Acessibilidade / Reportar erro

Retornos passados prevêem retornos futuros?

¿Retornos pasados prevén retornos futuros?

Do past returns predict future returns?

Resumos

O objetivo deste trabalho é verificar se séries históricas de preços das ações no mercado brasileiro têm algum poder de prever retornos futuros, o que entraria em contradição com a hipótese de que os preços se comportam de acordo com um passeio aleatório. A metodologia utilizada consistiu em estimar modelos de previsão de retornos futuros com base em retornos passados, ordenar ações por retorno previsto e alocá-las mensalmente em dez carteiras pela posição na classificação, comparando os retornos dessas dez carteiras com os retornos de equilíbrio de mercado. Observou-se que a carteira com maior retorno previsto obteve um desempenho significantemente superior ao do equilíbrio de mercado, e que a de pior retorno previsto teve um desempenho significantemente inferior. Esse resultado indica que as séries de preços passados contêm algum poder de previsão. Uma das explicações possíveis para esse fato tem origem em razões behavioristas.

Eficiência de mercado; análise técnica; passeio aleatório; finança behaviorista; tendências em séries


In this paper I investigate whether historical stock prices in the Brazilian market have any power in predicting future returns. This would contradict the hypothesis that security prices follow a random walk. If future prices are random, technical analysis fails in identifying bullish or bearish trends. I estimate forecasting models of future returns based on historical returns, rank stocks by predicted returns and allocate them monthly in ten portfolios ordered by rank position. The portfolio with higher predicted returns significantly outperformed the market equilibrium, and the portfolio with lower predicted returns significantly underperformed the market equilibrium. This provides evidences that past returns carry some predictive power. One possible explanation has its roots in behavioral reasons.

Market efficiency; technical analysis; random walk; behavioral finance; trends in prices


FINANÇAS

Retornos passados prevêem retornos futuros?

Do past returns predict future returns?

¿Retornos pasados prevén retornos futuros?

Andrea Maria Accioly Fonseca Minardi

FGV-EAESP

RESUMO

O objetivo deste trabalho é verificar se séries históricas de preços das ações no mercado brasileiro têm algum poder de prever retornos futuros, o que entraria em contradição com a hipótese de que os preços se comportam de acordo com um passeio aleatório. A metodologia utilizada consistiu em estimar modelos de previsão de retornos futuros com base em retornos passados, ordenar ações por retorno previsto e alocá-las mensalmente em dez carteiras pela posição na classificação, comparando os retornos dessas dez carteiras com os retornos de equilíbrio de mercado. Observou-se que a carteira com maior retorno previsto obteve um desempenho significantemente superior ao do equilíbrio de mercado, e que a de pior retorno previsto teve um desempenho significantemente inferior. Esse resultado indica que as séries de preços passados contêm algum poder de previsão. Uma das explicações possíveis para esse fato tem origem em razões behavioristas.

Palavras-chave: Eficiência de mercado; análise técnica; passeio aleatório; finança behaviorista; tendências em séries.

ABSTRACT

In this paper I investigate whether historical stock prices in the Brazilian market have any power in predicting future returns. This would contradict the hypothesis that security prices follow a random walk. If future prices are random, technical analysis fails in identifying bullish or bearish trends. I estimate forecasting models of future returns based on historical returns, rank stocks by predicted returns and allocate them monthly in ten portfolios ordered by rank position. The portfolio with higher predicted returns significantly outperformed the market equilibrium, and the portfolio with lower predicted returns significantly underperformed the market equilibrium. This provides evidences that past returns carry some predictive power. One possible explanation has its roots in behavioral reasons.

Key words: Market efficiency; technical analysis; random walk; behavioral finance; trends in prices.

INTRODUÇÃO

Determinar se um mercado é eficiente ou não é uma questão crítica para a avaliação de investimentos. Se os mercados tiverem um alto grau de eficiência, o preço de mercado de um título incorpora as informações correntes adequadamente, e é a melhor estimativa de seu valor intrínseco. O processo de avaliação serve apenas para justificar o preço. Se os mercados tiverem um baixo grau de eficiência, o preço de mercado pode se distanciar do valor intrínseco, e o processo de avaliação serve para estimar um valor razoável para o ativo. Nesse caso, investidores que realizarem avaliações bem feitas têm possibilidade de obter retornos superiores a outros investidores, pois serão capazes de encontrar títulos mal precificados.

A busca por ineficiência no mercado evidencia segmentos nos quais os mercados são mais ineficientes e onde existe maior possibilidade de se encontrar títulos mal precificados. Essa é a essência da técnica de stock picking, uma técnica de gestão ativa de investimentos que procura montar carteiras com títulos mal precificados e dessa maneira ter retornos consistentemente superiores aos de um determinado índice de mercado.

