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Europa 92: a gestão da diversidade social

ARTIGO

Europa 92: a gestão da diversidade social

Célia Carbone

Mestranda da área de Economia e Finanças Públicas da EAESP/FGV

RESUMO

Este texto abre um leque de reflexões sobre os percalços existentes na construção do "espaço social europeu" e suas implicações para 1992, indicando algumas variáveis como: a questão da regionalização e os desníveis sócio-econômicos, a absorção de mão-de-obra sem fronteiras, a construção da "proteção social" comunitária etc.

É uma análise crítica do que ocorre além dos obstáculos técnicos, fiscais e físicos, visando à construção do Mercado Único, a partir de 1992.

A "questão social" ganhou relevo na medida em que ela emergiu como "limitação" para que se possa alcançar, conforme definido pelo Ato Único Europeu, "uma área sem fronteiras, na qual a livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais estivesse de acordo com as provisões do Tratado de Roma".

Palavras-chave: Comunidade Econômica Européia, espaço social europeu, Europa sem fronteiras, direito comunitário, regionalização na CEE, trabalhadores no espaço sem fronteiras.

ABSTRACT

This article presents some problems related to the building of an "European Social Space" and its implications for 1992, by appointing some variables: the regionalization question and the social-economic gaps, the assimilation of hand labors without frontiers, the construction of the communitarian "social protection" etc., in a critical analysis of what happens beyond the technical, fiscal and physical obstacles, looking at the new Europe from 1992 on.

The "social question" acquires projection while it appeared as one limitation to reach, according to the European Act, "an area without frontiers whose free circulation of people, goods, services and capitals have been in accordance with the prediction of the Rome Treaty".

Key words: New Europe and the social issue in 1992, European social space, regionalization, social-economic gaps, labormen and frontiers.

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INTRODUÇÃO

O sonho de um espaço comunitário sem fronteiras que possa romper com a noção de Estado Nacional, e que privilegie um conceito mais amplo de Comunidade Européia, é o projeto do conjunto de doze países, que se coloca frente ao mundo através da realização das quatro liberdades: liberdade de mercadorias, liberdade de pessoas, liberdade de serviços e liberdade de capital1 1 . Conforme o Tratado de Roma -1.957, que institui a CEE - Comunidade Econômica Européia - incluindo o Ato Único. Lisboa, Publicações Intereuropa, 1987. .

A Europa dos "doze" (Alemanha, França, Bélgica, Holanda, Itália, Luxemburgo, Reino Unido, Irlanda, Dinamarca, Grécia, Espanha e Portugal) compreende 2.533.300 km2, 323 milhões de habitantes, cobrindo 1,7% da superfície da Terra e representando 7% da população mundial, com uma heterogeneidade que se materializa nas dimensões territoriais de cada Estado-membro, e nos desníveis em termos de desenvolvimento sócio-econômico.

A questão dos Estados Nacionais fica relativizada frente à noção de Espaço Europeu (Comunidade Econômica Européia). Os países que formam e dão conteúdo a esse espaço têm diferentes origens, cabendo lembrar que coexistem seis monarquias (Bélgica, Dinamarca, Espanha, Luxemburgo, Holanda e Reino Unido) com seis repúblicas (Alemanha, França, Grécia, Irlanda, Itália e Portugal), embasadas em regimes democráticos e parlamentares representados por um leque de partidos políticos, cujas origens ideológicas abarcam desde a extrema esquerda, partidos comunistas, socialistas, reformadores de tendência social, verdes (movimentos ecológicos e pacifistas) até a extrema direita.

Também a formação de cada Estado nacional (Estado-membro), por ter uma história própria, apresenta-se permeada por tendências diferentes, desde uma tradição estatizante e centralizadora, até o ressurgimento do liberalismo como resposta às dificuldades econômicas.

O ponto de partida para analisarmos a questão social na CEE situa-se no próprio Tratado de Roma (1957), considerado como marco institucional que dá origem à Comunidade Européia. A primeira viga-mestra da UNIÃO é a livre circulação de pessoas, ou seja, o direito à mobilidade territorial e profissional para os trabalhadores e membros de suas famílias, o que conseqüentemente estabelece parâmetros de acesso à segurança social e à igualdade dos direitos adquiridos.

Nesse sentido, o Tratado instituiu a criação do Fundo Social Europeu - FSE (artigos 123 e 128) - com uma ação inicial de "acompanhamento", através de alguns tipos de intervenção que foi autorizado a realizar: auxílios à reconversão profissional ou subsídios de instalação, garantindo ao trabalhador um "novo emprego produtivo" e auxilios com a finalidade de manutenção do nível de remuneração do trabalhador cujo emprego fosse reduzido ou suspenso temporariamente.

