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O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR DO SETOR FARMACÊUTICO DIANTE DA DEMANDA NÃO ATENDIDA - IMPLICAÇÕES PARA A CADEIA DE SUPRIMENTOS

CONSUMER BEHAVIOR IN THE PHARMACEUTICAL INDUSTRY IN CASE OF STOCKOUT - IMPLICATIONS TO SUPPLY CHAIN MANAGEMENT

RESUMO

Neste artigo é realizado um estudo sobre o comportamento dos clientes de uma drogaria, na situação de não haver encontrado o produto desejado. O objetivo deste estudo é avaliar o comportamento dos clientes, considerando a importância dos consumidores como elo final da cadeia de suprimentos de um setor. O comportamento de compra dos consumidores finais afeta decisivamente o gerenciamento da cadeia de suprimentos, uma vez que influencia a tomada de decisões das várias empresas da cadeia. Conhecer efetivamente o comportamento dos vários elos da cadeia, incluindo o consumidor final, traz inúmeras vantagens, entre elas maior compreensão de interligações especialmente significativas na cadeia, melhor gestão da capacidade produtiva, política de estocagem mais eficiente e facilidade para focalizar uma perspectiva de longo prazo. Um mapeamento das associações das possíveis decisões comportamentais dos clientes a suas características individuais foi obtido por meio da técnica de análise de correspondência múltipla. Essa análise permitiu maior compreensão de aspectos subjacentes ao comportamento dos clientes da drogaria que foi objeto de estudo deste trabalho.

PALAVRAS-CHAVE
Comportamento do consumidor; Cadeia de suprimentos; Análise de correspondência múltipla

ABSTRACT

This paper analyses the behavior of consumers of a drugstore when they do not find the desired product. The objective of this study is evaluating consumer behavior, considering their importance as the final element of the supply chain. Consumer behavior definitely affects supply chain management, since it influences the decision making of the organizations that form this chain. Knowing the real chain element’s behavior, including the final consumer, brings many advantages - better understanding of especially important chain links, better management of production capacity, more efficient inventory policies and ability to focus at longterm perspective. A perceptual map associating consumer decisions and their characteristics was obtained by the statistical technique multiple correspondence analysis. This analysis allowed better understanding of consumer’s behavior of the drugstore in study.

KEYWORDS
Consumer behavior; Supply chain; Multiple correspondence analysis

1 INTRODUÇÃO

Antecipar tendências do comportamento do cliente pode propiciar às empresas uma vantagem estratégica importantíssima. As empresas com mais chances de sobreviver e prosperar no mercado serão aquelas cujos administradores despenderem menos tempo preocupando-se em posicionar sua empresa entre os concorrentes atuais e mais tempo tentando visualizar um novo espaço competitivo, ou seja, um espaço definido pelas necessidades e desejos do cliente (SHETH; MITTAL; NEWMAN, 2001SHETH, J. N.; MITTAL, B.; NEWMAN, B. I. Comportamento do cliente - Indo além do comportamento do consumidor. Tradução Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Atlas, 2001.). A previsão de tendências no comportamento dos clientes oferece várias vantagens às empresas. Inicialmente, aquele que percebe primeiro uma necessidade de mercado pode ser o primeiro a trabalhar para satisfazê-la. Segundo, visualizando uma tendência, pode-se criar um mercado que canalize uma necessidade latente. Em terceiro, antecipar tendências das necessidades e desejos dos clientes e responder a elas cria uma opinião pública positiva para a empresa e para o setor. Além disso, conhecer o comportamento do cliente é fundamental para o gerenciamento eficiente da cadeia de suprimentos da empresa. Atualmente, para oferecer os melhores produtos ou serviços aos clientes finais da cadeia, é necessário que a empresa e seus distribuidores vençam cada vez mais desafios (DEVOE, 2001DEVOE, B. Changing landscape keeps all of us on our toes. Industrial Distribution, New York, McGraw Hill Publishing, v. 90, n. 3, sec. F, p. 4, Mar. 2001.).