Em um mercado eficiente, o preço de mercado é uma estimativa não-viesada do valor intrínseco do investimento. Isso não significa que o preço de mercado seja sempre igual ao valor intrínseco. Para ser eficiente, um mercado requer apenas que as diferenças entre o valor de mercado e o intrínseco sejam aleatórias, e que conseqüentemente nenhuma estratégia de investimento permita encontrar consistentemente ações sub ou superavaliadas.

As definições de eficiência de mercado geralmente estão relacionadas com premissas sobre quais informações são disponibilizadas aos investidores e refletidas no preço. É comum em Teoria de Finanças distinguir entre três versões da Hipótese de Eficiência de Mercado (HEM): a forma fraca, a semiforte e a forte.

A forma fraca da HEM afirma que os preços das ações refletem todas as informações que podem ser obtidas examinando-se dados de negociações passadas, tais como preços passados, volume de negociação ou taxas de retorno. Baseia-se na idéia de que se tais dados transmitissem sinais confiáveis sobre desempenho futuro, todos os investidores aprenderiam a explorá-los, e esses sinais perderiam valor, pois seriam instantaneamente incorporados aos preços dos títulos. Conseqüentemente, os preços das ações teriam um comportamento aleatório ou random walk, e a correlação entre retornos correntes e retornos passados seria zero. A forma fraca da HEM tem importantes implicações para a análise técnica ou grafista.

A análise técnica ou grafista procura padrões recorrentes e previsíveis nos preços das ações. Os analistas técnicos reconhecem o valor das informações sobre as perspectivas futuras da empresa, mas acreditam que tais informações não são necessárias para se obter sucesso na compra e na venda de títulos. Independentemente da razão fundamentalista responsável pela alteração do preço da ação, se os preços se ajustarem a uma velocidade suficientemente baixa os analistas técnicos serão capazes de identificar tendências e explorá-las durante o período de ajuste. O aspecto crítico do sucesso da análise grafista é essa resposta lenta aos fatores fundamentalistas de oferta e demanda, pré-requisito diametralmente oposto à noção de eficiência de mercado, onde esse ajuste de preço é instantâneo.

A forma semiforte da HEM afirma que todas as informações publicamente disponíveis estão refletidas no preço. Essas informações incluem dados fundamentalistas como linhas de produtos, qualidade dos executivos, informações contábeis, patentes e projeções de lucro, além dos dados de negociação passada. Essa forma engloba a forma fraca, mas tem implicações para a análise fundamentalista. Prevê que todos os gastos com informação estão fadados ao fracasso na tarefa de encontrar títulos mal precificados.

A forma forte da HEM afirma que os preços das ações refletem todas as informações disponíveis, tanto públicas como confidenciais. Essa é uma versão extrema da Teoria.

Este trabalho investiga se existe previsibilidade em retornos passados de ações brasileiras. Isso é equivalente a testar se existem padrões recorrentes no comportamento de compra e venda de títulos que não foram explorados conforme previsto pela Hipótese de Eficiência de Mercado na forma fraca.

Na literatura de finanças mais recente existem diversos casos em que se comprovam retornos econômicos significativos que utilizam estratégias de investimento baseadas em comportamento de preços passados. Há evidências de correlações significativas entre retornos atuais e retornos passados, e as anomalias mais famosas que resultam em ganhos significativos são momento contrário e estratégia contrária. Uma das possíveis explicações para a persistência de algumas tendências no comportamento de investidores é a de que estes não reajam de maneira completamente racional a novas informações, e sim de acordo com alguns padrões previstos pela psicologia behaviorista.

O restante desse artigo está estruturado da seguinte maneira: a segunda seção apresenta uma revisão bibliográfica, descrevendo alguns trabalhos que pesquisam anomalias no mercado americano e brasileiro; a terceira seção descreve a metodologia adotada para testar a previsibilidade em séries de retornos históricos no mercado brasileiro e apresenta os resultados obtidos; finalmente, a quarta seção enumera as conclusões do trabalho.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Os primeiros estudos para testar a eficiência do mercado americano sustentavam a hipótese de eficiência de mercado na forma fraca, como o de Fama (1970), por exemplo. Entretanto, estudos mais recentes mostraram evidências contrárias ao random walk. Fama e French (1988) encontraram correlação serial negativa em retornos de mercados em intervalos de três a cinco anos, e Lo e MacKinley (1988) encontraram correlação serial positiva em retornos semanais. Embora as correlações seriais sejam evidências de que é possível, até certo grau, prever retornos de ações, não está claro que isso produza resultados econômicos significativos capazes de invalidar A Hipótese de Eficiência de Mercado na forma fraca.

