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Fundamentos contábeis da rentabilidade das emprêsas de energia elétrica

ARTIGOS

Fundamentos contábeis da rentabilidade das emprêsas de energia elétrica

Viçoso Silva Novo; Hélio Wilson Tavares

Consultoria Técnica de Administração e Planejamento, Rio de Janeiro, GB

"As atribuições da administração financeira não estão claramente delimitadas na prática, e as atividades necessárias ao bom desempenho da função financeira são tratadas de maneiras diversas dependendo da estrutura organizacional." - ROBERT W. JOHNSON

INTRODUÇÃO

Produção e Venda de energia elétrica constituem atividade econômica cuja promoção depende de concessão outorgada pelo Estado.

A interferência do poder público, entretanto, não se limita ao ato concessivo somente. Amplia-se em atividade fiscalizadora, institucionalizando, também, um disciplinamento que envolve o próprio regime reditual das iniciativas empresariais interessadas na exploração do negócio de energia elétrica.

Essa participação direta do estado se efetua em decorrência de condições peculiares do negócio, ou seja, a prestação de um serviço de utilidade pública. Assim sendo, o que se verifica, na realidade, é uma conciliação entre as imposições do interêsse coletivo e as normas estatais de estímulo aos empreendimentos básicos de desenvolvimento econômico como ocorre com a produção de energia elétrica.

A caracterização da aludida convergência de interêsse é a fixação de limite para a remuneração do negócio, em função do Custo do Serviço e de valores componentes do Investimento.

Limitando a remuneração do Investimento a uma fração do seu montante, 10% a.a., não se extinguem as possibilidades de êxito econômico para o empreendimento, porém surgem implicações de natureza administrativo-contábil que devem ser técnicamente solucionadas pelas emprêsas que operam neste ramo de atividades.

Por essa razão, os processos contábeis de registro assumem um caráter especializado como instrumento de controle à disposição dos órgãos de Administração, para os quais converge todo o complexo de pormenores inerentes à economia interna das emprêsas de energia elétrica.

Com o surto da eletrificação no País, em plena expansão, assume indiscutível importância o problema de formação de equipes de contabilistas aptos a prestarem colaboração eficiente às emprêsas de energia elétrica que estão se constituindo.

Considerando à parte as injunções da especialização, não se pode negar que o elenco de problemas afetos à contabilidade das emprêsas de energia elétrica empolga todo contabilista que tem pendores para a pesquisa.

A evolução violenta de nossa estruturação econômica sob o signo de um intenso processo inflacionário, felizmente já atenuado, refletiu-se profundamente no âmbito das emprêsas de energia elétrica, despertando uma série de problemas desafiadores que pontilham de interrogações a gestão racional dêsses grandes acervos de valores componentes de seu Investimento.

No conjunto dessas indagações emerge a pesquisa da rentabilidade como assunto de interêsse imediato para quantos colaboram técnicamente nessas emprêsas.

Para bem compreendê-lo é imprescindível obter-se um conjunto de informações objetivas sôbre a estrutura legal, patrimonial e contábil das emprêsas de energia elétrica.

ESTRUTURA PATRIMONIAL DAS EMPRÊSAS DE ENERGIA ELÉTRICA

Estão na Legislação específica os fundamentos definidores da estrutura patrimonial das emprêsas de energia elétrica.

Sete diplomas legais fundamentam essa conceituação indispensável:

• Decreto 24.643 de 10/7/1934 - Código de Águas.

• Decreto-Lei 3.128 de 19/3/1941 - dispõe sobre o tombamento dos bens das emprêsas de energia elétrica.

• Decreto 28.545 de 24/8/1950 - institui o Plano de Contas.

• Decreto 41.019 de 26/2/1957 - regulamenta os Serviços de Energia Elétrica.

• Decreto 54.936 a 54.938/64 - alteram dispositivos dos anteriores.

As noções de investimento e custo do serviço são básicas para a compreensão do dinamismo da rentabilidade das emprêsas de energia elétrica. Isto é, no âmbito da economia dessas emprêsas aquelas noções admitem um significado peculiar perfeitamente apreendido na sua tradução contábil.

Todavia, inicialmente, a recapitulação, em largos traços, das etapas de organização e expansão das operações de uma emprêsa de energia elétrica, concorre efetivamente para a melhor fixação dêsses conceitos.

Assim sendo, o recurso eficaz para êsse entendimento propedêutico é a retrospeção das etapas de organização e expansão das operações de uma emprêsa de energia elétrica.

