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As funções do executivo

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

As funções do executivo

Por Chester I. Barnard. Tradução brasileira da Editôra Atlas, São Paulo, 1971.

Chester Barnard (1886-1961) deixou dois livros dos quais o primeiro é sua obra-prima, The functions of the executive (Harvard University Press, 1938) e o segundo, Organization and management (Harvard University Press, 1948), constitui uma coleção de ensaios variados publicados 10 anos depois que desenvolve os temas do livro anterior. Apesar da profundidade de sua obra, Barnard foi um executivo prático e um acadêmico amador. Seu estilo árduo, em muitos pontos obscuro, não o qualifica como um bom escritor. Educado em Harvard, passou quase 40 anos fazendo carreira dentro da American Telephone and Telegraph (ATT), de funcionário do Departamento de Estatística a Presidente da Bell Telephone Company de New Jersey. Êle não estêve ligado ao experimento Hawthorne, que se desenvolveu em outra emprêsa do grupo, a Western Electric Company, de Chicago, mas conviveu com Elton Mayo, Whitehead, Roethlisberger e outras importantes figuras da Escola de Relações Humanas. Além de executivo da ATT, Barnard preencheu diversas funções públicas, como Presidente da United Services Organization (USO) durante a Segunda Guerra Mundial; Chefe do Conselho Geral de Educação, Presidente da Fundação Rockefeller, Presidente da Fundação Nacional de Ciência, assistente do Secretário do Tesouro. Além disso, apreciava muito a música, sendo um dos fundadores da Sociedade Bach de Nova Jérsei.

Barnard começou a escrever As funções do executivo numa época em que as idéias do experimento de Hawthorne estavam sendo divulgadas e começavam a entrar em conflito com a teoria clássica da administração.

Barnard tentou em vão uma síntese. Para o desenvolvimento de suas idéias foi importante o seu convívio com LJ . Henderson, que na época divulgava a sociologia de Pareto. Além disso, Mayo e os intelectuais de Harvard, que conviveram com êle, trouxeram-lhe a contribuição do estudo da motivação humana.

Harvard publicou em 1968 uma nova edição de The functions of the executive em comemoração aos 30 anos de vida desse memorável livro. Numa excelente introdução, Kenneth Andrews, de Harvard, apresenta um esboço da personalidade e do pensamento de Barnard. Dessa edição comemorativa temos agora em português a tradução de Auriphebo Simões para a Editora Atlas.

No prefácio do livro, Barnard se propõe a apresentar uma teoria da cooperação na organização formal. A cooperação origina-se de uma necessidade individual de cumprir propósitos de um sistema cambiante, em que vários elementos biológicos, psicológicos e sociais estão combinados. O executivo precisa ser eficaz (atingir os propósitos da organização) e eficiente (satisfazer seus motivos individuais) para sobreviver nesse sistema. A organização é vista como um "sistema de atividades conscientemente coordenadas de duas ou mais pessoas". A cooperação é pois essencial para a sobrevivência da organização. A "função do executivo" consiste na capacidade de tomar decisões que emprestem qualidade e moralidade à coordenação da atividade organizada.

Escrevendo isso na época em que o assunto das relações humanas começava a tornar-se polêmico com a Escola Clássica, Barnard contribuía para construir uma teoria da organização nova e diferente da de Fayol, que não chegava a tempo de ver o resultado do experimento de Hawthorne e que não tratou dos fatores psicológicos da cooperação.

Para Barnard, uma organização existe quando;

1. há pessoas capazes de comunicarem-se entre si;

2. elas estão dispostas a contribuir com ação a fim de cumprir um propósito comum.

A disposição para contribuir com ação significa disposição para sacrificar o controle da própria conduta em benefício da coordenação. Essa disposição de confiar-se à organização varia de indivíduo para indivíduo de modo que o sistema total de contribuições é instável, pois é resultado das satisfações e insatisfações obtidas ou percebidas pelas pessoas.

Todas as organizações têm um propósito, mas este não produz cooperação a não ser quando aceito pelos participantes. Além de seu aspecto objetivo, o propósito tem um significado subjetivo para cada pessoa. Uma das "funções do executivo" consiste em inculcar a crença na existência real do propósito comum. A continuidade de uma organização não depende só dessa habilidade executiva em propagar o propósito, mas também na habilidade em rever e renovar o propósito.

Outra "função do executivo" é a comunicação, que liga o propósito à disposição individual de cooperar. A comunicação traduz o propósito em ação. Barnard, com base nas descobertas de Hawthorne, indica que a comunicação não consiste apenas na linguagem escrita e falada, mas na "sensibilidade observadora", que seria uma habilidade de entender sem palavras as situações e intenções. Esse feeling é desenvolvido pela experiência e treinamento.