A partir de 1971, o Fundo sofreu algumas reformas, passando a ser alimentado por recursos próprios da Comunidade e não mais por contribuições dos Estados-membros, ampliando o seu âmbito de atuação.

Em 1983, ocorreram novas reformas, sendo a principal delas a garantia de que 70% das dotações fossem para os jovens com menos de 25 anos e desempregados de longa duração, e 30% se destinassem às regiões onde as desigualdades são maiores, como a Grécia, Irlanda do Norte e Mezzogiorno italiano. Com a entrada de Portugal e Espanha em 1986, a porcentagem dessas dotações passou para 44%.

Na "Cimeira de Paris em 1972" (reunião dos Chefes de Estado), buscou-se dar soluções às disparidades regionais e para tanto foi criado o Fundo Especial para o Desenvolvimento Regional-FEDER e um programa comunitário de curto prazo.

O Conselho de Ministros da CEE, nesse mesmo período, adotou uma resolução com relação ao Programa de Ação Social, definindo medidas que deveriam ser obedecidas com os seguintes objetivos: realização do pleno e melhor emprego na Comunidade, melhoria das condições de vida e trabalho, participação crescente dos parceiros comunitários nas decisões sociais e econômicas da CEE e dos trabalhadores na vida das empresas, tendo por pressuposto a igualdade entre homens e mulheres e o direito ao trabalho.

Para subsidiar a Comissão Técnica da CEE nessa área, foi criado o Centro Europeu de Desenvolvimento e Formação Profissional (CEDEFOP), com sede em Berlim, formado por um conselho quadripartite: representantes do governo, dos empregadores, dos trabalhadores e da Comissão.

Entretanto, para melhor entendermos a dimensão social do mercado comum, é preciso levar em conta alguns fatores que compõem o que se denomina diversidade do espaço comum europeu.

Algumas características populacionais poderão servir de exemplo:

a) o declínio demográfico da Comunidade (com exceção da Irlanda), expresso pelo

b) declínio da natalidade (todos os países da CEE, fora a Irlanda, apresentam uma taxa de fertilidade inferior à mínima necessária para a renovação das gerações) e pelo

c) envelhecimento da população (baixa mortalidade, que provoca um aumento da esperança de vida; os jovens com menos de 15 anos representam 20,7% da Comunidade).

A densidade populacional, na CEE é de 143 habitantes por km2, superior à dos Estados Unidos (25,5) e da URSS (12,4). Entretanto, essa densidade não é uniforme. Por exemplo, a Espanha e França, que possuem 46,5% da área geográfica, compreendem 29% da população total da Comunidade, enquanto que a Bélgica, Dinamarca, Holanda e Luxemburgo representam 5,2% do território e possuem apenas 9,2% da população.

Com densidade populacional superior a 300 habitantes por km2, temos a Bélgica e a Holanda, e com densidades inferiores a 100, a Espanha e a Grécia. Essa heterogeneidade não existe apenas nos aspectos demográficos, mas também nos culturais, históricos, geográficos e sócio-econômicos dos países da Comunidade.

Seus matizes permitem antever a dimensão da questão social e a importância desse aspecto no conjunto de fatores que permitirão, a partir de 1992, a integração dos "doze" de maneira abrangente.

Os desequilíbrios acentuam-se na Comunidade de forma regional e, para entendê-los, é necessário compará-los, partindo da demarcação realizada por seus técnicos, em três zonas distintas, quanto ao nível socio-econômico: central, que se estende do norte da Itália até o sul do Reino Unido, passando pelas regiões do Reno na Alemanha, pela Holanda e Flandres na Bélgica, à qual se associam a região parisiense e o Rhône-Alpes. Em volta desse eixo, situa-se a zona intermediária; a zona periférica é composta por regiões do sul da Itália, oeste da França, Irlanda, Espanha, Grécia e Portugal.

René Uhriche2 2 . UHRICH, René. Pour une Nouvelle Politique de Développement Regional en Europe. 2- ed. Paris, Ed. Económica, 1985. define a periferia através de indicadores geográficos: afastamento em relação à Zona Central da Europa, ou isolamento dado por uma situação peninsular ou insular; demográficos: fraca densidade populacional em relação tanto à média comunitária como à nacional; e econômicos: com um setor primário predominante, setores secundário e terciário inferiores às médias nacionais e comunitárias, graves deficiências de infra-estrutura e desemprego estrutural.