Êsse delineamento há de ter início, evidentemente, nas providências decorrentes das disposições legais de organização jurídica da emprêsa e da instalação completa de seu equipamento de produção e suprimento de energia ao mercado consumidor onde vai prestar serviços.

Ultrapassada essa fase, assinalada historicamente pela realização das inversões pecuniárias mais relevantes, têm evolução normal as operações de venda da energia produzida, cujo sustentáculo é o Capital de Giro originado na Receita e nos Débitos de Funcionamento.

Distinguem-se, portanto, duas etapas bem características: a emprêsa surge, constitui seu Capital e aplica-o maciçamente no instrumental de produção, construindo sua central elétrica e as linhas de transmissão para distribuir energia, e em seguida faz funcionar êsse equipamento suprindo o mercado consumidor, observando programas de racionalização de custos que lhe proporcione o melhor índice de rentabilidade.

A primeira etapa configura bem a constituição de seu investimento que, em última análise, corresponde ao instrumental que lhe confere a aptidão necessária para prestar o serviço de que é concessionária.

A atribuição do valor monetário com que se processam os registros contábeis dos fatos vinculados à composição do Investimento das emprêsas de energia elétrica tem importância fundamental, pois, a partir dêsse valor original é que se apura o custo histórico do acêrvo patrimonial, conforme dispõe a Legislação.

As definições legais são simples e sucintas. O Decreto n.º 41.019/57 (Art. 59 - § 1.º) define como Investimento: "a importância efetiva e permanentemente empregada na propriedade do concessionário em função de sua indústria;" e Custo Histórico: "a importância real e comprovadamente gasta pelo concessionário e registrada na sua Contabilidade" - conceitos êsses ampliados pelas disposições do Decreto 54.938 de 4/11/1964.

A identificação dêsses valores pecuniários envolvidos na dinâmica empresarial é que constitui o importante problema da apropriação contábil, missão precípua de todo contabilista que atua em emprêsa de energia elétrica.

Tal processo consiste em distinguir bem os dispêndios que se incorporam ao investimento, como ampliação do instrumental de Produção e aquêles que se encerram no exercício operativo, constituindo, em seu conjunto o custo do serviço.

Assim sendo, como o instituto da concessão condiciona a prestação do serviço pelo seu custo, a elaboração da tarifa fica na mais estreita dependência do aprimoramento com que se processa a apropriação contábil.

Justamente na apuração dos valores componentes da Tarifa surge o problema da exatidão dos conceitos de Investimento e Custo do Serviço, em virtude da necessidade de lhes serem atribuídos montantes precisos.

Pondo à margem requintes teóricos, a Legislação elucida o que admite como "custo do serviço", no Art. 165 do Decreto 41.019/57:

"O Custo do Serviço compreende:

a) as despesas de exploração tal como enumeradas na classificação das contas;

b) a quota de depreciação;

c) a quota de amortização ou reversão;

d) a remuneração do investimento;

e) as diferenças referidas no Art. 166 §§ 3.º e 4.º (Diferença cambial e diferenças em juros e amortização em escala móvel de empréstimos tomados no BNDE).

De forma análoga, o investimento remunerável a que se refere o Art. 157 do mesmo Decreto, corresponderá a um conjunto de valores obtidos diretamente dos registros contábeis, com a composição seguinte:

a) total dos bens do ativo imobilizado que direta ou indiretamente concorram exclusiva e permanentemente para a produção, transmissão, transformação ou distribuição da energia elétrica;

b) montante do ativo disponível a 31 de dezembro, considerado o limite correspondente à Reserva de Depreciação referente ao Exercício;

c) capital de movimento definido como a sexta parte da Receita Operativa obtida no exercício (Faturamento da Venda de Energia);

d) valor dos materiais para Operação, existentes no almoxarifado em 31 de dezembro, nos limites aprovados pela Fiscalização.

A soma das importâncias mencionadas acima deduzida de:

a) saldo da reserva para depreciação a 31 de dezembro, atendida a quota do exercício;

b) os saldos das contas:

1) reserva para reversão;

2) resultado a compensar - deduzidos dos respectivos Fundos, computadas as quotas e os depósitos referentes ao exercício (§ 1.º do Art. 33 e § 2.º do Art. 162 do Dec. 41.019/57).

ESTRUTURA CONTÁBIL DAS EMPRÊSAS DE ENERGIA ELÉTRICA

A estrutura contábil das emprêsas de energia elétrica tem sua mais fiel expressão no Plano de Contas (Decreto n.º 28.545/50), que é o repositório de onde se insinuam todos os processos de registro que interessam ao controle das mutações patrimoniais.