Quanto às relações entre a organização formal e a informal, Barnard imagina uma interação contínua entre ambas. A organização informal, à medida que se torna eficaz, transforma-se em organização formal, pela explicitação de suas atitudes e instituições. A organização formal, uma vez estabelecida, começa a criar organizações informais para poder comunicar e para coordenar mais eficientemente.

Na última parte de seu clássico livro, Barnard expõe as funções, os processos e as responsabilidades do executivo.

A coordenação dos esforços num sistema cooperativo requer um sistema de comunicação. Nos pontos de interconexão desse sistema estão os executivos. A função dos executivos consiste em servir de canais de comunicação e nesse ponto eles são essenciais para a vida e duração da organização. O trabalho do executivo não consiste tanto em organizar como em manter a organização em funcionamento eficaz.

Para cumprir sua função de manutenção do sistema, a contribuição individual mais importante exigida de um executivo, e certamente sua qualificação mais universal, é a lealdade ou a dominação pela personalidade da organização. Esta é a primeira necessidade, porque as linhas de comunicação não poderão funcionar se os executivos não estiverem presentes no lugar e tempo necessários, sem faltas por razões pessoais comuns. Essa qualificação é conhecida nas organizações seculares como "responsabilidade", nas organizações políticas como "regularidade", nas organizações governamentais como "lealdade" e nas organizações religiosas como "completa submissão".

Depois dessa primeira qualidade destacam-se outras, mais específicas e pessoais: habilidades gerais envolvendo agilidade mental, amplitude de interesses, flexibilidade, capacidade de ajustamento, tato, coragem, etc.

É importante também salientar que uma característica do executivo consiste em evitar grandes polêmicas ou assuntos (issues) de forte discussão, como também a emissão de muitas ordens formais a não ser numa emergência. Há executivos que estão atuando durante todo o tempo, e no entanto raramente estabelecem um assunto polêmico ou fazem um gesto desproporcional. Note-se o desejo óbvio dos políticos de evitar discussões (e impô-las aos adversários), devido à sua sensibilidade para com o fenômeno organizacional, pois eles sabem que nenhuma organização cooperativa resiste a discussões abertas e acaloradas durante muito tempo. Portanto, a maior parte das ordens, decisões e instruções deve significar que tudo está bem e que a autoridade não está sendo questionada.

A segunda função do executivo consiste em assegurar os serviços essenciais para cada indivíduo dentro da organização, trazendo-os para a relação cooperativa. Os métodos consistem num bom recrutamento, indução, incentivos, supervisão e controle, inspeção, educação e treinamento, enfim o que caracteriza a administração do pessoal.

A terceira função do executivo consiste em formular e definir os propósitos, objetivos e fins da organização e do trabalho a ser feito, como já foi lembrado antes.

O último capítulo é dedicado à natureza da responsabilidade executiva. Todos os elementos da administração não têm sentido sem o fator moral que tem a sua expressão na liderança. A liderança é concebida como o poder que os indivíduos têm de inspirar a cooperação através da fé na compreensão comum, na possibilidade de sucesso e na satisfação dos motivos individuais.

Como construtor de uma teoria, é difícil distinguir em Barnard quando êle inventa e quando adapta conceito de outros. Tomando o conceito de organização como sistema social (Mayo, Rothlisberger), elaborado sobre os conceitos de organização formal e informal, Barnard estabelece uma diferença entre eficácia e eficiência, incorpora a motivação não-econômica na teoria dos incentivos e desenvolve o conceito de autoridade. "Autoridade é o caráter da comunicação numa organização formal em virtude do qual ela é aceita como algo que governa a sua ação de membro da organização."

Barnard considera uma das "funções do executivo" a definição do propósito organizacional. Tal definição dá um significado às coisas e unifica as pessoas. Além disso, esse escritor definiu os conceitos de estrutura e dinâmica da organização. São conceitos estruturais os de indivíduo, sistema cooperativo, organização formal e organização informal. São conceitos dinâmicos a vontade, a cooperação, a comunicação, a autoridade, o processo decisório e o equilíbrio dinâmico.

O Professor Andrews observa que as falhas mais evidentes do livro de Barnard estão no caráter abstrato da apresentação das idéias, na dificuldade de estilo e na pobreza dos exemplos. Além disso, Barnard omitiu no livro praticamente um estudo das instituições de cúpula na organização: o conselho de direção, o grupo dos executivos de alto nível, o presidente e seus assessores. A própria liderança é analisada de um modo abstrato.

A grandeza de Barnard consiste no fato de que, sem ser um behaviorista como os continuadores do experimento de Hawthorne, e sem ter sido contemporâneo da nova "Escola de Sistemas e Teorias da Decisão", demonstrou ser possível a um executivo prático elaborar uma teoria administrativa coerente e capaz de ser desenvolvida.

JOÃO BOSCO LODI

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Maio 2015
  • Data do Fascículo
    Set 1971
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