A importância do gerenciamento da cadeia de suprimentos tem aumentado nos últimos anos (DAVIS; AQUILANO; CHASE, 2001DAVIS, M. M.; AQUILANO, N. J.; CHASE, R. B. Fundamentos da administração da produção. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.). A estrutura da cadeia pode variar para as diferentes empresas, mesmo quando atuam em um mesmo mercado. Cada cadeia de suprimentos é única, com características e peculiaridades próprias. Daí a importância de uma empresa conhecer os próprios consumidores finais, suas preferências e os objetivos de desempenho valorizados por eles. Todas as análises de redes devem começar, portanto, do lado dos clientes, com a compreensão dos elementos de competitividade. A seguir, devem ser identificadas as partes que mais contribuem para o serviço ao consumidor final. É essencial, portanto, que o relacionamento entre todos os elos da cadeia de suprimentos tenha o mesmo foco: atender às necessidades e aos desejos do cliente final (CARTER, 2001CARTER, T. Five common fulfillment mistakes. World Trade, Troy, Business News Publishing Company, v. 14, n. 3, p. 44, Mar. 2001.).

Este estudo tem a finalidade de estudar o comportamento dos clientes na situação de não-obtenção do produto procurado em uma drogaria. Para o alcance desse objetivo, definiram-se alguns objetivos mais específicos, a saber:

  • revisão da literatura para maior compreensão da relação do comportamento do consumidor com a cadeia de suprimentos;

  • levantamento das ações dos clientes de uma drogaria diante da situação de não-disponibilidade do produto desejado;

  • detecção da relação das características do consumidor com o seu comportamento na situação configurada neste estudo;

  • identificação de ações à luz dos resultados encontrados.

2 REVISÃO DA LITERATURA

Os resultados deste trabalho podem ser utilizados como um instrumento de informação para o estabelecimento pesquisado, bem como para os demais participantes de sua cadeia de suprimentos. A Figura 1 ilustra a associação entre o comportamento do cliente e a cadeia de suprimentos.

Figura 1
COMPORTAMENTO DO CLIENTE COMO FONTE DE INFORMAÇÃO PARA A CADEIA DE SUPRIMENTOS

2.1 CADEIA DE SUPRIMENTOS

Nenhuma operação produtiva, ou parte dela, existe isoladamente (SLACK; CHAMBERS; JOHNSTON, 2002SLACK, N.; CHAMBERS, S.; JOHNSTON, R. Administração da produção. Tradução Maria Teresa Corrêa de Oliveira. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002.). Todas as operações, ou os elos, que fazem parte de uma cadeia maior são dependentes e interconectadas umas com as outras. Cada elo mantém atividades de aquisição, transformação e vendas com os elos adjacentes. Essa cadeia, também chamada de rede, inclui fornecedores e clientes, fornecedores dos fornecedores e clientes dos clientes, e assim por diante. A Figura 2 ilustra uma cadeia de suprimentos, também chamada de sistema de marketing.

Figura 2
CADEIA DE SUPRIMENTOS (SISTEMA DE MARKETING)

No lado do fornecimento, existe o grupo de operações que fornece diretamente para a operação - é chamado de fornecedor de “primeira camada” ou fornecedor direto. Esse, por sua vez, é suprido por fornecedores de “segunda camada”. Algumas vezes, fornecedores, principalmente os de segunda camada em um setor, podem suprir uma operação diretamente contornando um elo da rede. Observa-se na Figura 2 que podem existir relações diretas entre fornecedores e clientes de segunda camada, ocorrendo um salto de elos na cadeia produtiva. Além disso, a cadeia total pode ter clientes além dos de primeira e segunda camadas. Os fornecedores e os clientes que têm contato direto com uma operação são denominados “rede imediata de fornecimento”.