Na zona periférica é que se encontram os mais graves problemas da Comunidade Européia, muito embora existam regiões nas zonas intermediária e central com problemas resultantes de setores econômicos em crise ou de uma excessiva concentração populacional3 3 . FERNANDES, Antonio José. "Política Comunitária de Desenvolvimento". In: Portugal face à Política Regional da Comunidade Européia. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989. Veja também: DELOITTE, HASKINS & SEELS. 1993. A Europa sem Barreiras. Lisboa, Publicações Europa-América, 1989. . Dessas regiões, as mais problemáticas são as essencialmente agrícolas e aquelas em que predominam atividades industriais em declínio.

Para a Comissão Européia, as características comuns a esses dois tipos de região são a sua dependência excessiva de uma atividade econômica que não assegura a produtividade, a taxa de emprego e o nível de rendimento insuficientes para evitar o desemprego prolongado e a emigração contínua.

Outro aspecto das disparidades está no rendimento dos Estados-membros. Muito embora a renda per capita da Comunidade seja elevada (1985: US$ 9.804 dólares por habitante), ela é distribuída desigualmente: em 1986, ela era de US$ 10.760 na Dinamarca e de US$ 1.938 em Portugal.

A população economicamente ativa, na CEE é de 136,6 milhões de pessoas, representando 42,4% da população total: 15,5 milhões não têm emprego. Das pessoas economicamente ativas, 8,6% estão na agricultura, 33,8% na indústria e 57,6% no setor de serviços.

Na população economicamente ativa, temos que enfatizar a questão da mão-de-obra estrangeira, que representa, para a maioria dos Estados-membros, um importante segmento. Na França, por exemplo, 1,8 milhões de estrangeiros representam 7,5% dessa população, composta principalmente de portugueses (23%), argelinos (22%), espanhóis (11%), marroquinos (11%) e italianos (10,7%).

A questão mais importante na criação do chamado "espaço europeu"4 4 . Este termo surgiu, pela primeira vez, em 1981, para salientar a importância da questão social dentro da Comunidade. reside no desemprego, pois, ao fortalecer a livre circulação e estabelecimento dos trabalhadores, toca-se no ponto nevrálgico: como solucionar o desemprego no interior de cada Estado-membro?

O desemprego médio na Comunidade é de 12% da população economicamente ativa. Coexistem nesse espaço países com taxas de desemprego elevadas (Espanha 21,5% e Irlanda 18,7%) e outros cujas taxas são baixas (inferiores a 9%), como é o caso da Alemanha* * N.da Ed. Os dados relativos a esse país apresentados neste artigo foram colhidos antes de sua reunificação e dizem respeito apenas à Alemanha Ocidental. e Dinamarca, ou onde praticamente inexiste, como Luxemburgo. A característica principal do desemprego é ser de jovens (40,3% dos desempregados possuem menos de 25 anos) e feminino (52% dos desempregados)5 5 . Sobre os doze países que fazem parte da CEE ver: TRATADO que Institui a CEE -Incluindo o Ato Único Europeu. Lisboa, Publicações Intereuropa, 1987. Ver também: MOREAU, Gerard. La CEE. Paris, Editions Sirey, 1987. .

A questão das desigualdades entre parceiros iguais revela que países como Portugal e Grécia precisarão de 15 anos no mínimo para atingirem a média comunitária de desenvolvimento, se crescerem a uma taxa de 2, 5% ao ano.

A Comunidade foi dividida em 160 regiões para facilitar a análise e classificação, segundo seus problemas regionais, como a taxa de desemprego e perspectiva de evolução da força de trabalho a médio prazo, permitindo coexistirem na Comunidade regiões agrícolas, periféricas, em atraso de desenvolvimento; industriais em declínio; de concentração urbana, centrais; fronteiriças e insulares6 6 . ALVES, Jorge de J. Ferreira. Lições de Direito Comunitário. Coimbra, Coimbra Ed., 1989. .

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No Relatório da Comissão da CEE em 1987, foi feita uma classificação dos países-membros segundo seu grau de desenvolvimento. Esse estudo divide-os em cinco categorias:

1ª) aqueles com índices de desenvolvimento mais elevados, variando de 16 a 22% acima da média comunitária: Dinamarca, Alemanha, Luxemburgo e Holanda;

2ª) os que se encontram cerca de 12% acima da média: França e Bélgica;

3ª) índices de desenvolvimento próximos da média: Reino Unido e Itália;

4ª) índices de desenvolvimento de 20% abaixo da média: Espanha e Irlanda;

5ª) índices situados 38% abaixo da média: Portugal e Grécia.

