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A importância da "visão estratégica" (o padrão de sucesso e insucesso dos dirigentes das empresas americanas)

NOTAS E COMENTÁRIOS

A importância da "visão estratégica" (o padrão de sucesso e insucesso dos dirigentes das empresas americanas)

Agrícola Bethlem

Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Administração (Coppead) da UFRJ; professor na Escola de Engenharia da UFRJ; encarregado da área de organização e estratégia nos Cursos de Mestrado e Doutorado da Coppead; e coordenador nacional da Central Brasileira de Casos

1. INTRODUÇÃO

O que o título deste artigo tem a ver com os problemas da administração no Brasil?

A resposta é: bastante!

A literatura e o material de ensino utilizados na formação dos administradores de empresas no Brasil é predominantemente de origem americana.

Pelo excepcional desenvolvimento da sua economia e de suas empresas, os EUA são o centro cultural do mundo dos negócios - o país dos milagres tecnológicos e industriais e o gerador do "desafio americano".

Tentei em outro trabalho (Bethlem, 1981) estabelecer um padrão de sucesso ou insucesso para as empresas americanas. Analisei os principais ingredientes considerados indispensáveis ao sucesso: tamanho, dominância de mercado, segurança, pesquisa e desenvolvimento, produtos de grande aceitação, e concluí que nenhum deles é garantia de sucesso ou proteção contra o insucesso. Restou como elemento a ser examinado o management das empresas.

A premissa é que o autor dos milagres e do "desafio americano" é o homem de negócios americano ou o dirigente ou o executivo, como queiramos chamá-lo. Esta premissa é defendida por vários autores, Chandler (1977) e Drucker (1974) por exemplo, e reafirmada pela prestigiosa revista Forbes assim: se uma companhia não conta com nada mais além de um bom management, ela chega ao topo; se ela tem tudo, exceto bom management, vai afundar. Esta a lição clara de 50 anos de ação trepidante na história dos negócios americanos (Forbes, 1974).

Quando a empresa não funciona, também o executivo é responsável. Entre outros Levitt diz:

"Em todos os casos em que o crescimento das empresas é ameaçado, atrasado ou parado, a razão não é a saturação do mercado. É porque houve uma falha da direção da empresa.

O fracasso é no topo. Os executivos responsáveis são os que lidam com os objetivos globais e as políticas da companhia" (Levitt, 1960).

Esta visão tem dominado nas áreas de treinamento e desenvolvimento de executivos, influenciando na elaboração de currículos e na ministração de aulas.

Vamos ver se podemos identificar o "bom management" ou o "management de sucesso";

Usualmente, diz-se que os executivos americanos são bons porque:

a) são treinados há gerações, em universidades que também vêm há gerações desenvolvendo seus processos de treinamento. As universidades americanas desenvolveram, e mantêm, um intercâmbio com as empresas sem rival no mundo (a Associação Americana de Escritores de Casos e a ICCH, tinham ambas mais de 50 anos quando se fundou a Central Brasileira de Casos), que permite a produção de material de ensino sempre atual e refletindo a realidade americana. Há universidades e cursos americanos conhecidos e famosos em todo o mundo: Harvard, Columbia, Wharton, MIT, Stamford;

b) são bem treinados nas empresas;

c) trabalham com executivos de sucesso, com os quais aprendem a ser também executivos de sucesso. Uma das coisas que aprendem é trabalhar horas infindáveis e sob pressão sem perder o equilíbrio e a eficácia.

Vamos examinar estas afirmações à luz da realidade. Examinemos primeiro os bons executivos ou administradores de sucesso.

2. ADMINISTRADORES DE SUCESSO

A revista Forbes cita grandes homens, segundo ela, pessoalmente responsáveis pelo crescimento e sucesso de suas companhias (Forbes, 1974).