Ao mesmo tempo que ocorre o fluxo de bens ou serviços dos fornecedores para os clientes, cada elo da rede envia, no sentido inverso, pedidos e informações para seus fornecedores. Quando os estoques se reduzem, os varejistas fazem pedidos aos atacadistas e ao fabricante. Os atacadistas, por sua vez, também farão pedidos ao fabricante. Esse fará pedidos aos fornecedores, que completarão seus estoques com produtos que recebem de seus próprios fornecedores. Ocorre, portanto, um processo de duas vias, com bens ou serviços fluindo em um sentido e informações no sentido contrário. Uma observação que deve ser realizada neste ponto é a importância cada vez maior que a atividade de aquisição passará a ter no futuro próximo. Uma das funções que será a base da cadeia de suprimentos é a aquisição (HALLAM, 2000HALLAM, T. The future is now. Purchasing, Boston, Cahners Publishing, v. 129, n. 11, sec. S, p.34, Dec. 2000.). Durante o decorrer desta década, compras será uma das funções dentro de uma organização que passará por grandes transformações. É muito importante que uma empresa considere a rede da qual faz parte em sua totalidade. Há no mínimo três razões que justificam tal atitude:

  • ajuda a empresa a compreender como competir efetivamente;

  • ajuda a identificar interligações especialmente significativas na rede;

  • ajuda a empresa a focalizar uma perspectiva de longo prazo na rede.

As empresas com mentalidade competitiva devem, sem dúvida, preocuparse com os clientes e os fornecedores imediatos. Algumas vezes, porém, é interessante olhar além dessas relações imediatas, para se compreender o contexto da rede como um todo. Dessa forma, é possível entender a forma como clientes e fornecedores agem, e por que agem assim. Confiar apenas na rede imediata é encarado como colocar fé demasiada no julgamento de outra empresa sobre aspectos fundamentais para a própria saúde competitiva de uma organização. Além disso, redes de suprimento podem se tornar obsoletas, independentemente da qualidade de algumas partes individuais da rede. Mesmo empresas bem-sucedidas podem fracassar por causa de falhas de seus clientes de camadas mais próximas. Para entender redes de suprimentos, é essencial identificar as partes que contribuem para se atingirem os objetivos de desempenho valorizados pelos consumidores finais. Todas as análises de redes devem começar, portanto, do lado dos clientes, com a compreensão dos elementos de competitividade. A seguir, devem ser identificadas as partes que mais contribuem para o serviço ao consumidor final. No caso de uma drogaria, seus consumidores são os próprios clientes finais da cadeia de suprimentos. Nada mais lógico, portanto, que conhecer o comportamento dos clientes para adquirir as informações necessárias para uma gestão eficiente e eficaz da cadeia de suprimentos.

2.2 COMPORTAMENTO DO CLIENTE

Entender o comportamento do cliente é de fundamental importância para o sucesso das empresas de todo o mundo (SHETH; MITTAL; NEWMAN, 2001SHETH, J. N.; MITTAL, B.; NEWMAN, B. I. Comportamento do cliente - Indo além do comportamento do consumidor. Tradução Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Atlas, 2001.). O estudo do comportamento do cliente oferece os conhecimentos básicos necessários para decisões empresariais de sucesso. Aprendendo sobre o comportamento dos clientes, os profissionais de negócios podem entender por que os clientes compram o que compram ou, de forma mais genérica, por que eles respondem aos estímulos do mercado da maneira como o fazem. O propósito dos negócios é criar e manter clientes satisfeitos. Os lucros são o resultado final, um efeito desejável, de criar um cliente satisfeito. Se os clientes insatisfeitos deixarem de comprar os produtos de uma empresa, ela sem dúvida irá fracassar (DRUCKER apud SHETH; MITTAL; NEWMAN, 2001SHETH, J. N.; MITTAL, B.; NEWMAN, B. I. Comportamento do cliente - Indo além do comportamento do consumidor. Tradução Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Atlas, 2001.). Compreendendo essa realidade, as empresas e seus funcionários estão se esforçando em mudar o modo de tratar seus clientes, para a satisfazê-los continuamente. Empresas que possuem orientação para o cliente desenvolvem uma maior compreensão dos desejos e das necessidades dos clientes, do ambiente competitivo e da natureza do mercado em que atuam. Ao se tornarem orientadas para o cliente, as empresas conquistam uma notável vantagem competitiva no mercado externo e, internamente, passam a cultivar funcionários satisfeitos e orgulhosos.

