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RELAÇÕES ENTRE DESEMPENHO, BEM-ESTAR NO TRABALHO, JUSTIÇA E SUPORTE ORGANIZACIONAL: UMA PERSPECTIVA MULTINÍVEL

RESUMO

Objetivo:

Esta pesquisa foi baseada na hipótese do "trabalhador feliz, produtivo". O objetivo foi analisar as relações preditivas, por meio de abordagem multinível, entre as variáveis bem-estar no trabalho, justiça organizacional e suporte organizacional e a variável critério desempenho individual no trabalho.

Originalidade/valor:

O estudo multinível do desempenho no trabalho e suas relações com bem-estar e variáveis organizacionais ainda são uma lacuna atual na literatura, assim como a possibilidade de testar se o bem-estar no trabalho pode ser considerado um fenômeno coletivo. A presença do suporte organizacional no modelo, operacionalizado em nível de equipe, representa uma importante contribuição, assim como para o desenvolvimento de teorias voltadas para o papel das equipes nas organizações, especialmente seu impacto nas variáveis organizacionais.

Design/metodologia/abordagem:

Considerando a análise proposta em dois níveis diferentes, adotou-se um modelo multinível. A amostra final foi composta por 730 indivíduos e 32 unidades. Coletaram-se os dados por meio de questionário composto por quatro escalas previamente validadas. A análise dos dados seguiu as seis etapas propostas por Hox, Moerbeek e Schoot (2017) para modelos multiníveis para cada uma das amostras.

Resultados:

O modelo explicativo apresentou uma relação preditiva entre realização (fator de bem-estar no trabalho), operacionalizada como variável de nível individual, e desempenho individual do trabalho; relação preditiva entre justiça interacional, também operacionalizada como variável individual, e desempenho individual do trabalho; e relação preditiva entre as percepções coletivas de suporte organizacional, operacionalizada como variável de nível de equipe, e desempenho individual do trabalho.

PALAVRAS-CHAVE:
Percepções coletivas; Desempenho individual no trabalho; Bem-estar no trabalho; Justiça organizacional; Suporte organizacional

ABSTRACT

Purpose:

This research was based on the "happy, productive worker" hypothesis. The objective was to analyze the predictive relationships, through a multilevel approach, between the variables well-being at work, organizational justice, organizational support, and the dependent variable individual job performance.

Originality/value:

The multilevel study of individual job performance and its relations with well-being and organizational variables are still a current gap in the literature, as well as the possibility of testing whether well-being at work can be considered a collective phenomenon. The presence of organizational support in the model, operationalized at the team level, represents an important contribution to the development of theories focused on teams' roles in organizations, especially their impact on organizational variables.

Design/methodology/approach:

Considering the proposed analysis at two different levels, a multilevel design model was adopted. The final sample consisted of 730 individuals and 32 units. The data were collected through a questionnaire composed of four previously validated scales. Data analysis followed the six steps proposed by Hox, Moerbeek, and Schoot (2017) for multilevel models for each of the samples.

Findings:

The explanatory model presented a predictive relationship between achievement (well-being at work factor), operationalized as an individual-level variable, and individual job performance; a predictive relationship between interactional justice, also operationalized as an individual-level variable, and individual job performance, and a predictive relationship between collective perceptions of organizational support, operationalized as a team-level variable, and individual job performance.

KEYWORDS:
Collective perceptions; Individual job performance; Well-being at work; Organizational justice; Organizational support

1. INTRODUÇÃO

A hipótese do "trabalhador feliz, produtivo" tem sido extensivamente estudada, e a busca de possíveis relações entre esses fenômenos é vista como o "Santo Graal" das pesquisas em comportamento organizacional. Embora seja uma questão antiga, as interfaces entre desempenho no trabalho e felicidade ainda representam uma lacuna na literatura e permanecem relevantes e desafiadoras na gestão de pessoas (Guerci, Hauff, & Gilardi, 2019Guerci, M., Hauff, S., & Gilardi, S. (2019). High performance work practices and their associations with health, happiness and relational well-being: Are there any tradeoffs? The International Journal of Human Resource Management, 1-31.; Hauff, Guerci, & Gilardi, 2020; Warr & Nielsen, 2018Warr, P., & Nielsen, K. (2018). Wellbeing and work performance. In E. Diener, S. Oishi, & L. Tay (Eds.), Handbook of well-being. Salt Lake City, UT: DEF. ). Satisfação no trabalho é uma das variáveis mais utilizadas para discutir essa relação. Apesar de seu apelo emocional, as medidas de satisfação no trabalho geralmente não abordam emoções e humores, pedindo apenas que os indivíduos avaliem sua satisfação com o salário e as condições de trabalho, por exemplo. Contudo, estudos sugerem que emoções e humores no trabalho, contemplados em medidas de afeto, consistem na dimensão central do bem-estar e são mais fortemente relacionados a desempenho (Demo & Paschoal, 2016Demo, G., & Paschoal, T. (2016). Well-being at work scale: Exploratory and confirmatory validation in the USA. Paidéia, 26(63), 35-43.; Warr & Nielsen, 2018Warr, P., & Nielsen, K. (2018). Wellbeing and work performance. In E. Diener, S. Oishi, & L. Tay (Eds.), Handbook of well-being. Salt Lake City, UT: DEF. ).

Outra lacuna nos estudos sobre a relação entre felicidade e produtivi dade diz respeito ao nível de análise exclusivamente individual. Existem poucos estudos no nível de grupo, como concluíram Peñalver, Salanova, Martínez e Schaufeli (2019)Peñalver, J., Salanova, M., Martínez, I. M., & Schaufeli, W. B. (2019). Happy-productive groups: How positive affect links to performance through social resources. The Journal of Positive Psychology, 14(3), 377-392.. Os autores explicaram que os grupos felizes são aqueles que compartilham emoções positivas coletivamente e propõem um modelo psicossocial no qual esses grupos, além de felizes, também são mais produtivos porque têm melhor desempenho no trabalho. No entanto, é importante ressaltar que essa relação nem sempre é verdadeira, pois, para um grupo ser feliz e produtivo ao mesmo tempo, outras variáveis podem estar imersas nesse processo, um exemplo disso seriam os recursos sociais (trabalho em equipe, coordenação, coesão, ambiente de equipe de apoio), que produziriam um efeito mediador na relação de um grupo feliz e mais produtivo.

Do ponto de vista organizacional, sobre antecedentes do desempenho do trabalho, os estudos tratam de fatores de trabalho e abordagens motivacionais ou focadas em sistemas de recompensa e justiça percebida. Nesse sentido, a experiência da injustiça, por exemplo, afeta não só o indivíduo como membro de um grupo social, mas também os outros membros desse grupo (De Dreu & Nauta, 2009De Dreu, C. K. W., & Nauta, A. (2009). Self-interest and other-orientation in organizational behavior: Implications for job performance, prosocial behavior, and personal initiative. Journal of Applied Psychology, 94, 913-926.). A maioria dos fatores de contexto relacionados a essa perspectiva (necessidade de informação, estressores, problemas técnicos e suplementos) é contemplada no constructo suporte organizacional (Eisenberger, Huntington, Hutchison, & Sowa, 1986Eisenberger, R., Huntington, R., Hutchison, S., & Sowa, D. (1986). Perceived organizational support. Journal of Applied Psychology, 71(3), 500-507.). Assim, as variáveis contextuais investigadas neste estudo foram suporte organizacional e justiça organizacional.