O Plano de Contas sistematiza os registros que constituem a "memória" da emprêsa como ensina NEWTON TOR NAGHI.

Por essa razão, há requisitos imprescindíveis de caráter geral que não podem ser omitidos em uma adequada escrituração.

É indiscutível que todo sistema de escrituração deve ser planejado de forma que facilite qualquer pesquisa no âmbito das informações contábeis.

Em tais condições, deve ser condicionado por atributos que permitam fácil acesso ao investigador, proporcionando-lhe ainda o mais amplo processo de comparação dos fatos registrados.

Atendidos êstes requisitos, ficam as conclusões amparadas por elementos conducentes à mais acertada inferência.

Servir da melhor forma à pesquisa e à conseqüente inferência é o objetivo primacial do planejamento de todo registro contábil.

Assim sendo, quanto ao interêsse da Pesquisa, os processos metodológicos de escrituração devem oferecer os seguintes aspectos:

• mínima complexidade de elaboração, ou seja, devem ser práticos na sua aplicação;

• flexibilidade, isto é, devem oferecer a mesma facilidade de obtenção às informações procuradas em qualquer escala em que se apresentam, desde a mais simples à mais complexa.

Com relação às condições lógicas da Inferência, os mesmos processos metodológicos devem preservar:

• coerência de princípios, para que correspondam plenamente às mais rigorosas investigações;

• uniformidade para que assegure consistência lógica à compreensão dos resultados da investigação.

O estudo meticuloso do Plano de Contas das emprêsas de energia elétrica demonstra que sua elaboração foi promovida objetivando o atendimento de todos êsses aspectos. Plano de Contas (Decreto n.º 28.545/50)

Visando ao exercício eficaz de seu poder de tutela e controle mediante a ação fiscalizadora, o Estado teria, fatalmente, que instituir medidas de uniformização contábil de caráter geral. Esta ação normalizadora está expressa no Decreto 28.545/50 que aprovou o Plano de Contas para as emprêsas de energia elétrica.

Esse diploma legal distingue quatro tipos de emprêsas sob o critério do montante de bens e instalações empregados direta oü indiretamente nos serviços elétricos. Assim sendo, para fins de utilização do Plano de Contas, devem ser classificadas as ditas emprêsas nos quatro tipos seguintes:

Tipo I Emprêsas com mais de NCr$ 100.000,00 de valores investidos; Tipo II Emprêsas compreendidas na faixa de NCr$ 10.000,00 a NCr$ 100.000,00; Tipo III Idem, entre NCr$ 1.000,00 a NCr$ 10.000,00; Tipo IV Idem, entre NCr$ 500,00 a NCr$ 1.000,00.

Essa diversificação, entretanto, é estabelecida com o objetivo de simplificar a aplicação do Plano. O elenco de contas com a respectiva caracterização funcional é precedido de "Instruções Gerais" que orientam o uso dessa classificação legal. É imprescindível a leitura atenta dessas noções introdutórias, pois realmente facilitam o cumprimento das prescrições que o Estado estabeleceu no interesse da fiscalização.

A adequabilidade da classificação oficial das contas aos quatro tipos de emprêsas referidas no Plano alcança expressão objetiva no número de contas a serem movimentadas em cada caso específico. Assim, é o seguinte o quadro estatístico obtido no Decreto 28.545/50:

Poder-se-ia pensar, com muito otimismo, que essa escala decrescente do número de contas preconizadas legalmente, conforme o montante do Investimento em operação, corresponde a uma efetiva medida do desempenho técnico integral dos contadores das concessionárias de serviços de energia elétrica.

Infelizmente, isso não ocorre, pois a intensidade das preocupações de um chefe de contabilidade de emprêsa de energia elétrica não depende, necessàriamente, do número de contas que integram a escrituração pela qual é responsável.

Como já foi dito, o problema do Custo da Exploração e do Custo da Construção de Instalações, quando fôr o caso, são os poios de sua permanente atuação profissional. Isto tem uma significação incomensuràvelmente diversa das condições de fadiga atribuíveis à coordenação de registros em maior ou menor número conforme existam mais ou menos contas em um plano de contas. Um exame atento da estrutura do plano legal (Dec. 28.545/50) revela a necessidade de estar o contador de empresa de energia elétrica sempre imbuído de ânimo pesquisatório.