No caso de retornos individuais de ações, também foram estudadas evidências contrárias ao modelo random walk. French e Roll (1986) documentaram correlação serial negativa em retornos diários, mas que não eram suficientemente grandes para permitir ganhos econômicos significantes. Lo e MacKinley (1988) investigaram retornos semanais, e concluíram que as correlações seriais eram tanto estatística quanto economicamente insignificantes. Os autores sugeriram que os riscos idiossincráticos dificultavam a detecção de componentes previsíveis.

Jegadeesh (1990) investigou retornos mensais individuais, identificando correlações seriais negativas de primeira ordem e correlações seriais positivas de ordens mais elevadas, particularmente em uma defasagem de doze meses. Além disso, estimou mensalmente modelos de previsão de retornos com base em retornos passados e utilizou-os para prever os retornos dos ativos no mês t. O autor ordenou mensalmente os ativos por retornos previstos em ordem decrescente. Com base nessa ordem, alocou as ações mensalmente em dez carteiras, sendo a carteira P1 a de maior retorno previsto, e a P10 a de pior retorno previsto. Os resultados de Jegadeesh evidenciaram ganhos econômicos significativos. As carteiras de maior retorno (P1 a P5) apresentaram resultados significativamente acima do equilíbrio de mercado previsto pelo CAPM (Capital Asset Pricing Model ou Modelo de Precificação de Ativos), e as carteiras de pior retorno (P7 a P10) apresentaram desempenho significativamente inferior ao de tal equilíbrio.

Na literatura contemporânea da área de finanças discute-se muito dois tipos de estratégias de investimento com base em retornos passados: momento contrário e estratégia contrária. Se denominarmos vencedoras as ações que tiveram o maior retorno em um período passado, e perdedoras as ações que tiveram o pior desempenho passado, podemos definir momento como uma estratégia de investimento que consiste em comprar ações vencedoras e vender ações perdedoras, e a estratégia contrária em comprar as ações perdedoras e vender as ações ganhadoras.

Os estudos sobre o assunto concluem que a estratégia de momento resulta em ganhos significativos em médio prazo, particularmente em períodos de três a doze meses. Já a estratégia contrária resulta em ganhos significativos em longo prazo, particularmente em períodos de três a cinco anos.

De Bondt e Thaler (1985 e 1987) concluíram que, em um horizonte de investimento de três a cinco anos, carteiras que apresentaram desempenho fraco nos três a cinco anos anteriores à sua formação passaram a apresentar desempenho superior ao das que haviam tido o melhor desempenho passado. Os autores interpretaram esses retornos anormais como ajustes do tipo reação em excesso do investidor.

O termo reação em excesso carrega implicitamente uma comparação com uma reação que seria considerada apropriada. Nesse contexto, em problemas nos quais as probabilidades são revistas, a regra bayesiana prescreve uma reação correta às novas informações. Entretanto, de acordo com estudos de Kahneman e Tversky (1982), a regra bayesiana não é adequada para ilustrar como os indivíduos realmente reagem a novas informações. Ao rever suas crenças, os indivíduos tendem a dar peso maior a informações mais recentes, e peso menor a informações mais antigas. Como observou Keynes (1964), as flutuações diárias nos lucros dos investimentos existentes, que obviamente são fenômenos efêmeros e insignificantes, tendem a ter conjuntamente uma influência excessiva e mesmo absurda no mercado.

A literatura de eficiência de mercado também concentra sua atenção em estratégias de momento. De acordo com essa visão, ações que tiveram bons desempenhos no passado continuarão a ter bons desempenhos em períodos futuros, e ações que tiveram desempenho ruim continuarão a apresentar maus retornos em períodos posteriores. A grande maioria dos fundos analisados por Grinblatt e Titman (1989, 1991) mostrava uma tendência de comprar ações que haviam tido aumento de preço significativo nos trimestres anteriores. The Value Line Investment Survey, uma instituição de prestação de serviço para investidores, faz rankings de títulos de investimento e adota a graduação de 1 (melhor compra) a 5 (venda). Os rankings são baseados nos lucros e no desempenho de preços relativos entre os títulos, no momento de preço, no momento de lucros trimestrais e em medidas de lucros não-antecipados no último trimestre. Black (1973) e Copeland e Mayers (1982) mostraram que os rankings da Value Line têm um grande poder preditivo, sugerindo que comprar títulos vencedores e vender perdedores pode trazer retornos anormais significativos.

Jegadeesh e Titman (1993 e 1999) também mostraram que comprar títulos vencedores e vender perdedores traz retornos anormais significativos, e que o modo de obter melhores retornos é formar carteiras com base no desempenho passado nos seis últimos meses e manter essas carteiras por mais seis meses.

