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Ambiente construído e atividade física: uma breve revisão dos métodos de avaliação

Resumos

Fortes evidências indicam que o ambiente onde as pessoas vivem possui grande influência na atividade física. O atual entendimento desta relação é baseado em estudos realizados em países desenvolvidos e culturalmente distintos, podendo não ser aplicável ao contexto do Brasil. Neste sentido, melhor entendimento dos métodos de avaliação do ambiente relacionado à prática de atividade física pode colaborar com o desenvolvimento dos estudos nesta nova área no contexto Brasileiro. O presente estudo busca apresentar, de forma breve, os principais métodos de avaliação do ambiente construído relacionado à atividade física. Três principais meios de obter informações sobre o ambiente têm sido utilizados: 1) baseados na percepção do ambiente; 2) observação sistemática do ambiente e 3) baseados em informações geoprocessadas. Estes métodos têm sido aplicados para avaliar, principalmente, densidade populacional, uso misto do solo, locais para a prática de atividade física, padrão das ruas, cobertura de calçadas/ciclovias, transporte público e segurança/estética dos locais. No Brasil, ainda são escassos os estudos investigando a relação do ambiente com a atividade física, no entanto, parece ser crescente o número de pesquisas sobre este tema. Desta forma, é necessário aumentar o número de estudos e desenvolver métodos aplicáveis ao contexto brasileiro para aumentar o entendimento sobre o assunto.

Revisão; Atividade física; Meio ambiente; Saúde pública


There is strong evidence indicating that the environment where people live has a marked influence on physical activity. The current understanding of this relationship is based on studies conducted in developed and culturally distinct countries and may not be applicable to the context of Brazil. In this respect, a better understanding of methods evaluating the relationship between the environment and physical activity may contribute to the development of new studies in this area in Brazil. The objective of the present study was to briefly describe the main methods used to assess the relationship between built environment and physical activity. Three main approaches are used to obtain information about the environment: 1) environmental perception; 2) systematic observation, and 3) geoprocessing. These methods are mainly applied to evaluate population density, mixed land use, physical activity facilities, street patterns, sidewalk/bike path coverage, public transportation, and safety/esthetics. In Brazil, studies investigating the relationship between the environment and physical activity are scarce, but the number of studies is growing. Thus, further studies are necessary and methods applicable to the context of Brazil need to be developed in order to increase the understanding of this subject.

Review; Physical activity; Environment; Public health


ARTIGO DE REVISÃO

Ambiente construído e atividade física: uma breve revisão dos métodos de avaliação

Built environment and physical activity: a brief review of evaluation methods

Adriano Akira Ferreira HinoI,II; Rodrigo Siqueira ReisI,II; Alex Antonio FlorindoIII

IPontifícia Universidade Católica do Paraná. Grupo de Pesquisa em Atividade Física e Qualidade de Vida. Curitiba, PR. Brasil

IIUniversidade Federal do Paraná. Grupo de Pesquisa em Atividade Física e Qualidade de Vida. Curitiba, PR. Brasil

IIIUniversidade de São Paulo. Grupo Escola de Artes, Ciências e Humanidades. Grupo de Estudos e Pesquisas Epidemiológicas em Atividade Física e Saúde. São Paulo, SP. Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Adriano Akira Ferreira Hino Rua Guglielmo Marconi, nº 870 casa 11 - Bairro alto CEP 82820-250 - Curitiba, PR. Brasil E-mail: akira_manaca@yahoo.com.br

RESUMO

Fortes evidências indicam que o ambiente onde as pessoas vivem possui grande influência na atividade física. O atual entendimento desta relação é baseado em estudos realizados em países desenvolvidos e culturalmente distintos, podendo não ser aplicável ao contexto do Brasil. Neste sentido, melhor entendimento dos métodos de avaliação do ambiente relacionado à prática de atividade física pode colaborar com o desenvolvimento dos estudos nesta nova área no contexto Brasileiro. O presente estudo busca apresentar, de forma breve, os principais métodos de avaliação do ambiente construído relacionado à atividade física. Três principais meios de obter informações sobre o ambiente têm sido utilizados: 1) baseados na percepção do ambiente; 2) observação sistemática do ambiente e 3) baseados em informações geoprocessadas. Estes métodos têm sido aplicados para avaliar, principalmente, densidade populacional, uso misto do solo, locais para a prática de atividade física, padrão das ruas, cobertura de calçadas/ciclovias, transporte público e segurança/estética dos locais. No Brasil, ainda são escassos os estudos investigando a relação do ambiente com a atividade física, no entanto, parece ser crescente o número de pesquisas sobre este tema. Desta forma, é necessário aumentar o número de estudos e desenvolver métodos aplicáveis ao contexto brasileiro para aumentar o entendimento sobre o assunto.