Tal característica é mais uma razão daquelas imposições de natureza técnica a que devem corresponder todos os sistemas de escrituração que se proponham servir à apuração de custos. Estas considerações conduzem, naturalmente, ao reexame do tradicional regime de desentendimento entre Contabilidade e Engenharia nas emprêsas de energia elétrica.

Dêsse entrevêro, e na melhor das hipóteses, sempre resulta a lamentável lentidão da apropriação de custos necessária à análise da evolução econômica e financeira da exploração do negócio empreendida pela emprêsa.

É sempre oportuno ressaltar que tal problema deve estar presente, diuturnamente, nas cogitações de todos que tenham alguma parcela de responsabilidade na caracterização de registros e informações de que dependa a fidedignidade dos custos operativos.

Controle dos Bens Patrimoniais - O controle dos bens patrimoniais tem início com a efetivação dos registros reveladores da integração de seus valores no acervo global da emprêsa.

Dada a importância assumida pelo montante do Investimento Remunerável, cuja parcela preponderante corresponde justamente àqueles bens, é evidente que não há muita coerência em se estabelecer uma hierarquia atribuída às informações que esclareçam ao Administrador:

• quantos são;

• quanto valem;

• onde se encontram;

• como participam os bens patrimoniais do processo de produção ou da prestação do serviço promovido pela emprêsa.

Tôda informação que atenda a êsse interêsse indagativo é imprescindível ao cômputo exato da remuneração que a emprêsa pode auferir como resultado de suas operações.

Como já se afirmou anteriormente essa categoria de valores tem função tão remarcada na estrutura econômico-financeira das emprêsas de energia elétrica que constitui objeto de disposições legais específicas estabelecidas pelo Decreto n.º 3.128, de 19/3/1941.

No Plano de Contas (Decreto 28.545/50), entretanto, está prescrita a orientação fundamental pois é êle o instrumento principal a que se recorre para o exercício daquele controle com vistas sôbre a pronta apuração de valores que interessam aos fins remuneratórios decorrentes das aplicações de capital na exploração da energia elétrica.

Como se vê, uma consulta, mesmo perfunctória, àquele elenco de contas depara, inicialmente, com a nomenclatura das contas do ativo imobilizado (Grupo 2), cuja movimentação se destina ao registro dêsses bens, cujo montante prepondera na determinação do limite de lucro atribuído à prestação do serviço de utilidade pública que é concedido às emprêsas de energia elétrica.

A sistematização criteriosa dêsse registro analítico obriga à setorização da atividade de controle que lhe concerne.

Assim, pois, em qualquer emprêsa onde a administração se empenha racionalmente no exercício de suas funções, é indispensável a organização de um serviço especializado que se encarregue dêsse aspecto analítico, pormenorizado do acervo patrimonial que vai muito além do puro e simples tombamento de bens.

A êsse serviço incumbirá, evidentemente, manter a Contabilidade fidedignamente informada das incorporações, baixas e recolhimento de bens, organizando ainda as tabelas de Depreciação, de fundamental importância nas correções dos valores monetários daqueles mesmos bens.

Controle Contábil da Receita e Despesa de Exploração - O processo de contabilização consta de duas fases perfeitamente distintas: a apropriação, que consiste na seleção das contas adequadas ao registro dos fatos e o controle, para verificar a exatidão do lançamento dos valores monetários.

Constituindo técnica específica, é inerente à função controle manifestar-se com flexibilidade segundo a escala hierárquica com que é exercida.

Com respeito ao controle contábil da Receita ou da Despesa, componentes fundamentais da análise da rentabilidade, manifesta-se com freqüência uma reação generalizada: a presunção de impertinente atividade fiscalizadora por parte da Contabilidade.

Engendra-se, a partir dessa suposição, uma atitude de resistência ao fluxo de informações sem o qual será precária a atuação da Contabilidade na estrutura administrativa da emprêsa.

Tais ocorrências revelam a complexidade eventual da contabilização de fatos cuja apropriação e controle requerem pesquisa engenhosa e perfeito conhecimento do Plano de Contas.

• Receita - No que diz respeito à Receita das emprêsas de energia elétrica, não é freqüente a ocorrência dessas situações problemáticas. O montante dos valores auferidos pela emprêsa como remuneração do serviço prestado, dispõe de um elenco de contas fácilmente identificáveis no Plano Oficial (Dec. 28.545/50).

• Despesa - Nos domínios da Despesa encontra-se a maior variedade de problemas de apropriação.