A comprovação da existência de ganhos econômicos com as estratégias de momento e contrária é um dos enigmas atuais em finanças. A literatura geralmente utiliza razões behavioristas para explicá-los. Jegadeesh e Titman (1993) levantam a hipótese de que a existência de momentos iniciais pode ser ocasionada pela reação tardia de investidores a informações. Hong e Stein (1999) formularam uma teoria em que o mundo é dividido entre observadores de notícias e traders de momento. Os observadores de notícia fazem previsões baseadas nos sinais que eles observam privadamente sobre os fundamentos futuros, mas ignoram preços passados e correntes. Os traders de momento condicionam seus investimentos unicamente a alterações de preços no passado, ignorando outro tipo de informação. As informações privadas são difundidas gradualmente entre o conjunto de observadores de notícias.

Quando apenas eles estão ativos, os preços se ajustam vagarosamente às novas informações. Existe apenas reação retardada, e nunca reação em excesso. Em um segundo cenário, quando os traders de momento ficam ativos, eles arbitram todas as reações retardadas causadas pelos observadores de notícias. Ao agirem, os traders de momento geram novos aumentos de preços, que por sua vez ativam mais traders de momento, até o ponto em que aqueles que entraram por último no mercado passam a perder dinheiro - visto que compraram ações num momento em que o preço estava acima do equilíbrio.

Também foram encontradas evidências contrárias ao random walk no mercado brasileiro. Costa Jr. (1994) testou se existe reação tardia no mercado brasileiro. O autor analisou dados de retornos mensais de 121 ações negociadas na Bovespa durante o período de janeiro de 1970 a dezembro de 1989. Utilizou a metodologia de formar carteiras com base nos retornos acumulados anormais dos dois anos anteriores, comprovando que existe efeito de reação tardia no mercado brasileiro. Porém, diferentemente do caso americano, o efeito é simétrico para as carteiras formadas com base nos maiores retornos acumulados e para as carteiras formadas com base nos piores retornos acumulados.

Leal e Varanda (2000) testaram o desempenho de estratégias grafistas de interseção de médias móveis utilizando bootstrap, concluindo que existe algum poder preditivo nesse tipo de estratégia, mas que o resultado não tem a significância estatística confirmada. Salientaram que o estudo partiu do pressuposto de que o modelo de geração de retornos é um random walk, e que se essa hipótese fosse relaxada, a significância do resultado poderia ser alterada. Correa (1998) concluiu que ativos financeiros brasileiros podem apresentar previsibilidade não-linear, embora não tenha verificado se essa previsibilidade é capaz de gerar ganhos econômicos superiores ao custo de transação.

DESCRIÇÃO DO EXPERIMENTO

A metodologia utilizada neste trabalho para testar a HEM em sua forma fraca foi verificar se uma estratégia de negociação baseada em preços passados resultaria em ganhos econômicos significativos acima do mercado. É uma maneira indireta de testar se os preços das ações se comportam de acordo com o random walk. Se a correlação entre retornos passados e futuros é zero, tal estratégia não poderia resultar em ganhos consistentemente superiores ao mercado.

Banco de dados

Foram coletados preços de fechamento mensais de 649 ações, ajustados por proventos, entre setembro de 1994 e agosto de 2000. Foram utilizados dois bancos de dados: Economática e Bloomberg. Os dados da Bloomberg permitiram incluir séries de preços de ações que não eram mais negociadas em agosto de 2000, mas que foram representativas em anos anteriores. Na época da coleta, o banco de dados da Economática excluía essas ações, mas atualmente é possível encontrar dados de títulos que deixaram de ser negociados.

A partir das séries históricas de preços de fechamento mensais, foram estimadas as séries de retornos mensais por meio da seguinte relação:

Ri,t = (Pi,t/Pi,t-1)-1 (1)

Na qual:

Ri,t = retorno mensal do ativo i no mês t

Pi,t = preço de fechamento mensal do ativo i no mês t

Pi,t-1 = preço de fechamento mensal do ativo i no mês t-1.

Modelagem

A metodologia adotada foi análoga à de Jegadeesh (1990). Definiu-se uma equação de previsão de retornos para cada um dos 58 meses entre outubro de 1995 e julho de 2000, na qual a variável dependente era o retorno do mês t do conjunto de ações observadas neste mês, e as variáveis independentes os retornos do mês t-1 a t-12 deste mesmo conjunto de ações. As ações que não apresentavam cotações nos doze meses anteriores foram eliminadas da amostra. A expressão a seguir apresenta formalmente as regressões cross-sections utilizadas como modelos de previsão de retornos:

Na qual:

it = retorno da ação i no mês t

Rit-j = retorno da ação i no mês t-j

ajt = coeficientes, estimados pelo modelo de regressão (2), utilizando-se dados dos ativos i durante os períodos de t-12 a t-1.

