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Do conteúdo das comunicações periódicas na emprêsa

ARTIGOS

Do conteúdo das comunicações periódicas na emprêsa

Claude Machline

Professor-Adjunto do Departamento de Administração da Produção da Escola de Administração de Empresas de São Paulo

"A verdadeira sabedoria não consiste em aprender muitas coisas, mas em descobrir sempre aquela, dentre todas, que regula as demais." HERÁCLITO DE ÉFESO

No estudo das comunicações dirigidas à administração da emprêsa, a atenção dos autores tem sido focalizada quase inteiramente, aqui e no exterior, no desenvolvimento de princípios e técnicas aplicáveis às comunicações de exceção, ou não rotineiras, pois é de esperar que pareça mais urgente e útil, à primeira vista, resolver os problemas variáveis e difíceis de elaboração de relatórios expositivos ou analíticos de situações inesperadas, críticas e complexas, do que estudar o conteúdo das comunicações periódicas ou rotineiras, consideradas de natureza mais simples, de finalidade menos importante e, assim, menos necessitadas de atenção.

Por outro lado, os administradores parecem estar convencidos de que nesse terreno das comunicações devem os subordinados ter ampla liberdade de iniciativa, dando-lhes autoridade para apresentar as informações que julguem convenientes, talvez porque essa atitude seja entendida por dirigentes e dirigidos como democrática e, portanto, digna de encómios.

Na prática, contudo, verifica-se que, no mais das vêzes, essas comunicações, por serem negligenciadas, são imperfeitas, contendo informações inúteis e insuficientes e dificultando ou até não possibilitando o conhecimento daquilo que se faz essencial para que a administração da empresa tome decisões rápidas e acertadas.

Impõe-se, então, o estudo dessas comunicações, já que, por um lado, apesar de sua aparente simplicidade, apresentam inúmeras dificuldades no que toca ao conteúdo e, por outro, embora pareçam menos importantes, têm, como instrumentos de decisão, lugar de destaque nesse processo, podendo mesmo servir para simplificar e até evitar muitos dos problemas que vêm a exigir longos relatórios não rotineiros.

Pretendemos, pois, neste artigo, enumerar alguns princípios e sugerir algumas regras de cunho prático cuja observância pela administração facilitará, segundo nosso entender, a qualidade das comunicações periódicas ou de rotina, quer sejam apresentadas aos administradores em forma de boletins, de memoranda, de relatórios, ou outras quaisquer.

DEFINIÇÃO DE COMUNICAÇÃO PERIÓDICA OU ROTINEIRA

Para que sejam melhor compreendidos os princípios e regras que adiante enumeraremos, pensamos que é mister definir, desde logo, que comunicações internas são objeto de nossa análise: aquelas que, elaboradas por um funcionário ou chefe em períodos determinados, são por êles apresentadas ou enviadas a um ou mais administradores, de nível superior na hierarquia da organização, a fim de atualizar o conhecimento dêste ou dêstes com relação ao desenvolvimento das atividades da emprêsa e possibilitar-lhes a tomada de decisões quanto a essas atividades.

Desde já fica claro que excluímos de nossa definição as comunicações que, embora elaboradas anual, mensal, semanal, diàriamente, ou em outro período qualquer, não se destinem a ser instrumentos de decisão para o administrador. Citamos nesta categoria um inventário cujo conteúdo, por exemplo, seja a mera relação de itens de um estoque. Em si, a relação não tem por objetivo servir de base a qualquer decisão, e, portanto, não nos interessa aqui analisar. Se, porém, ao lado do resultado da contagem de mercadorias em estoque se acrescenta nesse inventário o número de meses de consumo médio estocado em relação ao nível de estoque considerado desejável, (1 1 ) Por exemplo, se existirem 100 000 unidades em estoque, e o consumo médio mensal fôr de 20 000 unidades, o giro mensal do estoque é de 1/5 e o número de meses de consumo médio estocado será de 5 meses, algarismo que dá uma noção concreta do nível de estoque existente. ) a comunicação deixa de ser simples relação de conferência e possibilitará uma decisão, passando a fazer parte das comunicações que são incluídas neste artigo.

Excluímos, também, de acordo com nossa definição, tôdas aquelas comunicações rotineiras que exigem apenas operações não administrativas - como é o caso, por exemplo, de requisições, vales, autorizações de saída de empregados e impressos de natureza semelhante - além daquelas que relatam decisões já tomadas, tais como atas de reuniões de diretoria, de conselhos administrativos, de comissões internas, de acionistas etc.

