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"Marketing": uma ideologia

COMENTÁRIOS

"Marketing" - uma ideologia1 1 Os conceitos e idéias desenvolvidos neste artigo foram frutos da orientação dada ao autor pelo Prof. Donald Taylor, Professor de Marketing da Michigan State University e Professor honorário da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Adaptação e versão brasileira deste estudo foram feitas pela Professora Maria Antonieta Frank Günter.

Alberto de Oliveira Lima FilhoI; Maria Antonieta Frank GunterII

IProfessor-adjunto do Departamento de Mercadologia da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas

IIProfessora licenciada em Letras Anglo-Germânicas pela Universidade da Bahia, especialização em Literatura Norte-Americana pela Kansas University. Lawrence, Kansas, EUA

1. O CONTEXTO

Marketing e seu processo estão sendo desafiados; a missão e objetivos principais de marketing não estão recebendo uma resposta positiva da sociedade. Determinados grupos, dentro da sociedade, dos quais dever-se-ia esperar atitudes favoráveis em relação ao processo de marketing, estão agindo de maneira exatamente oposta.

Através de várias fontes, observações pessoais, e artigos recentemente publicados em diversos órgãos de comunicação, pode-se averiguar que a preocupação e insatisfação com o produto final de marketing está crescendo atualmente em proporção nunca antes observada.

É admissível afirmar que o clima atual também reflete problemas de extrema complexidade provenientes de relações de múltipla causa e efeito no que se refere às suas origens.

Hoje, os problemas enfrentados pelo marketing establishment vêm da suboptimização do desempenho governamental, de metas e valores mal colocados pelas empresas e, finalmente, de mudanças drásticas nas crenças e atitudes sociais.

Uma análise conscienciosa de tais problemas não pode ser feita se a abordagem, desde a origem, toma uma perspectiva dialética e polêmica. Tal abordagem, porém, comprometeria a profundidade da análise e omitiria o nova aspecto relevante que é construir uma estrutura conceituai e sistêmica para compreender o problema.

Essa abordagem poderia ainda conduzir o exame do problema à fragmentação, quando integração de variáveis de problemas faz-se necessária para explicar as relações de causa e efeito.

Para desempenhar esta tarefa parece adequado seguir as medidas assim relacionadas:

1.ª Começar pela identificação do sistema e suas variáveis.

2.ª Estudar a interação e objetivos de cada componente do sistema.

3.ª Localizar, com precisão, fatos que apresentem evidência empírica da chamada "Crise de Identidade".

4.ª Analisar os efeitos desses fenômenos.

5.ª Sugerir uma abordagem, subjetiva mas original, para reduzir as diferenças entre as orientações conflitantes que dividem governo, empresa e sociedade, "desde que é necessário um esforço conjugado na aplicação da tecnologia de marketing a um problema clássico de economia e ciência política chamado escolha social - o problema de como duas ou mais pessoas possam comunicar-se, comparar valores e preferências numa escala comum e, eventualmente, chegar a um julgamento comum ou a um escalonamento de preferências."2 2 Sheridan, Thomas B. Citizen feedback: new technology for social choice. Technology Review, 73. (3): 46-51, Jan. 1971.

2. O SISTEMA GLOBAL - UM MODELO ESQUEMÁTICO INTEGRADO

Recentemente, Jay Forrester (1971) desenvolveu e expandiu seus conceitos anteriores sobre dinâmica industrial em uma nova abordagem que êle denomina dinâmica de sistemas sociais, onde descreve e explica o processo interativo de sistemas complexos de ações.3 3 Forrester, Jay W. World dynamics. Cambridge, Mass., W. Allen Press, 1971.

Forrester, aplicando metodologia simples, desenvolve uma estrutura analítica que utiliza três níveis operacionais para classificação e processo de elaboração do modelo:

- O primeiro nível localiza e inter-relaciona os sistemas dentro dos limites do macrossistema.

- O segundo nível inter-reíaciona e descreve as funções das entidades (instituições, ou centros de poder) como "operadores" dos sistemas componentes.

- O terceiro nível relaciona as variáveis intervenientes que são os inputs processados pelas entidades para operar os sistemas.