Em cada um dos meses foi observada a significância dos coeficientes das variáveis independentes através da estatística t. A tabela 1 contém um resumo desta análise, apresentando o percentual das 58 regressões cross-sections no qual o coeficiente aj,t foi significativo a 5%. Nota-se que a defasagem de um mês foi a que apresentou maior percentual de coeficientes significativos. Em 41,38% das 58 regressões cross-sections o coeficiente a1,t foi significantemente negativo.

A equação de previsão de retorno do mês t foi utilizada para prever o retorno das ações no mês t+1. Em seguida, em todos os meses as ações foram classificadas em ordem decrescente por retorno previsto e alocadas em dez carteiras sem ponderação de retorno, de acordo com a ordem na classificação. A carteira C1 foi composta pelas ações que tiveram o maior retorno previsto, a carteira C2 pelo grupo de ações pertencentes ao segundo decil e assim por diante, até que finalmente a carteira C10 foi composta pelas ações com os retornos previstos mais baixos do ranking. Uma vez decidida a composição mensal de cada uma das dez carteiras, observou-se seu retorno realizado.

O número de ações nos 58 meses observados nem sempre era divisível por 10. As ações foram divididas em 10 carteiras de igual número de ativos e a sobra, que correspondia às ações de pior retorno previsto, quando existente, foi desprezada.

Embora não apresentados neste trabalho, os testes também foram aplicados para a carteira C10 incorporando todos os ativos de pior retorno, inclusive a sobra. Neste procedimento, em diversos dos 58 meses a carteira C10 possuía mais ações que as demais carteiras. Os resultados foram muito semelhantes ao do procedimento de 10 carteiras com o mesmo número de ativos no mês t.

O retorno mensal de cada uma das carteiras foi determinado pela seguinte equação:

Na qual:

RCn,t = retorno da carteira n no mês t

Ri,t = retorno da ação i pertencente à carteira n

Nt = número de ativos alocados à carteira n no mês t, sendo que Nt é igual para todas as carteiras Cn no mês t.

A normalidade dos retornos das dez carteiras não foi rejeitada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov.

Para comparar os desempenhos de cada carteira com o equilíbrio de mercado definido pelo CAPM, foram determinadas as linhas características de cada uma das carteiras, de acordo com a seguinte equação (4):

Rct - Rft = ap + bc (Rmt - Rft) + upt (4)

Na qual:

Rct = retorno da carteira c no mês t

Rft = retorno do ativo livre de risco no mês t, tendo sido utilizada como benchmark a caderneta de poupança

ap = intercepto da regressão para a carteira c

bc = coeficiente da regressão, que mede o risco sistemático da carteira c em relação à carteira de mercado

Rmt = retorno da carteira de mercado, tendo sido utilizados três benchmarks: Ibovespa, IBX e índice de mercado sem ponderação, composto pelas ações da amostra (Ewindex)

uCt = resíduo da regressão, que corresponde ao risco específico da carteira c.

De acordo com o CAPM, o retorno esperado da carteira C deveria ser descrito pela SML (Security Market Line ou Linha de Mercados de Títulos):

E(rC) = rf + bC*(E(rm)-rf) (5)

Na qual:

E(rC) = expectativa de retorno da carteira C

rf = retorno do ativo livre de risco

bC = coeficiente beta da carteira C, que corresponde à medida de risco sistemático

(E(rm)-rf) = prêmio pelo risco de mercado, que representa a expectativa média dos investidores sobre quanto o retorno da carteira de mercado deve exceder o retorno do ativo livre de risco.

Comparando a equação (4) com a equação (5) e assumindo que o índice de mercado utilizado na linha característica representa bem a carteira de mercado teórica do CAPM, esperar-se-ia que, se o mercado estivesse em equilíbrio, o intercepto aP da linha característica (4) não fosse significativamente diferente de zero.

Esta medida de a é conhecida por security selection, sendo bastante utilizada em desempenho de fundos. Se for estatisticamente positiva, indica que a carteira teve um desempenho acima do equilíbrio de mercado previsto pelo CAPM, e que o gestor foi hábil em encontrar títulos mal avaliados. Se for estatisticamente negativa, indica que a carteira teve um desempenho inferior ao equilíbrio de mercado.

A tabela 2 contém os interceptos aP das linhas características das dez carteiras, considerando-se três diferentes proxys para a carteira de mercado: Ibovespa, IBX e índice de mercado sem ponderação, composto por todas as ações da amostra. Nota-se que a carteira composta pelas ações que tiveram a maior previsão de retorno apresentou os maiores interceptos nas linhas características. Estes se mostraram significativos a 5% para o índice de mercado sem ponderação e para o IBX, mas significativos apenas a 10% para o Ibovespa. A carteira composta pelas ações com previsão de pior retorno apresentou os menores interceptos, negativos e significativos a 5% para os três índices utilizados.