A observância do princípio de otimização do Custo do Serviço exige que os registros dos gastos da Exploração sejam suficientemente pormenorizados a fim de que se elaborem adequadamente as projeções econômico-financeiras inerentes aos programas de expansão e melhoramento das atividades da emprêsa.

A determinação das tariías é a decorrência mais importante dessa programação e sua elaboração é bastante complexa, dada a multiplicidade de fatores condicionantes que são levados em consideração para cada tipo especial de suprimento de energia elétrica.

Nos registros contábeis da despesa, principalmente, está o ponto de partida para o estudo da composição final do preço de venda da energia.

Vê-se, desta forma, a importância de uma apropriação acertada dos custos de Exploração, justamente pela repercussão que tem no cálculo dos índices analíticos da rentabilidade.

Valores Pendentes - As contas que abrangem valores pendentes traduzem uma situação de transitoriedade e refletem, efetivamente, uma contingência técnica.

Como já foi visto, a posição do contabilista de emprêsa de energia elétrica não é arbitrária diante dos problemas de apropriação que lhe compete solucionar.

Muitas vêzes, não são somente as condições intrínsecas de processamento dos fatos que induzem o contabilista a recorrer a êsse expediente técnico que, em última análise, consiste em se promover uma contabilização de caráter provisório.

Por mais bem planejado que seja o instrumental de contabilidade analítica, representado pelo fluxo de documentos sistematizados mediante os quais afluem as informações ao contabilista sempre surgem ocasiões, e com bastante freqüência, em que a contabilização definitiva exige pesquisa paciente e arguta.

Esse aspecto da rotina do contabilista precisa ser bem compreendido por todos que integram os órgãos da Direção de qualquer emprêsa. Quanto maig amplamente ocorra êsse entendimento, mais fidedigna é a tradução contábil da evolução patrimonial e, conseqüentemente, mais exatos os elementos ã disposição da análise da rentabilidade.

APURAÇÃO DE RESULTADOS

Todos os valores componentes dos índices de rentabilidade são oriundos do Balanço Geral das operações do Exercício e da respectiva conta de apuração dos Resultados.

O Decreto 28.545/50 (Plano de Contas) estabeleceu forma-padrão para essas peças contábeis. Quanto ao Balanço, manteve a disposição instituída pela lei das Sociedades por Ações que atende ao critério de liquidez para o Ativo e exigibilidade para o Passivo.

No que diz respeito à apuração de resultados, aquêle Decreto prescreveu uma disposição simples para a obtenção dos valores líquidos do Exercício.

Assim, essa operação se desenvolve em três etapas, nas quais se procura obter:

• a renda bruta da exploração;

• a renda estranha da exploração;

• a renda líquida da exploração.

O cômputo dêsses valores se processa conforme a descrição seguinte:

a) obtenção da renda bruta da exploração:

+ Receita da Exploração - Conta 90.00

- Despesa da Exploração - Conta 90.01

Deduções à Renda Bruta da Exploração:

Do valor acima deduzem-se:

Quota de depreciação - Conta 90.11

Quota de reversão - Conta 90.12

Demais valôres prescritos no Plano de Contas.

b) obtenção da renda estranha da exploração:

+ receita estranha à exploração - Conta 90.20

- despesa estranha à exploração - Conta 90.21

c) a renda líquida da exploração corresponde à soma dos saldos da renda bruta e da renda estranha à exploração.

d) Deduções à renda líquida - Conta 90.3

Deduzem-se do valor acima as diversas quotas para constituição das reservas livres e os demais valores que incidem sobre a mesma, conforme determina o Plano de Contas.

RENTABILIDADE

A rentabilidade do empreendimento é tema de cogitação fatal para todo acionista. Por mais indiferente que seja aos processos técnicos de análise econômico-financeira, é irrecusável, entretanto, que todo investidor formula e desenvolve sua "teoriazinha" sôbre rentabilidade a partir da singela relação rendimento/capital aplicado.

No que diz respeito à exploração da energia elétrica, institucionalizou-se o regime especial de remuneração limitada do Invéstimento conforme o Artigo 161 do Decreto 41.019/57, que prescreve: "Será de 10% ao ano a taxa de remuneração do investimento a ser computada no cálculo das tarifas das emprêsas que exploram serviços de energia elétrica."

Este tem sido o regime observado. Todavia, os parágrafos primeiro e segundo dêsse mesmo artigo prevêm alterações na taxa remuneratória segundo condições que especificam.

Foge ao escopo destas notas aduzir comentários sôbre o acêrto dêsse disciplinamento econômico com que se defrontam as iniciativas na produção da energia elétrica no País.