Walter V. Chrysler brilhou em três companhias. Na Willys, em um ano (1920) ele levou-a da quase-falência ao sucesso; na GM, fez da Divisão Buick uma máquina de ganhar dinheiro; e transformou a Maxwell Motors de uma companhia doente na gigantesca Chrysler Corporation.

Tex Thornton fez a Litton Industries crescer de 3 milhões de receita em 1954 para 1,2 bilhões em 1966, usando a técnica que ele aperfeiçoou de vender suas ações em altíssimo P/L e usar o dinheiro na compra de companhias. Foi também um dos grandes iniciadores da técnica de administração de "conglomerados".

Donald C. Power, da GT & E, quando começou a trabalhar a ATT dominava tudo que significasse telefone, e havia milhares de empresas independentes "pequenininhas". Power fundiu muitos destes independentes e criou em 16 anos um gigante de 2,4 bilhões de receita (87 milhões de 1954), que compete hoje com a Bell System em sua área de atuação.

Ford é celebrado por ser um gênio de produção e ter baixado o custo, e daí ter vendido mais. Mas é o contrário. Ele baixou o custo porque concluiu que, se fizesse um carro de US$500, iria vender milhões. A produção em massa foi decorrência, e não a causa do seu preço baixo de venda. O próprio Ford dizia: "Nós não consideramos custos como fixos. Primeiro, nós reduzimos o preço de venda até onde achamos que vai haver mais vendas (...) . Aí trabalhamos para produzir no preço que dê (...). Ninguém sabe quanto o custo deve ser (...). Uma das maneiras de descobrir é estabelecer um preço tão baixo que todo mundo é forçado ao máximo de eficiência, todo mundo tem que cavar para ter lucro (...) . Nós descobrimos mais coisas na área de produção e vendas por este método forçado do que por qualquer outro método de investigação."

A National Cash Register foi montada em cima de duas idéias:a máquina registradora e a idéia de seu fundador Patterson de como vencer a resistência contra a máquina. Ela indicava para a época a desconfiança sobre o empregado e até sobre o patrão. Patterson criou o slogan de suas vendas: "não fale em registradoras, não fale em máquina, fale no negócio do cliente". Hoje, banal, este slogan, foi uma revolução na época como as registradoras. Patterson foi um criador na motivação de vendedores, criando com isto uma força de vendas eficaz e eficiente, e espalhou as registradoras pela América. Em 1884, havia 100 registradoras funcionando nos EUA 16 anos depois, 190 mil.

Em termos de motivação de operários, Patterson construiu a primeira fábrica moderna dos EUA, de vidro e alvenaria, ventilada e iluminada. Era acusado, por seus contemporâneos, de perigoso, pelo que dava em salários e benefícios aos seus operários. Mas Patterson acreditava que até o cafezinho grátis distribuído em sua fábrica provocaria aumento de produtividade. Só anos mais tarde isto deixaria de funcionar. Patterson dava ênfase a marketing e motivation.

Foi o que Watson, discípulo de Patterson, usou para construir a IBM. A IBM não existia em 1917 - cresceu porque Thomas Watson viu o potencial do processamento eletromecânico, o que a GE não viu.

Edwin Land inventou a máquina Polaroid, montou uma companhia "para ele", e de 1955 a 1967 cresceu de 26 milhões para 322 milhões em 1967 e 525 milhões em 1971.

A Xerox é uma recordista de crescimento porque J. Wilson viu o potencial da máquina de copiar do Battelle Institute. Chester Carlson, ajudado pelos cientistas do Battelle Memorial Institute, inventou o processo xerográfico. A IBM e a Kodak não quiseram comprar; foi a pequena Haloid Co. que o fez. Em 1958, vendia 27 milhões, em 1967, 528 milhões, em 1971, 1.961.449.000. Mil dólares de ações da Haloid compradas em 1945 valiam 800 mil em 1967.

Royal Little, fundador da Textron, no início da década de 50, com a fraqueza do negócio têxtil, começou a vender partes de sua empresa e a comprar outras companhias de áreas diferentes. Com 28 divisões em 1972, já era uma companhia de mais de 1 bilhão de vendas.