O Gráfico 1 ilustra a relação que existe entre alfa e o posto das carteiras por retornos previstos, no qual C1 é a carteira com os maiores retornos previstos. Percebe-se que existe uma relação direta entre posição no ranking de retorno previsto e intercepto. Quanto maior o retorno previsto, maior o intercepto.


Impacto da corretagem

Os resultados apresentados na tabela 2 e na figura 1 foram obtidos com retornos brutos, que ignoram o custo de corretagem. Entretanto, para rebalancear mensalmente as carteiras de acordo com as novas previsões, alterou-se em média 80% das ações em cada uma das carteiras a cada mês, incorrendo em custos de corretagem significativos na venda e na compra de ações. Para verificar se os custos de corretagem explicariam a anomalia encontrada, foram estimadas e analisadas séries de retornos líquidos para as carteiras. A metodologia para estimar os custos de corretagem é de autoria própria e descrita a seguir.

Geralmente as tabelas de corretagem divulgadas por home brokers1 1 As corretagens cobradas pelos home brokers são divulgadas em seus sites. O site da Bovespa, www.bovespa.com.br, dá acesso a sites de diversos home brokers. apresentam uma parcela fixa e uma parcela variável. Para grandes investidores, a parcela fixa é insignificante, e muitas vezes não é cobrada. Neste trabalho considerou-se que a taxa de corretagem é totalmente variável.

Investidores que operam grandes volumes têm despesas de corretagem bastante inferiores a pequenos investidores. Por esse motivo, para verificar o impacto da corretagem na significância do alfa da carteira de maior retorno previsto, foram testados três níveis de corretagem: 0,035% (emolumentos); 0,1% (menor nível de corretagem cobrado por home brokers, incluindo emolumentos), e 0,5%.

A cada mês uma parcela das ações da carteira é vendida, gerando custo de corretagem. Como parte da carteira é mantida, a corretagem efetivamente paga na venda corresponde à parcela de ações vendidas multiplicada pelo nível de corretagem. A parcela das ações vendidas na carteira corresponde ao número de ações vendidas em relação ao número total de ações antes da ocorrência das vendas, ou seja, o número de ações existentes no final do mês anterior ao das vendas. Desta maneira, deduz-se a seguinte fórmula para estimar o custo percentual de corretagem pago na venda de ações:

Na qual:

corretagemv,c,t = corretagem efetiva em termos percentuais a ser paga na venda das ações da carteira c no mês t

nvendas c,t = número de ações vendidas na carteira c no mês t

nt-1 = número de ações existentes na carteira c ao final do mês t-1.

A cada mês novas ações são compradas e adicionadas à carteira, gerando despesas de corretagem. Como parte das ações já existia no mês anterior, apenas a parcela da carteira que foi renovada gera despesas de corretagem. A parcela de novas ações da carteira corresponde ao número de ações compradas em relação ao número total de ações na carteira após a compra de ações, ou seja, ao número de ações existentes ao final do mês em que ocorreu a compra. Desta maneira, a corretagem efetivamente paga na compra corresponde à parcela de ações compradas multiplicada pelo nível de corretagem, que pode ser estimada pela equação abaixo:

Na qual:

corretagemb,c,t = corretagem efetiva em termos percentuais a ser paga na compra das ações da carteira c no mês t

ncompras c,t = número de ações compradas na carteira c no mês t

nt = número de ações existentes na carteira c no final do mês t

nível = nível da corretagem cobrada, podendo ser de 0,035%, 0,1% e 0,5%.

A corretagem efetiva em termos percentuais que incide na carteira devido ao rebalanceamento corresponde à soma da corretagem efetiva de venda e da corretagem efetiva de compra, e pode ser estimada por (8):

Na qual:

corretagemc,t = corretagem efetiva em termos percentuais a ser paga no rebalanceamento da carteira c no mês t

Os retornos líquidos mensais foram estimados como sendo a diferença entre o retorno bruto e a corretagem efetivamente paga em termos percentuais:

Rlíquido,c,t = Rc,t- corretagemc,t· (9)

Em que:

Rlíquido,c,t = retorno líquido da carteira c no mês t

Rc,t = retorno bruto da carteira c no mês t.

A Tabela 3 contém os alfas e as respectivas estatísticas t das dez carteiras, considerando-se o retorno líquido das despesas de emolumentos (0,035%). O Gráfico 2 ilustra a relação entre alfa e o posto das carteiras por retornos previstos, considerando o impacto da cobrança de emolumentos. Observa-se que a carteira de maior retorno previsto continua a apresentar alfas significantes em relação ao índice de mercado sem ponderação e ao IBX, e que a relação entre o posto da carteira e a magnitude do alfa é mantida.