Na presente análise esses inputs são denominados Orientação Básica e podem ser concebidos como outputs do processo de interação do sistema social.

Além disso, esses inputs geram, a longo prazo, outputs uma vez que todos eles são a expressão máxima da dinâmica social, que resulta em mudança social.

Os principais componentes do sistema social são apresentados no quadro único e serão descritos no tópico seguinte (ver quadro único).

3. INTERAÇÃO E OBJETIVOS

O sistema econômico é o principal centro de poder do Governo; por sua própria natureza, este sistema tem como objetivo mais importante o bem-estar social, que no momento presente deve ser considerado como um conceito ideal e teórico desde que as atuais expectativas sociais possam, na realidade, ser muito contraditórias em relação às dimensões reais e almejadas de bem-estar social.

O Governo, que tem o poder de esboçar e controlar as tendências e orientação do Sistema Econômico, segundo esta definição preliminar, é um operador que manobra o processo do sistema econômico, baseado em inputs que são gerados pelo ambiente cultural, tecnológico e político. No modelo, aqui desenvolvido, tais inputs provêm do sistema social e representam a orientação básica para atos governamentais. As dimensões históricas e políticas dessas variáveis são realmente o caráter da Nação e representam o acúmulo de conhecimento social. No caso dos Estados Unidos, é fácil perceber que a diretriz básica foi, em conseqüência de fatores históricos, orientada democrática e capita listicamente para a unidade e segurança nacional, liberal, pragmática, ética e pluralística. No caso brasileiro, devido a nossas origens históricas, tivemos uma orientação básica monárquica relegando a unidade nacional, de início, a um plano secundário; tendo havido também, no período inicial de nossa formação política, ausência de pragmatismo e coerção de pluralismo ideológico. Apesar destas orientações básicas diferentes, os objetivos ideológicos do sistema de marketing podem ser estudados no Brasil e nos Estados Unidos em termos de um esquema de referência comum e genérico, de vez que se propõe modelos conceituais derivados de paradigmas sistêmicos e econômicos.

O sistema de marketing, que é peculiar e específico da economia americana, é concebido de urna perspectiva ideal como um conjunto de instituições que tem como sua meta principal solucionar conflitos gerados pelas imperfeições da dinâmica de mercado. Segundo Alderson, para executar sua missão, o sistema de marketing tem que lutar pela sobrevivência e crescimento; para conseguir isso o sistema deve ainda apresentar outra característica que é o poder de ação.

Nos Estados Unidos, devido ao avançado grau de desenvolvimento alcançado pelo processo do sistema de marketing, empresas comerciais desenvolveram-se como "superpotências" e criaram poder considerável para influenciar o sistema econômico e seu principal centro de poder, o Governo. Reich define este fenômeno como criação do Estado das Empresas (Corporate State).4 4 Reich, Charles A. The greening of America. New York, Randon House, 1970. p. 86. "A empresa é uma máquina extraordinariamente poderosa, ordenada, legalista, racional, todavia completamente fora do controle humano, total e perfeitamente indiferente a qualquer valor humano."

Os principais centros de poder do sistema de marketing são as empresas, que moldaram sua orientação básica de acordo com a tecnologia, com um conceito weberiano de autoridade e desempenho, e com um comportamento filosófico utilitário influenciado por economistas modernos tais como Schumpeter, Baumol, Friedman e Keynes.

A expectativa geral e a meta monística global dos dois sistemas (econômico e de marketing) é concebida de maneira a servir a sociedade, indo ao encontro de desejos e necessidades, alcançando deste modo níveis elevados de bem-estar social.

O sistema da sociedade, conforme apresentado em nosso modelo, tem vários subsistemas (estado, cidades, comunidades, domicílios), que, por sua natureza atomística, terão provavelmente vários centros de poder. Ademais os valores de seus componentes estão em perene mudança e, no contexto atual, estão aumentando sua tendência à mudança em percentagem anteriormente não observada.