Considerando as lacunas na relação entre bem-estar no trabalho e desempenho no trabalho, e a escassez de estudos multiníveis para explicar o de- sempenho do trabalho e a importância das variáveis organizacionais, foi adotado um modelo multinível para este estudo, pois, segundo Puente-Palacios e Laros (2009)Puente-Palacios, K. E., & Laros, J. A. (2009). Análise multinível: Contribuições para estudos sobre efeito do contexto social no comportamento individual. Estudos de Psicologia, 26(3), 349-361., a compreensão de um determinado fenômeno implica o reconhecimento da existência de elementos explicativos provenientes de diferentes níveis. Assim, este estudo parte da premissa de que membros de uma equipe apresentam comportamento semelhante, ou seja, que há uma homogeneidade intragrupo. Por sua vez, supõe-se também que as equipes e/ou setores apresentam comportamentos diferentes entre si, dadas as peculiaridades das atividades e a rotina de cada um, sendo verificada, portanto, uma heterogeneidade intergrupo. A consideração dessa proposição possibilitará uma interpretação mais precisa dos resultados das relações propostas e contribuirá para o desenvolvimento de pesquisas que abordam o nível de grupo.

Portanto, com base no efeito Hawthorne (Mayo, 1933Mayo, E. (1933). The human problems of an industrial civilization. New York: The Macmillan Company.) e na hipótese de "trabalhador feliz, produtivo", o objetivo desta pesquisa é analisar as relações preditivas, por meio de abordagem multinível, entre as variáveis bem-estar no trabalho, justiça organizacional e suporte organizacional e a variável critério desempenho individual no trabalho. Este estudo buscou oferecer novas contribuições teóricas e práticas para esse fenômeno. Também contribuiu para a identificação de variáveis explicativas em nível de equipe e para a adoção de modelagem multinível em sua análise, visando compreender de forma mais integrada e abrangente a natureza do desempenho individual do trabalho.

2. REFERENCIAL TEÓRICO E HIPÓTESES DE PESQUISA

Com base nos objetivos propostos e na revisão de literatura, hipóteses foram traçadas para cada relação entre variáveis prevista nos objetivos.

2.1 Bem-estar no trabalho e desempenho individual do trabalho

O bem-estar é uma dessas variáveis que têm demonstrado impacto no desempenho resultante (Judge & Zapata, 2015Judge, T. A., & Zapata, C. P. (2015). The person-situation debate revisited: Effect of situation strength and trait activation on the validity of the Big Five Personality Traits in predicting job performance. Academy of Management Journal, 58(4), 1149-1179.; Nangov, Sasmoko, & Indrianti, 2018Nangov, R., Sasmoko, S., & Indrianti, Y. (2018). Psychological capital, work well-being, and job performance. International Journal of Engineering & Technology, 7(4.9), 63-65.). O chamado bem-estar psicológico (BEP), compreendido pela presença de afeto positivo, ausência de afeto negativo e presença de satisfação, parece ser uma boa maneira de promover o sucesso e o desempenho individual e organizacional (Loon, Otaye-Ebede, & Stewart, 2019Loon, M., Otaye-Ebede, L., & Stewart, J. (2019). The paradox of employee psychological well-being practices: An integrative literature review and new directions for research. The International Journal of Human Resource Management, 30(1), 156-187.).

Zheng, Zhu, Zhao e Zhang (2015)Zheng, X., Zhu, W., Zhao, H., & Zhang, C. (2015). Employee well-being in organizations: Theoretical model, scale development, and cross-cultural validation. Journal of Organizational Behavior, 36(5), 621-644. exploraram o modelo teórico e as dimensões estruturais do bem-estar dos trabalhadores nas organizações. Após uma série de estudos quantitativos, descobriram que o bem-estar dos trabalhadores está significativamente correlacionado com o comprometimento organizacional afetivo e o desempenho do trabalho, tendo o BEP como um dos fatores do bem-estar no trabalho. Na mesma linha, Nangoy, Mursitama, Setiadi e Pradipto (2020)Nangoy, R., Mursitama, T. N., Setiadi, N. J., & Pradipto, Y. D. (2020). Creating sustainable performance in the fourth industrial revolution era: The effect of employee's work well-being on job performance. Management Science Letters, 10(5), 1037-1042. mostraram que o bem-estar dos trabalhadores teve um efeito significativo e positivo no desempenho do trabalho.

Segundo Barsade e Knight (2015)Barsade, S. G., & Knight, A. P. (2015). Group affect. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 2, 21-46., o afeto do grupo pode influenciar a eficácia e o desempenho do grupo. Peñalver et al. (2019)Peñalver, J., Salanova, M., Martínez, I. M., & Schaufeli, W. B. (2019). Happy-productive groups: How positive affect links to performance through social resources. The Journal of Positive Psychology, 14(3), 377-392. indicam a influência do afeto positivo do grupo no desempenho do trabalho em grupo e o papel mediador dos recursos sociais do grupo, como trabalho em equipe, coordenação, coesão, ambiente. Este estudo corroborou os achados de Knight e Eisenkraft (2014)Knight, A. P., & Eisenkraft, N. (2014). Positive is usually good, negative is not always bad: The effects of group affect on social integration and task performance. Journal of Applied Psychology, 100(4), 1214-1227., que sinalizaram que a forma como os membros se relacionam em um grupo gera efeitos positivos consistentes no desempenho do trabalho em grupo.

Yeo, Andrei, Hall, Tang e Restubog (2019)Yeo, G., Andrei, D., Hall, S. E., Tang, R. L., & Restubog, S. L. D. (2019). We do not exist in an affective vacuum! Cross-level effects of trait affect and group affective properties on individual performance. Journal of Vocational Behavior, 112, 325-343. apontaram que o alto afeto negativo do grupo pode não ser prejudicial aos indivíduos se eles se encaixarem no perfil de um grupo homogêneo negativo. Por sua vez, em relação ao afeto positivo, as relações que surgiram entre os constructos de afeto posi tivo do grupo foram consistentes com estudos anteriores. Grupos caracte rizados por alto afeto positivo e baixa diversidade afetiva positiva foram os ambientes ideais para níveis positivos de desempenho individual.

Warr e Nielsen (2018)Warr, P., & Nielsen, K. (2018). Wellbeing and work performance. In E. Diener, S. Oishi, & L. Tay (Eds.), Handbook of well-being. Salt Lake City, UT: DEF. realizaram uma revisão sistemática da relação entre bem-estar no trabalho e desempenho do trabalho em níveis individual e de grupo. Os resultados sugerem que indivíduos e grupos com bem-estar elevado têm melhor desempenho em seus trabalhos do que aqueles com menor bem-estar. Sobre os indivíduos, os autores indicam associações transversais e longitudinais pequenas ou moderadas entre satisfação ou afeto no trabalho e desempenho no trabalho. Considerando o bem-estar em nível de grupo, os autores referenciados descrevem associações moderadas entre o tom afetivo do grupo e o desempenho do trabalho. Warr e Nielsen (2018)Warr, P., & Nielsen, K. (2018). Wellbeing and work performance. In E. Diener, S. Oishi, & L. Tay (Eds.), Handbook of well-being. Salt Lake City, UT: DEF. destacam ainda a escassez de estudos em nível de grupo e que consideram moderadores de diferentes níveis nos modelos explicativos de desempenho do trabalho.

Considerar o bem-estar do trabalho como fenômeno coletivo é uma questão controversa, mas pesquisas recentes têm tentado explorar essa possibilidade, incluindo a hipótese de "trabalhador feliz, produtivo" em nível de equipe. Os resultados mostram que é completamente possível (García-Buades, Peiró, Montañez-Juan, Kozusznik, & Ortiz-Bonnín, 2019García-Buades, M. E., Peiró, J. M., Montañez-Juan, M. I., Kozusznik, M. W., & Ortiz-Bonnín, S. (2019). Happy-productive teams and work units: A systematic review of the "happy-productive worker thesis". International Journal of Environmental Research and Public Health, 17(1), 69-108. ). Pode-se inferir que as representações do bem-estar são produções humanas que nascem e são estruturadas a partir das experiências dos colaboradores em contextos organizacionais e assumem especificidades tanto nas formas de manifestação/consolidação (por exemplo, sentindo-se felizes pelo reconhecimento no trabalho) quanto na dinâmica de transformações que ocorrem em face, por exemplo, de inovações organizacionais (por exemplo, conteúdo para assumir novas tarefas). A partir da premissa de que a ideia de coletividade pressupõe o compartilhamento de crenças, afetos e percepções, o afeto no local de trabalho também pode ser abordado como um fenômeno de grupo. Dessa forma, podemos inferir que o positivo afeta não apenas a cobertura de estados internos que ocorrem no nível individual, mas também processos que ocorrem entre indivíduos, ou seja, no nível do grupo (Barsade & Knight, 2015Barsade, S. G., & Knight, A. P. (2015). Group affect. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 2, 21-46.; García-Buades et al., 2019García-Buades, M. E., Peiró, J. M., Montañez-Juan, M. I., Kozusznik, M. W., & Ortiz-Bonnín, S. (2019). Happy-productive teams and work units: A systematic review of the "happy-productive worker thesis". International Journal of Environmental Research and Public Health, 17(1), 69-108. ; Peñalver et al., 2019Peñalver, J., Salanova, M., Martínez, I. M., & Schaufeli, W. B. (2019). Happy-productive groups: How positive affect links to performance through social resources. The Journal of Positive Psychology, 14(3), 377-392.; Warr & Nielsen, 2018Warr, P., & Nielsen, K. (2018). Wellbeing and work performance. In E. Diener, S. Oishi, & L. Tay (Eds.), Handbook of well-being. Salt Lake City, UT: DEF. ).