Comunicações periódicas, no sentido em que aqui as entendemos, são, por exemplo, relatórios mensais de gerentes de filial, relatórios trimestrais de auditores, relatórios semanais de controle da produção, boletins diários de refugos, relatórios semanais de vendas, relatórios mensais de campo de viajantes etc.

PRINCÍPIOS DE CONTEÚDO DAS COMUNICAÇÕES PERIÓDICAS

As Figuras 1 e 2 abaixo, que são reproduções de páginas típicas de relatórios periódicos de uma emprêsa, são exemplos frisantes de comunicações que violam os três princípios sôbre qs quais, segundo nosso entender, deve assentar o conteúdo de tôda comunicação periódica:



1.º) Princípio de controle. "Para que haja controle adequado, deve o administrador poder inteirar-se, em poucos instantes, pela leitura da comunicação periódica, dos acontecimentos de realce ocorridos no período a que se refere a comunicação."

Assim, por exemplo, o chefe da produção de uma fábrica deve saber, logo pela manhã, através da leitura do boletim de refugo, das perdas ocorridas no dia anterior, a fim de que não haja demora na eliminação da causa do defeito, pois esta trará grave prejuízo à emprêsa. Outro exemplo é o do sistema de reclamações das emprêsas, que deve possibilitar que os administradores interessados, inteirando-se das deficiências ocorridas nos serviços, tomem, em tempo útil, aí providências necessárias para saná-las.

Lembremos, a esta altura, que o fato de ser necesssário o controle não significa que haja necessidade de análise muito refinada ou exagerada dos dados. Embora seja louvável examinar os acontecimentos sob todos os ângulos possíveis, os resultados obtidos poderão, a partir de certo ponto, não ser proporcionais ao incremento de trabalho necessário para fazê-lo. O grau desejável de controle é, portanto, aquêle que, sem causar grande gasto de tempo, permite ao administrador manter-se a par do que chama por sua decisão na emprêsa.

2.º) Princípio de exceção. "A comunicação periódica não deve realçar aquilo que tem caráter rotineiro, ou está funcionando a contento, mas apontar para o que se afigura irregular e precisa ser corrigido."

Exemplificando: o relatório mensal das vendas efetuadas aos 500 fregueses de uma emprêsa deve separar numa página ou destacar, por meio de sinais tipográficos, os setores não satisfatórios, para que o diretor de vendas não perca seu tempo em folhear vinte páginas à procura dêsses setores nevrálgicos. Assim, também, noutro exemplo, devem ser destacados, no boletim de vendas, os resultados de vendas obtidos com campanhas especiais de bonificação, ou as vendas de produtos recém-lançados.

3.º) Princípio de comparação. " A comunicação periódica é mais valiosa na medida em que compara resultados com padrões e realça as tendências."

Éste princípio pressupõe a existência, na emprêsa, de padrões preestabelecidos que sirvam de base para comparação com o que ocorre na prática. Por exemplo: o simples enunciado das vendas de 1962 num relatório anual de vendas é menos revelador do que a comparação de vendas de 1962 com as de 1961, mês por méis. Por sua vez, esta comparação é menos reveladora do que a das vendas de cada mês de 1962 com o potencial de vendas que se deve atingir nesses meses. Do mesmo modo, somente quando apresentados em comparação ao orçamento de despesas e de caixa, ganham os desembolsos significado para a administração financeira da emprêsa.

De acordo com êsses princípios, verificamos que a Figura 1 deveria excluir a dissertação sôbre geografia física e econômica do Paraná, incluir a comparação de vendas de mais de dois exercícios e das vendas de 1961 com seu potencial calculado, além de dar previsões racionais e numéricas para 1962, em vez de vagas expectativas.

Já a Figura 2 não passa de uma relação de material gasto, nada dizendo sôbre o andamento dos novos projetos ali mencionados, não dando idéia da ordem de grandeza dos gastos em relação ao orçamento feito, não apontando as causas das falhas do equipamento substituído e incluindo itens insignificantes.

REGRAS PARA ELABORAÇÃO DE COMUNICAÇÕES PERIÓDICAS

A fim de evitar a leitura a contragosto de dissertações mal fundamentadas sôbre assuntos irrelevantes e de poder receber as informações que lhes interessam, devem os administradores:

1.º) Padronizar, na medida do possível, as comunicações periódicas.