A mudança de Orientação Básica é mais acelerada em algumas camadas da sociedade que em outras, acentuando um clima de crise e ideologias conflitantes e tornando a missão de marketing mais complexa e difícil de realizar-se dentro dos moldes de sua estrutura atual.

Segundo Silberman, no artigo Age of uncertainty publicado na revista Fortune,5 5 Silberman, Charles E. Age of uncertainty. Fortune, 83 (1): 49-56, Jan. 1971. a sociedade de hoje está dividida em dois grandes segmentos no que se refere a valores consumerísticos. O primeiro segmento é apoiado pelo seguidor da chamada "geração silenciosa" (silent generation), enquanto o segundo segmento tem como orientação básica, valores tais como comportamento hedonístico, ação livre-racional, interesses pluralísticos, alienação de leis e regulamentos estabelecidos, e um forte impulso tendendo a atitudes antimaterialistas.

Tal clima é capaz de criar (e é talvez a explicação empírica de) uma sociedade que apresenta uma distribuição bimodal no que se refere à satisfação ou sentimento de realização social.

4. SÍNDROME DA MUDANÇA SOCIAL

A mudança social expressa-se simbolicamente por diversas formas de comportamento, desde que seja um "meio direto de comunicar-se com o ambiente através de um objeto, ação, palavra ou qualquer outro tipo de expressão social".6 6 Lazer, William. Marketing management: a system perspective. New York, Wiley, 1971. p. 474. Pressupõe-se também que estas ações simbólicas reflitam aceitação ou rejeição de valores sociais. É neste nível que marketing sofre os primeiros impactos. A partir de uma perspectiva de macro-marketing, entretanto, é importante avaliar o impacto que estas investidas têm sobre o sistema global, desde que elas possivelmente causarão modificações importantes no padrão de consumo "... por grande número de indivíduos ligados a uma ética antimaterialista com uma conseqüente redução do próprio atrativo de consumo. Qualquer tendência inferior de consumo aliada a uma redução paralela no incentivo do trabalho árduo, ou mesmo do próprio trabalho, ocasionaria baixa dos níveis globais de renda, diminuição de gastos, produtividade decrescente e com isso redução na capacidade produtiva da economia."7 7 Silberman, Charles E. Identity crisis in the consumer markets. Fortune, 83, (3): 92-160, mar. 1971.

Examinemos alguns sintomas específicos de mudança que estão afetando o sistema de marketing.

0 primeiro, e talvez mais relevante sintoma de distúrbio, é a crítica generalizada ao sistema empresarial e particularmente dirigida ao processo de marketing que é a forma de expressão mais patente das empresas. A crítica, em si, não é nova, desde que possa ser histórica, como é mencionada por Schumpeter,8 8 Schumpeter, Joseph A. Capitalism, socialism and democracy. New York, Harper, 1942. p. 146. quando analisa a "hostilidade crescente" e suas origens.

A mesma tendência crítica continua através de anos e décadas, como podemos averiguar nos artigos de Arnold Toynbee, nas críticas de Jean Paul Sartre; o que Schumpeter qualifica de hostilidade crescente, Toynbee aponta como desafio interno e Sartre denomina idade da razão. Recentemente outros críticos dos Estados Unidos, como Reich, vêm novamente à arena investindo contra o sistema e desenvolvendo a base do que Reich denomina lll.ª conscientização.

A grande maioria dessas críticas é de autoria de intelectuais que podem dar-se o luxo de tempo de lazer provido pelo sistema que é o alvo de seus ataques. Desde que estejam livres de compromissos, eles são capazes de propagar e comunicar idéias atraentes, que são rapidamente aceitas por outros grupos sem responsabilidade formal para com a sobrevivência das instituições que constituem o sistema. 0 poder destrutivo dessas críticas é imenso porque elas são compatíveis com a orientação básica dos múltiplos centros de poder difundidos em toda a sociedade, que possuem ideologias conflitantes. 0 resultado final destes tipos de comportamento é um aumento na lacuna entre as metas estabelecidas pelo Estado e pelas empresas.