Embora as emoções e os humores consistam na dimensão central do bem-estar no trabalho, a dimensão cognitiva relacionada à percepção de alcance dos objetivos individuais e da realização pessoal complementa as definições da construção e amplia sua compreensão (Warr & Nielsen, 2018Warr, P., & Nielsen, K. (2018). Wellbeing and work performance. In E. Diener, S. Oishi, & L. Tay (Eds.), Handbook of well-being. Salt Lake City, UT: DEF. ). Portanto, no presente estudo, consideram-se tanto uma dimensão cognitiva do bem-estar (realização) quanto as emoções e os humores no trabalho (afetos).

Tendo em vista as proposições e as evidências encontradas na literatura, foram elaboradas a primeira e segunda hipóteses deste estudo:

  • H1: Bem-estar no trabalho estará positivamente associado com desempenho individual no trabalho.

  • H2: Percepções coletivas de bem-estar no trabalho estarão positivamente associadas com desempenho individual no trabalho.

2.2 Justiça organizacional e desempenho individual do trabalho

A justiça organizacional baseia-se no princípio de que o tratamento adotado pela organização é essencial para manter os trabalhadores leais e proporcionar um ambiente de trabalho adequado (Aslam, Arfeen, Mohti, & Rahman, 2015Aslam, U., Arfeen, M., Mohti, W., & Rahman, U. (2015). Organizational cynicism and its impact on privatization (evidence from federal government agency of Pakistan). Transforming Government: People, Process and Policy, 9(4), 401-425.; Zeb, Abdullah, Othayman, & Ali, 2019Zeb, A., Abdullah, N. H., Othayman, M. B., & Ali, M. (2019). The role of LMX in explaining relationships between organizational justice and job performance. Journal of Competitiveness, 11(2), 144-160.). A justiça organizacional não é entendida apenas pela percepção dos resultados, mas também pelos procedimentos adotados e pelo tratamento recebido durante as atividades realizadas, culminando, portanto, em suas três dimensões: distributiva, procedimental e interacional (Cohen-Charash & Spector, 2001Cohen-Charash, Y., & Spector, P. E. (2001). The role of justice in organizations: A meta-analysis. Organizational Behavior and Human Decision Processes, 86(2), 278-321.). No entanto, autores como Masterson, Lewis, Goldman e Taylor (2000)Masterson, S. S., Lewis, K., Goldman, B. M., & Taylor, M. S. (2000). Integrating justice and social exchange: The differing effects of fair procedures and treatment on work relationships. Academy of Management Journal , 43(4), 738-748. apontam que estudos sobre justiça organizacional foram desenvolvidos a partir da perspectiva do desempenho do trabalho.

Nessa perspectiva, alguns estudos também apontaram para essa relação preditiva positiva entre justiça organizacional e desempenho individual do trabalho, com ênfase, na maioria dos estudos, sobre o desempenho da tarefa (Aryee, Walumbwa, Mondejar, & Chu, 2015Aryee, S., Walumbwa, F. O., Mondejar, R., & Chu, C. W. L. (2015). Accounting for the influence of overall justice on job performance: Integrating self-determination and social exchange theories. Journal of Management Studies, 52(2), 231-252. ; Janssen, Lam, & Huang, 2010Janssen, O., Lam, C. K., & Huang, X. (2010). Emotional exhaustion and job performance: The moderating roles of distributive justice and positive affect. Journal of Organizational Behavior, 31(6), 787-809.). No estudo de Zeb et al. (2019)Zeb, A., Abdullah, N. H., Othayman, M. B., & Ali, M. (2019). The role of LMX in explaining relationships between organizational justice and job performance. Journal of Competitiveness, 11(2), 144-160., por exemplo, verificou-se que as três dimensões da justiça organizacional geraram efeitos diretos e indiretos no desempenho individual do trabalho. Na relação indireta, a variável "troca entre líder e membros" produz uma relação moderada, gerando fortes efeitos na justiça e no desempenho.

O estudo de De Dreu e Nauta (2009)De Dreu, C. K. W., & Nauta, A. (2009). Self-interest and other-orientation in organizational behavior: Implications for job performance, prosocial behavior, and personal initiative. Journal of Applied Psychology, 94, 913-926. trouxe o conceito de "clima de justiça organizacional", e sua análise forneceu evidências de que o desempenho individual do trabalho é uma função de atributos de nível de equipe, como o clima de justiça organizacional, quando os trabalhadores têm uma alta "orientação uns para os outros". E o estudo de Siswanti, Tjahjono, Hartono e Prajogo (2020)Siswanti, Y., Tjahjono, H. K., Hartono, A., & Prajogo, W. (2020). Organizational justice climate: Construct measurement and validation. Test Engineering and Management, 82, 8574-8590. ofereceu apoio teórico e empírico para o conceito de clima de justiça organizacional em todas as suas dimensões. Partindo das proposições anteriores, as hipóteses 3 e 4 foram elaboradas e estão expressas a seguir:

  • H3: Percepção individual de justiça organizacional estará positivamente associada com desempenho individual no trabalho.

  • H4: Percepções coletivas de justiça organizacional estarão positivamente associadas com desempenho individual no trabalho.

2.3 Suporte organizacional e desempenho individual no trabalho

Segundo Eisenberger et al. (1986)Eisenberger, R., Huntington, R., Hutchison, S., & Sowa, D. (1986). Perceived organizational support. Journal of Applied Psychology, 71(3), 500-507., na medida em que o suporte organizacional percebido reúne necessidades de louvor e aprovação, o trabalhador iria incorporar a adesão organizacional para a autoidentidade e, assim, desenvolver um vínculo emocional positivo (vínculo afetivo) com a organização. Uma expectativa de vínculo afetivo seria aumentar os esforços de um indivíduo para atender aos objetivos da organização por meio de uma maior participação e desempenho.

Hochwarter, Witt, Treadway e Ferris (2006)Hochwarter, W. A., Witt, L. A., Treadway, D. C., & Ferris, G. R. (2006). The interaction of social skill and organizational support on job performance. Journal of Applied Psychology, 91(2), 482-489. ofereceram uma explicação para o aumento da relação entre percepção de suporte organizacional e desempenho no trabalho com base na teoria de troca social. Os autores consideraram a percepção de suporte organizacional em termos de alocação de recursos e sugeriram que o suporte organizacional fornece recursos que permitem aos trabalhadores realizar os objetivos de trabalho. Um trabalhador que relata alta percepção de suporte organizacional pode perceber que a gestão está se posicionando para que os trabalhadores tenham sucesso, fornecendo recursos suficientes e facilitando a cooperação por meio do reconhecimento e de recompensas.