Galbraith (1968) pensava em Whitney, John Jacob Astor, J. P. Morgan, Jay Gould, Vanderbilt, Carrnegie, Mc Cormick, Harriman, Remington, Colt e outros, mais antigos que os citados pela Fortes, mas estava enganado quando disse que o grande empresário tinha desaparecido. As grandes empresas precisam de liderança e da centelha de criação que às vezes vem de um grupo e às vezes de um homem.

O início da década de 70 assistiu a inúmeros lances de criatividade financeira, quando empresas grandes foram absorvidas por empresas menores, e empresários de pouca tradição assumiram o controle de gigantes: James Long da LTV, Charles Bludhom da Gulf & Western Industries, Singliton da Teledyne, que criaram em poucos' anos novos gigantes do mercado, sem contar Helz, que de um negócio de venda de animais de estimação e artigos correlatos (rações, equipamento etc), construiu uma corporação de quase US$ 1 bilhão - enxergando o que ninguém mais enxergou, a "necessidade", potencial de "bichinhos" existente em cada lar americano (Forbes, 1974).

Essa crença nos grandes homens pode ser bem ilustrada pelos salários dos "grandes" das empresas americanas. Os salários americanos dos anos 70, de 600, US$800 mil por ano, ainda são pequenos perto dos de 1947, como os de Charles E. Mitchell do National City Bank, US $ 1,3 milhão, e de Eugene Grace da Bethlehem Steel, US$ 1,6 milhão! E havia mais de 150 dirigentes de indústria que ganhavam US$1 milhão ou mais. Para a ideologia da época era merecido - eles eram heróis. Em contraposição a isto, nessa época o operário ainda trabalhava 48 horas por semana ganhando uma média de US$27 por semana (Forbes, 1974).

Devia haver uma ideologia específica que fazia os "grandes" homens serem admirados e, mais importante, era a responsável por eles se sentirem bem.

Pelos exemplos citados parece então que homens de "qualidade superior" são capazes de garantir o sucesso das empresa1 1 O autor usa a expressão management sem tradução. (Ver Bethlem, A. de S. A semântica de management. In: ______. Política e estratégia de empresas. Rio de Janeiro, Guanabara Dois, 1981. anexo 8.) ; que dirigem. Mas os "grandes homens" realmente garantem?

3. ERROS E FRACASSOS

Os grandes homens também erram, achando quase sempre, contudo, que estio acertando, porque continuam usando suas idéias e técnicas bem-sucedidas no passado, mas que não foram modificadas para atender a novas circunstâncias.

A quebra de 1929 (outubro de 1929) nos EUA não destruiu a fé dos americanos nos seus heróis dos negócios. Ela foi destruída pelos remédios antikeynesianos aplicados (Forbes, 1974).

Em 1932, o índice Dow Jones tinha ido dos 381 de 1929 para 41! O PNB americano caiu de 104 bilhões para 59 bilhões. Da força de trabalho de 13 milhões, 25% estavam sem trabalho. Os operários americanos que ainda trabalhavam pagaram caro por isso: tiveram cortes de salário durante a depressão, alguns sem greve, e trabalhavam horas sem fim.

Em 1917, foi preciso uma greve para que a Borden consentisse em reduzir a sua semana de trabalho, que era de sete dias de 14 horas. A US Steel também lutou como pôde contra a redução de horas.

Os dirigentes de então eram cruéis? Mal-informados?

Pelos nossos conhecimentos e pela ideologia predominante de hoje, sem dúvida que o eram,mas, dentro dos pontos de vista de então, eram eficazes e capazes.

Se os salários baixassem, baixariam também os preços, seria estimulada a demanda; com maior demanda e salários mais baixos, aumentariam os lucros e a produção, e a depressão acabaria. Os homens de negócio seguiam o que recomendava o grande economista da época, Alfred Marshall (1961).

