências das migrações urbanas, ler a notável monografia de Pages, Michel. La maîtrise de la croissance urbaine. Paris, Press Universitaries de France, 1980. cap. 1 (Que sais-je? n. 1.843).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 1986
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