O que se tem presente é, tão-sòmente, promover um ensaio de esquema analítico que traduza as relações básicas do conjunto de valores, mediante os quais se tenha noção objetiva das condições de rentabilidade das emprêsas que atendem à demanda de energia elétrica.

Assim sendo, devem ser considerados, inicialmente, dois parâmetros fundamentais, tendo-se presente o delineamento jurídico-contábil focalizado nos itens anteriores:

• o custo básico do Serviço prestado que será simbolizado por (K), tendo como componentes:

Despesa da exploração - simbolizada por (D)

Quotas de depreciação e reversão - (Qd+v)

Remuneração do investimento - (Ri) nos limites prescritos pela Legislação.

• a receita da exploração (R) auferida pela venda da energia.

Com essas variáveis, podemos estabelecer a seguinte relação fundamental definidora da situação de equilíbrio da emprêsa:

Como se observa, essa relação não exprime, ainda, a limitação imposta ao índice de lucros. Assim sendo, representando por (Id) o valor do Investimento sobre o qual se aplica a taxa de remuneração, estabelece-se a seguinte equação:

Conjugando as duas relações:

Obtém-se um sistema de equações lineares que exprime o regime ideal das operações em que a Receita auferida cobre exatamente o montante dos custos da exploração nas condições impostas pelo disciplinamento estatal.

Na generalidade dos casos, entretanto, o que se verifica é a situação seguinte:

Examine-se o que ocorre quando a relação de valores verificados é a (5), isto é, a Receita menor que o Custo do Serviço.

Neste caso, para que as operações sejam empreendidas a Receita terá de ser suplementada com um conjunto de recursos que se pode representar por (C) a fim de que se restabeleça a igualdade com o montante de custos. Desaparecendo a desigualdade a relação tornar-se-á:

Este montante (C), não oriundo da Receita Operativa, corresponde a um investimento e, como tal, há de ser remunerado no Exercício, da msema forma como ocorre com os demais recursos de Capital. Por êsse motivo a equação (4) converter-se-á em:

A nova situação de equilíbrio será então traduzida pelo sistema:

ou,

dando nôvo aspecto, considerando-se (Ri) e (C) como incógnitas:

Recorrendo a uma representação mais condensada para visualizar-se a resolução dêste sistema rudimentar teremos:

Donde:

Como é óbvio (C) depende da diferença entre o Custo Básico do Serviço e da Receita da Operação. Essa diferença pode ser positiva (K > R) ou negativa com (K < R).

No primeiro caso, o Exercício encerra-se com prejuízo. No segundo, com lucro, porém inferior ao Resultado Líquido fixado legalmente, notando-se que as expressões (15) e (16) passarão a:

Resta analisar o caso expresso pela relação (6), isto é (R > Kt) que se verifica quando as operações da emprêsa alcançaram o melhor resultado possível com o Custo do Serviço excedido pela Receita.

Em tais condições, para que se restabeleça o equilíbrio preconizado pela legislação há de se fazer:

Estes símbolos exprimem a condição em que, da Receita, deduzir-se-á um montante (C) correspondente ao Resultado a Compensar em obediência ao que estabelecem as disposições do Poder Concedente. Êsse montante (C) não tendo sido um valor investido pela emprêsa, ocasiona modificação na relação (4) envolvendo o Investimento remunerável.

Desta forma, aquela relação tornar-se-á:

obtendo-se fácilmente o sistema:

o qual resolvido nos proporciona as soluções:

Observe-se a identidade das expressões (18) e (24) comprovando a coerência dos sistemas. Em ambos os casos a Remuneração do Investimento é a mesma, pois com o mesmo equipamento a emprêsa poderá realizar uma Receita maior ou menor que o Custo do Serviço.

A representação gráfica dessas relações lineares ilustra, com muita oportunidade, a dependência entre êsses parâmetros fundamentais da análise da rentabilidade das emprêsas de energia elétrica.

Objetivando essa representação geométrica observem-se, para simplificar, as relações (15) e (16).

Fazendo (R - K) = L construiremos o sistema:

A representação gráfica exprime bem a rápida variação decrescente do Resultado a Compensar, quando o montante de lucros cresce.