Wallace, Edwards, Arnold, Frazier e Finch (2009)Wallace, J. C., Edwards, B. D., Arnold, T., Frazier, M. L., & Finch, D. M. (2009). Work stressors, role-based performance, and the moderating influence of organizational support. Journal of Applied Psychology, 94(1), 254-262. conceberam o suporte organizacional como um modelo de agregação direta de consenso. Para o suporte organizacional, a interação entre os membros de uma unidade serve para fortalecer o suporte organizacional coletivo por meio de ciclos repetidos de interações e influências individuais, codificando assim uma norma de grupo, atuando no suporte organizacional percebido. Quanto ao efeito multinível, o estudo de Chang, Liu, Hsieh e Chen (2020)Chang, C., Liu, L., Hsieh, H., & Chen, K. (2020). A multilevel analysis of organizational support on the relationship between person-environment fit and performance of university physical education teachers. International Journal of Environmental Research and Public Health, 17, 2041-2058. contribuiu ao propor a análise do suporte organizacional em diferentes níveis de análise (individual, grupos e organizacional) e apontou que o suporte organizacional impacta positivamente o desempenho do trabalho dos professores universitários de educação física. Com base nessas considerações, foram construídas as hipóteses 5 e 6, expressas a seguir.

  • H5: Percepção individual de suporte organizacional estará positivamente associada com desempenho individual no trabalho.

  • H6: Percepções coletivas de suporte organizacional estarão positivamente associadas com desempenho individual no trabalho.

Portanto, esse modelo pode ser considerado multinível, uma vez que apresenta relações teóricas hipotéticas entre variáveis de nível individual e variáveis de nível de equipe, bem como suas interações em relação à pre visão do desempenho individual da variável dependente, situado no nível individual.

É fundamental esclarecer que no presente estudo pretende-se controlar algumas características relacionadas aos perfis demográfico e funcional da amostra, a fim de verificar quais são as outras fontes de variação entre as unidades investigadas. Considerou-se um modelo com variáveis contidas em dois níveis de análise. No primeiro nível, encontram-se os indivíduos. Esses foram agrupados em unidades de trabalho, que correspondem ao segundo nível de análise. Assim, partindo das premissas da modelagem multinível, depreende-se que este estudo parte de três assunções, a saber:

  1. O agrupamento social de dois ou mais indivíduos é denominado equipe (Klein & Kozlowski, 2000Klein, K., & Kozlowski, S. (2000). Multilevel theory: Research and methods in organizations. San Francisco: Jossey-Bass.).

  2. A definição de percepções coletivas (ou compartilhadas) parte do pressuposto de que toda equipe é capaz de compartilhar percepções em virtude de algo, culminando em uma identidade social (Klein & Kozlowski, 2000Klein, K., & Kozlowski, S. (2000). Multilevel theory: Research and methods in organizations. San Francisco: Jossey-Bass.).

  3. As percepções fornecem bases empíricas para a compreensão do desempenho individual (Klein & Kozlowski, 2000Klein, K., & Kozlowski, S. (2000). Multilevel theory: Research and methods in organizations. San Francisco: Jossey-Bass.).

Por meio da técnica estatística de agregação das percepções individuais (cálculo da média), foi possível mensurar as variáveis situadas em nível de equipes, isto é, as percepções coletivas. Assim, temos como variáveis de nível de equipes: percepções coletivas de bem-estar no trabalho, percepções coletivas de suporte organizacional e percepções coletivas de justiça organizacional.

Como será explicado na seção "Método", a modelagem multinível requer a análise dos termos de interação. Foram testadas interações entre variáveis pertencentes aos dois níveis, individual e de equipes, conforme indicado por Hox, Moerbeek e Schoot (2017)Hox, J. J., Moerbeek, M., & Schoot, R. (2017). Multilevel analysis: Techniques and applications. Abingdon, UK: Routledge., pois o efeito produzido isoladamente por essas variáveis pode ser diferente da interação deles com outras de mesmo nível ou nível distinto. Assim, testaram-se interações entre as variáveis independentes propostas no modelo teórico, relacionando fatores de bem-estar no trabalho, fatores de justiça organizacional, fatores de suporte organizacional e características pessoais e profissionais, medidas tanto no mesmo nível quanto em interações transversais, relacionando variáveis do nível individual com o nível de equipe. Tais interações foram empreendidas com o propósito de ajuste do modelo multinível, não sendo necessária a proposição de hipóteses para essas relações.

3. MÉTODO

3.1 Participantes

Para testar o modelo proposto, uma organização, nomeada aqui como Banco, foi selecionada para compor o escopo a ser pesquisado, e sua estrutura organizacional conta com mais de 100 mil colaboradores espalhados em agências de todo o Brasil. Com o objetivo de assegurar unidades com estruturas organizacionais semelhantes, optou-se por coletar os dados nas agências do Banco que estão distribuídas em todo o país. Foram respondidos 1.290 questionários pelos colaboradores da organização. Após o tratamento dos dados, a amostra final foi composta por 730 participantes. Os resultados indicam que a idade média dos participantes é de 41 anos. Há uma ligeira predominância dos homens, representando 59,6% da amostra, a maioria dos participantes (43,4%) concluiu o ensino superior, e o tempo médio de serviço é de 12 anos. Em relação ao cargo, verifica-se que a maioria é composta por escriturários (24,2%), seguidos por gerentes de relacionamento, que representam 22,9% dos respondentes.

3.2 Instrumentos

Para atingir os objetivos propostos pela pesquisa, adotaram-se quatro instrumentos já validados cientificamente e amplamente utilizados na literatura brasileira, visando a um alinhamento com a realidade da organização estudada. Na versão mais recente (Fogaça, Coelho, & Hollanda, 2016Fogaça, N., Coelho, F. A., Jr., & Hollanda, P. P. T. M. (2016). Evidências de validade da escala de auto-avaliação de desempenho no trabalho. Congresso Brasileiro de Psicologia Organizacional e do Trabalho, Brasília, DF, Brasil, 7.), a Medida de Autoavaliação do Desempenho do Trabalho teve dois fatores: "estratégias de desempenho individual" (22 itens, α = 0,96) e "desempenho contextual" (cinco itens, α = 0,70). A Escala de Bem-Estar no Trabalho (Demo & Paschoal, 2016Demo, G., & Paschoal, T. (2016). Well-being at work scale: Exploratory and confirmatory validation in the USA. Paidéia, 26(63), 35-43.) teve três fatores: "afeto positivo" (nove itens, α = 0,93), "afeto negativo" (12 itens, α = 0,91) e "realização" (nove itens, α = 0,88). A Escala de Percepção da Justiça Organizacional (Mendonça, Pereira, Tamayo, & Paz, 2002Mendonça, H., Pereira, C., Tamayo, A., & Paz, M. G. T. (2002). Validação fatorial de uma escala de percepção de justiça organizacional. Estudos, Saúde e Vida, 30(1), 111-130.) incluiu as três dimensões da justiça organizacional: "justiça distributiva" (seis itens), "justiça procedimental" (sete itens) e "justiça interacional" (sete itens) com alfas de Cronbach que variam de 0,87 a 0,89. A Escala de Percepção de Suporte Organizacional, em sua versão reduzida (Brandão, 2009Brandão, H. P. (2009). Aprendizagem, contexto, competência e desempenho: Um estudo multível (Tese de doutorado, Universidade de Brasília). Retrieved from https://repositorio.unb.br/handle/10482/8322
https://repositorio.unb.br/handle/10482/...
), teve quatro fatores: "gestão de desempenho" (sete itens, α = 0,87), "carga de trabalho" (sete itens, α = 0,85), "suporte material ao desempenho" (seis itens, α = 0,91) e "promoções, aumento e salários" (oito itens, α = 0,85).