Em 1932, o candidato republicano à Presidência dos EUA, na mesma linha, apresentou em sua "plataforma eleitoral" o corte de despesas do Governo para vencer a depressão.

Naquela época, as idéias de Keynes, que resolveram pelo menos boa parte dos problemas nas décadas seguintes, não eram bem conhecidas ainda (hoje, as idéias de Keynes são atacadas por várias "escolas" de economistas por não atenderem aos problemas atuais).

Em 1920, a indústria de automóveis estava, na opinião de muitos, inclusive da Forbes, saturada. E estaria mesmo, se o governo não modificasse gradativamente o seu enfoque econômico e iniciasse um programa de construção de estradas em âmbito nacional. Talvez em conseqüência dessa nova "visão econômica", iniciou-se uma tendência a salários cada vez maiores que ajudou a indústria a colocar seus veículos.

Mesmo os pioneiros mais otimistas da indústria automobilística não previram que em 1972 haveria mais de 100 milhões de automóveis nos EUA; que haveria anos de mais de 9 milhões de carros vendidos; que o automóvel criaria os subúrbios, revolucionaria o varejo (shopping centers etc), destruiria cidades, arruinaria ferrovias e seus investidores etc., e acabaria sendo criticado no fim da década devido à crise do petróleo e à poluição.

Quando se olha para as mudanças dos últimos 50 anos, vê-se como os melhores homens podem enganar-se. Oportunidades como nunca houve foram vistas por alguns e não por outros.

Alguns setores industriais declinaram - o de equipamento ferroviário, de empacotamento de carne (vendida nos EUA empacotada), de carvão, de cobre e de aço; outros subiram - o químico, o eletrônico, o de automóveis, o de aviação. Na década de 70, aerospaço, comunicações, barcos, camping e moradias temporárias, produtos para e animais de estimação tiveram crescimento impensados poucos anos antes (Forbes, 1974).

Em 1946, as previsões dos economistas americanos eram de que haveria uma depressão econômica nos anos seguintes. Vários banqueiros e empresas "encaixaram-se" para comprar barato e resistir à nova depressão. O mercado de ações caiu 25% em poucos meses. Mas todos tinham errado. Começou b maior, mais longo e firme boom da história econômica americana. Os "bons" tinham errado. O PNB foi de US$209 bilhões em 1946 para US$419 bilhões em 1956 e US$775 bilhões em junho de 1967. A inflação, e não a "deflação", tornou-se o problema (Forbes, 1974).

Como de outras vezes, quem soube analisar certo ou se adaptar a tempo cresceu; quem não soube, caiu. Da lista das 100 maiores companhias da Forbes de 1945, 29 não constavam na de 1967. As empresas cinematográficas, extremamente lucrativas no passado, foram das que caíram. Havia quatro na lista de 1945; nenhuma na de 1967.

Outros exemplos de resultados não antecipados pelo bom-senso da maioria foram os decorrentes da automação.

A maioria dos experts esperava a redução dos empregos e suas conseqüências sociais. No entanto, com a crescente utilização da automação também a força de trabalho cresceu. Em 1966, havia 26,1 milhões de operários nos EUA contra 22,2 em 1946, e o número total de empregos aumentou de 52 para 75 milhões.

A automação baixou os custos, elevou os salários e, aumentando o poder de compra, gerou novas necessidades e novos empregos para satisfazê-las. Trouxe também uma mudança nas relações Governo-negócios, que de conflitiva se transformou em associativa. Iniciou-se um movimento de intercâmbio entre executivos e homens do Governo e de recrutamento cruzado - homens de negócios indo para o Governo, homens do Governo indo para empresas. Anos depois, nos dias de hoje, o quadro não é tão favorável, mas o intercâmbio continua.

Houve também muitas previsões certas que foram ignoradas.