Por sua vez, revela-se também a variabilidade mais lenta da Remuneração do Investimento, face ao crescimento do Lucro. Esta visualização da forma como tomam incremento o Lucro, o Resultado a Compensar e a Remuneração do Investimento sugere o estabelecimento das relações:

A relação: lucro/remuneração do investimento (31) retrata, fielmente, o nível reditual conseguido em cada Exercício exprimindo um índice objetivo do resultado das operações como parte do lucro máximo a ser obtido na situação de equilíbrio ótimo. A sucessão dêsses índices é a mais sucinta maneira de relatar a história do êxito do empreendimento.

Pode-se acoapanhar a variação de (t2) por meio da variação de , isto é, da relação: investimento remunerável/lucro.

Com efeito, sabendo-se que:

expressão que permite construir o quadro:

notando-se a natureza assintótica da curva de (t2) em função de visível no gráfico.

Conforme a expressão (26)

isto é, a parcela complementar de (t2) corresponde à relação entre o resultado a compensar e a remuneração do investimento no Exercício a qual oferece mais um subsídio de análise.

Todavia, nessa situação em que tem validade a relação (L < Ri) a análise reditual não pode prescindir da coadjuvação proporcionada pelo estudo do comportamento global dos fatores de custo do serviço. Uma visão objetiva dêsse comportamento só será alcançada quando fôr possível correlacioná-lo com os índices de venda da energia responsável pela Receita Operativa. O problema consiste em se ter uma medida da variação simultânea da Energia Vendida (kw/h), dos valores monetários do Custo do Serviço (Kt) e do Resultado a Compensar (C). Há de se operar com as séries históricas dessas variáveis, e por essa razão o tratamento algorítmico é estatístico. Não poderá ser enfrentado com equipamento analítico rudimentar.

A análise feita para a taxa de 10% de Lucro máximo atribuída à exploração da energia elétrica pode ser fácilmente generalizada para qualquer taxa de remuneração do Investimento em Operação.

Com efeito: seja θ uma taxa qualquer:

originando as expressões seguintes para as incógnitas estabelecidas:

CONCLUSÃO

As relações quantitativas vistas anteriormente permitem focalizar a análise de fatos que redundam em ampliação compulsória do Investimento das empresas de energia elétrica.

Entre tais fatos, contam-se os decorrentes do cálculo de juros sôbre os recursos investidos na construção de instalações de operação e bem assim a adjudicação de parcelas do Ativo Fixo provenientes de financiamentos em moeda estrangeira, ou, generalizando, oriundas de Capital de empréstimo.

A ocorrência dêsses casos repercute imediatamente na evolução da taxa de rentabilidade, ou seja, no coeficiente numérico resultante da relação renda bruta/remuneração do investimento.

Considere-se primeiramente o caso afeto aos juros durante a construção de instalações.

Prescreve o § 2º do Art. 159 do Decreto 41.019/57: "A parte do Investimento em obras em andamento, realizada com capital próprio, vencerá juros iguais à taxa de remuneração fixada para o Investimento, até à data da entrada em serviço das instalações, juros êsses que serão capitalizados e acrescidos ao Custo da Obra".

O Decreto 54.938/64, em seu Artigo 3.º, tendo presente as implicações da correção monetária do valor das Obras em Andamento apenas formalizou a óbvia incorporação da variação verificada no montante dos juros sôbre os recursos de capital aplicados na construção. Não proporcionou inovação alguma.

Contàbilmente, os fatos se passam de acordo com a seguinte seqüência: em cada Exercício, o montante de Obras em Andamento é acrescido de parcela equivalente aos juros contados com base nos recursos aplicados no período abrangido pelo Balanço. A movimentação das contas se processa entre valores pendentes (Obras em Andamento) e valores contabilizados como resultados (Receita Estranha à Exploração).

Essa conta de Resultado revelará a existência de uma Receita meramente escriturai sem o correspondente ingresso de disponibilidade no acervo patrimonial. Ora, nesias condições, o pseudo-incremento de Renda não poderá originar dividendos vinculados ao Exercício em que foi admitida sua existência, esteja ou não a emprêsa em regime operativo.

Se tal fato ocorre, como então se procederá à capitalização estipulada pela Lei?

É indubitável o sentido do têrmo capitalização no texto legal, abrangendo, não somente a forma como evolui o montante dos juros no decorrer do tempo, mas também a compulf oriedade de se transferir aquêle montante, por procedimento contábil, para o grupo do Inexigível, a fim de que se incorpore, finalmente, ao Capital próprio da emprêsa.

Surgem, naturalmente, dois problemas:

• Como calcular tais juros?

• Como proceder ao seu registro contábil?

