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Controle financeiro através da análise do fluxo de fundos

ARTIGOS

Controle financeiro através da análise do fluxo de fundos

Jack Kempner

Professor de Contabilidade e Finanças, "Michigan State University", e Consultor Técnico da Escola de Administração de Empresas de São Paulo

"A demonstração de fundos deve ser incorporada a todos os relatórios anuais de emprêsas e a todos os relatórios de auditores." PERRY MASON, CPA

A demonstração de fontes e aplicações de fundos apareceu pela primeira vez, em forma impressa, no princípio do século, sob o título imaginativo "demonstração de-onde-veio e para-onde-foi". Êsse nome bastante elucidativo, infelizmente, foi há muito tempo substituído por outro mais sofisticado. Apesar disso, "de-onde-veio e para-onde-foi", é expressão que descreve muito bem a natureza dessa utilíssima demonstração financeira: essencialmente um relatório financeiro que indica as fontes de fundos recebidos por uma emprêsa e mostra de que forma foram os mesmos utilizados num determinado período fiscal.

Essa demonstração quase não foi usada, quer nos Estados Unidos, quer em outros países, antes da Segunda Grande Guerra. Nos últimos anos, contudo, a crescente maturidade das técnicas de administração financeira vem demonstrando a necessidade da análise do fluxo de fundos e, em conseqüência, a literatura financeira mais recente está repleta de métodos de preparação e utilização dessas demonstrações. Essa análise está, também, à medida que tem sua utilidade comprovada, começando a aparecer nos relatórios de emprêsas brasileiras. Êste artigo tem por objetivo familiarizar o administrador brasileiro com os aspectos mais importantes das demonstrações de fluxo de fundos. Julgamos importante lembrar, desde já, que a análise do fluxo de fundos não só se aplica à grande, mas também à pequena emprêsa.

FUNÇÕES DA DEMONSTRAÇÃO DE FUNDOS

A popularidade cada vez maior da demonstração de fundos pode apenas ser atribuída à crescente apreciação de suas funções. Essas funções ficarão mais claras se fizermos diversas perguntas que podem ser respondidas pela demonstração de fundos.

1. Por que os lucros líquidos da demonstração de lucros e perdas foram maiores ou menores do que os fundos realmente obtidos?

A determinação dos lucros que aparecem na demonstração de lucros e perdas é baseada na existência de receita e despesa, e nenhuma delas acompanha necessàriamente a entrada ou saída de caixa ou o fluxo de fundos. A demonstração de fundos faz a correção nos lucros líquidos calculados, mostrando os fundos reais fornecidos por êsses lucros.

2. Que foi feito com os fundos obtidos pela venda de ações ou a ocorrência de dívidas a longo prazo?

A demonstração de fundos indicará a entrada dêsses fundos em têrmos de fundos obtidos e mostrará de que forma os mesmos foram aplicados na aquisição de equipamento e/ou de mais capital circulante.(1 1 ) A definição de "working capital" (capital circulante) é dada adiante. )

3. Que está fazendo a emprêsa com os fundos obtidos de suas operações lucrativas?

A demonstração de fundos corrigirá, em primeiro lugar, o lucro líquido apresentado na demonstração de lucros e perdas, pois mostrará quais são os fundos reais obtidos das operações, esquematizando, em seguida, a aplicação dêsses fundos, na forma exposta na pergunta (2 2 ) N. dos T. - O têrmo "working capital" foi traduzido literalmente, por "capital circulante". Lembramos, contudo, que alguns autores empregam a expressão "net working capital" (capital circulante líquido) na acepção de capital circulante aqui usada pelo autor. ) acima.

4. De que forma um nôvo programa de expansão está sendo financiado - com os lucros, com empréstimos a longo prazo, com investimentos de acionistas ou proprietários, ou a combinação de vários fatôres?

As várias fontes de fundos obtidos serão esquematizadas na demonstração de fundos, na parte intitulada "fundos foram obtidos por meio de".

5. Por que são tão pequenas as distribuições de dividendos ou lucros, mesmo quando as operações são lucrativas? Os lucros podem ter sido retidos no negócio, de forma que é possível que o aumento de fundos resultante de operações lucrativas tenha sido absorvido na aquisição de novas instalações. As instalações adquiridas aparecerão na parte intitulada "fundos foram aplicados em".