As diversidades revelam o significado do que Moreau7 7 . MOREAU, Gérard. Op. cit. chama de "excluídos" do espaço europeu, ou seja, aqueles que não participam plenamente dos progressos da Comunidade. Nessa categoria encontram-se os trabalhadores de "países terceiros"8 8 . Denominam-se "países terceiros" todos aqueles que não compõem a CEE. e que não se beneficiam da regulamentação comunitária, os idosos, os desempregados, os agricultores de regiões pobres, as vítimas de calamidades naturais e os deficientes físicos (cerca de 10 milhões).

Desde o Tratado de Roma, eram previstas instâncias institucionais de alcance comunitário, basicamente com a criação do Fundo Social Europeu (FSE) e do Fundo Especial de Desenvolvimento Regional (FEDER). Porém, a política social e regional de fato só foi intensificada na Comunidade, na medida em que os fatores sócio-econômicos desestabilizavam seu objetivo primeiro: a consagração do livre comércio entre os "doze".

As quatro liberdades pressupunham igualdade de tratamento no que se refere aos direitos sociais e políticos. Isso significava tratar as questões como o desemprego, os desequilíbrios regionais e a segurança social, através da diversidade social da extensão dos benefícios conquistados pelos cidadãos de um Estado-membro a todos os demais da Comunidade que estivessem beneficiados pelo Tratado de Roma (que garante a livre circulação de trabalhadores e serviços, com tratamento igual).

Dessa maneira, o impulso rumo à realização do espaço social europeu concretizou-se somente com a elaboração e ratificação do Ato Único Europeu (1987), consagrando efetivamente um progresso institucional e novos horizontes para a ação social, através de disposições como a aproximação de legislações nacionais relativas a saúde, segurança social, proteção do meio ambiente, defesa do consumidor e coesão sócio-econômica da Comunidade9 9 . VENTURINI, Patrick. Um Espaço Social Europeu no Horizonte de 1992. Luxemburgo, Comissão das Comunidades Européias, 1989. .

Dentro desse panorama que compõe o espaço social europeu, destacaremos a seguir o papel da proteção social e sua evolução no âmbito dos países da CEE, no sentido de ilustrar o significado e peso dessa dimensão no conjunto das questões que norteiam a coesão comunitária.

A Proteção Social (saúde pública e seguridade social para a maioria dos países europeus, ocupou um lugar significativo, principalmente no Pós-Guerra. A expansão dessa proteção deu-se entre os anos 50 e 60, acompanhando o rápido crescimento econômico de países como França, Reino Unido, Alemanha etc.

O aumento com os gastos em proteção social foi nítido: em 1960, a França tinha uma despesa com proteção social de 13,4% do PIB nacional, passando, em 1981, para 23,8% desse mesmo PIB, enquanto o Reino Unido passou de 10,3% para 19,9% e a Alemanha, de 18,1%, para 23,4%.

Tal crescimento deu-se por diferentes fatores, com pesos diferenciados no contexto da demanda: envelhecimento da população, melhoria da cobertura individual (o valor da aposentadoria evolui, representando um maior percentual na renda - na França, passou de 49% para 66%), demanda individual por proteção social (melhoria no nível de vida), papel da oferta no aumento das despesas com proteção social (especialmente no caso da saúde) etc, contribuindo para que existisse uma evolução qualitativa dessa proteção para a maioria desses países.

O conceito de proteção social adotado pela CEE é bastante amplo e inclui: pensões e serviços para a doença, invalidez, deficiência física, acidentes de trabalho, velhice, família, maternidade, colocação profissional, orientação vocacional, mobilidade ocupacional, desemprego e benefícios habitacionais.

Frente a esse conjunto, a maior dificuldade para a década de 90 consiste no seu financiamento, uma vez que conflitam também as tradições diferenciadas para o encaminhamento da questão, como é o caso dos sistemas "beveridgianos" (Plano Beveridge) e dos herdeiros do conceito alemão de Wohlfahrtstaat.

O apoio dos "parceiros sociais" - termo que abrange, em nível comunitário, a Confederação Européia dos Sindicatos (CES), a União das Indústrias da Comunidade Européia (UNICE) e o Centro Europeu de Empresa Pública (CEEP) - é peça importante para se definirem as regras sociais comunitárias.

Considerando-se o peso significativo que o trabalhador assalariado tem na população economicamente ativa - 80.3% das ocupações civis é de assalariados - alguns dados permitem aquilatar a complexidade encerrada por tais regras.

A duração semanal da jornada de trabalho varia entre 35 e 40 horas, podendo até ser menor, dependendo de outros fatores conjunturais.