O comportamento do cliente pode ser definido como “as atividades físicas e mentais realizadas por clientes de bens de consumo e industriais que resultam em decisões e ações, como comprar e utilizar produtos e serviços, bem como pagar por eles”. Convencionalmente, utiliza-se o termo consumidor para referir-se apenas aos mercados de bens de consumo. Alguns autores, no entanto, utilizam o termo cliente, por considerá-lo mais abrangente, uma vez que se refere tanto a uma pessoa como a uma unidade organizacional (SHETH; MITTAL; NEWMAN, 2001SHETH, J. N.; MITTAL, B.; NEWMAN, B. I. Comportamento do cliente - Indo além do comportamento do consumidor. Tradução Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Atlas, 2001.).

As pessoas podem desempenhar vários papéis na decisão de uma compra -iniciador, influenciador, decisor, comprador e usuário. O iniciador é aquele que dá a idéia de comprar um produto ou serviço específico. O influenciador é aquele cujos conselhos ou opiniões podem influenciar a decisão. O decisor é o indivíduo que toma a decisão, ou parte dela, sobre a compra. O comprador é aquele que efetivamente faz a compra. O usuário é a pessoa que consome ou utiliza o produto ou serviço. Diferentes indivíduos ou grupos podem desempenhar um ou mais dos diversos papéis do cliente. A divisão de papéis do cliente entre indivíduos ou grupos é chamada de especialização de papéis. É interessante notar que cada uma das pessoas que desempenha um papel pode apresentar comportamentos diferentes em relação à compra do mesmo produto (KOTLER; ARMSTRONG, 1999KOTLER, P; ARMSTRONG, G. Princípios de marketing. Tradução Vera Whately. 7. ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1999.)- No contexto deste estudo, é interessante detectar a existência de influen-ciadores na decisão a ser tomada pelo cliente da drogaria focalizada, no caso de não disponibilidade do medicamento desejado.

Quanto à necessidade de um cliente, a forma com que poderá ser satisfeita depende da história, das experiências e do meio ambiente de cada indivíduo. Já o desejo é a vontade de obter mais satisfação em determinada condição (SOLOMON, 1999SOLOMON, M. R. Consumer behavior - Buying, having and being. 4. ed. New Jersey: Prentice Hall, 1999.).

Todo o comportamento dos clientes é orientado por suas necessidades e seus desejos, cuja satisfação eles buscam e valorizam. Assim, o comportamento do cliente é orientado pelo valor ou benefício percebido por meio da aquisição e uso do produto ou serviço. O valor percebido de um produto é descrito como um equilíbrio entre os benefícios percebidos (ou qualidade) e o custo percebido, tanto monetário como não monetário, necessário para adquiri-lo (SCHIFFMAN; KANUK, 2000SCHIFFMAN, L. G.; KANUK, L. L. Comportamento do consumidor. Tradução Vicente Ambrósio. 6. ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 2000.). Um valor de mercado é o potencial que um produto ou serviço tem de satisfazer às necessidades e aos desejos dos clientes. O contexto ou a situação do cliente pode conferir maior ou menor valor a um produto ou serviço.

Se o valor percebido por um cliente em determinada marca de produto atingir ou exceder suas expectativas, esse indivíduo estará disposto à recompra, desde que possua recursos para tanto. Pode-se dizer, nesse caso, que esse cliente é fiel à marca e terá menor chance de trocar de marca na hora da compra.

O conhecimento dos conceitos apresentados nesta seção referente ao comportamento do cliente proporciona condições para uma compreensão de possíveis implicações na administração da cadeia de suprimentos da drogaria que foi objeto de interesse neste estudo.

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS

3.1 TIPO DE PESQUISA E DE COLETA DE DADOS

Em consonância com os objetivos deste trabalho, foi realizada uma pesquisa de caráter quantitativo e descritivo. Os dados utilizados neste artigo foram obtidos mediante o método de levantamento com entrevistas pessoais, com a aplicação de questionários a clientes de uma drogaria, logo após o ato de compra (ou tentativa de compra) de um medicamento ou produto de higiene. Os clientes foram solicitados a fornecer:

  • dados pessoais (idade, gênero, local de residência, escolaridade e renda familiar);

  • dados comportamentais (freqüência de compra no estabelecimento em estudo, o tipo de medicamento/produto procurado e se este havia sido encontrado ou não);

  • atitude na fase de decisão de compra (telefonar para o médico para auxiliá-lo na decisão de troca do medicamento não encontrado);

  • atitude ligada à fidelidade à marca de um produto não disponível (procura em outra drogaria ou espera até que esta drogaria tenha o produto).