6. Como foi possível aumentar o capital circulante, quando a emprêsa havia sofrido prejuízo nas operações?

Êsse resultado pode ser conseguido, quer pela obtenção de novos investimentos, quer pela venda da fábrica ou outros ativos. A fonte real dêsses fundos aparecerá na demonstração de fundos, eliminando a necessidade de especular sôbre sua origem.

7. Se a firma está contraindo suas operações, que aconteceu aos fundos obtidos com a venda de sua fábrica e equipamento?

Ainda uma vez, a demonstração de fundos revelará o montante real de fundos obtidos pela venda de componentes do ativo fixo e indicará como foram aplicados. Se êsses fundos não foram utilizados durante o período, a demonstração revelará que foram aplicados no aumento do capital circulante.

8. De que forma foi resgatada uma obrigação a longo prazo?

Se não houve aquisição de fundos para providenciar o resgate e se os fundos obtidos de operações lucrativas são insuficientes, a diferença pode, provàvelmente, ter vindo do capital circulante existente.

Tôdas as funções acima descritas foram expostas em têrmos de dados históricos, mas muitas delas podem ser e são usadas em sentido de previsão. A projeção das demonstrações de fundos, com base em informações orçamentárias, dá ao administrador a possibilidade de prever sua necessidade de fundos para os meses - e mesmo para os anos - futuros. Assim que os orçamentos de capital, vendas e produção estão terminados, é possível preparar uma análise de fluxo de fundos, a fim de determinar se os fundos são adequados à realização dos planos incluídos nas estimativas orçamentárias. Caso sejam insuficientes, o conhecimento prévio possibilita ação corretiva: os planos podem ser adequadamente contraídos ou é possível providenciar, com boa antecipação, os fundos necessários.

DISTORÇÕES INFLACIONÁRIAS

Uma das deficiências dos dados contábeis está no fato de que a unidade monetária é nêles considerada estável. Na economia brasileira, em franca expansão, nada pode estar tão distante da realidade. Há volumes e volumes escritos, em tôdas as partes do mundo ocidental, sôbre a necessidade de utilizar, no preparo de demonstrações financeiras, uma unidade monetária flutuante.

Qualquer administrador reconhece a distorção do balanço que reflete o custo original de equipamento comprado há alguns anos, quando a moeda valia muito mais do que no presente. Êstes valores arcaicos são combinados, invariàvelmente, com compras mais recentes de equipamento, bem como com dinheiro, contas e duplicatas a receber e estoques, que necessàriamente refletem valores mais atuais. A demonstração de lucros e perdas é também destorcida, pois os itens de receita e despesa consistem, muitas vêzes, de um grupo heterogêneo de valores monetários presentes e passados. A depreciação é, naturalmente, um exemplo frisante de item importante dé despesa que só raramente tem qualquer relação com valores atuais.

A própria natureza da demonstração de fundos elimina muitas das distorções causadas pelo nível flutuante de preços. Êste fator ficará claro nas páginas seguintes, à medida que formos ilustrando a análise do fluxo de fundos. Veremos, então, que a maioria das distorções é eliminada, pois os dados que descrevem o fluxo de fundos são atuais, afetados apenas pelas desvalorizações da moeda que ocorram dentro de um determinado período fiscal. Qualquer que seja a fonte dos fundos obtidos, lucros ou outras, êsses fundos aparecem em têrmos de moeda atual e não passada. Por seu lado, os fundos aplicados são tratados da mesma forma.

DEFINIÇÃO DE FUNDOS

O têrmo fundos tem muitos e diferentes significados em contabilidade, bem como em outros campos da atividade de negócios: é comumente considerado como um acúmulo de recursos, separados para uma finalidade específica. Várias interpretações são também empregadas quando o têrmo é usado na demonstração de fundos. O conceito mais estreito define o têrmo como um fluxo de dinheiro, ao passo que o extremamente lato o define como o fluxo de todos os recursos da emprêsa.