A duração da vida ativa varia em função da escolaridade e idade para aposentadoria, segundo categorias sociais, de sexo e países. A idade para aposentadoria no Reino Unido era de 65 anos para os homens e 60 para as mulheres; na Itália, 60 e 55 anos; na Dinamarca, 60 para ambos. Em 1986, o Tribunal Europeu de Justiça entendeu que a discriminação de idade entre homens e mulheres é contrária às diretivas comunitárias sobre igualdade de tratamento entre ambos os sexos.

A segurança social possui duas formas de ação dentro da Comunidade: harmonização de legislações e coordenação dos sistemas nacionais. Tal coordenação abrange todos os cidadãos comunitários que circulam no interior da CEE, com exceção dos funcionários públicos, através de regimes oficiais em vigor no seio de cada Estado-membro. Os regimes complementares criados pelas empresas não entram no âmbito dessa coordenação.

Segundo avaliação dos próprios "parceiros sociais", a coordenação tem sido satisfatória, porém, a harmonização torna-se o ponto crítico, pois existem disparidades nos recursos alocados por Estado-membro, diferenças de nível de vida, de cultura e de estrutura dos sistemas de segurança social. Dentro desse quadro, a Comissão Européia tem procurado as vias de convergência, antes de tentar a harmonização, através de pontos em comum sobre os problemas e necessidades dos Estados-membros, como a repercussão no mercado interno, controle de despesas e equilíbrio das finanças públicas, condicionantes demográficos, riscos de marginalização e empobrecimento10 10 . "SOCIAL Policy Priorities". Priorities and Initial Action. Brussels, Comission of European Communities, 1989. .

A Comissão pretende, a partir de entendimentos sobre essas questões, chegar a outras mais específicas, como a regulamentação do financiamento das prestações sociais, a criação do rendimento social mínimo comunitário, novas modalidades de proteção social em função de mudanças que ocorrem na organização do trabalho, e mecanismos de pensão e aposentadoria comuns.

O Relatório Dimensão Social do Mercado Interno (Europa Social, 1988) enfatiza a associação do econômico ao social, através do método de conjugar, harmonizar, convergir e animar, desenvolvendo o aparato jurídico-social necessário e enfatizando o papel central do diálogo social.

A CONSTRUÇÃO DA EUROPA A PARTIR DAS BASES

A procura da harmonização de condutas consiste em um dos pilares para a institucionalização do Mercado Comum Europeu. Em 1975, os Estados-membros foram convidados, através de uma recomendação do Conselho de Ministros da CEE, a instituírem a semana de 40 horas e férias pagas de quatro semanas. Em 1979, outra resolução atribuiu à Comissão Européia e a seus parceiros sociais o exame da organização do tempo de trabalho, visando a reduzir seu volume anual (através da diminuição das horas extras) e ao desenvolvimento do trabalho em tempo parcial ou temporário. Em 1982, uma recomendação sobre política comunitária tenta harmonizar a idade de aposentadoria.

Mas, somente com o Conselho Europeu de Fontainebleau, em 1984, presidido por Jacques Delors, é que a construção social européia ganhou bases mais sólidas e um novo impulso, pois constaram da pauta de negociações, neste encontro, a cooperação e a harmonização em matéria de proteção social.

Esse Conselho ratificou um novo Plano Social a ser implementado a médio prazo, pois, "a Comunidade não conseguirá reforçar a coesão econômica face à concorrência internacional, se ao mesmo tempo não reforçar a sua coesão social. Assim, a política social deverá ser desenvolvida, a nível comunitário, da mesma forma que as políticas econômica, monetária e industrial"11 11 . Jacques Delors, em pronunciamento no Conselho Europeu de Fontainebleau em 1984. .

Com esse objetivo e visando a realizar o Ato Único Europeu - uma nova fronteira para a Europa - é que foram adotados os preceitos contidos no que ficou conhecido como "pacote Delors", o que foi possível graças à duplicação do montante orçamental dos fundos estruturais (FSE/FEDER/FEOGA - Orientação12 12 . FEOGA - Orientação. Consiste em outro Fundo Estrutural de Ação Social - Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola. Como o próprio nome lembra, seu objetivo é subsidiar a Política Agrícola ) acordada em Fontainebleau.