Os conceitos teóricos levantados na revisão da literatura proporcionaram uma base para a construção do instrumento de coleta de dados aplicado nesta pesquisa. Na fase de decisão de compra de determinados medicamentos, pode-se supor que os papéis de iniciador e influenciador sejam desempenhados pelo médico do indivíduo que será o usuário. Prevendo essa situação, no questionário aplicado aos compradores, incluiu-se uma alternativa em que o indivíduo poderia telefonar para o médico para auxiliá-lo na decisão de troca do medicamento não encontrado. Já a questão da fidelidade à marca do produto foi contemplada com a proposta de alternativas, tais como “procura em outra drogaria” ou “espera até que esta drogaria tenha o produto”, na situação de não-disponibilidade do produto procurado. Características do perfil sociodemográfico também foram investigadas, visando à aferição de associações de tais aspectos com o comportamento do entrevistado na situação de comprador de medicamentos.

3.2 POPULAÇÃO E AMOSTRAGEM

A população focalizada neste estudo consiste nos freqüentadores de uma drogaria, que tenham visitado esse estabelecimento mais de uma vez. A população-alvo pode ser considerada uma população infinita, e esse critério foi utilizado na escolha da fórmula de cálculo da amostra desta pesquisa. A metodologia escolhida para se obterem os dados foi a amostragem aleatória simples, tendo ™ todo elemento da população a mesma chance de ser incluído na amostra. Para - este trabalho, o tamanho da amostra foi obtido considerando-se um erro de 8%, com um intervalo de confiança de 90% (z = 1,645). Assim, foram aplicados 106 questionários. Para evitar desvios, em virtude da possível sazonalidade de horários, os questionários foram aplicados em diversos horários do dia e da noite, em vários dias da semana. Como o objetivo desta pesquisa é identificar tendências de comportamento do consumidor do estabelecimento em estudo na população-alvo, foram descartados os consumidores que visitavam a drogaria pela primeira vez, por não apresentarem nenhuma experiência anterior.

3.3 HIPÓTESE DO ESTUDO

Este trabalho foi desenvolvido com a perspectiva de verificar se há relação entre a fidelidade à marca de um medicamento de drogaria e características so-ciodemográficas do consumidor.

A hipótese que norteou a realização da pesquisa estabelece que a fidelidade independe de características pessoais do consumidor.

Para verificá-la, algumas técnicas estatísticas foram empregadas e seus resultados encontram-se na seção 5.

3.4 TÉCNICAS ESTATÍSTICAS UTILIZADAS NA ANÁLISE DOS RESULTADOS

Para o alcance dos objetivos deste estudo, foram selecionadas algumas técnicas estatísticas que podem ser classificadas nos contextos bivariado e multivariado.

3.4.1 ANÁLISE BIVARIADA

Para detectar associações entre pares de variáveis, serão feitos testes bivaria-dos que proporcionarão maior entendimento das relações existentes.

O teste qui-quadrado de independência empregado neste estudo tem por finalidade avaliar se existe algum grau de associação, ou seja, dependência, entre as variáveis. A hipótese H0 testada refere-se à independência entre essas variáveis.