É importante ter em mente que a interpretação de todas as variáveis individualmente seria bastante difícil, e procedeu-se à redução do número de variáveis das escalas de bem-estar no trabalho, suporte organizacional e justiça organizacional utilizando os fatores propostos nas escalas adotadas. O objetivo foi, portanto, reduzir dados, de modo a possibilitar que uma maior quantidade de variáveis seja reduzida a um conjunto menor de parâmetros que tenham variabilidade e fidedignidade (Brandão, 2009Brandão, H. P. (2009). Aprendizagem, contexto, competência e desempenho: Um estudo multível (Tese de doutorado, Universidade de Brasília). Retrieved from https://repositorio.unb.br/handle/10482/8322
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; Coelho, 2009Coelho, F. A.,Jr. (2009). Suporte à aprendizagem, satisfação no trabalho e desempenho: Um estudo multinível (Tese de doutorado, Universidade de Brasília). Retrieved from https://repositorio.unb.br/handle/10482/8322
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).

Embora as escalas de bem-estar no trabalho, justiça organizacional e suporte organizacional sejam amplamente utilizadas na literatura, decidimos realizar a análise de componentes principais para observar o comportamento dessas escalas para a amostra utilizada nesta pesquisa. Após observar os itens combinados em cada fator, identificamos que eram exatamente os mesmos das propostas dos autores de cada escala. Além disso, seguindo essa premissa, como desempenho no trabalho é um constructo dependente do contexto, bem como tal escala está em processo de validação, e seu uso em estudos anteriores demonstrou diversas combinações de fatores, a escala também foi submetida a uma análise de componentes principais para avaliar a estrutura que apresentou para a amostra estudada e identificamos os mesmos dois fatores da escala original. É importante ressaltar que, para todas as quatro escalas, os índices de confiabilidade foram acima de 0,7 (conforme expresso anteriormente), indicando convergência adequada e cargas fatoriais superiores a 0,5, o que demonstra a validade convergente da escala (Hair et al., 2009Hair, J. F., Black, W. C., Babin, B. J., Anderson, R. E., & Tatham, R. L. (2009). Análise multivariada de dados. Porto Alegre: Bookman Editora.).

3.3 Procedimentos de coleta de dados

Para atender aos objetivos propostos, realizou-se uma pesquisa na organização denominada Banco. A estratégia de coleta de dados foi estruturada a partir de um questionário composto por quatro escalas, cada uma relacionada a uma variável de pesquisa. O questionário também teve questões sobre os dados sociodemográficos do entrevistado, como idade, gênero, grau de escolaridade, tempo de serviço e tipo de cargo, que serão denominados neste trabalho variáveis pessoais e profissionais e tiveram a função de variáveis-controle. Como mencionado anteriormente, o público-alvo da pesquisa eram funcionários de agências bancárias; assim, decidiu-se acioná-los via e-mail funcional, a fim de atingir todas as filiais de todas as regiões do país.

3.4 Procedimentos de análise de dados

Os dados dos questionários foram analisados no programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), iniciando assim a etapa de processamento de dados, que incluiu a análise da distribuição de frequências, missing values e outliers. O modelo multinível investigado deve atender aos pressupostos de normalidade, parcimônia e linearidade. As análises de variância e covariância permitem verificar os efeitos de variáveis pertencentes tanto ao nível do indivíduo quanto ao do grupo em relação a alguma variável critério predita, bem como o tamanho do erro associado (Coelho, 2009Coelho, F. A.,Jr. (2009). Suporte à aprendizagem, satisfação no trabalho e desempenho: Um estudo multinível (Tese de doutorado, Universidade de Brasília). Retrieved from https://repositorio.unb.br/handle/10482/8322
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).

Para garantir a robustez dos resultados para a aplicação da análise multinível, foi realizado o tratamento de dados para a amostra da organização. A coleta de dados durou três meses, atingindo um total de 1.290 questionários respondidos. Seguindo as diretrizes de Tabachnick e Fidell (2019)Tabachnick, B. G., & Fidell, L. S. (2019). Using multivariate statistics. New York: Harper & Row Collins College., a fim de verificar questionários com dados faltantes, utilizou-se o procedimento listwise, que permitiu a eliminação de sujeitos que apresentavam algum valor em branco. Seguindo esse critério, identificaram-se 293 respostas de indivíduos do Banco. Vale ressaltar que, após a identificação desses valores faltantes, verificou-se que eram indivíduos que abandonaram o preenchimento do questionário, deixando pelo menos uma das escalas com todos os itens em branco. Assim, decidiu-se removê-los do estudo. Em seguida, os casos extremos multivariados foram identificados por meio da distância Mahalanobis, sendo utilizada a tabela qui-quadrado como base de verificação para a amostra da organização, com índice de significância p < 0,001, obtendo o valor de X² = 124,8. Assim, após essa etapa, removeram-se 267 sujeitos. É importante ressaltar que também foram realizadas análises com com outliers, a fim de identificar se esses sujeitos seriam figuras com papéis influentes na organização. No entanto, os resultados das análises com a amostra tratada (ou seja, sem missing values e outliers) mostraram-se mais interessantes, e todas as etapas a seguir descrevem os resultados obtidos com essa amostra. Ao final, a amostra total do Banco consistiu em 730 sujeitos.

No caso da organização, optou-se por trabalhar com as agências do Banco que estão espalhadas por todo o país. Devido à estrutura organizacional que essas agências possuem e pela interligação entre as agências situadas na mesma região, as unidades foram definidas com base na segmentação regional feita pela organização (superintendências estaduais). Essa segmentação considera todas as capitais brasileiras, e São Paulo se subdivide em três. Algumas cidades ou municípios possuem tanta expressão que são considerados separadamente, como Campinas, e os municípios de São Paulo, que são considerados uma unidade separada da capital paulista, assim como os municípios de Minas Gerais, que também são tratados distintamente da capital mineira. Esses agrupamentos possuem de sete a 85 indivíduos alocados. Portanto, neste estudo, as unidades da organização B totalizaram 32, com as 27 Unidades da Federação, mais duas unidades da capital paulista, Campinas, o grupo dos municípios de São de Paulo e o grupo dos municípios de Minas Gerais, que representaram o nível mais elevado. Nesse caso, o tamanho mínimo estabelecido para a formação de cada equipe foi a participação de sete indivíduos. Além disso, considerando a proposta de análise multinível, trabalhar com uma amostra de dez unidades do nível macro seria tão desconfortável quanto fazer uma análise de regressão considerando apenas as respostas de dez indivíduos (Puente-Palacios & Laros, 2009Puente-Palacios, K. E., & Laros, J. A. (2009). Análise multinível: Contribuições para estudos sobre efeito do contexto social no comportamento individual. Estudos de Psicologia, 26(3), 349-361.). Distinguindo os tipos de cargos existentes, observa-se que todas as áreas possuem estrutura semelhante, com escriturários, caixas executivos, gerentes de relacionamento, gerentes de unidade e assistentes. Essa diversidade assegura a heterogeneidade do grupo estudado e atende às orientações de Puente-Palacios e Laros (2009)Puente-Palacios, K. E., & Laros, J. A. (2009). Análise multinível: Contribuições para estudos sobre efeito do contexto social no comportamento individual. Estudos de Psicologia, 26(3), 349-361. sobre estudos multiníveis. Devido à estrutura organizacional que os ramos possuem e à interconexão entre os órgãos localizados na mesma região, as unidades foram definidas com base na segmentação regional feita pela própria organização (superintendências estaduais), totalizando 32 unidades. Nesse caso, o tamanho mínimo estabelecido para a formação de cada equipe foi a participação de sete indivíduos.

Para a realização deste estudo, utilizou-se o software MLwiN. É importante ressaltar que os dados foram analisados com base nos seis passos (Hox et al., 2017Hox, J. J., Moerbeek, M., & Schoot, R. (2017). Multilevel analysis: Techniques and applications. Abingdon, UK: Routledge.) e que esses passos foram realizados para cada um dos fatores de desempenho no trabalho, entendendo-se, dessa forma, que cada fator de desempenho seria uma variável dependente. Ao final, espera-se verificar o quanto da variabilidade da variável critério "desempenho individual no trabalho" ocorrerá em virtude do tamanho do efeito de cada variável antecedente, analisada isoladamente ou em interação, com variáveis de mesmo nível e de níveis diferentes.