No Brasil nota-se que, a despeito do impacto favorável das medidas econômicas governamentais, existem críticas provenientes de grupos extremistas e individualistas que não possuem bases e argumentos sólidos para julgar a eficiência e efetividade desses programas. Estas críticas, geralmente oriundas de interesses de grupos radicais, encontram acolhida em outros grupos, que às vezes têm ideologias diferentes, simplesmente porque não se procurou ainda diminuir as diferenças na distribuição de renda entre as diversas camadas sociais.

Este contexto faz com que grandes segmentos da população não participem dos benefícios gerados pelo sistema de marketing, que são, em última análise, prover o bem-estar social associado aos objetivos de sobrevivência e crescimento.

Outro sintoma da crise atual é o que pode ser chamado de perda de objetivos significantes (ou orientação básica e diretrizes) pelas empresas.

O modelo aqui proposto parece tornar claro que a meta fundamental das empresas seja sobrevivência e crescimento; é também óbvio que éste objetivo deve ser realizado através de liberdade no desempenho do sistema de marketing.

Tal desempenho está centralizado na eficiência do processo de marketing, na compatibilidade entre seu resultado e as necessidades e desejos da sociedade, no uso correto dos recursos tecnológicos disponíveis, na melhoria da qualidade da vida (ainda não perfeitamente determinada), e na utilização adequada dos recursos do meio.

Preston enfatiza o fato de que a atividade de urna firma, uma indústria, ou a economia global, é eficiente quando é desempenhada de maneira menos dispendiosa, com um máximo de atendimento às necessidades e expectativas dentro de condições tecnológicas e recursos disponíveis existentes.9 9 Preston, Lee E. Markets and marketing: an orientation. Glenview, III., Scott and Foresman, 1970. p. 33-35. Preston desenvolve seu raciocínio em três níveis de eficiência:

1. Eficiência técnica

2. Eficiência de troca (Exchange-trade)

3. Eficiência inovadora

A eficiência técnica trata do desempenho das tarefas de marketing através dos meios menos dispendiosos; a eficiência de permuta está relacionada com a maximização da conveniência mercadológica; e, finalmente, a eficiência inovadora enfatiza os progressos da satisfação do comprador.

É admissível dizer que eficiência em termos de marketing tem uma importânca global e integrada; em outras palavras, o ideal seria a maximização dos três níveis de eficiência mas nenhum deles poderia ser reduzido ao nível zero sem perder sua importância.

Uma das explicações para a crise atual seria dizer que, devido a orientações básicas divergentes entre vários grupos sociais, um nível de eficiência inovadora desejado não está sendo alcançado pelo sistema de marketing, pressupondo-se aqui também que adaptações ecológicas (comportamento de adaptação) devem preceder a dinâmica social. Em nosso meio, por exemplo, não foram tomadas medidas preventivas necessárias para reduzir o impacto negativo do incremento da industrialização sobre a poluição urbana, sobre a segurança de tráfego e sobre a deterioração das bacias fluviais.

Nas circunstâncias atuais, a lacuna entre o resultado do sistema e as metas sociais está aumentando e, por esta mesma razão, pode-se observar uma disparidade no que tange aos resultados do processo de marketing e ao nível de satisfação manifestado pelos grupos sociais.

Outro fator importante é o uso da tecnologia e recursos econômicos insuficientes. Nos Estados Unidos a orientação básica, já há muito tempo, tem sido aquela de crescimento econômico controlado dentro dos padrões liberais de autonomia de ação e independência de escolha; agindo dessa maneira o Governo planejou a economia de acordo com um conceito liberal onde marketing poderia facilmente servir metas econômicas aumentando o consumo; estas diretrizes realçaram também o papel da competição entre os membros do sistema de marketing. Tal situação pressupõe, entretanto, que a sociedade seja capaz de preencher suas necessidades e sobreviver a longo prazo.

Esse não é o atual status quo; o crescimento hipertrófico de alguns setores, a ausência de controle e o abuso de liberdade causaram o aparecimento de problemas de meio, de deseconomias de escala e o advento de padrões de rejeição entre vários grupos sociais.

No modelo central aqui apresentado, isto representa má utilização da tecnologia seguida de resultado negativo que reforça o radicalismo e as modificações constatadas na orientação social básica.