A colhedora mecânica de algodão foi posta em uso depois da II Guerra Mundial. O seu inventor previra que ela deslocaria 1 milhão de famílias de colhedores de algodão em 10 anos. Chegou perto. Destas famílias, grande número era de negros, que tiveram que sair do campo e foram para as cidades agravar o grande problema americano dos ghettos e suas conseqüências (Burlingame, 1955).

Vários homens de excepcional eficiência em outras circunstâncias foram afastados da direção de suas companhias porque não enxergaram as mudanças na situação.

O famoso Eddie Rickenbacker, herói da guerra e criador de Eastern Air Lines, foi tirado de sua diretoria porque não conseguia manter sua empresa competitiva. Sewell Avery, o homem que desenvolveu a US Gypsum e salvou e desenvolveu a Montgomery Ward, foi afastado com todos os diretores que o apoiavam após ele mesmo ter demitido dezenas de executivos, sem conseguir fazer a Montgomery parar de involuir.

Ford e Watson foram ambos afastados da direção de suas empresas por pressão das respectivas famílias, após todo o sucesso que tinham trazido a ela no passado, porque no presente estavam atrapalhando. Após décadas de sucesso, Ford levou sua firma a um estado de insolvência quase definitiva. A empresa foi salva porque ele saiu e o seu neto teve a sabedoria de colocar um profissional como presidente da empresa, enquanto ele, H. Ford II, ocupava a vice-presidência (Forbes, 1974).

Watson também, após um sucesso espetacular com suas máquinas de processamento de dados, não acreditava no computador e impedia de todas as formas o seu desenvolvimento. Foi preciso afastá-lo para que seu filho Watson Jr. pudesse aproveitar a oportunidade e levar a IBM à liderança do ramo. A máquina de "xerocar" também não foi aceita por Watson, que anos antes vira o futuro dos cartões perfurados quando a GE não viu.

Patterson, que tanto fizera pela NRC, foi afastado por impedir a adaptação de sua empresa a novos tempos.

Edwin Land deixou a direção de sua empresa Polaroid depois de perder milhões de dólares com sua "filmadora" de revelação instantânea, um tour de force tecnológico que trouxe para o cinema caseiro o mesmo processo de fotografia "polaroid" de revelação imediata. Enquanto a fotografia Polaroid encontra cada vez mais aplicações, o "cinema" Polaroid fracassou. Talvez Land não tenha "visto" a nova tecnologia do vídeo-cassete (Time, 1923).

Royal Little, que é considerado o pai dos "conglomerados", também teve problemas que não conseguiu resolver.

Por estes novos exemplos, podemos ver que os grandes homens de uma época podem tomar-se obstáculos em outra - os mesmos responsáveis pelo crescimento espetacular de uma empresa durante anos podem tornar-se destruidores desse mesmo sucesso nos anos seguintes.

Não parece haver o "man for ali seasons" (o homem para todas as estações): há qualidades específicas e circunstâncias nos dirigentes que os fazem bons ou ruins conforme o ambiente, a ocasião e até mesmo a ideologia predominante, mas essas qualidades não parecem ter sido determinadas, senão os homens seriam substituídos antes de perderem o "dom" do sucesso.

4. SUCESSÃO

Às vezes, apesar da última afirmação, há indivíduos que se mantêm bem-sucedidos durante anos, mas esses anos têm limite, os homens envelhecem, adoecem, morrem. Não basta a empresa contar com grandes homens na sua direção - é preciso que a empresa saiba treinar ou recrutar substitutos para estes grandes homens.

Com todos os processos de treinamento dos EUA, era de se supor que isto não se tornasse um problema. Mas, muitas vezes, tornou-se um problema fatal. Às vezes, por incapacidade da empresa de treinar, às vezes por não querer treinar.

A Curtis Wright, durante 20 anos, sempre recrutou seus executivos "fora", não querendo se envolver com treinamentos. Cometeu um erro fatal na sua indústria não quis também desenvolver um motor a jato.