4. RESULTADOS

Dois modelos multiníveis foram testados, um para cada variável dependente, ou seja, um para cada fator de desempenho no trabalho. Dessa forma, um modelo verificou os preditores do fator "estratégias de desempenho individual", e o outro identificou os preditores do "desempenho contextual". No entanto, é preciso destacar que alguns procedimentos metodológicos foram adotados a fim de viabilizar a aplicação dos passos de Hox et al. (2017)Hox, J. J., Moerbeek, M., & Schoot, R. (2017). Multilevel analysis: Techniques and applications. Abingdon, UK: Routledge. no alcance do objetivo da presente pesquisa. Primeiramente, optou-se pelo método de agregação para a construção das unidades. Para tanto, as variáveis de nível mais elevado (unidades) foram agregadas por meio do cálculo de suas médias. Nesta pesquisa, os fatores de cada um dos constructos estudados correspondem às variáveis estudadas; portanto, temos dez variáveis de nível de equipe.

Conforme proposto por Hox et al. (2017)Hox, J. J., Moerbeek, M., & Schoot, R. (2017). Multilevel analysis: Techniques and applications. Abingdon, UK: Routledge., é preciso analisar as estimativas iniciais de variância tanto do nível individual quanto do contextual, bem como o coeficiente de correlação intraclasse (intraclass correlation coefficient - ICC). A amostra da organização apresentou um comportamento interessante, pois os resultados foram diferentes para cada uma das variáveis. Apesar de o primeiro fator - "estratégias de desempenho individual" - apresentar um valor de deviance positivo, o valor do ICC foi igual a zero. Por sua vez, a variável "desempenho contextual" apresentou resultados satisfatórios, com sua estimativa inicial de deviance positiva e o ICC igual a 0,12. Isso significa dizer que 12% da variância total dessa variável critério seria por causa do nível de equipes, demonstrando que o fato de determinada unidade da empresa estar lotada exerce efeito significativo no desempenho contextual desse indivíduo. Esse resultado justifica, portanto, a adoção de uma análise em múltiplos níveis, consoante à proposta desta pesquisa. Dessa forma, os passos seguintes foram desenvolvidos apenas para a variável "desempenho contextual".

Ainda na primeira etapa de Hox et al. (2017)Hox, J. J., Moerbeek, M., & Schoot, R. (2017). Multilevel analysis: Techniques and applications. Abingdon, UK: Routledge., é calculado o modelo vazio, cuja estimativa de deviance para o modelo vazio foi igual a 2.069,957, de tal sorte que esse valor será o parâmetro para a testagem dos modelos seguintes. Isso significa dizer que, após a inserção de cada variável, será observado se o valor do deviance apresentará uma redução no seu valor. Caso se verifique essa queda, isso significa que houve melhora do ajuste do modelo, indicando que o modelo escolhido deve ser aquele com menor deviance, em consonância com recomendações de Snijders e Bosker (2011)Snijders, T. A. B., & Bosker, R. (2011). Multilevel analysis: An introduction to basic and advanced multilevel modeling. London: Sage..

Na segunda etapa, portanto, as variáveis de controle, tanto em nível individual quanto em nível de equipe, foram adicionadas ao modelo. Neste estudo, as variáveis de controle adotadas foram as sociodemográficas: idade padronizada (nível 1), tempo de serviço padronizado (nível 1), grau de escolaridade recodificado (nível 1), grau de escolaridade agregado recodificado (nível 2), cargo recodificado (nível 1), cargo agregado recodificado (nível 2). A inclusão de tais variáveis justifica-se pelo objetivo de controlar o efeito dessas variáveis no desempenho contextual.

Após a inserção de todas as variáveis de controle, apenas as variáveis cargo recodificado e idade padronizada se mostraram significativas para o modelo 2. Comparando-se o deviance obtido no modelo 2, no valor de 2.048,480, com o do modelo vazio, de 2.069,957, é perceptível uma redução no valor, indicando um melhor ajuste do presente modelo. Seguindo a proposição de Hox et al. (2017)Hox, J. J., Moerbeek, M., & Schoot, R. (2017). Multilevel analysis: Techniques and applications. Abingdon, UK: Routledge., nessa etapa inserimos as variáveis de nível individual. No que tange às variáveis inseridas no modelo 3, realização, justiça interacional e justiça distributiva apresentaram significância (t < 2). Observando novamente o deviance dos modelos, percebe-se uma redução significativa do índice do modelo 2 para o modelo 3, saindo de 2.048,480 para 1.828,093.

Para a construção do modelo 4, inseriram-se as variáveis de nível mais elevado, as percepções coletivas de práticas de gestão de desempenho e as percepções coletivas de carga de trabalho, ambas do constructo suporte organizacional, que foram as únicas que contribuíram significativamente para a explicação do desempenho contextual (t > 2). O ajuste desse modelo em comparação ao modelo anterior (modelo 3) foi significativo, uma vez que o valor do deviance caiu de 1.828,093 para 1.799,723. Além disso, um fato importante deve ser mencionado. A variável de nível 1, justiça distributiva, até então significativa, perdeu significância no modelo 4 (t < 2), com a inserção das variáveis de nível mais elevado. Tal fato não causa estranheza se apoiado nos pressupostos de Hox et al. (2017)Hox, J. J., Moerbeek, M., & Schoot, R. (2017). Multilevel analysis: Techniques and applications. Abingdon, UK: Routledge., que expressa que os efeitos de cada variável adquirem novos valores a cada modelo teórico, tendo em vista a variância compartilhada entre as variáveis testadas, seus coeficientes de regressão e erros associados, além de seu impacto na predição da variável critério.

Na etapa seguinte, as variáveis individuais com parâmetro aleatório ou randômico foram incluídas no modelo. A adoção de tais variáveis faz sentido, tendo em vista que as inclinações das variáveis explicativas têm componentes de variância significativos entre os grupos, diferindo, portanto, em sua composição. Apesar da importância desse passo, as variáveis de efeito randômico inseridas no modelo 5 não apresentaram qualquer contribuição significativa. Não obstante, quando se inseriram tais variáveis, o valor do deviance teve um aumento se comparado com o modelo anterior, passando de 1.799,723 para 1.848,962. Em suma, nesse passo não houve inclusão de variáveis, passando, então, para a etapa seguinte.

A última etapa ou o sexto passo de Hox et al. (2017)Hox, J. J., Moerbeek, M., & Schoot, R. (2017). Multilevel analysis: Techniques and applications. Abingdon, UK: Routledge. consiste na inclusão dos termos de interação, pois esta pressupõe que o efeito multiplicado das variáveis poderá exercer influência na predição da variável critério associada. Além disso, destaca-se que as variáveis em interação têm efeitos diferentes de quando são inseridas separadamente. Para a construção dos termos de interação, realizou-se uma análise da correlação entre todas as variáveis explicativas, tanto de nível individual quanto de nível de equipes. Os escores que apresentaram maiores correlações significativas foram inseridos como termos de interação. Com base nesse procedimento, dois termos de interação foram significativos para o modelo 6: "realização com percepções coletivas de justiça interacional" e "justiça distributiva com percepções coletivas de práticas de gestão do desempenho". Todas as demais interações que abrangiam variáveis do mesmo nível e variáveis cross-level não foram significativas (t < 2).

Verificou-se, ainda, que houve uma redução do deviance, saindo de 1.828,093 no modelo anterior (nesse caso, o modelo 4) para 1.786,767 no modelo final. Esse resultado demonstra que o modelo 6 apresenta o melhor ajuste em relação aos dados. Por sua vez, as interações mostram que o efeito da realização é maior quando há percepções compartilhadas de justiça interacional; além disso, os dados apontam que o efeito da justiça distributiva é maior quando há percepções compartilhadas de práticas de gestão do desempenho. A Figura 4.1 resume os resultados para os modelos 1, 2, 3, 4, 5 e 6.