Duas são as soluções propostas para o cômputo dos juros durante a construção. A primeira, fundamenta-se no critério do ingresso dos recursos no Disponível da emprêsa. Esse critério admite o princípio de que os interêsses do capital destinado ao Investimento devem ser atendidos a partir da data em que o mesmo fica disponível para cobertura dos custos da construção. Assim sendo, o período de vencimento dos juros respectivos fica perfeitamente definido pela data em que os registros contábeis assinalam o ingresso dos recursos no montante dos valores disponíveis da emprêsa.

Outra modalidade de cálculo dêsses juros atém-se, estritamente, à aplicação dos recursos nas obras em andamento. Parece, efetivamente, tratar-se de um critério mais objetivo, embora resulte em mais complexa apuração de dados quantitativos na dinâmica das contas que traduzem a evolução das obras em andamento.

Tôdas as soluções propostas para contabilização dos juros durante a construção devem, antes de tudo, ser plenamente consentâneas com o espírito da Legislação, no sentido de preservar a estabilidade financeira das emprêsas de energia elétrica (Art. 178 do Decreto 24.643/43).

Esse princípio condiciona a repercussão que a tradução contábil daqueles fatos terá na elaboração tarifária, pois em última análise o fenômeno de maior significação nessa problemática é o incremento do Ativo Fixo da emprêsa às expensas de recursos fictícios.

Considerando a sucessão das fases em que tais recursos fantásticos transitam no Passivo, ver-se-á que o delineamento contábil é, aliás, bastante simples e consiste no fato de o valor dos juros que incrementam o custo das obras em andamento ter como contrapartida uma conta de Resultado; dessa, transferir-se-á para uma conta do Inexigível, ou seja, uma conta representativa de Reserva Livre, da qual, oportunamente, passará para o Capital declarado da emprêsa.

A aplicação de recursos, obtidos por empréstimos, pelas emprêsas de energia, para ampliação de suas instalações operativas, faz surgir, também, uma série de problemas cuja solução exige a consideração imprescindível da noção global de rentabilidade.

Com efeito, o sistema de equações que traduz o equilíbrio econômico financeiro das emprêsas de energia elétrica é o ponto de partida para a análise da solução daqueles problemas.

Conforme aquelas relações, a Receita Operativa só proporciona cobertura financeira à Despesa da Exploração, às Quotas de Depreciação e Reversão e à Remuneração do Investimento. Assim sendo, qualquer dispêndio que não se enquadre naqueles componentes do Custo do Serviço está irremediàvelmente excluído da cobertura proporcionada pela Receita Operativa. Em tais condições, é evidente que o resgate de compromissos decorrentes do Capital de empréstimo destinado à ampliação do Ativo Fixo, só pode ser atendido com resultados líquidos. Torna-se imperioso, por conseguinte, considerar, na apuração de resultados, o equilibrio de valores entre o Ativo Fixo e o Grupo do Inexigível que, em última análise, se reduzirá ao Capital próprio. Isto corresponderá a uma compulsória reinversão de resultados e, desde que seu valor não se transfere imediatamente à conta de Capital declarado, só restará uma solução plausível: proceder ao registro em conta do grupo das Reservas. Desta forma, restabelecerse-á o equilíbrio de valores, pois o montante incorporado ao Ativo Fixo terá sua contrapartida em contas do Exigível (Obrigações) e do Inexigível (Reserva Livre). À proporção que a obrigação se extingue, a Reserva se acresce com os valores correspondentes às amortizações procedidas no Exercício.

Este esquema permite que se contornem algumas dificuldades ao se cogitar da correção da tradução monetária dos saldos dessas obrigações decorrentes de capital de empréstimo. Seja, por hipótese, o caso de um empréstimo em moeda estrangeira, parte de cuja aplicação está em Obras em Andamento e o restante já incorporado ao Ativo Fixo. Se aquela Reserva foi constituída, como necessàriamente deve ser feito, ter-se-á uma equivalência de valores entre a soma de seu saldo com o da conta de obrigações no Passivo e o montante das aplicações no Ativo. Basta apurar a quantidade de moeda estrangeira correspondente a cada parcela e proceder à conversão pela taxa cambial adequada para se obter o valor atualizado dessas componentes do acervo patrimonial.

Encerrando, vê-se que as observações feitas até então exprimem uma visão estática da Rentabilidade; não obstante servirem como premissa para êsse estudo, imperdoável será esquecer que a apreensão eficaz do problema exige a análise do comportamento dos custos em seu condicionamento dinâmico, isto é, sua projeção no tempo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1967
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