3.4.2 ANÁLISE MULTIVARIADA

A tecnologia computacional atualmente disponível possibilitou extraordinários avanços na análise de dados relacionados à psicologia, à sociologia e a outras áreas comportamentais (HAIR JUNIOR et al., 1998HAIR JUNIOR., J. F. et al. Multivariate data analysis with readings. 4. ed. New Jersey: Prentice Hall,1998.). O impacto é evidente quando se observa a análise relativamente simples de uma grande quantidade de dados complexos. Esse avanço tecnológico tornou possível expandir o entendimento e a aplicação de técnicas estatísticas conhecidas como análise multivaria-da. As técnicas de análise multivariada possuem a vantagem de possibilitar questionamentos em cenários naturais consideravelmente complexos. Isso permite conduzir pesquisas teóricas e avaliar os efeitos de variações de determinados parâmetros no contexto em que elas normalmente ocorrem. Dessa forma, as correlações naturais entre as múltiplas influências no comportamento podem ser preservadas, e os efeitos separados dessas influências podem ser estudados estatisticamente, sem a necessidade de isolamento individual de variáveis. É apenas por meio de técnicas de análise multivariada que relações múltiplas podem ser adequadamente analisadas a fim de se obter uma compreensão mais completa e realista para a tomada de decisões.

Neste trabalho, será utilizada a técnica de análise de correspondência múltipla ou análise de homogeneidade para analisar os dados obtidos. Análise de correspondência é uma técnica de análise multivariada associada a mapas perceptuais (HAIR JUNIOR et al., 1998HAIR JUNIOR., J. F. et al. Multivariate data analysis with readings. 4. ed. New Jersey: Prentice Hall,1998.). Essa correspondência é a base para a construção de um mapa perceptual, que é a representação visual das percepções de objetos (categorias, características, preferências) em duas ou mais dimensões. Cada objeto tem uma posição espacial no mapa perceptual, e objetos percebidos como similares ou associados são alocados em pontos próximos no mapa, ao passo que objetos percebidos como não associados são representados em pontos distantes. A proximidade, portanto, indica o nível de associação entre categorias representadas nas linhas e nas colunas da tabela. Neste estudo, procurou-se identificar associações entre atitudes do cliente diante da demanda não atendida e características do seu perfil sociodemográfico.

4 RESULTADOS

A seguir, apresenta-se um resumo dos principais resultados obtidos na pesquisa.

4.1 PERFIL DA AMOSTRA

Os resultados foram obtidos por meio da aplicação de 106 questionários, logo após a compra (ou tentativa de compra) de algum produto em uma drogaria. Dos consumidores entrevistados, 50% eram do sexo masculino e 50% do sexo feminino, com idades variando de 11 a 84 anos.

Dentre os entrevistados, apenas 12% haviam cursado até o nível fundamental (completo ou incompleto), 18,5% cursaram até o nível médio (completo ou incompleto), e a maioria, 69,4%, possuía nível superior (completo ou incompleto) ou de pós-graduação. É interessante notar que essa distribuição não representa a proporção da população brasileira, mas pode ser explicada pelo fato de o estabelecimento em estudo localizar-se nas redondezas de uma instituição de ensino superior.

Com relação à faixa de renda familiar, 13,9% dos entrevistados apresentam renda familiar de até 5 salários mínimos; 54,6% têm renda familiar entre 5 e 20 salários mínimos; e 31,5% possuem renda familiar acima de 20 salários mínimos.

Quanto à freqüência de compras na drogaria pesquisada, quase a metade da amostra compõe-se de freqüentadores assíduos: 14% freqüentam-na raramente, 25% às vezes, 22% quase sempre e 47% declararam sempre fazer compras nesse estabelecimento.

Os consumidores foram questionados sobre seu comportamento na situação de não haver encontrado o produto desejado naquela drogaria, e eles poderiam escolher uma ou mais das sete alternativas descritas na Tabela 1, que também apresenta a porcentagem dos consumidores que escolheram cada alternativa. É interessante lembrar que, como havia a possibilidade de escolher mais de uma alternativa, a soma total das porcentagens é maior que 100%. Isso reflete a realidade da situação de decisão do consumidor: ao não encontrar o produto desejado, por exemplo, ele pode decidir comprar o produto genérico. Se não houver o genérico, o cliente pode, então, decidir procurar em outra drogaria.