Palavras-chave: Revisão; Atividade física; Meio ambiente; Saúde pública.

ABSTRACT

There is strong evidence indicating that the environment where people live has a marked influence on physical activity. The current understanding of this relationship is based on studies conducted in developed and culturally distinct countries and may not be applicable to the context of Brazil. In this respect, a better understanding of methods evaluating the relationship between the environment and physical activity may contribute to the development of new studies in this area in Brazil. The objective of the present study was to briefly describe the main methods used to assess the relationship between built environment and physical activity. Three main approaches are used to obtain information about the environment: 1) environmental perception; 2) systematic observation, and 3) geoprocessing. These methods are mainly applied to evaluate population density, mixed land use, physical activity facilities, street patterns, sidewalk/bike path coverage, public transportation, and safety/esthetics. In Brazil, studies investigating the relationship between the environment and physical activity are scarce, but the number of studies is growing. Thus, further studies are necessary and methods applicable to the context of Brazil need to be developed in order to increase the understanding of this subject.

Keywords: Review; Physical activity; Environment; Public health.

INTRODUÇÃO

Níveis adequados de atividade física (AF) têm sido recomendados como forma de se obter benefícios para a saúde física e mental1. Apesar disto, ainda é elevada a prevalência de inatividade física em diversos países do mundo. Dados obtidos pelo sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL) indicam que 26,3% dos brasileiros residentes nas capitais estão expostos a níveis insuficientes de AF2. A combinação dos custos associados à inatividade física3 e dos benefícios da AF têm incentivado o estudo dos fatores que podem tornar as estratégias para aumentar a AF na população mais efetivas4.

Por décadas, as pesquisas sobre AF empregaram modelos e teorias que abordam influências psicológicas e sociais sobre este comportamento5,6. Tais aspectos parecem explicar uma grande parte desta conduta7, no entanto, as intervenções com este enfoque apresentam efeito pequeno e temporário além de atingirem, relativamente, poucas pessoas6. Esta característica limita a aplicação destes modelos em intervenções comunitárias.

Por esta razão, nos últimos anos, as intervenções têm enfatizado a aplicação de "modelos ecológicos". Tais modelos têm sido reconhecidos como mais abrangentes e promissores para o entendimento sobre a AF, uma vez que pressupõe que o comportamento humano é afetado por diferentes níveis de influência (intrapessoal, interpessoal, comunitário e social ou cultural) e da interação entre eles6. Nestes modelos, o ambiente apresenta um importante aspecto na formação do comportamento das pessoas. A premissa é que como as pessoas praticam AF em um espaço físico e as características ali presentes são fundamentais para a formação dos padrões de AF8. A partir deste entendimento, os estudos abordando a influência do ambiente sobre a AF ganhou especial atenção nos últimos anos9, 10.

De fato, aspectos do ambiente natural como clima, vegetação e topografia parecem influenciar a AF, no entanto, as características do ambiente construído têm sido aquelas mais amplamente estudadas10. O ambiente construído compreende as construções, espaços e objetos que são criados ou alterados pelo homem, porém, tais características influenciam de maneira específica cada contexto ou domínio da AF (transporte, ocupação, lazer, atividades do lar)11. Por exemplo, assume-se que o sistema de transporte de uma cidade influencie o quanto as pessoas caminhem ou pedalem de um local para outro mais do que as AF realizadas no ambiente doméstico. Considerando este aspecto, a maior parte dos estudos com enfoque no ambiente construído investiga a AF no lazer ou como meio de transporte, uma vez que tais domínios são potencialmente mais suscetíveis a intervenções ambientais e de grande abrangência populacional.

Mesmo existindo evidências sobre a associação entre o ambiente construído e AF, ainda são escassos os estudos sobre este tema em países em desenvolvimento, como o Brasil. Em uma das mais recentes revisões sistemáticas sobre o tema, 47 estudos atenderam os critérios de inclusão adotados, e destes, mais da metade eram de origem Norte Americana (55%) e 26% oriundos da Austrália10. Para os autores do trabalho, "não está claro o quanto a associação encontrada nestes estudos podem ou não ser aplicados, por exemplo, em países europeus"10. Da mesma maneira, ainda não é possível afirmar em que medida os achados atuais sobre ambiente construído e AF são aplicáveis a outras regiões do mundo.