A definição mais popular - e aquela que será usada neste artigo - é a que liga os fundos ao fluxo de capital circulante. O capital circulante é uma quantia estática - o excesso do ativo circulante sôbre o passivo circulante - e é um montante que a firma possui numa certa data. (2) Os fundos, por sua vez, são considerados num sentido mais dinâmico, pois fluem para a emprêsa e da emprêsa, continuamente, o que resulta em aumento ou diminuição do nível de capital circulante.

CONCEITO DE FUNDOS

Para melhor compreender como êstes fundos fluem para a emprêsa e da emprêsa deve-se examinar a composição do balanço. Considera-se normalmente que o balanço é um reflexo minucioso da equação básica de contabilidade: ativo ou recursos de uma emprêsa são iguais ao seu passivo (direitos que proprietários e outros tenham em relação a êsses recursos). Em sua forma abreviada, a equação aparece assim:

Ativo = Passivo

Se, em vez de ver o balanço em têrmos dessa equação horizontal, consideramo-lo em função das contas circulantes (ativo circulante e passivo circulante) e contas não-circulantes (principalmente o ativo fixo, as dívidas a longo prazo e o patrimônio líquido), o ativo circulante líquido (capital circulante) será sempre igual ao "passivo não-circulante" líquido (dívidas a longo prazo e patrimônio líquido menos ativo não-circulante). O têrmo "passivo não-circulante" líquido não é convencional e deve ser examinado cuidadosamente para que fique claro o conceito de equação vertical de balanço. (3 3 ) N. dos T. - "Passivo não-circulante" é tradução livre do têrmo "net noncurrent equity", expressão criada pelo autor e nova na língua inglêsa. )

A equação em si é a seguinte:

Ativo circulante líquido = Passivo não-circulante líquido

Os balanços simplificados que abaixo apresentamos ajudarão a ilustrar a validade dessa equação.

O exame da demonstração acima indicará que o ativo circulante líquido é de Cr$ 1 000 000, ao passo que o passivo não-circulante líquido é também de Cr$ 1 000 000. Suponhamos agora que uma nova máquina seja comprada por Cr$ 150 000, à vista. Esta transação resultará numa redução do ativo circulante líquido, com igual redução do passivo não-circulante líquido. O balanço revisto reflete a mudança.

O ativo circulante líquido ou capital circulante é agora de Cr$ 850 000, em vez de Cr$ 1 000 000 e o passivo não-circulante líquido foi reduzido de Cr$ 1 000 000 para Cr$ 850 000. A venda de uma velha máquina por Cr$ 50 000 produzirá o mesmo resultado, mas na direção oposta; o capital circulante e o passivo não-circulante líquido aumentarão. Lembremo-nos, também, de que se em vez de a máquina ter sido vendida à vista, a emprêsa tivesse emitido uma duplicata a curto prazo ao comprador, o efeito sôbre o capital circulante e o passivo não-circulante líquido seria idêntico.

O conceito da demonstração de fundos será entendido se se notar que qualquer mudança na parte não-circulante do balanço deve causar mudança igual na parte circulante. Em outras palavras, os fundos fluirão, ou o nível de capital circulante mudará, tôda vez que houver uma mudança líquida na parte não-circulante do balanço.

TRANSAÇÕES QUE FORNECEM FUNDOS

Além da venda de maquinaria, tal como foi discutida nos parágrafos anteriores, a venda de qualquer ativo não-circulante à vista ou a curto prazo resultará numa fonte de fundos. Os fundos serão também aumentados pela venda de ações, emissão de debêntures, ou a existência de qualquer obrigação a longo prazo. Em cada um dêsses casos, o capital circulante e o passivo não-circulante líquido serão aumentados em montantes iguais.

As receitas decorrentes da venda de mercadorias ou da prestação de serviços fornecerão fundos através da caixa ou de contas e duplicatas a receber e se o capital circulante é aumentado, o passivo não-circulante líquido também deve aumentar.

As demonstrações abaixo servirão para ilustrar como o capital circulante e o passivo não-circulante líquido são aumentados quando se obtêm receitas.