Para compreendermos a dimensão e a complexidade de tal diálogo, relataremos as principais instâncias institucionais participantes:

a) Comitê Econômico Social (CES) - 189 membros, repartidos em três grupos, representando todos os setores da vida econômica e social;

b) Comitês Consultivos - formados por representantes das organizações econômicas e sociais e funcionários da Comissão de Assuntos Sociais da CEE (Comitês para Formação Profissional, Livre Circulação dos Trabalhadores, Segurança Social dos Trabalhadores Migrantes, Segurança, Higiene e Proteção à Saúde no Local de Trabalho, Comitês para Profissionais Liberais, para Igualdade de Oportunidades entre Homens e Mulheres etc);

c) Comitês Paritários Setoriais - em número de 9, têm por objetivo garantir a participação dos parceiros sociais nas decisões econômicas e sociais da Comunidade (Comitês paritários agrícolas, da pesca marítima, da indústria do calçado, da navegação interna, dos ferroviários etc);

d) Grupos Informais - para determinados setores cujos parceiros sociais ainda não chegaram a formar um comitê paritário, como é o caso dos bancos, construção civil, hotelaria, restaurantes etc;

e) Comitê Permanente para o Emprego (CPE); e

f) Confederação Européia de Sindicatos (CES).

Neste cenário, cabe enfatizar o papel do CES como grupo de pressão eficaz no seio do diálogo social e comunitário.

O movimento sindical na CEE possui duas grandes vertentes: os reformadores, que se caracterizam pelo esforço de melhorar as estruturas existentes no interesse dos trabalhadores, e os revolucionários, cuja proposta consiste na mudança das estruturas econômicas e sociais, sem negligenciar as reivindicações a curto prazo.

A taxa de sindicalização sobre o número total de trabalhadores fica assim distribuída13 13 . O.C.D.E. "Social Dimensions of the Internai Market". European Business, Brussels, outubro, 1988. :

• Alemanha: 40 a 50%

• Bélgica: 70 a 80%

• França: 15 a 30%

• Itália: 50 a 60%

• Espanha: 15 a 30%

• Dinamarca: 70 a 80%

• Luxemburgo: 60 a 70%

• Irlanda: 50 a 60%

• Holanda: 30 a 40%

• Reino Unido: 50 a 60%

• Grécia: 30 a 40%

• Portugal: 15 a 30%

A Confederação Européia de Sindicatos (CES) foi criada em 1973 pela Confederação de Sindicatos Livres, abrangendo 35 Confederações e reunindo 43 milhões de sindicalizados por toda Europa.

A participação dos trabalhadores na CEE, via CES, como "parceiros- sociais", vem consolidando o desenvolvimento do sistema bipartite de informação e consulta dos trabalhadores no nível comunitário, como já acontecia em alguns Estados-membros, tais como a Dinamarca, Alemanha, Bélgica, Holanda, destacando-se as tentativas de colaboração e responsabilidade pela "europeização" da gestão do mercado interno e, no campo jurídico, pela normalização da convenção coletiva européia.

A cooperação européia interempresas, na medida em que está sendo intensificada, também permite a possibilidade de criação de comitês de grupos transnacionais. Os agentes sociais organizam-se em estruturas de redes, o que permite a circulação de informação, debate e intercâmbio de experiências14 14 . COMMUNITY Charter of Fundamental Social Rights. Brussels, Commission of the European Communities, maio, 1989; "EUROPE - La dimension sociale". Revue Française des Affaires Sociales. Hors-Série, novembro, 1989. .

A participação dos trabalhadores nos lucros das empresas consiste hoje um grande desafio no nível comunitário. Outra questão que está dependendo de abordagem comunitária, em função da alta polêmica que causa entre os Estados-membros, trata do que se denominou dumping social.

O dumping social traduz-se por um duplo receio de alguns países da CEE com condições sociais mais elevadas: de um lado, o de que em países cujos custos de mão-de-obra são em média mais baixos, se tire vantagem dessa diferença absorvendo parte do mercado ou desviando os investimentos; de outro lado, o de que se verifique um bloqueio no progresso social nacional, através de pressão para se rebaixarem as condições sociais (salários, nível de proteção e regalias sociais), incentivando-se uma "harmonização pelos níveis inferiores", conforme analisa Venturini em seu relatório15 15 . VENTURINI, Patríck. Op. cit. .

Entretanto, o dumping não ocorre em todos os setores da produção e sim naqueles cuja atividade se baseia em uso intensivo de mão-de-obra, como as indústrias agro-alimentares, de transporte rodoviário e marítimo, da construção civil, de obras públicas.

ESPAÇO SOCIAL EUROPEU - CONCLUSÃO

Gerenciar a diversidade pressupõe encarar a questão em seus matizes. A estratégia do Conselho Europeu foi tomar a questão da luta contra o desemprego como base da política social da CEE.