Apesar de já existirem alguns estudos realizados no Brasil, ainda são poucas as evidências sobre ambiente construído e AF no país. Florindo et al.12, em uma amostra representativa de adultos residentes nas capitais brasileiras, identificou que a percepção de locais para prática de AF próximos da residência está associada com a AF12. Entre residentes de Recife-PE, pessoas que percebem "não existir calçadas para caminhar e estruturas para prática de AF" apresentaram menor chance de realizarem AF no lazer13. Entre idosos, Salvador et al., identificaram que a percepção de presença de locais públicos e privados para prática de AF e a segurança foram associados a AF no lazer em um distrito de São Paulo14. Finalmente, entre adolescentes de Curitiba-PR, aqueles que perceberam menor acessibilidade, ausência de equipamentos para AF ou de atividades que gostam nos espaços públicos da cidade utilizam menos os locais para AF15.

Em parte, a carência de estudos pode estar associada ao pouco conhecimento sobre os métodos de avaliação do ambiente construído, o que é constatado pela escassez de instrumentos adaptados ou criados para o contexto brasileiro. Até a presente data, apenas dois instrumentos estão disponíveis para avaliar características do ambiente construído no Brasil16,17. Aumentar o conhecimento acerca de como medir o ambiente construído pode colaborar no desenvolvimento de novos métodos e instrumentos adequados ao contexto brasileiro. Assim, o objetivo do presente estudo é apresentar uma revisão sobre os principais métodos de avaliação do ambiente construído relacionado à AF de lazer e deslocamento e descrever as características mais frequentemente avaliadas.

DESENVOLVIMENTO

Medindo o ambiente relacionado à atividade física

Atualmente, é relativamente grande o número de estudos que têm avaliado as relações entre o ambiente construído e AF10,18. De fato, as relações do ambiente construído com a AF são intuitivas. Não é difícil presumir que se as pessoas não têm onde fazer AF, elas não farão. Ou ainda, se estes locais são feios e inseguros, a chance das pessoas utilizarem é menor. Apesar desta relativa simplicidade conceitual, avaliar o ambiente construído tem sido um desafio para os estudiosos da área. Atualmente, três formas de se obter informações sobre as características do ambiente construído são utilizadas: 1) Medidas baseadas na percepção do ambiente construído; 2) Medidas obtidas a partir da observação sistemática do ambiente; e 3) Medidas baseadas em dados geoprocessados19. A percepção do ambiente, ainda que as pessoas relatem de maneira razoável o que existe no entorno de onde vivem, é considerada uma medida subjetiva. Por outro lado, a observação sistemática e as informações obtidas por dados geoprocessados são consideradas medidas diretas. Estes métodos serão discutidos separadamente a seguir.

Medidas baseadas na percepção do ambiente

Definição: Medir a percepção do ambiente é a forma mais simples e utilizada9,20 e consiste na avaliação de como as pessoas percebem as características próximas a sua residência. Em geral, compreende perguntas simples e diretas como: "As lojas do seu bairro são próximas da sua casa para ir caminhando?"; sendo a opção de resposta usualmente em escala likert de 4 a 5 pontos.

Pontos fortes: Este método é conduzido por entrevistas tanto face a face como por telefone ou, ainda, autopreenchidos, e neste caso, pode ser aplicado por correio tradicional ou eletrônico. Tais características tornam este um método simples e de menor custo e que permite avaliar aspectos qualitativos do ambiente como estética e segurança pública.

Pontos fracos: A subjetividade é uma das principais limitações, pois as pessoas tendem a reportar melhor eventos episódicos do que aqueles mais comuns21, o que pode explicar a dificuldade em relatar atributos relacionados à AF de transporte, comparada à AF de lazer. Da mesma forma, sujeitos com renda, escolaridade ou idade distinta podem relatar percepções diferentes sobre o mesmo atributo (e.g segurança).