A má utilização da tecnologia conduz a um paradoxo econômico, segundo Say, que em Law of markets afirma: "uma economia sempre provê demanda suficiente para comprar seu próprio produto";10 10 Say. in: Baumot, William. Economic theory and operational analysis. Englewood Cliffs, N. J., Prentice-Hall, 1968. p. 242. esta asserção equivaleria a dizer que, apesar da superprodução criada pelo uso excessivo da tecnologia, os mercados continuariam a aceitar todo tipo de produtos.

Posteriormente, Galbraith expôs como sua tese central em New industrial state: "Que os produtores criam em grande parte sua própria demanda... as empresas decidem o que desejam produzir, e convencem o povo de que êle próprio quer isto, moldando assim seu próprio mercado."11 11 Galbraith, John K. The new industrial state. Boston, Mass., Houghton and Miffin 1967. p. 230-31.

De fato, este esquema pode ser visualizado como o resultado da orientação básica das empresas que leva ao radicalismo das reações atuais contra as práticas de marketing.

As interações examinadas são alguns dos múltiplos aspectos do desempenho do sistema global. Esta análise poderia alongar-se além das dimensões possíveis deste estudo, se se tentasse examinar o processo de atuação recíproca (inter-face) partindo de perspectivas diversas. Entretanto, para o objetivo de nossa análise, parece suficiente.

A seguir, os efeitos dessas forças compensadoras serão examinados.

5. EFEITOS DECORRENTES DA CRISE

O período atual é de descontentamento, incerteza e reavaliação, o que dificilmente exige reformulação de padrões de comportamento de todos os componentes do sistema global; esta atitude de reavaliação é, na realidade, o cerne e a própria natureza da nova ideologia de marketing.

Esta nova ideologia renovará a aptidão de comunicar do sistema e, além disso, atualizará a capacidade de resolver conflitos.

Antes de iniciar a elaboração da chamada nova ideologia examinemos resumidamente alguns dos efeitos causados pela dinâmica do estado empresarial (corporate state).

Muitos dos problemas atuais podem ser atribuídos às seguintes causas e seus efeitos inter-relacionados:

1. O crescimento das empresas e do Governo criou supersistemas que provavelmente destruirão suas próprias orientações filosóficas básicas. O resultado é um fenômeno paradoxal no qual o sistema perde a visão de suas metas primordiais. Este é o caso em que o Governo requer das empresas medidas que o próprio Governo, devido a uma ampla intervenção, não permite às mesmas executarem.

2. A extrema conscientização dos problemas de segurança nacional conduziria a Nação a uma posição em que a distribuição de recursos seria orientada para a guerra e não para a paz. Tal orientação é o principal fator catalítico da desconfiança social e do clima de temor geral.

3. O extraordinário sistema educacional dos Estados Unidos ampliou o conhecimento e percepção sociais; de um modo geral as pessoas, hoje, são muito mais capazes de avaliação. Mas, no ínterim, diretrizes conflitantes são patrocinadas pelo Governo e pelas empresas. A inflação cresce constantemente, mas o desperdício de recursos continua a ser perpetrado pelo Governo e ocasionalmente pelas empresas. Diretrizes monetárias referentes a salários e crédito são reveladas em um dia e esquecidas no outro. 0 resultado imediato é que são rejeitadas pelo povo que tem grande dose de percepção e compreensão da dinâmica social.

4. Diretores de empresa parecem estar cônscios dos problemas sociais e se julgam inteiramente informados das dimensões de suas responsabilidades sociais. Por exemplo, eles têm domínio quase completo da informação tecnológica que, se posta em prática, poderia conduzir a redução de poluição, aumento de segurança e preservação de recursos naturais. Entretanto, eles agem norteados por interesses encobertos, que significam muito mais para o seu papel como executivos, que o seu "credo" como cidadãos.

A conseqüência natural é a origem de crítica por parte de executivos mais jovens e da grande e inquieta geração nova.

Para os radicais, o sistema falhou e por isso tem que ser destruído e substituído pelo que Reich chama de III.ª Conscientização, que tem como orientação básica a liberação, a sociedade dirigida para a idéia de individualidade com total desprezo de soluções institucionais e estruturais.