Tabela 1
RESULTADOS DA QUESTÃO SOBRE COMPORTAMENTO

Para as demais análises estatísticas - teste qui-quadrado e análise de correspondência múltipla -, a alternativa (ou o conjunto de alternativas) escolhida na questão sobre comportamento foi analisada e transformada em uma nova variável - fidelidade à marca do produto desejado, que está implícita nas situações “procura em outra drogaria” ou “espera até que esta drogaria tenha o produto”, na situação de não-disponibilidade do produto procurado.

Dos clientes entrevistados, observou-se que 67,6% são fiéis à marca, enquanto 32,4% não o são.

4.2 TESTES DE INDEPENDÊNCIA QUI-QUADRADO (X2)

Foram realizados quatro testes de independência qui-quadrado, por meio dos quais foram testadas as seguintes hipóteses:

  • H0: As variáveis sexo e fidelidade à marca são independentes.

  • Ha: As variáveis sexo e fidelidade à marca são dependentes.

  • H0: As variáveis idade e fidelidade à marca são independentes.

  • Ha: As variáveis idade e fidelidade à marca são dependentes.

  • H0: As variáveis escolaridade e fidelidade à marca são independentes.

  • Ha: As variáveis escolaridade e fidelidade à marca são dependentes.

  • H0: As variáveis renda e fidelidade à marca são independentes.

  • Ha: As variáveis renda e fidelidade à marca são dependentes.

  • H0: As variáveis freqüência e fidelidade à marca são independentes.

  • Ha: As variáveis freqüência e fidelidade à marca são dependentes.

Os níveis de significância descritivos obtidos nos testes foram superiores a 0,05, conforme a Tabela 2, conduzindo-nos à não-rejeição de H0.

Tabela 2
QUI-QUADRADO E NÍVEL DE SIGNIFICÂNCIA DESCRITIVO

Esses testes evidenciam, portanto, que a fidelidade à marca é independente de características sociodemográficas dos consumidores.

4.3 ANÁLISE DE CORRESPONDÊNCIA MÚLTIPLA

Foi realizada uma análise de correspondência múltipla com as variáveis sexo, idade, escolaridade, renda familiar, fidelidade e freqüência. Para esta análise, utilizaram-se duas dimensões espaciais. Os resultados mostram que a primeira dimensão é ligeiramente mais importante que a segunda, porém pode-se observar que a importância de ambas as dimensões é relativamente equilibrada, de acordo com os respectivos Eigenvalues exibidos na Tabela 3.

Tabela 3
VALORES DOS EIGENVALUES

A Tabela 4 apresenta as medidas de discriminação de cada variável em cada dimensão.

Tabela 4
MEDIDAS DE DISCRIMINAÇÃO DAS VARIÁVEIS

Observando-se as medidas de discriminação, nota-se que, na dimensão 1, as variáveis escolaridade e renda são as mais importantes, e, na dimensão 2, a variável de maior peso é a idade. Observa-se, também, que a variável sexo praticamente não discrimina em nenhuma das dimensões. Acrescente-se o fato de que a variável fidelidade também apresenta baixos níveis de discriminação. Com as medidas de discriminação das variáveis, obteve-se o Gráfico 1.

Gráfico 1
MEDIDAS DE DISCRIMINAÇÃO

Com a análise de correspondência, obteve-se o seguinte mapeamento perceptual (veja o Gráfico 2). Observa-se que é bastante disperso, com os pontos relacionados à variável fidelidade relativamente próximos à origem dos eixos, sobretudo no caso da dimensão horizontal. Como é justamente essa variável que representa o foco de maior interesse neste estudo, se o seu posicionamento nesse gráfico revelasse afastamento em relação à origem, os níveis das demais variáveis que se aproximassem de cada um de seus dois níveis estariam mais fortemente associados a eles. Como não é o caso, depreende-se que o comportamento de fidelidade do cliente da drogaria focalizada independe das demais variáveis inseridas nesse mapeamento. Em outras palavras, nenhuma das características sociodemográficas pesquisadas mostrou-se relacionada à fidelidade de um consumidor na hora da compra. Recomenda-se, portanto, cautela na interpretação do mapeamento gerado pela análise de correspondência múltipla. Por exemplo, a proximidade dos níveis da variável sexo com os de fidelidade poderia sugerir erroneamente uma relação de dependência. A variável sexo, tanto masculino como feminino, também se encontra bem próxima à origem dos eixos. Essa variável claramente não discrimina o comportamento do consumidor quanto à fidelidade à marca. Seria possível, equivocadamente, imaginar que os homens são mais infiéis à marca e as mulheres mais fiéis, já que, no gráfico, os pontos “masculino” e “não fiel” encontram-se relativamente na mesma altura (o mesmo acontecendo para os pontos “feminino” e “fiel”). Ocorre que, pelas medidas de discriminação, na Tabela 4, e pela visualização de seu poder de discriminação, no Gráfico 1, as variáveis sexo e fidelidade não apresentam relação de dependência com nenhuma das variáveis incluídas nesse processamento e, por esse motivo, estão gravitando ao redor da origem dos eixos e expondo uma proximidade ambígua.