A esta altura, o capital circulante e o passivo não-circulante líquido são de Cr$ 650 000. Suponhamos que uma duplicata de Cr$ 100 000 seja entregue a um freguês por serviço prestado. Como resultado, as contas e duplicatas a receber aumentarão de Cr$ 100 000, causando um aumento em capital circulante para Cr$ 750 000. Os lucros retidos (receitas por serviços prestados) aumentarão também de Cr$ 100 000, causando um aumento no passivo não-circulante líquido para Cr$ 750 000.

Os fundos podem também ser obtidos quando o nível de capital circulante foi reduzido durante o período. Suponhamos que uma emprêsa tenha terminado seu ano de operações sem lucros ou prejuízos; e também que não tenha havido fornecimento de fundos pela venda de ações, debêntures, ou outros ativos. A despeito disso, a emprêsa comprou maquinaria nova no valor de Cr$ 1 000 000, à vista e/ou a curto prazo. Uma vez que Cr$ 1 000 000 em fundos foram aplicados na aquisição de maquinaria e que não houve fornecimento de fundos por lucros ou venda de outros recursos, êsses fundos devem ter sido obtidos de um reservatório de capital circulante. A remoção dêsses fundos de reservatório existente de capital circulante resultou na redução dêste último, de tal forma que os fundos foram obtidos pela redução de capital circulante. As demonstrações abaixo ilustrarão a transação.

A nova maquinaria foi adquirida pagando-se Cr$ 250 000 em dinheiro (contabilizada pela redução da caixa neste montante) e com duplicatas a curto prazo no valor de Cr$ 750 000 (contas e duplicatas a pagar a curto prazo foram aumentadas de Cr$ 750 000). O capital circulante, no início do ano, que consistia de caixa, contas e duplicatas a receber e estoques, menos as contas e duplicatas a pagar a curto prazo, era igual a Cr$ 2 500 000; no fim do ano, Cr$ 1 500 000. A demonstração resumida dessa transação de fundos tem a seguinte forma:

TRANSAÇÕES QUE APLICAM FUNDOS

Já observamos que a aquisição de maquinaria à vista ou a curto prazo resulta numa aplicação de fundos. É óbvio, portanto, que a compra de qualquer ativo não-circulante, como terrenos, edifícios, investimentos permanentes etc., causa uma redução de fundos sempre que haja redução da caixa ou incorre-se em obrigação a curto prazo. A diminuição do ativo circulante "caixa" para resgatar uma dívida a longo prazo também requer uma aplicação de fundos.

A maioria das despesas (mas não todas) como salários, aluguéis etc., resulta também numa aplicação de fundos, pois tem um efeito oposto ao das receitas sobre a parte circulante e não-circulante do balanço. Se bem que os dividendos ou as retiradas de proprietários não sejam despesas, sua distribuição produz os mesmos resultados: o ativo circulante líquido e o passivo não-circulante líquido são reduzidos.

Os fundos também são aplicados quando é aumentado o nível de capital circulante. Suponhamos que os fundos obtidos de operações somem Cr$ 1 000 000 no decurso de um ano e que não tenha havido, nesse período, nenhuma outra transação de fundos. Uma vez que nenhum fundo foi aplicado à aquisição de equipamento ou outros ativos, nem ao resgate de obrigações a longo prazo, todos os fundos devem ter sido aplicados para aumentar o reservatório de capital circulante. A demonstração de fundos, nesta situação simples, tem a seguinte forma:

TRANSAÇÕES QUE NÃO AFETAM 0 FLUXO DE FUNDOS

Se o efeito de uma transação se restringe à parte circulante ou não-circulante do balanço, segue-se que não haverá fluxo de fundos. A troca do ativo "Caixa" pelo ativo "Contas e Duplicatas a Receber", assim como a aquisição de mercadoria em troca de "Contas e Duplicatas a Pagar" a curto prazo, não tem efeito na parte não-circulante do balanço. Da mesma forma, quando se dá baixa de um ativo fixo que foi inteiramente depreciado, ou se faz a conversão de uma dívida a longo prazo por outra, mudam somente as contas não-circulantes e não há influência sôbre o fluxo de fundos.