Por que desemprego? Em primeiro lugar, ele é o fio condutor das tensões regionais, discriminador e fonte de negação do próprio direito de livre circulação e estabelecimento. Também através dele, poder-se-iam estender as questões de segurança social e outras que se apresentam muito mais polêmicas.

Existe um bom desenvolvimento do trabalho assalariado na Comunidade, como já foi dito, o que funciona como parâmetro positivo para o conjunto dos parceiros sociais. Houve uma considerável diminuição do número de trabalhadores independentes e, portanto, do mercado informal. Entretanto, nem mesmo esta condição é homogênea. No Reino Unido, temos 89,5% de trabalhadores assalariados enquanto que na Grécia, 49,1%.

Assim sendo, definir o desemprego e, conseqüentemente, a luta contra ele dentro de características regionais poderá tornar possível a real integração. As ações no âmbito social desenvolveram-se visando a que o crescimento econômico e social se faça relacionado com a oferta de empregos. Nesse sentido, criaram-se vários programas, como o de Ação para o Crescimento do Emprego, em 1986 - cuja proposta é promover a criação de novas empresas; o crescimento do emprego; maior eficácia dos mercados de trabalho; formação de mão-de-obra - e programas para solucionarem o desemprego de longa duração.

Isso pressupõe efetivar o direito de mobilidade dos trabalhadores.

Além da questão emprego/desemprego, é necessário tocar em outro ponto crucial, que é a desigualdade de tratamento entre cidadãos migrantes em um Estado-membro.

Uma das formas encontradas pela Comissão Técnica da CEE para tentar solucionar essa questão foi reforçar a necessidade de um sistema geral de reconhecimento de diplomas de ensino superior com fins profissionais, ou seja, de criar correspondência entre as profissões dos Estados-membros. Nesse sentido, com o intuito de auxiliar, foram criados o SEDOC - Sistema Europeu de Procura e Oferta de Emprego em Compensação - e o MISER - Sistema Mútuo de Informação sobre as Políticas de Emprego.

Entretanto, continuam, como barreiras, a liberdade de deslocamento sem controle nas fronteiras e, principalmente, o controle de pessoas ligadas ao terrorismo, drogas, crime.

Outro ponto importante para 1992 consiste na luta contra a pobreza. Entre 1975 e 1985, ela saltou de 10% para 20% da população, ou seja, para mais de 30 milhões de pessoas. O combate intensificou-se na década de 80, através de subsídios às ações que envolvem pesquisas, difusão, intercâmbio de novos métodos de trabalho, ajuda alimentar e auxílio emergência.

Tentando agilizar soluções para esse problema, bem como organizar as mudanças e dar respostas mais efetivas aos desequilíbrios regionais, a Comunidade criou "áreas sociais" cujo objetivo é "assegurar um processo equilibrado de adaptação das capacidades nos setores mais atingidos pelas mutações estruturais e para os quais um ajustamento do nível de emprego não se reconhece como socialmente aceitável sem intervenção financeira das autoridades nacionais e comunitárias"16 16 . Idem, ibidem, .

O método utilizado no processo de acordos para a gestão do espaço comum europeu se faz através de ações normativas, isto é, as propostas e sua implementação se dão paulatinamente nas esferas onde se obtém consenso e a partir delas é que são criados quadros legais para harmonização das legislações, atos administrativos e regulamentos nacionais. As questões mais complexas, como por exemplo as relativas a níveis de salário e de proteção social, estrategicamente, têm sido remetidas para o âmbito interno de cada país-membro.

Tal sistema de trabalho tem sido bem-sucedido em questões como as referentes à harmonização da legislação sobre igualdade salarial entre homens e mulheres, dispensa coletiva, conservação dos direitos adquiridos pelos trabalhadores quando são transferidos de empresa e proteção dos assalariados frente à insolvência do empregador.

A construção européia encontra na gestão da diversidade de países, regiões e pessoas um de seus maiores desafios. Dependerá muito da mobilização das melhores idéias e energia, no sentido de compatibilizar o espírito da livre iniciativa com uma intervenção estatal, sem a qual não se chega à harmonização necessária, capaz de ajustar as diferenças e superar desníveis, principalmente no campo social17 17 . Quero expressar meus agradecimentos à Profa. Vera Thornstensen pelas discussões profícuas no curso sobre a CEE, por ela ministrado na EAESP/FGV em janeiro de 1990, e pelo valioso material que me cedeu; e ao Prof. Eurico Korff, também da EAESP/FGV, pela gentileza de ter encaminhado meu texto à RAE. .

