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O Rio de Janeiro e seus arredores em 1824

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Daisy V. B. Martinez

O Rio de Janeiro e seus arredores em 1824

Por Ernest Ebel. São Paulo, Companhia Editora Nacional 1972.

A abertura dos portos, em 1808, permitiu que grande número de estrangeiros viessem para o Brasil, a fim de comerciar, difundir as culturas dos seus respectivos países, organizar expedições científicas e tomar conhecimento da nossa sociedade, fauna, flora, potamografia e outros formas de riqueza natural. Daí, por exemplo, a vinda da Missão Francesa e Debret, da expedição de Spix e Martius, de Saint-Hilaire e dos comerciantes Luccok e Koster. Ernest Ebel foi um desses comerciantes que vieram ao Rio de Janeiro, tanto para conhecer a realidade brasileira como para fazer propaganda de produtos russos, pois o autor, apesar de falar o alemão, é da Letônia, Estado incorporado à Rússia naquele momento.

Ernest Ebel morou no Rio de Janeiro, na época da fundação do império. Ele revela-nos observações interessantíssimas a respeito da cidade e dos seu arrabaldes. Seu valor é maior porque retrata a vida e a mentalidade da época, além de nos informar sobre uma série de questões pertinentes ao momento em que vive.

O livro de Ebel é rico em Informações sobre a vida urbana do Rio de Janeiro e os costumes agrários da região. A respeito da primeira parte, podemos selecionar alguns tópicos: quando trata do problema da moradia, o autor mostra suas condições precárias, acreditando mesmo que a tais alojamentos faltem as comodidades usuais e apenas uma pessoa possa morar neles confortavelmente. Da mesma forma, descreve as condições das estalagens, julgando-as, em geral, péssimas. O mesmo faz em relação às obras públicas: "o imperador por mais que se empenhe, não consegue corrigir a incompetência e a cupidez de seus subordinados" (p. 89). Aliás, Ebel dá-nos um retrato bastante lisonjeiro da figura do Imperador, acreditando-o homem de grande energia e coragem, que governava o País com poderes ilimitados. No entanto, o que nos diz do povo não é nada enaltecedor, chegando mesmo a responsabilizar a mentalidade popular pelo atraso da melhoria do País. Voltando ao problema da cidade, o autor registra a situação precária das farmácias e até mesmo do teatro; surpreende-nos, no entanto, elogiando a situação da prisão da cidade, afirmando que nela reina muita ordem e são bem arejadas, a despeito do grande número de presos. Elogia também o Passeio Público, julgando-o um parque aprazível, embora de reduzidas dimensões, mas que "é atravessada por belas alamedas sombreadas de tamarindos, cajueiros, goiabeiras e mangueiras" (p. 85).

Ao lado disso, acrescenta descrições panorâmicas da paisagem que se descortina dos principais pontos altos da cidade por ele visitados. Dentre estes cita: o Mosteiro de São Bento, que domina a parte norte, oferecendo bela perspectiva sobre o fundo da baía e a ilha das Cobras; o morro de Santo Antônio, que nos deixa observar belas hortas; o Convento de Santa Teresa, de cujas janelas goza-se de belo panorama, incluindo parte da baía e quase toda a cidade; o morro do Castelo, em cujo forte encontra-se o telégrafo semafórico que se corresponde com o Cabo Frio, por meio de postos ao longo do litoral. Por fim, cita a Igreja de São Sebastião, de onde diz que se avista "o mais completo panorama da cidade, que com seus telhados sujos, poucos edifícios e praças dignos de nota e as torres baixas de suas igrejas, está longe de ser bonita" (p. 123).

Ainda com relação ao aspecto urbano, conta-nos a respeito da pobreza da vida intelectual e cultural da cidade, observando que, de importante na vida social comum, só aconteciam mesmo os exercícios religiosos que todo o povo acompanhava, tendo tido ele oportunidade de observar os festejos relativos à Páscoa, classificando a procissão de pantomímica, musical e religiosa.