Figura 4.1
MODELOS MULTINÍVEIS PARA A VARIÁVEL DEPENDENTE "DESEMPENHO CONTEXTUAL"

Ao final da análise multinível para a amostra da organização, o modelo explicativo para a variável "desempenho contextual" mostrou que os fatores realização, justiça interacional, idade, cargo, percepções coletivas de práticas de gestão e percepções coletivas de carga de trabalho, além dos termos de interação "realização versus percepções coletivas de justiça interacional" e "justiça distributiva versus percepções coletivas de práticas de gestão", foram os preditores da variável critério "desempenho contextual".

5. DISCUSSÃO

O presente estudo identificou relações preditivas de variáveis em nível individual e nível de grupo com o desempenho individual no trabalho. Um fato interessante das relações encontradas é que os resultados apontaram que variáveis tradicionalmente estudadas no nível individual realmente se mantiveram situadas nesse nível para a explicação do desempenho individual, como o bem-estar no trabalho e a justiça organizacional. Por sua vez, o suporte organizacional tradicionalmente entendido como variável de contexto, mas tradicionalmente estudado sob a percepção dos indivíduos, apareceu no nível de grupos, reforçando os indícios de que o suporte organizacional realmente deve ser trabalhado em níveis acima do nível individual.

Primeiramente, o modelo multinível apontou para a relação preditiva entre realização (fator de bem-estar no trabalho) e desempenho no trabalho. Nesse caso, somente a H1 foi confirmada de que o bem-estar no trabalho está positivamente associado com desempenho individual. Ao constatar que o fator realização é um preditor, este estudo corrobora os achados de Zheng et al. (2015)Zheng, X., Zhu, W., Zhao, H., & Zhang, C. (2015). Employee well-being in organizations: Theoretical model, scale development, and cross-cultural validation. Journal of Organizational Behavior, 36(5), 621-644. e Loon et al. (2019)Loon, M., Otaye-Ebede, L., & Stewart, J. (2019). The paradox of employee psychological well-being practices: An integrative literature review and new directions for research. The International Journal of Human Resource Management, 30(1), 156-187., que identificaram o BEP como um de seus fatores.

Por sua vez, a H2, que propunha que as percepções coletivas de bem-estar no trabalho estariam positivamente associadas com desempenho individual no trabalho, não foi confirmada. Embora tenha se defendido aqui a existência das percepções coletivas de bem-estar no trabalho e apesar de os resultados do modelo multinível gerado não terem demonstrado uma relação preditiva entre as percepções coletivas de bem-estar no trabalho e desempenho individual, isso não significa dizer que elas não existam no ambiente organizacional. No entanto, esse resultado traz evidências importantes de que o bem-estar no trabalho realmente parece ser uma variável de nível individual, uma vez que as percepções coletivas não foram significativas para explicar o desempenho. Uma possível explicação pode ser encontrada em Barsade e Knight (2015)Barsade, S. G., & Knight, A. P. (2015). Group affect. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 2, 21-46., que explicam que o afeto dos grupos pode influenciar, entre outros aspectos, a eficácia e o desempenho deles. Por conseguinte, nesta pesquisa, a proposta era relacionar o bem-estar no nível da equipe ao desempenho individual no trabalho.

Sobre a justiça organizacional, apenas a H3 foi confirmada. Essa hipótese propunha que a percepção individual da justiça organizacional estaria positivamente associada com o desempenho individual no trabalho, o que foi confirmado com o modelo multinível gerado. A dimensão justiça interacional revelou-se preditora do desempenho individual no trabalho. Esse resultado demonstra a premissa sustentada na teoria da troca social de que, quando a medida de desempenho no trabalho é influenciada pela relação entre o trabalhador e seu supervisor, há uma relação entre o desempenho e a justiça interacional (Masterson et al., 2000Masterson, S. S., Lewis, K., Goldman, B. M., & Taylor, M. S. (2000). Integrating justice and social exchange: The differing effects of fair procedures and treatment on work relationships. Academy of Management Journal , 43(4), 738-748.).

De posse desses resultados, é possível depreender que o foco dos respondentes ao avaliarem o desempenho contextual estava calcado nas relações superior-subordinado, de modo que, quando os trabalhadores percebem que são tratados de forma justa pelos gerentes ou quando estão satisfeitos com eles, apresentam melhor desempenho (Cohen-Charash & Spector, 2001Cohen-Charash, Y., & Spector, P. E. (2001). The role of justice in organizations: A meta-analysis. Organizational Behavior and Human Decision Processes, 86(2), 278-321.; Masterson et al., 2000Masterson, S. S., Lewis, K., Goldman, B. M., & Taylor, M. S. (2000). Integrating justice and social exchange: The differing effects of fair procedures and treatment on work relationships. Academy of Management Journal , 43(4), 738-748.). Além disso, essa relação é interessante, pois, na literatura recente, a dimensão interacional (e suas subdimensões, informacional e interpessoal) não foi considerada como uma única dimensão para medir a justiça organizacional.

As percepções coletivas de justiça organizacional, por sua vez, não estabeleceram relações preditivas com o desempenho individual no trabalho, não confirmando, portanto, a H4. Apesar de não aparecerem em uma relação direta no modelo, as percepções coletivas de justiça foram apontadas em um dos termos de interação preditores de desempenho, traduzindo-se em uma oportunidade de análise sobre como a justiça organizacional é entendida no nível de grupos.

Assim, temos que a percepção individual é de realização, mas, perante o grupo, há a percepção de injustiça e vice-versa. Traduzindo, pode-se dizer que, quando um trabalhador sente que desenvolve seus potenciais e atinge seus objetivos, há, perante o grupo, uma percepção de que o superior não oferece um tratamento digno aos seus subordinados.

Esse resultado não causa estranheza quando comparado ao trabalho de Janssen et al. (2010)Janssen, O., Lam, C. K., & Huang, X. (2010). Emotional exhaustion and job performance: The moderating roles of distributive justice and positive affect. Journal of Organizational Behavior, 31(6), 787-809., que perceberam que, quando havia baixa percepção de jus tiça distributiva, havia uma relação negativa entre exaustão emocional e desempenho no trabalho. Apesar de abordarem diferentes dimensões, ambos os estudos demonstram que a interação entre bem-estar no trabalho e justiça organizacional conduz a uma percepção mais ou menos favorável de desempenho.

Seguindo a tendência das demais variáveis, também foram propostas duas hipóteses para a relação entre o suporte organizacional e o desempenho individual no trabalho, considerando as percepções individuais e coletivas. Também consoante com o ocorrido com as variáveis tratadas anteriormente, somente uma dessas hipóteses foi confirmada. Contudo, diferentemente das demais, nesse caso, a hipótese refutada se refere à H5, relacionada às percepções individuais, que propunha que a percepção individual de suporte organizacional estaria positivamente associada ao desempenho individual no trabalho.

A H6 foi confirmada ao verificar que as percepções coletivas das dimensões de suporte organizacional sobre carga de trabalho e práticas de gestão de desempenho apareceram no modelo multinível como preditoras de desempenho individual no trabalho. Além disso, as percepções coletivas de suporte organizacional apareceram em um dos termos de interação, em que a relação entre a justiça distributiva e as percepções coletivas das práticas de gestão desempenho contribuiu para a explicação do desempenho contextual.