Instrumentos disponíveis: Existe uma grande quantidade de instrumentos para avaliar o ambiente percebido. Ao todo, mais de 100 instrumentos são encontrados na literatura, variando em tamanho, entre 7 e 68 questões, e complexidade19. Um dos mais utilizados é o Neighborhood Environment Walkability Scale (NEWS) com 67 itens e sua versão abreviada (A-NEWS) com 54 questões22. Este é um dos poucos instrumentos traduzido e adaptado para o português17 e compreende diversos atributos relacionados ao caminhar por transporte ou lazer. O Physical Activity Neighborhood Environment Survey, é o módulo para avaliação do ambiente percebido do Questionário Internacional de Atividade Físia (IPAQ)23. Com seis questões, o instrumento avalia densidade residencial, uso misto do solo, acesso a transporte público, presença de calçadas/ciclovias, presença de estruturas recreativas gratuitas e segurança em relação à criminalidade. Embora tenha sido empregado no Brasil24, estudos de validade do instrumento não estão disponíveis na literatura.

Exemplo de estudos: Recentemente, um estudo avaliou a associação entre o ambiente percebido e a AF em 11 países (n=11.541), incluindo o Brasil24, empregando o Physical Activity Neighborhood Environment Survey. Os resultados indicam que percepção de maior acesso a áreas comerciais, ponto de ônibus, com calçadas, locais para pedalar e espaços públicos gratuitos está associada com atingir as recomendações para AF24. Em uma amostra representativa das capitais brasileiras, utilizando questões originais, constatou-se que pessoas que relatam possuir locais para fazer caminhadas e praticar exercícios físicos próximos das residências apresentam, aproximadamente, 60% mais chance de praticarem AF no lazer12. Até o momento, grande parte do corpo de evidências sobre a influência da relação do ambiente com AF é baseado na percepção das pessoas. As revisões publicadas, até o presente momento, apesar de destacarem os estudos realizados com medidas subjetivas ou objetivas, apresentam conclusões baseadas nos resultados obtidos pelos dois métodos9,10. Porém, um estudo de meta-análise, utilizando somente medidas percebidas, indicou que a presença de locais para AF, calçadas, comércios e serviços e perceber que o trânsito não é um problema, tem associação positiva com AF25.

Medidas baseadas na observação sistemática

Definição: Consiste na observação direta dos locais por pessoas treinadas. Os observadores quantificam e qualificam as características do ambiente e empregam inventários ou "Audits" para registrar as informações16. Este método tem sido bastante utilizado para obter informações, principalmente, em estruturas recreativas como parques19 e ciclovias26.

Pontos fortes: a observação sistemática permite obter dados precisos de atributos quantitativos e qualitativos, o que não é possível no sistema baseado em dados geoprocessados. De fato, a qualidade de calçadas, a presença de lixo nas ruas ou de estruturas danificadas em parques são características que só podem ser obtidas, de maneira objetiva, por meio da observação direta, por exemplo.

Pontos fracos: A observação do ambiente requer a visita aos locais avaliados e que observadores percorram todo o espaço registrando o que vêem. Portanto, o tempo para a coleta de dados depende da quantidade, tamanho e tipo dos locais (ex: rua, quadra, parque, pista de caminhada) e ainda, do número de itens incluídos no instrumento. Por exemplo, instrumentos para avaliar ruas requerem entre 10 a 20 minutos por segmento19. Além do tempo de observação, ainda deve ser considerado o tempo necessário para o treinamento dos observadores, usualmente, entre 2 e 3 dias27. Por estas razões, este método não é facilmente empregado para áreas extensas, como cidades inteiras, sendo mais usual avaliar bairros ou comunidades menores.

Instrumentos disponíveis: É relativamente grande o número de instrumentos desenvolvidos para a observação direta do ambiente19. O Physical Activity Resource Assessment (PARA) é um instrumento de apenas uma página, bastante prático para avaliar a presença de estruturas para AF no lazer e possui, ainda, um website com acesso ao formulário, protocolo e definições operacionais do instrumento (http://grants.hhp.coe.uh.edu/undo/assesstools/Assess_tools.htm). Até o momento, o único instrumento disponível ao contexto brasileiro foi desenvolvido pelo Grupo de Estudos e Pesquisas Epidemiológicas em Atividade Física e Saúde da USP-Leste (GEPAF). O instrumento permite avaliar o padrão das ruas, cobertura e qualidade de calçadas, estética, segurança e transporte público16 e apresentou bons indicadores de reprodutibilidade,

Exemplo de estudos: O PARA foi aplicado em áreas de 800m, em 12 regiões de baixo nível socioeconômico na cidade de Kansas City-EUA. Dentre os achados, constatou-se que residentes de áreas com maior acesso a estruturas para AF, com melhor padrão estético e com ruas bem conectadas tendem a ser mais fisicamente ativos28. Hoehner at al, avaliaram 1159 ruas, em sete setores censitários na cidade de Savannah e 4 setores na cidade de Saint Louis (EUA) e utilizaram limites de 400m em torno da residência dos participantes do estudo. Como resultado, aqueles residentes em áreas com maior uso misto do solo, disponibilidade de transporte público, ruas com melhor padrão estético e menor proporção de calçadas quebradas apresentaram maior chance de caminhar ou pedalar29.