Para nós, entretanto, tais soluções causariam mais danos do que benefícios a uma sociedade que se desenvolveu até as dimensões atuais sob valores completamente diversos.

O que propomos é uma reavaliação geral de valores e crenças que levariam a uma recuperação de confiança e a uma diminuição da lacuna entre as metas conflitantes. Compreendemos também que o marketing pode desempenhar um papel importante na solução de tais problemas.

6. A NOVA IDEOLOGIA

O que pretendemos é uma nova ideologia de marketing que é um conjunto adaptável de medidas e atitudes podendo revigorar as metas básicas do próprio sistema.

A estrutura proposta aqui não é ideal e utópica em suas principais características; reflete, entretanto, a utilização racional do poder de ação de marketing, está ainda orientada para as metas realistas de sobrevivência e continuidade; admite o uso de algumas regras ortodoxas de comportamento organizacional tais como empatia na escolha de alternativas, idealismo moral na formulação de diretrizes, e adesão estrita ao princípio segundo o qual autarquias, instituições particulares e públicas devem operar em conjunto dentro da orientação básica da meta monística que é o bem-estar social.

A nova ideologia deve estar voltada para o elemento central deste processo de mudança - que é o indivíduo, não o radical extremista, mas o cidadão normal e comum que representa a grande maioria.

Tais ações sociais novas devem corresponder aos anseios do povo e não fazer o povo ser manobrado por estas metas preestabelecidas.

Em termos de orientação de marketing, tal diretriz poderia ser formulada como esforços gerais para atingir o núcleo dos mercados relegando o consumo ostensivo a plano secundário. É claro que as alterações propostas aqui não poderiam ser levadas a efeito a curto prazo sem abalar o sistema econômico. Tais medidas deveriam ser conduzidas através de abordagem gradativa, porém, substancial.

Com o propósito de atingir este momentum o sistema de marketing deve admitir um completo feedback proveniente dos anseios do povo - necessidade e desejos - acuradamente investigados e, além disso, de acordo com padrões reconhecidos de racionalidade.

O poder de comunicações de marketing deve ser muito mais utilizado como instrumento de informação do que como arma persuasiva para destruir a consciência social. Esta atitude levará, certamente, a maior satisfação do consumidor e, concomitantemente, reduzirá as imperfeições da competição com simultâneo aumento de produtividade.

O comportamento inovador, a potência competitiva devem ser utilizados para melhor atingir a satisfação do consumidor e não para destruir outras firmas no mercado. O objetivo de lucro e autonomia para distribuir os recursos sociais devem ser dirigidos para o interesse comunitário e reduzidos ao mínimo no que tange a interesses de grupos particulares e individualistas.

As inter-relações de empresa e Governo, no que toca ao desempenho de marketing, deveriam ser conduzidas em termos de atitudes legalmente aceitas desde que, às vezes, o que é legal não seja exatamente o mais ético ou de melhor interesse social.

Tais inter-relações referem-se especificamente a problemas de poluição, aumento de segurança, comunicação de idéias destrutivas, uso de informação errônea e falaz por parte de algumas firmas, com base em códigos e regulamentos evasivos.

O problema fundamental é que, na aplicação da nova ideologia, um limite perfeitamente delineado deve ser estabelecido entre as áreas de responsabilidade a serem assumidas pelo Governo e pelas empresas, no que se relaciona a marketing. Do Governo espera-se orientação e controle, das empresas, desempenho que se coadune com as metas sociais estabelecidas. A capacidade da empresa em discordar deve ser incrementada para que os objetivos de marketing possam ser cumpridos a curto prazo.