Devemos ainda considerar outro tipo de transação que não afeta o fluxo de fundos, mas que influi na determinação do lucro líquido. Quando contas e duplicatas a receber são convertidas em dinheiro, ou quando uma dívida a longo prazo é convertida em outra, os fundos não são afetados e a transação pode ser ignorada, pois não tem influência na preparação da demonstração de fundos. A depreciação anual, ademais, não tem qualquer efeito sôbre os fundos; porém, uma vez que afeta os lucros que aparecem na demonstração de lucros e perdas, deve receber maior atenção.

Um dos fatores de maior importância na produção de fundos em qualquer emprêsa é o lucro líquido. Todavia, a depreciação é um dos débitos levados contra as receitas que reduz os lucros líquidos mas não exige dispêndio de fundos como salários, aluguéis etc. A depreciação é simplesmente um processo de dar baixa, periódicamente, ao custo de um ativo durante sua vida útil, não havendo qualquer participação de fundos nessa transação. Os fundos obtidos por meio do lucro líquido são, portanto, subestimados no montante igual ao da despesa de depreciação. A fim de registrar corretamente o total de fundos obtidos do lucro líquido, esta despesa deve ser somada aos lucros que constam da demonstração de fundos. Esta correção no lucro líquido, causada pela adição da depreciação, tem, geralmente, um efeito enorme nos fundos reais obtidos de operações e é a razão pela qual aquêles que utilizam demonstrações financeiras estão mais interessados, muitas vêzes, na análise do fluxo de fundos do que na demonstração convencional de lucros e peidas. Não é raro verificar que os fundos obtidos de operações são, freqüentemente, duas ou três vêzes maiores do que o lucro líquido constante da demonstração de lucros e perdas.

A DEMONSTRAÇÃO DE FUNDOS

O leitor deve agora poder entender de que forma certas transações financeiras fazem com que os fundos fluam para a emprêsa e da emprêsa, razão pela qual julgamos que será útil a apresentação de uma demonstração mais complexa.

A fim de acompanhar a preparação de tal demonstração, consideremos a formação de uma emprêsa que ainda não tenha iniciado suas operações mas já conseguiu capital circulante e equipamento pela emissão de ações e aceitação de dívidas a longo prazo. O balanço inicial dessa emprêsa pode ter a seguinte forma:

O exame do balanço indica que o capital circulante é igual a Cr$ 3 500 000 e é composto de CrS 5 000 000 em caixa e estoques, menos CrS 1 500 000 em passivo circulante. A ilustração de como os fundos foram obtidos de fontes externas e usados para a aquisição de ativos pode ser feita simplesmente com uma demonstração de fundos.

Se bem que as demonstrações de fundos não sejam preparadas para um único balanço, pois não houve movimento de fundos, há razão para a preparação, no caso da emprêsa acima mencionada, pois o capital circulante aumentou de zero para CrS 3 500 000. Observemos de que maneira os fundos foram aplicados à obtenção de capital circulante: Cr$ 9 500 000 em fundos foram fornecidos por acionistas e credores a longo prazo; êstes fundos foram usados para a compra de equipamento e o estabelecimento de um reservatório de capital circulante; êste capital circulante, por seu turno, foi usado para obter-se o ativo "Caixa" de Cr$ 3 000 000 e mercadoria no valor de Cr$ 500 000; os restantes Cr$ 1 500 000 de mercadorias foram obtidos de fornecedores através de crédito a curto prazo e não tiveram efeito sôbre os fundos.

Suponhamos agora que a "Companhia São Vicente" tenha terminado seu primeiro ano de operações e que balanços comparativos tenham sido preparados em 31 de dezembro de 1962.

Informações colhidas da demonstração de lucros e perdas revelam que o lucro líquido para o ano foi de Cr$ 600 000, que a despesa de depreciação foi de Cr$ 400 000 e que foram declarados dividendos no valor de Cr$ 200 000. A partir dêsses dados e da análise dos balanços comparativos, é possível preparar a seguinte demonstração de fundos:

O exame destas demonstrações financeiras leva à determinação das razões para a mudança no capital circulante, da caracterização das fontes das quais foram obtidos os fundos e de como foram usados. Fundos foram obtidos pela venda de novas ações e de operações lucrativas que foram acrescidas de Cr$ 400 000 devido à despesa de depreciação. Alguns dêsses fundos, por seu turno, foram usados para expansão do ativo fixo, para distribuição de dividendos aos acionistas e para aumento do capital circulante. A análise da parte circulante do balanço revela que os Cr$ 900 000 adicionais de capital circulante foram distribuídos em caixa, contas e duplicatas a receber e estoques.