A padronização significa que há especificação clara das informações que devem ser incluídas nas comunicações. Significa, portanto, que chefes e subordinados, por ter de tomar conhecimento de fatos determinados para apresentar a comunicação, desenvolvem a idéia de que estão sendo controlados e de que devem, assim, estar a par daquilo que interessa à administração.

Conhecemos o caso de determinada emprêsa que, nos seus primeiros anos de vida, exigia de seus gerentes de filiais relatos mensais, a seu critério pessoal; logo depois, passou a exigir que os informes fossem transmitidos em formuláriòs-padrão, com espaço em branco para comentários livres sobre os fatores negativos. Essas observações, todavia, eram, em geral, das mais confusas, sendo mesmo contraditórias em relação aos dados concretos. Foi somente depois de padronizado todo o formulário que a matriz passou a poder controlar devidamente as atividades das filiais.

2.º) Aperfeiçoar o conteúdo padronizado das comunicações periódicas, preferindo percentagens a números absolutos e números absolutos a palavras.

Certo gerente local de vendas, comentando os resultados do seu distrito, escreveu: "As vendas nas zonas 1 e 2 continuam regulares, enquanto que caíram um pouco na zona 3. Estamos tomando as medidas necessárias para melhorarem ainda mais no mês que vem, quando então serão sanadas certas dificuldades que tivemos. Quanto aos produtos da linha A, estão reagindo satisfatoriamente; os da linha B também continuam bastante procurados. O produto K, em campanha bonificada, aumentou suas vendas; o nôvo produto L, em lançamento, tem tido razoável receptividade. Demos aos nossos clientes um coquetel muito concorrido, no decorrer do qual nosso gerente de propaganda fêz um discurso muito aplaudido."

Ora, apesar de incluir as informações exigidas pela padronização do relatório, essa comunicação não tem nenhuma precisão. Parece óbvio, portanto, qüe as expressões "vendas regulares", "certas dificuldades", "reação satisfatória", "razoável receptividade" e semelhantes devam ser substituídas por algarismos. Êstes, de acordo com o princípio de comparação, são mais significativos na medida em que são relacionados a um padrão preestabelecido. Justifica-se, então, a regra de que devem aparecer, de preferência, como percentagens.

3.º) Definir claramente as palavras-chave empregadas nas comunicações periódicas.

Isto se faz necessário para que administradores e subordinados falem a mesma linguagem. Se uma emprêsa solicita, por exemplo, que seus gerentes locais de vendas relatem cada mês o número médio de visitas aos clientes realizado pelos vendedores de sua jurisdição, essa média poderá significar: número de visitas efetuadas, dividido pelo número de homens existentes, vêzes o número de dias úteis do mês; ou número de visitas efetuadas dividido pelo número de homens em atividade (excluindo aquêles em férias, em licença, ou em outras atividades) vêzes o número de dias realmente trabalhados (excluindo sábados, feriados locais, doenças etc.). Já a expressão "quebras da produção" pode significar: produtos realmente refugados por defeitos, ou diferença obtida em relação ao rendimento teórico, diferença essa às vêzes inevitável devido a perdas nos canos, nos tanques, em aparas, em refilos. Outro exemplo é o da palavra "rendimento", que pode significar rendimento teórico em relação a um ideal nunca atingível ou rendimento real em relação a um padrão considerado razoável.

Em geral, não se sabe, nas empresas, se as peças, "acabadas" num dia são aquelas prontas para entrar na embalagem final ou são as disponíveis para expedição aos fregueses; se o estoque "mínimo" é aquêle abaixo do qual o estoque nunca deveria cair, ou é ponto no qual se deve iniciar o procedimento de nova encomenda; se a "capacidade de produção" é a histórica ou a atingível, e em um, dois, ou três turnos de trabalho.

4.º) Especificar a freqüência com que devem ser elaboradas as comunicações periódicas.