Gráfico 2
MAPEAMENTO PERCENTUAL

Quanto às demais variáveis, se o objetivo do estudo fosse analisar relações entre variáveis do perfil do cliente de drogaria, de um modo geral, sem interesse específico no quesito fidelidade, uma interpretação plausível seria o relacionamento de algumas características de renda familiar com as de escolaridade. Nessa perspectiva, as evidências maiores repousam nas proximidades dos pares de categorias (nível superior, R3) e (nível fundamental, R1). A categoria R2 mostrase eqüidistante dos níveis de escolaridade médio e superior. De qualquer forma, fica patente a relação crescente entre níveis de escolaridade e de renda. Assim, quanto maior for a instrução, maior será a renda familiar dos freqüentadores da drogaria deste estudo.

Tendo em vista os resultados da Tabela 2, fica evidente a falta de associação entre a variável fidelidade e cada uma das variáveis do perfil da amostra. O mapeamento da análise de correspondência múltipla corroborou os resultados dos testes qui-quadrado realizados. Para facilitar a sua visualização, as duas variáveis de maior número de subníveis, idade e freqüência, não foram colocadas no mesmo mapeamento. Para complementar a análise, a seguir será mostrado um novo mapeamento com a substituição da variável idade por freqüência (Gráfico 3). Fazendo-se uma interpretação análoga à do Gráfico 2, fica patente a falta de associação entre a variável fidelidade e as variáveis do perfil dos usuários da drogaria estudada.

Gráfico 3
MAPEAMENTO PERCENTUAL

Os resultados encontrados na aplicação de algumas técnicas estatísticas conduzem à confirmação da hipótese deste estudo apresentada na seção 3.3:

  • - a fidelidade independe de características pessoais do consumidor.

Como 67,6% dos entrevistados declararam-se fiéis à marca, independentemente de características pessoais dos mesmos, a drogaria pesquisada deve planejar um abastecimento de seus estoques para reter este público.

5 CONCLUSÃO

Os resultados obtidos com base nas análises realizadas mostram que não existe relação entre as variáveis sociodemográficas - sexo, idade, escolaridade, renda familiar e freqüência de compras na drogaria - e a fidelidade de um consumidor em relação a determinada marca de produto. Essa conclusão é importante para o estabelecimento em estudo, pois sugere que não é recomendável um tratamento diferenciado dos clientes. Se o estabelecimento em questão tivesse a intenção, por exemplo, de elaborar estratégias de atendimento diferenciado, não obteria nenhuma vantagem com seu esforço.

Além disso, o estudo mostrou que, de uma forma geral e não diferenciada, aproximadamente 68% dos clientes são fiéis à marca do produto que desejam comprar, ou seja, não aceitariam trocá-lo por outro equivalente. Com essa informação, o estabelecimento pode decidir a política de estoques necessária para atingir um certo nível de atendimento. Com base na decisão de estocagem do estabelecimento em estudo, os demais elementos da cadeia de suprimentos estabeleceriam políticas de estocagem alinhadas.

REFERÊNCIAS

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  • SOLOMON, M. R. Consumer behavior - Buying, having and being. 4. ed. New Jersey: Prentice Hall, 1999.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    2007

Histórico

  • Recebido
    21 Jan 2005
  • Aceito
    04 Dez 2006
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