É, às vêzes, desejável apresentar a demonstração de fundos em forma de gráfico, para que seja possível à administração ver, num relance, a fonte e distribuição de fundos. Se bem que essa apresentação não permita uma analise precisa do fluxo de fundos, ela dá ao analista a oportunidade de ràpidamente rever o aspecto geral. O exemplo de demonstração gráfica que aqui apresentamos é baseado nos dados do caso da "Companhia São Vicente", para o ano findo em 31 de dezembro de 1962. Esta apresentação pode ser usada em lugar da demonstração mais convencional, ou como um suplemento dela. Na prática, é conveniente preparar a demonstração minuciosa para a administração e a gráfica para os acionistas.

Há outra demonstração que freqüentemente acompanha a demonstração de fundos a fim de possibilitar ao analista a revisão das reais mudanças no capital circulante. Esse resumo é chamado de demonstração de mudanças no capital circulante.

Note-se a natureza complementar da demonstração de fundos e da demonstração de mudanças no capital circulante. Ambas refletem o aumento de capital circulante de Cr$ 900 000. Todavia, a demonstração de fundos explica a causa do aumento, pois ilustra as mudanças nas contas não-circulantes, ao passo que a demonstração de mudanças em capital circulante ilustra os aumentos e decréscimos nas próprias contas circulantes.

CONCLUSÕES

A demonstração de fundos é um instrumento de análise de grande utilidade; aquêles que utilizam demonstrações financeiras, contudo, muitas vêzes a esquecem quando analisam os aspectos financeiros da emprêsa. O balanço e a demonstração de lucros e perdas são mais conhecidos e, em geral, estudados com maior cuidado. Sem minimizar a importância dessas duas demonstrações convencionais, porém, devemos lembrar que a demonstração de fundos tem muito a oferecer ao analista, de vez que representa a junção de dois balanços sucessivos.

Ademais, os itens da demonstração de fundos, por sua própria natureza, minimizam as distorções da inflação. As mudanças que ocorrem nas contas não-circulantes acontecem no período fiscal atual e aproximam-se mais, portanto, de uma unidade monetária estável. A administração está, assim, habilitada a rever o aspecto de fluxo de fundos da emprêsa sem necessidade de cálculo dos efeitos do nível flutuante de preços. Se, como tem acontecido ultimamente, a desvalorização da moeda num período de doze meses é muito grande, estas demonstrações podem ser preparadas em base trimestral e até mensal.

A falta de utilização mais completa da demonstração de fundos é, freqüentemente, devida à ausência de compreensão de sua natureza. Esperamos, portanto, que êste artigo tenha auxiliado a esclarecer alguns dos mistérios que envolvem essa demonstração, de maneira que ela possa ser usada, pelo analista, de modo mais inteligente.

BIBLIOGRAFIA

Nota da Redação: Êste artigo foi escrito especialmente para a REVISTA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS. A tradução do original inglês foi feita por Ivan Pinto Dias e Yolanda Ferreira Balcão.

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  • Karrenbrook & Simons, "Intermediate Accounting", Southwestern Publishing Company Cincinnati, Ohio, 3.ª edição, 1958, capítulo 28.
  • 1
    ) A definição de "working capital" (capital circulante) é dada adiante.
  • 2
    )
    N. dos T. - O têrmo "working capital" foi traduzido literalmente, por "capital circulante". Lembramos, contudo, que alguns autores empregam a expressão "net working capital" (capital circulante líquido) na acepção de capital circulante aqui usada pelo autor.
  • 3
    )
    N. dos T. - "Passivo não-circulante" é tradução livre do têrmo "net noncurrent equity", expressão criada pelo autor e nova na língua inglêsa.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Jun 1963
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