Medidas baseadas em dados geoprocessados

Definição: Nos últimos anos, tem aumentado o uso dos Sistemas de Informação Geográficas (SIG). O SIG é um conjunto de ferramentas que permite a obtenção, armazenamento, análise e apresentação de dados baseados em informações identificadas espacialmente30. Tais informações são, geralmente, retiradas de imagens obtidas por satélite ou por fotografias aéreas. Logo, a obtenção dos dados é um processo complexo e altamente custoso. Por esta razão, os estudos que investigam a relação entre ambiente construído e AF necessitam, na maior parte das vezes, que tais dados já estejam disponíveis para análise. Estas informações, quando disponíveis, estão em posse dos departamentos de engenharia e planejamento urbano das cidades ou em órgãos específicos (dep. de iluminação pública, transporte urbano, parques e praças, etc.) ou ainda, em empresas privadas de geoprocessamento. A principal característica do emprego do SIG é a sobreposição dos atributos do ambiente com os individuais (ex: tempo de caminhada, uso de bicicleta, etc)30, 31.

Pontos fortes: O SIG é considerado a única medida objetiva do ambiente construído exequível em análises individuais (ex: inquéritos) realizadas em grandes áreas como, por exemplo, cidades inteiras31. Dentre as medidas existentes, é a única que permite determinar, por exemplo, distâncias entre o domicílio e destinos específicos como parques, lojas, academias, etc.

Pontos fracos: Diversas limitações têm sido apontadas no uso dos SIG em estudos com AF. Pode haver uma dissociação temporal entre os atributos ambientais e AF uma vez que as informações não são obtidas simultaneamente. Outro aspecto é que a qualidade dos espaços e instalações não é capturada o que pode levar a resultados inconclusivos31, 32. Por exemplo, a relação entre a proximidade de espaços públicos (parques, praças, bosques) e AF é obtida de maneira precisa, no entanto, os dados analisados via SIG não consideram a estética ou qualidade dos locais e equipamentos presentes33.

Instrumentos disponíveis: Como não se trata de um único instrumento para obtenção de informações, as recomendações mais recentes apresentam um conjunto de procedimentos empregando análises geoespaciais34. Para tanto, são empregados programas específicos, como o ARCGIS (ESRI), um dos mais utilizados em SIG34. No entanto, ainda não há padronização de indicadores o que dificulta comparações entre os estudos que empregam esta abordagem34. Neste sentido, o International Physical Activity and Environment Network (IPEN) tem sugerido alguns procedimentos para a realização de estudos que empregam SIG, para analisar a associação entre ambiente e AF utilizando análise em SIG30.

Exemplo de estudos: Apesar da falta de padronização, estudos realizados em países diferentes aplicaram metodologia idêntica, permitindo a comparação entre os resultados obtidos. O Neighborhood Quality of Life Study (NQLS) nos Estados Unidos35, o Physical Activity in Localities and Community Environments (PLACE) na Austrália36 e o Belgian Environmental Physical Activity Study (BEPAS)37 investigaram a associação entre AF no lazer e AF no transporte com um índice composto por atributos do ambiente (densidade residencial, uso misto do solo e conectividade das ruas). Além do ambiente, a AF também foi avaliada de maneira objetiva (acelerômetros). Os três estudos suportaram a hipótese de que pessoas que vivem em áreas mais densas, com ruas bem conectadas e uso do solo mais diversificado tendem a ser mais fisicamente ativas.

DEFININDO UNIDADES DE ANÁLISE

Um aspecto importante que devem ser considerados é determinar a unidade de análise adequada para o estudo, pois esta reflete a precisão na relação entre o ambiente e o sujeito. Tal procedimento também depende do método a ser empregado (subjetivo ou objetivo), porém o que se busca, independente do método, é determinar o ambiente único ao qual o sujeito se encontra exposto.

