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O computador e o ensino da prática de pesquisa nas ciências sociais

NOTAS E COMENTÁRIOS

O computador e o ensino da prática de pesquisa nas ciências sociais* * Uma versão anterior desta comunicação foi apresentada ao IV Simpósio Nacional de Probabilidade e Estatística, 1980.

David Michael Vetter

Mestrado em Educação, PUC/RJ

Segundo Cláudio de Moura Castro (1977, p. 94), "os cursos usuais de estatística deixam os pesquisadores insuficientemente equipados para enfrentar os problemas e contradições nas investigações em ciências sociais". Uma parte do problema é que "a estatística é reconstruída a partir de uma seqüência lógico-dedutiva", que geralmente não inclui a prática com o teste de hipóteses científicas de uma pesquisa social. Com efeito, este último costuma ser apresentado nos cursos de metodologia, mas mesmo neles sem a necessária prática da análise de dados concretos de uma pesquisa real. Por essas razões, dentre os alunos dos cursos de ciências sociais, que estudam estatística, são poucos os que aprendem a aplicá-la na prática e, assim sendo, acabam por esquecer tudo rapidamente. Em geral, é apenas na hora de começar a realizar sua tese de mestrado que o aluno se dá conta da falta deste conhecimento prático.

Para ajudar a resolver este problema, sugiro que os cursos de graduação e pós-graduação em ciências sociais incluam em seu plano curricular um curso que permita a integração dos conhecimentos adquiridos nos cursos de metodologia da pesquisa e estatística através da prática mediante o recurso a uma pesquisa real.

Neste tipo de curso, poderiam ser de grande utilidade sistemas de computação "enlatados" que se utilizam para análise estatística, uma vez que permitem ao aluno testar hipóteses elaboradas por ele com dados de uma pesquisa em sua área de interesse.

O SPSS oferece uma série de vantagens para um curso prático do tipo aqui proposto, já que foi concebido especialmente para satisfazer aos requisitos da análise estatística aplicada às Ciências Sociais.

A presente comunicação visa tanto à discussão de minha experiência e da experiência de um colega no uso do SPSS neste tipo de curso, como também à apresentação de um pequeno resumo de meu trabalho Uma breve introdução à análise estatística com SPSS (1980).

Este trabalho tem por finalidade principal mostrar como se proceder a uma análise estatística com SPSS. Considerando-se que o objetivo foi primordialmente didático, todo esforço foi feito no sentido de a exposição ser a mais simples e concisa possível. Foram aí tratados somente os métodos para uma ou duas variáveis, deixando-se os métodos multivariados para um trabalho posterior.

Acreditamos que a melhor maneira de se aprender a utilizar o SPSS (ou qualquer outra linguagem de computador) seja por meio da prática, e começa-se por problemas simples, passando-se em seguida aos mais complexos. Temos notado que muitos alunos encontram grandes dificuldades na etapa inicial da aprendizagem, perdendo-se nas 675 páginas do Manual do SPSS e, por isso, não conseguem preparar seu primeiro programa, ou acabam por conduzi-lo com muita dificuldade. Visando à solução deste problema, procuramos mostrar apenas o essencial para se definir, modificar e criar variáveis com SPSS e utilizar seus procedimentos estatísticos mais comumente empregados, ilustrando ainda como se proceder a cada operação, através de um exemplo simples (a análise das notas dos alunos nos exames de seleção para o mestrado em educação).

A diferença entre o tratamento escolhido neste trabalho e o encontrado em outros textos sobre SPSS em português é que aí se tentou ir além das instruções de como se elaborar o programa de SPSS para dar uma idéia muito geral de como interpretar os resultados gerados por ele, citando-se também outras fontes onde o aluno pode encontrar maiores informações sobre as técnicas utilizadas.

Para os que querem somente uma rápida introdução aos cartões de SPSS, recomendamos o texto encontrado no sistema de documentação do Rio Data Centro (Listadoc) da PUC/RJ.

Antes de procedermos à discussão propriamente dita do SPSS, foi feita uma revisão de alguns conceitos básicos necessários à compreensão de como se realiza a análise estatística com SPSS (variáveis contínuas e não-contínuas e testes estatísticos adequados a diferentes níveis de medida).

A parte do trabalho sobre SPSS mostrou como se gerar um arquivo, criar e modificar variáveis, listar os arquivos e utilizar os diferentes procedimentos estatísticos, inclusive: distribuições de freqüência, estatísticas descritivas, tabulações cruzadas, teste de t entre duas médias, correlação bivariada (paramétrica e não-paramétrica), diagrama de dispersão e regressão simples.

A maneira como utilizamos esta breve introdução ao SPSS depende muito do nível de sofisticação estatística dos alunos e de suas preocupações. Para um nível introdutório, normalmente apresentamos as diferentes técnicas por meio da utilização de um exemplo bem simples, como aquele já referido no início desta comunicação. Os alunos rodam seus programas e interpretam os resultados. Geralmente, pedimos-lhes que gerem várias cópias destes resultados para serem utilizadas como apostilas durante as aulas (um parâmetro no cartão de JOB determina o número de cópias geradas).