No ínterim, algumas regras operacionais devem ser observadas pelos executivos responsáveis pelo desempenho de marketing, entre as quais podemos mencionar as seguintes:

1. Reduzir os abusos de marketing e desenvolver os padrões de desempenho.

2. Procurar rejeitar medidas que levariam ao recrudescimento da crise e contemporizariam as soluções adequadas.

3. Utilizar o poder de marketing para reduzir o círculo vicioso da pobreza.

4. Orientar os recursos de marketing para alcançar redução das diferenças entre ideologias conflitantes.

7. CONCLUSÃO

A análise e formulação de diretrizes e bases para uma nova ideologia de marketing poderiam desenvolver-se numa estrutura bem mais ampla. Poderiam ser orientadas segundo uma proposição do tipo dialético. Poderiam ser norteadas para uma formulação em termos de bases éticas e morais. Estas abordagens, contudo, teriam seu ponto de partida em um objetivo capital que é uma análise funcional do propósito do sistema de marketing e seu confronto com a realidade atual. Eis o objetivo básico que procuramos atingir com a análise exposta.

Em primeiro plano, examinamos o sistema e suas interações, depois, uma análise das inter-relações de causa e efeito foi desenvolvida e, finalmente, com base em conceitos de macro-marketing foi proposto um esquema para a nova ideologia.

A meta final dessa ideologia é estabelecer a capacidade de comunicar do sistema de marketing e reforçar suas características de solucionar conflitos.

Este é, em última análise, um meio lógico e sistemático de resolver problemas complexos na dinâmica social.

Uma última observação deve ser feita quanto aos resultados potenciais desta proposta; depende, integralmente, da capacidade humana em compreender problemas humanos.

  • 2 Sheridan, Thomas B. Citizen feedback: new technology for social choice. Technology Review, 73. (3): 46-51, Jan. 1971.
  • 3 Forrester, Jay W. World dynamics. Cambridge, Mass., W. Allen Press, 1971.
  • 4 Reich, Charles A. The greening of America. New York, Randon House, 1970. p. 86.
  • 5 Silberman, Charles E. Age of uncertainty. Fortune, 83 (1): 49-56, Jan. 1971.
  • 6 Lazer, William. Marketing management: a system perspective. New York, Wiley, 1971. p. 474.
  • 7 Silberman, Charles E. Identity crisis in the consumer markets. Fortune, 83, (3): 92-160, mar. 1971.
  • 8 Schumpeter, Joseph A. Capitalism, socialism and democracy. New York, Harper, 1942. p. 146.
  • 9 Preston, Lee E. Markets and marketing: an orientation. Glenview, III., Scott and Foresman, 1970. p. 33-35.
  • 11 Galbraith, John K. The new industrial state. Boston, Mass., Houghton and Miffin 1967. p. 230-31.
  • 1
    Os conceitos e idéias desenvolvidos neste artigo foram frutos da orientação dada ao autor pelo Prof. Donald Taylor, Professor de
    Marketing da Michigan State University e Professor honorário da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Adaptação e versão brasileira deste estudo foram feitas pela Professora Maria Antonieta Frank Günter.
  • 2
    Sheridan, Thomas B. Citizen feedback: new technology for social choice.
    Technology Review, 73. (3): 46-51, Jan. 1971.
  • 3
    Forrester, Jay W.
    World dynamics. Cambridge, Mass., W. Allen Press, 1971.
  • 4
    Reich, Charles A.
    The greening of America. New York, Randon House, 1970. p. 86.
  • 5
    Silberman, Charles E. Age of uncertainty.
    Fortune, 83 (1): 49-56, Jan. 1971.
  • 6
    Lazer, William.
    Marketing management: a system perspective. New York, Wiley, 1971. p. 474.
  • 7
    Silberman, Charles E. Identity crisis in the consumer markets.
    Fortune, 83, (3): 92-160, mar. 1971.
  • 8
    Schumpeter, Joseph A.
    Capitalism, socialism and democracy. New York, Harper, 1942. p. 146.
  • 9
    Preston, Lee E.
    Markets and marketing: an orientation. Glenview, III., Scott and Foresman, 1970. p. 33-35.
  • 10
    Say. in: Baumot, William.
    Economic theory and operational analysis. Englewood Cliffs, N. J., Prentice-Hall, 1968. p. 242.
  • 11
    Galbraith, John K.
    The new industrial state. Boston, Mass., Houghton and Miffin 1967. p. 230-31.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Maio 2015
    • Data do Fascículo
      Mar 1972
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