A American Viscose tinha um bom departamento de P&D, desenvolveu vários produtos, mas nunca conseguiu treinar substitutos para seus executivos de topo e executivos de segunda Unha. Acompanhou na pesquisa, mas não conseguiu acompanhar em marketing, finanças e administração geral. Foi parcialmente liquidada e absorvida.

Walter Chrysler, da Chrysler, que citamos nas páginas anteriores como administrador de sucesso, e J. J Hopkins, da General Dynamics, ambos foram executivos brilhantes, mas incapazes de treinar substitutos à altura. Ambas as firmas sofreram significativamente quando eles tiveram que se afastar. Pode-se colocá-los em contraste com Harold Sweatt da Honeywell e W. Mcknight da 3M, ambos dominadores de suas companhias durante décadas, mas que sempre estimularam a iniciativa de seus subordinados e saíram sem problemas (Forbes, 1974).

Às vezes, o homem de sucesso deixa de ouvir. Ele sabe das coisas. Para que ouvir os outros que não são tão bem-sucedidos como ele?

Se a IBM hoje é mais que a NCR é porque o discípulo Watson acrescentou, ao que aprendeu do mestre Patterson, a arte de ouvir. Patterson só ouvia a si mesmo. Por isso, despediu Kettering, o gênio mecânico responsável por boa parte do crescimento da GM, o próprio Watson e muitos outros. Assim, quando foi afastado da direção não havia substituto à altura. Watson com o correr dos anos também desaprendeu a ouvir.

Se os dirigentes se modificam com o tempo, e nem sempre de forma adequada a lidar com as mudanças empresariais e ambientais que enfrentam; qualidades que são inestimáveis em uma época ou momento, são defeitos em outras; se de fato os atributos específicos necessários a um dirigente de sucesso mudam com as circunstâncias e com o tempo, e se estes atributos não são facilmente identificáveis, pode-se compreender a dificuldade daqueles homens em se manter bem-sucedidos e em preparar alguém para ter sucesso depois deles.

5. TREINAMENTO

Os executivos americanos, bem-sucedidos ou não, apresentam grande similaridade de treinamento. Mas recente pesquisa (Livingston, 1971) não conseguiu estabelecer correlação entre sucesso como estudante e sucesso como homens de negócios. A diferença entre executivo bem ou malsucedidos não parece estar nos currículos ou técnicas de ensino.

Mas abandonemos o resultado de pesquisa e imaginemos que o treinamento seja crucial para produzir "bons" administradores - qual o ingrediente de treinamento que produz o executivo bem-sucedido?

Às vezes, o treinamento é saber o que não fazer.

O presidente da Xerox, Peter McColough, entrou para a Xerox em 1954 e obteve índices de crescimento que são uma lenda nos nossos tempos. Ele veio de uma companhia de mineração de carvão que caiu até ser liquidada. Lá McColough só pode ter aprendido o que não fazer (Forbes, 1974).

Mas, nas palavras de vários autores, o treinamento deve ser aquele que gera homens com as qualidades dos líderes que acertaram. Qualidades que estes líderes tinham no período em que foram bons, já que vimos que há homens bons para certas ocasiões e medíocres para outras.

A Forbes toma a posição da Eugene Emerson Jennings (1961), de que a empresa moderna necessita de liderança corajosa, inspirada e criativa.

Ernest Breech, o homem que reorganizou e reabilitou a Ford (contratado por Henry Ford II para chefiálo), diz que "para ter uma companhia bem-sucedida temos que inspirar os homens. .. obter bons homens e liderá-los".

Thomas J. Watson Jr., da IBM, autor de um artigo (Watson, 1960) sobre "inovação" e sua importância na empresa, colocou entre os princípios corporativos da IBM o princípio de que "todas as tarefas podem ser realizadas de uma maneira melhor".