Normalmente, os alunos conseguem elaborar seu primeiro programa depois de duas ou três horas de aula, uma vez que nossa introdução ao SPSS explica detalhadamente como preparar os cartões de controle, e o próprio sistema é de utilização bastante simples. Por exemplo: apenas com 10 cartões de controle pode-se definir um arquivo de SPSS e um procedimento estatístico.

Esta metodologia pode ser diferente se se tratar de uma turma de alunos que já estejam trabalhando com os dados de sua tese ou de uma outra pesquisa. Neste último caso, esclarecemos somente os aspectos de SPSS mais relevantes para cada pesquisa, deixando o aluno aprofundar seu conhecimento do sistema em apreço com as informações apresentadas em meu trabalho anteriormente discutido e as do Manual do SPSS (Ney et alii, 1975). As aulas tomam a forma de seminários sobre problemas de metodologia e de processamento.

Uma outra opção seria deixar o processamento de dados a cargo do professor ou de um programador, reservando-se assim mais tempo para a discussão de problemas metodológicos. O Prof. Günther Schühly utilizou esta estratégia com grande vantagem em um curso de metodologia a nível de graduação no Departamento de Serviço Social da PUC/RJ. Neste curso, os alunos participaram de uma pesquisa sobre atitudes políticas dos estudantes da PUC, em que definiram os objetivos do trabalho, levantaram hipóteses, desenvolveram um questionário, escolheram uma amostra de estudantes, aplicaram o questionário e analisaram os resultados. Nesta última etapa, assisti o Prof. Günther na geração destes resultados com SPSS. O nível de motivação dos alunos foi alto, dado o interesse do tema e dos resultados. A propósito, estamos escrevendo um artigo sobre o estudo (Schühly & Vetter, 1980).

Visto que cada professor e cada turma são diferentes, a metodologia também tem de ser diferente. Por isso, seria interessante fazer experiências com outras diferentes estratégias de ensino. Por exemplo, McClelland & Doxsey (1979) dividiram seu curso de estatística social em módulos entre os quais os alunos pudessem escolher os de seu maior interesse, e desse modo fazer um "convênio de aprendizagem" (learning contract). Esta estratégia de ensino dá maior flexibilidade ao curso, e permite, portanto, ao aluno estudar o que ele acha mais relevante para sua área de interesse.

Uma outra sugestão que poderia contribuir para um aproveitamento maior de computador em cursos sobre a prática de pesquisa seria o desenvolvimento, por parte de outros professores, de trabalho (a um nível introdutório) mostrando como fazer análise estatística de outros sistemas de computação relevantes para as ciências sociais. Acredito que estes ganhariam muito se fossem bem ilustrados com um exemplo concreto, que mostrasse a utilização de métodos mais comumente empregados e apenas com a citação de outros mais "exóticos" na seção das referências bibliográficas. Isso porque o uso da maior parte destas opções "exóticas" é muito reduzido. Por exemplo, embora existam na análise fatorial muitas combinações possíveis de tipos de métodos de factoring, rotação, interação, etc, os pesquisadores costumam utilizar apenas o "principal factoring" com rotação varimax. Para não complicar muito a exposição, o trabalho deve explicar bem esta combinação e não as outras pouco utilizadas.

Espero com esta espécie de trabalho estimular a utilização do computador neste tipo de curso aplicado sobre pesquisa, visando a reduzir, dessa maneira, um pouco, o hiato entre a teoria e a prática da pesquisa no ensino nas ciências sociais.

  • Castro, Cláudio de Moura. A Prática de pesquisa. Rio de Janeiro, McGraw-Hill, 1977.
  • Klecka, W. R. et alii. SPSS Primer. New York, McGraw-Hill, 1975.
  • McClelland, K. & Doxsey, James. Programa do Curso "Social Statistics". Universidade de Miami, 1979.
  • Nie, N. H. et alii. SPSS: Statistical Package for the Social Sciences. New York, McGraw-Hill, 1979.
  • Rio Data Centro. Texto Básico para Palestra de Introdução ao SPSS, PUC, Rio de Janeiro. Este texto está arquivado no sistema de documentação do Rio Data Centro (Listadoc), 1980.
  • Schühly, Günther & Vettar, David Michael. Atitudes Políticas numa Universidade Brasileira. Debates Sociais, 1981.
  • Vetter, David Michael. Uma breve introdução à análise estatística com SPSS (Statistical Package for the Social Sciences). Revista Brasileira de Estatística, n.ş 161; 1981.
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    Uma versão anterior desta comunicação foi apresentada ao IV Simpósio Nacional de Probabilidade e Estatística, 1980.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1981
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