Quando a medida empregada é a percepção do ambiente, a unidade de análise adotada é menos precisa, e nem sempre é bem definida. Neste caso, geralmente se define as unidades de análise como sendo locais aonde as pessoas possam ir caminhando por um determinado tempo (ex: 10min; 15min ou 20 minutos), tendo como referência o domicílio e o bairro da pessoa. No caso da observação sistemática e medidas baseadas em SIG, geralmente, determina-se uma área (buffer) em torno da residência de cada sujeito e os indicadores são, então, criados em relação a esta área. Ainda não há consenso na literatura quanto ao tamanho destas áreas, no entanto, geralmente são consideradas distâncias que as pessoas possam alcançar caminhando 10 ou 15 minutos, as quais, usualmente, variam entre 500m a 1000m de raio. Porém, estudos têm empregado áreas com raios que variam de 400m a 8 Km19, indicando a dificuldade em estabelecer um parâmetro comum aos estudos. Uma vez que as pessoas se deslocam usualmente pelas ruas e calçadas para se deslocar, portanto, não obstáculos naturais ou construídos são desviados, a rede de segmentos têm sido considerada ao determinar os buffers. Exemplos de buffers, o primeiro considerando 500m de raio e outro considerando 500m percorrendo a rede de segmentos em torno da residência, são apresentados na figura 1.


Todavia, quando os dados disponíveis não permitem uma avaliação detalhada, por exemplo, quando não é possível obter dados em nível domiciliar, assume-se que as pessoas estão contidas dentro de uma mesma área (ex: quarteirão, setor censitário ou bairro). Em seguida, os atributos ambientais da área são determinados e considera-se que todas as pessoas contidas nesta área estão expostas a este conjunto de atributos. Um exemplo desta estratégia são os estudos coordenados pelo IPEN no qual os indicadores de interesse (densidade populacional, uso misto do solo e intersecção de ruas e renda) são calculados para todos os setores censitários e aqueles setores de interesse são selecionados com base nesta informação. Neste caso, somente após a seleção da unidade de análise (ex: setor censitário) é que são selecionados os sujeitos do estudo (ex: residentes nos domicílios contidos no setor censitário).

De um modo geral, é possível considerar que a definição das unidades de análise segue duas estratégias, a primeira parte do sujeito para o seu entorno e a segunda, segue a direção inversa, ou seja, os dados espaciais são agregados para então localizar os sujeitos. A adoção de uma estratégia em detrimento à outra é dependente dos recursos disponíveis, muito embora as estratégias de análise e possivelmente, as conclusões, sejam distintas entre as abordagens.

CARACTERÍSTICAS DO AMBIENTE CONSTRUÍDO

Diversas características do ambiente construído têm sido estudadas nos últimos anos. Entre estas, as mais investigadas estão relacionadas ao uso misto do solo, à disponibilidade de locais para AF, ao padrão das ruas, à cobertura de calçadas/ciclovias, ao acesso a transporte público, à estética e segurança pública19. No Quadro 1 são apresentadas e descritas tais características.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

As evidências disponíveis demonstram que as características dos locais em que as pessoas vivem estão associadas com a AF18. No entanto, avaliar tais características de maneira precisa tem sido um desafio aos pesquisadores, pois a AF é um comportamento humano complexo.

O presente estudo buscou apresentar os principais métodos de avaliação do ambiente construído, de tal forma que, o melhor entendimento dos métodos possa ajudar a aumentar as evidências de como o ambiente pode influenciar na AF em países em desenvolvimento como o Brasil. O pequeno número de estudos sobre este tema pode, em parte, ser explicado pela falta de instrumentos traduzidos e adaptados para o nosso contexto. A disponibilidade de dados geoprocessados que possam ser utilizados nos estudos sobre AF também é uma barreira na maior parte das cidades brasileiras. A presente revisão não é definitiva sobre o tema, mas apresenta as principais e mais atuais possibilidades de instrumentos e abordagens empregadas no estudo do ambiente construído e AF. Para que os avanços no desenvolvimento de métodos adequados ao contexto brasileiro ocorram, é necessário aumentar o número de estudos sobre o tema, aplicando os métodos já estabelecidos e aprimorando o conhecimento sobre as relações existentes entre ambiente e AF no Brasil.

Recebido em 10/02/10

Revisado em 21/04/10

Aprovado em 16/05/10

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  • Endereço para correspondência:

    Adriano Akira Ferreira Hino
    Rua Guglielmo Marconi, nº 870 casa 11 - Bairro alto
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Fev 2012
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Aceito
      16 Maio 2010
    • Revisado
      21 Abr 2010
    • Recebido
      10 Fev 2010
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