Não se restringindo, porém, à vida e paisagem urbana, escreve a respeito das fazendas que visitara, pormenorizando de que maneira são feitas as plantações, principalmente a de café. Este ponto parece-nos de grande importância, pois retrata fielmente as técnicas utilizadas na época, descrevendo inclusive a melhor plantação de café dos arredores do Rio de Janeiro, ou seja, a da fazenda de Van Mook, que, conforme testemunho do autor, era holandês de nascimento e havia-se estabelecido aqui seis anos antes, em espaçoso e excelente terreno, onde já havia plantado mais de 100 mil cafeeiros que continuavam a expandir-se. Diz-nos Ebel: "os cafeeiros apresentam-se nas melhores condições, plantados a oito pés uns dos outros, sempre podados à altura de seis pés, isto não só para facilitar a colheita como para robustecer a planta, havendo por vezes que cortar igualmente os ramos mais esgalhados. Já no terceiro ano começa o cafeeiro a produzir, no quinto está em plena maturidade, podendo-se calcular que cada pé renda em média uma libra; duas, três e quatro são exceções que só ocorrem na vizinhança de alguma esterqueira ou devidamente adubados. Quando bem tratado, um cafeeiro pode viver e produzir até trinta anos" (p. 173). Seguem-se esclarecimentos sobre as colheitas que ocorrem duas vezes por ano, além de informações sobre o tratamento dispensado ao café em grão, chegando até mesmo a descrever o moinho com suas engrenagens pelo qual passa o café após a secagem. (Devido ao clima dos arredores do Rio de Janeiro, a maturação do café é feita desigualmente.)

O autor não se cansa também de tecer elogios à fertilidade da terra, afirmando que "mudas de laranjeiras viram árvores copadas em cinco anos e carregam-se de frutos: sob sua sombra pode-se estar de pé" (p. 87). Além disso, elogia o clima local, classificando-o de paradisíaco, pois devido a ele não há necessidade de grandes desvelos pelas árvores.

Ainda retratando a vida campestre, é de se salientar os relatos que Ebel faz a respeito das plantações de café nas terras da Mandioca, propriedade do barão de Langsdorff, onde se incluem também comentários a respeito dos colonos. Estes são sustentados por tal senhor durante os três primeiros anos, devendo em compensação trabalhar uma parte do tempo na fazenda, sem receber qualquer pecúnia e outra parte em seu próprio lote, que lhe é cedido sob condições, ou seja, pagamento de uma taxa territorial ou a dízima do respectivo rendimento. Após três anos, o lote pertence-lhe totalmente e a obrigação entre ambos caduca.

Parece-nos que Ebel cita Langsdorff devido à sua percepção do problema da substituição da mão-de-obra escrava pela imigrante na grande lavoura, o que envolverá realmente uma verdadeira revolução nos métodos de trabalho vigentes no País, visto o trabalho ser executado na maior parte das vezes, até então, pelo negro africano, de quem o autor tem a pior das impressões: cheio de vícios e defeitos que precisam ser corrigidos pelo branco, em geral seu benévolo dono.

O regime de trabalho utilizado por Langsdorff, "de parceria", como será chamado mais tarde, ao menos aparentemente garante uma liberdade até certo ponto ampla ao empregado e reduz ao mínimo os possíveis conflitos de tradições, costumes e convenções entre patrões e empregados, o que não era impossível de acontecer quando os colonos eram trazidos para se empregarem na grande lavoura, sem esperanças ou garantias de conseguirem para si pequenas propriedades. Este ponto é também mencionado por Ebel, quando relata a chegada de 500 colonos alemães, contratados pelo imperador, que se negaram veementemente a submeter-se à mesma sorte de seus antecessores, enviados a ocupar terras de qualidade inferior, e, devido a isto, muitos sucumbiram de miséria. Afirma então que seria uma injustiça se o Governo não desse aos imigrantes um mínimo de ajuda para que pudessem trabalhar com bons tratos e sem maiores sacrifícios.

Selecionamos o que de mais expressivo encontramos na obra de Ernest Ebel, tanto no que se refere è vida do brasileiro mediano, menosprezado pela historiografia, como à vida dos grandes proprietários territoriais dos arredores do Rio de Janeiro.

Seu livro não pode ser considerado uma obra pioneira, visto outros viajantes terem-se antecipado a ele, mas pode (e deve inclusive) ser considerado uma obra importante, na medida em que complementa apreciações já conhecidas: o reboliço das ruas, a contemplação da beleza natural da região e a vida campestre, tal qual esta apresentava-se no momento. Julgamos, aliás, ser este o ponto mais importante da sua obra, pois ele nos deixa um verdadeiro testemunho esclarecedor do estágio de desenvolvimento das técnicas agrícolas brasileiras da época, atém de mostrar-se bastante interessado no que se refere ao problema da proteção à imigração, que preocupará mais tarde o Governo brasileiro.

A obra, divulgada pela Brasiliana, no ano do sesquicentenário da Independência, ilustrada com 30 gravuras de artistas contemporâneos, constitui-se, enfim, numa contribuição fundamental à historiografia contemporânea, por representar um dos mais vivos retratos da época.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Abr 1974
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