A tabela 4 contém os alfas da carteira de maior retorno previsto e a estatística t, considerando diferentes níveis de corretagem e diferentes benchmarks. Observa-se que para o nível de corretagem de 0,1% apenas o alfa em relação ao índice de mercado sem ponderação é significativo a 5%, e que a 0,5% nenhum dos alfas é significativo a 5%.

Por meio deste estudo pode-se concluir que essa anomalia é economicamente viável apenas para grandes investidores, que operam grandes volumes e por isso têm baixas despesas de corretagem.

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos são consistentes com os de Jagadeesh (1990) para o mercado americano, e evidenciam que existe alguma previsibilidade em dados de preços passados no mercado brasileiro - o que é contrário à tese do random walk. No período analisado, grandes investidores conseguiram obter ganhos significativamente superiores ao equilíbrio de mercado medido pelo IBX e por um índice de mercado sem ponderação utilizando estratégias que compram e vendem ações com base em seu desempenho passado, mesmo considerando o impacto da corretagem.

Tal significância não é confirmada no caso do Ibovespa quando se consideram custos de corretagem. Mesmo assim, identificou-se a mesma tendência encontrada no caso do IBX e índice de mercado sem ponderação: à medida que o retorno previsto da carteira diminui, o alfa diminui. Como nenhum dos índices estudados é a carteira teórica de mercado, na qual está baseado o equilíbrio de CAPM, é possível existirem outros índices de mercado nos quais esta anomalia não é comprovada.

Diversos estudos, como o de Fama e French (1992), identificaram outros fatores que explicam retornos e não estão incorporados à carteira de mercado. Pode-se citar o porte da empresa, a razão entre valor contábil do patrimônio líquido e valor de mercado do patrimônio líquido e a razão preço-lucro. Entretanto, não é consenso na literatura acadêmica se esses fatores correspondem realmente a características de risco ou anomalias; portanto, não se pode concluir se o equilíbrio previsto pelo CAPM deveria ser descartado em prol de um modelo multifatorial. Neste trabalho, o equilíbrio considerado foi o do CAPM, e não foi testado nenhum modelo multifatorial de equilíbrio. A utilização de um modelo de múltiplos fatores de risco poderia alterar o resultado encontrado.

Mesmo com as críticas acima, os resultados obtidos neste estudo indicam algumas evidências contrárias ao random walk. Levam a crer que as premissas que sustentam as técnicas grafistas não podem ser refutadas de maneira tão enfática quanto eram pelos primeiros estudos de eficiência de mercado.

Uma possível explicação para a evidência de previsibilidade detectada são razões behavioristas. Como os investidores não reagem de maneira completamente racional a novas informações, algumas tendências existentes em séries passadas de preços persistem, pois não são largamente exploradas de maneira racional e, portanto, não desaparecem. Bodie, Kane e Markus (2002) resumem algumas irracionalidades e anomalias dos trabalhos de De Bondt e Thaler (1995):

Erros de previsão: relacionam-se com o fenômeno de reação em excesso, em que o investidor, ao rever suas expectativas, dá um peso muito grande às informações mais recentes em relação à importância dada às crenças anteriores. Essa é uma das possíveis explicações para que estratégias contrárias sejam bem-sucedidas em longo prazo.

Excesso de confiança: as pessoas tendem a subestimar a imprecisão de suas previsões e a superestimar suas habilidades. Em uma pesquisa realizada na Suécia, 90% dos motoristas classificaram-se como mais hábeis que a média. Essa é uma possível explicação para que 90% das carteiras de ações americanas tenham gestão ativa.

Necessidade de evitar o arrependimento: os psicólogos descobriram que os tomadores de decisão culpam-se muito mais quando as decisões se mostram ruins quando elas não são convencionais. Por exemplo: a experiência de retornos negativos de uma carteira de blue-chips não é tão dolorosa como a de perdas de uma carteira de ações mais desconhecidas. Essa é uma possível explicação para o efeito tamanho - empresas menores requerem mais "coragem" por parte dos investidores, que por sua vez exigem um prêmio extra para investir.

Modelagem e raciocínio mental: as decisões parecem ser afetadas pela maneira como as alternativas são modeladas. Um indivíduo rejeita uma aposta se ela for explicitada em termos de perdas possíveis, mas a aceita se ela for descrita em termos de ganhos potenciais. Isso explicaria por que alguns investidores preferem ações com dividend yields maiores, pois se sentem confortáveis para gastar os ganhos de dividendos e tendem a mantê-las por muito tempo na carteira mesmo que estejam sendo um investimento ruim em termos de retornos totais, pois relutam em realizar prejuízos.

Artigo recebido em 03.12.2002. Aprovado em 21.01.2004.

Andrea Maria Accioly Fonseca Minardi

Doutora em Administração de Empresas pela FGV-EAESP com especialidade em Administração Contábil Financeira.