Harry Levinson (1972) tem as seguintes opiniões sobre o treinamento: "Toda vez que um executivo toma uma decisão ou inicia uma ação, ele prevê que alguns resultados serão obtidos. Inevitavelmente, suas decisões e ações são relacionadas a outras pessoas. Ele espera obter certos resultados comportamentais. Mas se não tem conhecimento de concepções científicas básicas sobre a forma pela qual as pessoas sentem, pensam e agem, ele se verá no escuro. Poderá apenas estimar grosseiramente os efeitos possíveis de suas decisões e ações."

Muitas vezes, o que ele terá são as "conseqüências não previstas" do modelo de burocracia de March e Simon (1958):

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Os cursos universitários enfatizam psicologia e sociologia, normativas e descritivas. Estas descrevem comportamento em geral, informam como uma variável se correlaciona com outras e usualmente oferecem generalizações grosseiras. Não dão, assim, ao executivo nada que ele possa usar, e são usualmente ensinadas por gente sem experiência em problemas de direção. "Ele deveria ser treinado nos aspectos psicológicos de administração com tanta intensidade e profundidade quanto foi educado em contabilidade, finanças, marketing etc. Mas não é."

Parece, contudo, pelo que vemos, que algo mais que bom treinamento, experiência, liderança e técnicas sofisticadas é necessário para o sucesso continuado das empresas. Parte deste algo é a capacidade de perceber nos acontecimentos do meio ambiente significados que nem todos percebem, a de resolver os problemas de forma não habitual e o senso de oportunidade (timing). Qualidades que vários autores incluem no conceito de liderança (e os centros de treinamento poucas vezes levam em consideração), mas que são, na verdade, mais relacionados com flexibilidade mental e visão estratégica.

"A maior parte dos gerentes tem a liberdade e os recursos para fazer mais do que fazem hoje em termos de motivar os empregados (...) contudo (...) eles não são motivados para mudar" (Landen & Carlson, 1972).

Enquanto continuarmos mudando como nação e como civilização, todas as instituições nas quais pessoas interagem terão que se adaptar. Podemos apenas ter esperanças que o conhecimento acumulado sobre por que as pessoas trabalham se mantenha à frente das mutáveis necessidades humanas. Só assim podemos ter esperanças de maximizar a qualidade das organizações e de suas realizações" (Landen & Carlson, 1972).

"Criatividade, a habilidade de adaptar-se à mudanças súbitas nas circunstâncias, e a habilidade de motivar as pessoas a fazer o máximo que possam, muito mais do que a habilidade de dar e cumprir ordens, são as qualidades desesperadamente necessárias ao executivo" (Marrow, 1972).

Vemos que há uma preocupação genérica com as mudanças e com a habilidade de motivar as pessoas, de se adaptar às mudanças, e com a habilidade de resolver problemas de forma diferente dos outros - com a criatividade.

6. A PRESSÃO SOBRE OS INDIVÍDUOS

Um dos aspectos da vida empresarial americana que procuramos imitar é a introdução de "pressão" no meio ambiente da empresa, uma constante atitude de esperar mais, uma insatisfação permanente por tudo que já foi feito, que tem que ser feito melhor na próxima vez - ou seja, criatividade sob pressão. Se criatividade é algo a se obter com a aplicação de pressão não parece ser algo de bom para ser copiado.

Mesmo em sistemas mais simples, o crescimento não pode ser obtido por excesso de carga. Miller (1960) demonstrou que, qualquer que seja o nível do sistema, uma sobrecarga excessiva provocará uma interrupção total de atividade. De células a indivíduos, a organizações, a países.

Sobrecargas resultantes de taxas de mudança exageradas na complexidade do ambiente (Terreberry, 1968) também levam à quebra do sistema. Este processo de "complexificação" parece estar associado com disfunções em vários níveis, indo de suicídio a falência de organizações de negócios.

Sobrecarga de trabalho pode ser quantitativa, indo de "muito pouco que fazer" a "muito que fazer", e qualitativa, indo de "trabalho muito fácil" a "trabalho muito difícil".