Certos relatórios são emitidos com excessiva freqüência, esvaindo-se, em conseqüência, de todo significado; ou são ela borados em intervalos exagerados, perdendo, então, qualquer valor corretivo. Imaginemos, por exemplo, o caso de uma metalúrgica, com extensa linha de produtos variados: num dia as máquinas trabalham em certas peças, no dia seguinte em outras. Um simples relatório diário não dirá bem dos resultados alcançados, pois alguns lotes podem e, star quase acabados e sua ausência no relato faria com que a produtividade parecesse pior do que na realidade é. Num relatório de fim de mês, essas discrepâncias seriam contrabalançadas, mas seria também tarde demais para tomarem-se ações corretivas. Assim, um relatório semanal de andamento de produção é, no caso, o mais indicado.

Por motivos idênticos, relatórios diários de vendas pouco significam, mormente quando, além das flutuações inevitáveis que ocorrem de um dia para outro no movimento de vendas, o resultado incorpora as atividades de viajantes percorrendo o País. Os atrasos na correspondência e o hábito dos vendedores de trazer à sede volumosos maços de pedidos somente quando da volta de seus périplos, impedem o julgamento dos resultados em outra base que não a semanal. Boletins diários, nesse caso, somente acrescentam a carga de trabalho das datilógrafas.

5.º) Determinar os prazos de entrega das comunicações periódicas.

Se as comunicações periódicas - estabelecidos os períodos em que devem ser elaboradas - são entregues ou enviadas com atraso, as informações nelas contidas podem, pelas razões apontadas na regra anterior, ser desnecessárias, pois não chegam a tempo de permitir qualquer decisão significativa.

Assim, as demonstrações de custo mensal, os balancetes e as relações de perdas devem estar prontos no máximo dez dias após o encerramento do mês, para que os dados apurados possam ser utilizados como base para decisões.

6.º) Rever periódicamente as comunicações rotineiras.

É comum encontrarem-se relatórios com informações que, devido a mudanças de circunstâncias, deixaram de ter importância, mas que continuam a circular muito tempo depois de já serem obsoletas.

Uma firma tinha tido, em certa época, problemas sérios de vendas em Niterói; o diretor exigiu que as vendas nessa praça fossem publicadas em destaque no boletim semanal; anos após, o relatório ainda trazia regularmente essa informação, desprovida de qualquer interêsse e com a qual ninguém se importava.

Da mesma forma, é conveniente, como já vimos, destacar resultados especiais, como, por exemplo, no boletim de vendas, os obtidos com produtos em campanha especial bonificada, ou recém-lançados, mas é mister deixar de focalizá-los tão logo o regime volte à rotina.

Convém, portanto, que as comunicações periódicas sejam revistas de quando em vez, pois, neste caso, como em quase tôdas as circunstâncias na administração da emprêsa, o fator dinâmico torna obsoleto aquilo que parece, num determinado momento, imutável e duradouro.

CONCLUSÕES

A administração está, no Brasil, passando de uma fase empírica para um período científico, em que a palavra "ciência" tem o sentido de domínio do que é mensurável.

Grande parte do esforço da administração moderna reside em substituir vagas expectativas por previsões numéricas e orçamentos; descrições de objetos por códigos numéricos; esperanças por probabilidades computáveis; listas de vantagens e desvantagens por decisões ponderadas. Pode-se mesmo dizer que o desenvolvimento da área de relações industriais tem, em grande parte, sua base na passagem de avaliações subjetivas, imprecisas e ocasionais, para análises sistemáticas, numéricas e periódicas de mérito, de conteúdo de cargos e de valor de cargos, que permitem avaliar o desempenho sob forma de índices.

Nesse sentido, não vemos por que não se deva estender essa evolução às comunicações em geral, e inclusive às periódicas, especialmente quando se sabe que o tamanho e a distância geográfica de setores das emprêsas dificultam o processo de transmissão de ocorrências e fatos.

Não vemos também por que a administração deva, por razões aparentemente ponderáveis, deixar ao acaso e à imaginação de subordinados o desempenho de tarefa que pode facilitar seu processo de decisão. Além de não ser fácil, como à primeira vista parece, o trabalho de elaboração de comunicações periódicas merece fazer parte das áreas de racionalização que são objeto da atenção dos administradores, passando também da época "artística" de liberdade criadora para a "científica" de eficiência mensurável e objetiva.

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    Por exemplo, se existirem 100 000 unidades em estoque, e o consumo médio mensal fôr de 20 000 unidades, o giro mensal do estoque é de 1/5 e o número de meses de consumo médio estocado será de 5 meses, algarismo que dá uma noção concreta do nível de estoque existente.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Jun 1963
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