Interesses de pesquisa: eficiência de mercado, desempenho de fundos, opções reais, risco de crédito

E-mail: minardi@ibmec.br

Endereço: Rua Maestro Cardim, 1170 - Paraíso - São Paulo - SP,01323-001.

  • BLACK, F. Yes, Virginia, There is hope: test of the value line ranking system. Financial Analyst Journal, p. 10-14, set./out. 1973.
  • DE BONDT, W. F. M.; THALER, R. Financial Decision maker in markets and firms. In: JARROW, R. A.; MAKSIMOVIC, V.; ZIEMBA, W. T. (Orgs.). Handbooks in operations research and management science, v. 9, North Holland: Elsevier, 1995.
  • DE BONDT, W. F. M. Does the stock market overreact? Journal of Finance, n. 40, p. 793-805, jul. 1985.
  • DE BONDT, W. F. M. Further evidence of investor overreaction and stock market seasonality. Journal of Finance, n. 42, n. 3, p. 557-581, 1987.
  • COPELAND, T.; MAYERS, D. The value line enigma (1965-1978): a case study of performance evaluation issues. Journal of Financial Economics, v. 10, n. 3, p. 289-321, 1982.
  • CORREA, M. M. R. memória longa, agrupamento de valores extremos e assimetrias em séries financeiras. 1988. Tese (Mestrado em Finanças) - Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo, São Paulo. Disponível para download em www.risktech.com.br
  • COSTA JR., N. C. A. Sobre-reação em longo prazo no mercado brasileiro de ações. In: COSTA JR., N. C. A.; LEAL, R. P. C.; LEMGRUBER, E. F. Mercado de capitais - análise empírica no Brasil São Paulo: Atlas, 2000.
  • FAMA, E. F. Efficient capital markets: a review of theory and empirical work. Journal of Finance, v. 25, n. 2, p.383-417, 1970.
  • FAMA, E. F.; FRENCH, K. R. Permanent and temporary components of stock prices. Journal of Political Economy, v. 98, p. 247-273, 1988.
  • FAMA, E. F.; The cross-section of expected stock returns. Journal of Finance, v. 47, n. 2, p. 427-465, 1992.
  • FRENCH, K. R; ROLL, R. Stock return variances: the arrival of information and reaction of traders. Journal of Financial Economics, v. 17, n. 1, p. 5-26, 1986.
  • GRINBLATT, M.; TITMAN, S. Mutual fund performance: an analysis of quaterly portfolio holdings. Journal of Business, v. 62, p. 394-415, 1989.
  • GRINBLATT, M. Performance measurement without benchmarks: an examination of mutual fund returns. Working paper, University of California at Los Angeles, 1991.
  • HONG, H.; STEIN, J. C. A unified theory of underreaction, momentum trading, and overreaction in asset markets. Journal of Finance, v. 54, p. 2143-2185, 1999.
  • JEGADEESH, N. Evidence of predictable behavior of security returns. Journal of Finance, v. 45, p. 881-899, 1990.
  • JEGADEESH, N.; TITMAN, S. Returns to buying winners and selling losers: implications for stock market efficiency. Journal of Finance, v. 48, n. 1, p. 65-91, 1993.
  • JEGADEESH, N. Profitability of momentum strategies: an evaluation of alternative explanations. Working paper 7159, National Bureau of Economic Research, 1999.
  • KAHNEMAN, D.; TVERSKY, A. Intuitive prediction: biases and corrective procedures. In: D. KAHNEMAN, P. Slovic; A. TVERSKY. Judgment under uncertainty: heuristics and biases. London: Cambridge University Press, 1982.
  • KEYNES, J. M. The general theory of employment, interest and money. London: Harcourt Brace Jovanovich, 1964.
  • LEAL, R. P. C.; VARANDA, A. J. Desempenho de estratégias grafistas de interseção de médias móveis através de simulação bootstrap In: COSTA JR., N. C. A; LEAL, R. P. C.; LEMGRUBER, E. F. Mercado de capitais - análise empírica no Brasil São Paulo: Atlas, 2000.
  • LO, A. W.; MACKINLEY, A. C. Stock market prices do not follow random walks: evidence from a simple specification test. Review of Financial Studies, v. 1, p. 41-66, 1988.
  • 1
    As corretagens cobradas pelos
    home brokers são divulgadas em seus sites. O site da Bovespa,
    www.bovespa.com.br, dá acesso a sites de diversos
    home brokers.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Recebido
      03 Dez 2002
    • Aceito
      21 Jan 2004
    Fundação Getulio Vargas/Escola de Administração de Empresas de São Paulo Av. 9 de Julho, 2029 - Bela Vista, 01313-902 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: +55 11 3799-7999, Fax: +55 11 3262-3975 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rae@fgv.br