  • 2. UHRICH, René. Pour une Nouvelle Politique de Développement Regional en Europe. 2- ed. Paris, Ed. Económica, 1985.
  • 3. FERNANDES, Antonio José. "Política Comunitária de Desenvolvimento". In: Portugal face à Política Regional da Comunidade Européia. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989. Veja também: DELOITTE, HASKINS & SEELS. 1993. A Europa sem Barreiras. Lisboa, Publicações Europa-América, 1989.
  • 5. Sobre os doze países que fazem parte da CEE ver: TRATADO que Institui a CEE -Incluindo o Ato Único Europeu. Lisboa, Publicações Intereuropa, 1987.
  • Ver também: MOREAU, Gerard. La CEE. Paris, Editions Sirey, 1987.
  • 6. ALVES, Jorge de J. Ferreira. Lições de Direito Comunitário. Coimbra, Coimbra Ed., 1989.
  • 9. VENTURINI, Patrick. Um Espaço Social Europeu no Horizonte de 1992. Luxemburgo, Comissão das Comunidades Européias, 1989.
  • 10. "SOCIAL Policy Priorities". Priorities and Initial Action. Brussels, Comission of European Communities, 1989.
  • 13. O.C.D.E. "Social Dimensions of the Internai Market". European Business, Brussels, outubro, 1988.
  • 14.COMMUNITY Charter of Fundamental Social Rights. Brussels, Commission of the European Communities, maio, 1989;
  • EUROPE - La dimension sociale. Revue Française des Affaires Sociales. Hors-Série, novembro, 1989.
  • *
    N.da Ed. Os dados relativos a esse país apresentados neste artigo foram colhidos antes de sua reunificação e dizem respeito apenas à Alemanha Ocidental.
  • 1
    . Conforme o
    Tratado de Roma -1.957, que institui a CEE - Comunidade Econômica Européia - incluindo o Ato Único. Lisboa, Publicações Intereuropa, 1987.
  • 2
    . UHRICH, René.
    Pour une Nouvelle Politique de Développement Regional en Europe. 2- ed. Paris, Ed. Económica, 1985.
  • 3
    . FERNANDES, Antonio José. "Política Comunitária de Desenvolvimento". In:
    Portugal face à Política Regional da Comunidade Européia. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989. Veja também: DELOITTE, HASKINS & SEELS.
    1993. A Europa sem Barreiras. Lisboa, Publicações Europa-América, 1989.
  • 4
    . Este termo surgiu, pela primeira vez, em 1981, para salientar a importância da questão social dentro da Comunidade.
  • 5
    . Sobre os doze países que fazem parte da CEE ver:
    TRATADO que Institui a CEE -Incluindo o Ato Único Europeu. Lisboa, Publicações Intereuropa, 1987. Ver também: MOREAU, Gerard.
    La CEE. Paris, Editions Sirey, 1987.
  • 6
    . ALVES, Jorge de J. Ferreira.
    Lições de Direito Comunitário. Coimbra, Coimbra Ed., 1989.
  • 7
    . MOREAU, Gérard. Op. cit.
  • 8
    . Denominam-se "países terceiros" todos aqueles que não compõem a CEE.
  • 9
    . VENTURINI, Patrick.
    Um Espaço Social Europeu no Horizonte de 1992. Luxemburgo, Comissão das Comunidades Européias, 1989.
  • 10
    . "SOCIAL Policy Priorities".
    Priorities and Initial Action. Brussels, Comission of European Communities, 1989.
  • 11
    . Jacques Delors, em pronunciamento no Conselho Europeu de Fontainebleau em 1984.
  • 12
    . FEOGA - Orientação. Consiste em outro Fundo Estrutural de Ação Social - Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola. Como o próprio nome lembra, seu objetivo é subsidiar a Política Agrícola
  • 13
    . O.C.D.E. "Social Dimensions of the Internai Market".
    European Business, Brussels, outubro, 1988.
  • 14
    .
    COMMUNITY Charter of Fundamental Social Rights. Brussels, Commission of the European Communities, maio, 1989; "EUROPE - La dimension sociale".
    Revue Française des Affaires Sociales. Hors-Série, novembro, 1989.
  • 15
    . VENTURINI, Patríck. Op. cit.
  • 16
    . Idem, ibidem,
  • 17
    . Quero expressar meus agradecimentos à Profa. Vera Thornstensen pelas discussões profícuas no curso sobre a CEE, por ela ministrado na EAESP/FGV em janeiro de 1990, e pelo valioso material que me cedeu; e ao Prof. Eurico Korff, também da EAESP/FGV, pela gentileza de ter encaminhado meu texto à RAE.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 1991
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