Esses resultados corroboram estudos anteriores que haviam demonstrado que tais dimensões - carga de trabalho (Beck & Schmidt, 2013Beck, J. W., & Schmidt, A. M. (2013). State-level goal orientations as mediators of the relationship between time pressure and performance: A longitudinal study. Journal of Applied Psychology, 98(2), 354-363.) e práticas de gestão de desempenho (Lam, Peng, & Lau, 2015Lam, L. W., Peng, C. W., & Lau, D. C. (2015). Is more feedback seeking always better? Leader-member exchange moderates the relationship between feedback-seeking behavior and performance. Journal of Management, 43(7), 2195-2217.; Li, Harris, Boswell, & Xie, 2011Li, N., Harris, T. B., Boswell, W. R., & Xie, Z. (2011). The role of organi zational insiders' developmental feedback and proactive personality on newcomers' performance: An interactionist perspective. Journal of Applied Psychology, 96(6), 1317-1327.; Ozer, 2011Ozer, M. (2011). A moderated mediation model of the relationship between organizational citizenship behaviors and job performance. Journal of Applied Psychology, 96(6), 1328-1336.; Rubin, Dierdoff, & Bachrach, 2013Rubin, R. S., Dierdoff, E. C., & Bachrach, D. G. (2013). Boundaries of citizenship behavior: Curvilinearity and context in the citizenship and task performance relationship. Personnel Psychology, 66(2), 377-406.) - possuíam uma relação direta e preditiva com o desempenho no trabalho. Quando se identifica que as percepções coletivas de suporte organizacional figuram como fatores explicativos da variável desempenho, é possível defender que isso seja uma das principais contribuições deste trabalho, haja vista que suporte organizacional é uma variável tradicionalmente de contexto, mas, como geralmente é estudada sob a égide do indivíduo, não era possível compreender sua relevância em nível de equipes e organizacional.

Identificou-se um resultado interessante na organização: as percepções coletivas acerca da carga de trabalho se relacionaram positivamente com o desempenho individual. Isso se contrapõe ao encontrado na literatura, como no trabalho de Beck e Schmidt (2013)Beck, J. W., & Schmidt, A. M. (2013). State-level goal orientations as mediators of the relationship between time pressure and performance: A longitudinal study. Journal of Applied Psychology, 98(2), 354-363., em que a percepção da pressão do tempo (um aspecto da carga de trabalho) foi negativamente relacionada ao estado de orientação para o objetivo. O referido trabalho, porém, tratou das variáveis em nível individual. Vale ressaltar que Beck e Schmidt (2013)Beck, J. W., & Schmidt, A. M. (2013). State-level goal orientations as mediators of the relationship between time pressure and performance: A longitudinal study. Journal of Applied Psychology, 98(2), 354-363. constataram que a relação entre pressão de tempo e desempenho é mediada pelas orientações de objetivo. Assim, é possível supor que maiores cargas de trabalho estejam associadas a metas desafiadoras estabelecidas pela organização e exijam maior energia e empenho dos profissionais.

A interação entre suporte organizacional e justiça organizacional identificada no termo de interação entre justiça distributiva e percepções coletivas das práticas de gestão de desempenho merece atenção. É importante ressaltar que a relação entre ambos é direta, o que faz total sentido teórico, pois, partindo da definição de Rêgo (2002)Rêgo, A. (2002). Comprometimento afetivo dos membros organizacionais: o papel das percepções de justiça. Revista de Administração Contemporânea, 6(2), 209-241., a justiça distributiva está atrelada à percepção dos indivíduos em relação aos salários, às classificações obtidas pelas pessoas nas avaliações de desempenho, às promoções, aos lucros distribuídos e às sanções disciplinares. Portanto, quando o indivíduo percebe que a avaliação de desempenho foi justa, sua percepção perante a equipe é de que as práticas de gestão de desempenho são positivas.

Que implicações esses achados trazem para a compreensão das equipes no contexto organizacional? Quando se encontram tais evidências da relação entre percepções coletivas de suporte e desempenho individual, é possível perceber não somente a relação preditiva, mas também a confirmação de que realmente as unidades estudadas se constituem como equipes. No caso das percepções coletivas sobre as práticas de gestão do desempenho, fica evidente que, no entender do grupo, a percepção positiva de tais práticas conduz a desempenhos positivos; assim, o indivíduo incorporado em equipes com tal percepção acaba por apresentar percepções mais favoráveis de seu desempenho. Conforme Lakatos e Marconi (2019)Lakatos, E. M., & Marconi, M. A. (2019). Sociologia geral. São Paulo: Atlas., a interação social engloba significados e expectativas em relação às ações de outros, de modo que é possível dizer que a interação é a reciprocidade de ações sociais. Por essa razão, falar em percepções coletivas, e mais especificamente no conteúdo psicológico que trazem consigo, permite-nos deduzir que existem diferenças de intensidade e de força em relação aos fenômenos observados.

Consoante com a inferência anterior, podemos pensar nas percepções compartilhadas de suporte organizacional como um constructo coletivo, pois ele foi definido com base em sua função. Procedendo dessa forma, foi possível falar em suporte organizacional em nível coletivo, uma vez que tanto as percepções individuais quanto as coletivas possuem a mesma função. A obtenção de um modelo multinível e as relações preditivas das variáveis em nível coletivo também ratificam a validade do constructo e a significância do constructo de nível superior que resulta do processo (Klein & Kozlowski, 2000Klein, K., & Kozlowski, S. (2000). Multilevel theory: Research and methods in organizations. San Francisco: Jossey-Bass.).

O modelo obtido nesta pesquisa parece se sustentar na teoria da reciprocidade (Gouldner, 1960Gouldner, A. W. (1960). The norm of reciprocity: A preliminary statement. American Sociological Review, 25, 161-178.), em que o desempenho individual é uma forma de o trabalhador retribuir à organização o bom tratamento oferecido por ela. Conforme as premissas da reciprocidade social, podemos entender que os trabalhadores da organização entendem que são os receptores e a organização é a doadora, haja vista a relação preditiva encontrada aqui. Essas crenças por parte do trabalhador contribuem para a construção de sua identidade social tomando essa relação de troca social como base. Isso ocorre porque o indivíduo se identifica como um beneficiário e a organização é identificada por ele como uma fonte social de apoio. Portanto, no presente estudo, conclui-se que o desempenho que se espera de um indivíduo está relacionado com a percepção que ele e sua equipe têm do suporte organizacional, da justiça organizacional e do bem-estar no trabalho.

6. CONCLUSÃO

O objetivo de analisar as relações preditivas, por meio de abordagem multinível, entre as variáveis bem-estar no trabalho, justiça organizacional e suporte organizacional e a variável desempenho individual no trabalho foi cumprido, uma vez que o modelo multinível encontrado demonstrou tais interações. É justamente na identificação do efeito preditivo das percepções coletivas de suporte organizacional que reside a principal contribuição deste estudo. Essa contribuição não se limita à relação estatística por ora encontrada, mas inclui também as implicações relacionadas ao papel das equipes no desempenho do indivíduo e no modo como este percebe a realidade organizacional. Como foi discutido anteriormente, o sentimento de identidade social que emerge do fato de o indivíduo se sentir parte de um grupo pode ser a chave para entender a chamada identidade organizacional.

Embora os resultados desta pesquisa sejam significativos por fornecerem evidências da representatividade das equipes de trabalho para o desempenho do indivíduo no trabalho, a própria composição das equipes se constitui em limitação para a generalização dos resultados. Como foi descrito anteriormente, as equipes foram formadas com base na segmentação geográfica adotada pelo Banco, refletindo uma especificidade do seu contexto organizacional. Além disso, não foi possível contar com informações referentes à composição das equipes, focando aspectos dos padrões de interação social. Entretanto, para compreender as especificidades das unidades e equipes, a adoção de métodos qualitativos no estudo de variáveis situadas em nível de grupo pode ajudar a identificar as equipes nas quais existam maior coesão no compartilhamento de percepções e as equipes mais fragmentadas, com pouca coesão entre as percepções.

Não obstante as contribuições teóricas, os resultados desta pesquisa indicaram que o bem-estar dos trabalhadores deve ser uma preocupação premente dos gestores e de suas organizações, tendo em vista o desempenho positivo almejado. As práticas que contemplam as condições de trabalho podem merecer mais atenção, pois têm como foco a proteção e o cuidado dos colaboradores em termos de benefícios, saúde, segurança e tecnologia. Uma vez que a carga de trabalho tem mostrado um papel relevante no desempenho individual do trabalho, é recomendado que as organizações revejam a carga de trabalho de seus trabalhadores com base nas atividades realizadas pelas equipes, principalmente investigando quais aspectos da cultura organizacional estão por trás das percepções coletivas das unidades em relação à carga de trabalho.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    03 Jun 2019
  • Aceito
    17 Nov 2020
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