Sobrecarga quantitativa é comum na sociedade americana, orientada para a realização (achievement oriented) (McClelland, 1961). Mesmo professores universitários, embora suas funções não o exijam, trabalham 57 horas por semana (French & Caplan, 1972).

A sobrecarga qualitativa também é alta. Há a tentativa permanente de conduzir pesquisas em áreas mais rarefeitas e fazer negócios mais e mais sofisticados.

Ambas as sobrecargas, tanto a quantitativa como a qualitativa, têm alta correlação com tensão. Tensão tem também correlação com doenças nervosas e cardíacas. A achievement orientation, que tanto desejamos para os brasileiros, tem alta correlação com ácido úrico rio sangue (ele é alto nos executivos e baixo nos empregados).

Portanto, as pressões contínuas do trabalho e o conformismo decorrente dessas pressões cobram um preço bastante alto, que não é o do salário. Somente os custos das doenças nos EUA foi de 4% do PNB em 1963 (The President's Comission ..., 1964).

Em seu artigo Pressão nas organizações e tensão individual, French e Caplan in: Marrow (1972) afirmam que o custo também apareceu como apatia, insatisfação, depressão, atos violentos, úlceras e ataques cardíacos que inutilizam o indivíduo antes de seu desenvolvimento completo como ser humano.

Em 1957, o Institute For Social Research da Universidade de Michigan (French & Caplan, 1972) realizou uma pesquisa sobre os efeitos do meio social, principalmente das grandes organizações, sobre as tensões nos indivíduos. A pesquisa confirmou o efeito deletério da pressão nos indivíduos, que é bem resumido no quadro a seguir.

Os itens marcados com asteriscos têm alta correlação com doenças cardíacas, embora não se possa dizer cientificamente, com base nas estatísticas existentes, que a sobrecarga venha a se configurar num ataque cardíaco. Há apenas uma maior incidência entre os homens e na faixa de idade onde há maior número de executivos.

7. CONCLUSÃO

Não se conseguiu estabelecer correlação entre elementos da empresa (tamanho, dominância etc) e seu padrão de sucesso e insucesso (Bethlem, 1981). O mesmo acontece para a direção (management) de empresa.

Treinamento, capacidade técnica, experiência, tudo se mostra igualmente eficaz e ineficaz, e o processo de pressão, a sede de realizar parecem levar a prazo mais longo à ineficácia total e final...

Contudo, a diferença entre sucesso e insucesso poderia ser explicada se se atribuísse o sucesso continuado à capacidade de adaptação do management, que poderia ser apresentada como constituída pela capacidade de "ver" o que todos não vêem, pela de criar formas diferentes de atuar para se ajustar à "visão diferente", e, principalmente, pela capacidade de não se tornar complacente pelo sucesso, substituindo formas de dirigir e mesmo managers de sucesso anterior que não apresentam mais estes atributos. Estes conjuntos de qualidades, que parecem ser indispensáveis aos homens que dirigem com sucesso, poderiam ser chamados de "visão estratégica" e de "criatividade", ou talvez "visão estratégica criativa".

Seria a "visão estratégica criativa" dos executivos então o ingrediente básico do sucesso? Pela observação dos fatos reais que apresentamos neste artigo, as indicações são de que a resposta é afirmativa. Uma pesquisa mais profunda poderia, e deveria, ser feita, mas, para o ensino de administração no Brasil, creio que já sabemos bastante para que concentremos nossos esforços em determinar como podemos, se podemos, treinar os executivos brasileiros desenvolvendo sua "visão estratégica criativa".

BIBLIOGRAFIA

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  • 1
    se podemos estabelecer para o "bom
    management" ingredientes que possam ser examinados um a um.
  • 1
    O autor usa a expressão
    management sem tradução. (Ver Bethlem, A. de S. A semântica de
    management. In: ______.
    Política e estratégia de empresas. Rio de Janeiro, Guanabara Dois, 1981. anexo 8.)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Set 1982
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