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A autopercepção de alunos com deficiência intelectual em diferentes espaços-tempos da escola

La autopercepcion de los alumnos con deficiencia intelectual en diferentes espacios-tiempos de la escuela

Self-perception of students with intellectual deficiency regarding different space-time at school

Resumos

Estudo de caso com aproximações etnográficas, objetivando conhecer e analisar a autopercepção de três alunos com deficiência intelectual em diferentes espaços-tempos da escola, com ênfase na Educação Física. Os instrumentos se pautaram nas entrevistas, observações e diário de campo. Os resultados denunciam uma autopercepção negativa dos sujeitos foco, especialmente quando associada aos processos de ensino/aprendizagem vividos nos diferentes espaços-tempos da escola, inclusive na Educação Física. Entretanto, a participação em um projeto intitulado "A Trupe do Palhaço Caramelo" operou positivamente nos modos de simbolização/percepção dos envolvidos, visto que eles saíam da condição de figuração vivida anteriormente para experimentar o protagonismo de suas respectivas histórias de vida.

Autopercepção; deficiência intelectual; Educação Física; inclusão


Estudio de caso con aproximaciones etnográficas, con el objetivo de conocer y analizar la autopercepción de tres alumnos con deficiencia intelectual en diferentes espacios-tiempos de la escuela, con énfasis en la Educación Física. Los instrumentos se delinearon en las entrevistas, observaciones y diario de terreno. Los resultados denuncian una autopercepción negativa de los sujetos foco, especialmente cuando se la asocia a los procesos de enseñanza∕aprendizaje vividos en los diferentes espacios-tiempos de la escuela, incluso en la Educación Física. Sin embargo, la participación en un proyecto titulado "A Trupe do Palhaço Caramelo" operó positivamente en los modos de simbolización∕percepción de los involucrados en el proceso, ya que salían de la condición de figurantes vivida anteriormente, para asumir el protagonismo de sus respectivas historias de vida.

Autopercepción; deficiencia intelectual; Educación Física; inclusión


Study case with ethnographic approaches, aiming at knowing and analyzing the self-perception of three students with intellectual deficiency at different space-time in school, focusing on Physical Education. The instruments were based on interviews, observations and field diary. The results indicate a negative self-perception of the focus subjects, mainly when it is associated to the teaching/learning processes experienced at the different space-time, including Physical Education. However, the participation in a Project titled "A Trupe do Palhaço Caramelo" (Caramelo Clown Troupe) worked positively in the symbolization/perception ways of the ones involved, since they left the figuration condition previously lived to experiment the main role of their respective life stories.

Self-perception; intellectual deficiency; Physical Education; inclusion


ARTIGOS ORIGINAIS

A autopercepção de alunos com deficiência intelectual em diferentes espaços-tempos da escola

Self-perception of students with intellectual deficiency regarding different space-time at school

La autopercepcion de los alumnos con deficiencia intelectual en diferentes espacios-tiempos de la escuela

Dr. José Francisco ChiconI; Dra. Maria das Graças Carvalho Silva de SáII

IDoutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), Professor Adjunto do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo (CEFD/UFES), Pesquisador do Laboratório de Educação Física Adaptada (LAEFA/CEFD/UFES) (Vitória – Espírito Santo – Brasil) E-mail: chiconjf1@yahoo.com

IIDoutora em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Professora Adjunta do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo (CEFD/UFES), Pesquisadora do Laboratório de Educação Física Adaptada (LAEFA/CEFD/UFES) (Vitória – Espírito Santo – Brasil) E-mail: mgracasilvasa@gmail.com

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: José Francisco Chicon Rua: Francisco de Araújo Machado, n. 50 Antônio Honório, Vitória-ES CEP 29070-865

RESUMO

Estudo de caso com aproximações etnográficas, objetivando conhecer e analisar a autopercepção de três alunos com deficiência intelectual em diferentes espaços-tempos da escola, com ênfase na Educação Física. Os instrumentos se pautaram nas entrevistas, observações e diário de campo. Os resultados denunciam uma autopercepção negativa dos sujeitos foco, especialmente quando associada aos processos de ensino/aprendizagem vividos nos diferentes espaços-tempos da escola, inclusive na Educação Física. Entretanto, a participação em um projeto intitulado "A Trupe do Palhaço Caramelo" operou positivamente nos modos de simbolização/percepção dos envolvidos, visto que eles saíam da condição de figuração vivida anteriormente para experimentar o protagonismo de suas respectivas histórias de vida.

Palavras-chave: Autopercepção; deficiência intelectual; Educação Física; inclusão.

ABSTRACT

Study case with ethnographic approaches, aiming at knowing and analyzing the self-perception of three students with intellectual deficiency at different space-time in school, focusing on Physical Education. The instruments were based on interviews, observations and field diary. The results indicate a negative self-perception of the focus subjects, mainly when it is associated to the teaching/learning processes experienced at the different space-time, including Physical Education. However, the participation in a Project titled "A Trupe do Palhaço Caramelo" (Caramelo Clown Troupe) worked positively in the symbolization/perception ways of the ones involved, since they left the figuration condition previously lived to experiment the main role of their respective life stories.

Keywords: Self-perception; intellectual deficiency; Physical Education; inclusion.

RESUMEN

Estudio de caso con aproximaciones etnográficas, con el objetivo de conocer y analizar la autopercepción de tres alumnos con deficiencia intelectual en diferentes espacios-tiempos de la escuela, con énfasis en la Educación Física. Los instrumentos se delinearon en las entrevistas, observaciones y diario de terreno. Los resultados denuncian una autopercepción negativa de los sujetos foco, especialmente cuando se la asocia a los procesos de enseñanza∕aprendizaje vividos en los diferentes espacios-tiempos de la escuela, incluso en la Educación Física. Sin embargo, la participación en un proyecto titulado "A Trupe do Palhaço Caramelo" operó positivamente en los modos de simbolización∕percepción de los involucrados en el proceso, ya que salían de la condición de figurantes vivida anteriormente, para asumir el protagonismo de sus respectivas historias de vida.

Palabras clave: Autopercepción; deficiencia intelectual; Educación Física; inclusión.

INTRODUÇÃO

O estudo em tela busca suscitar o debate sobre o processo de inclusão no âmbito das práticas pedagógicas em Educação Física, com foco na forma como se estrutura a autopercepção1 1 . Para efeito deste estudo, concebemos autopercepção como modos de simbolização/percepção que o sujeito constrói sobre si a partir dos processos de interação social vividos em diferentes contextos (concretos e/ou simbólicos) presentes em nossa cultural (CIAMPA, 1981; GOERGEN, 2001). de alunos com deficiência intelectual,2 2 . Conceitualmente, a deficiência intelectual é caracterizada como um funcionamento intelectual geral significativamente abaixo da média, oriundo do período de desenvolvimento, concomitante com limitações associadas à capacidade do indivíduo em responder adequadamente às demandas da sociedade, em especial quanto ao seu comportamento adaptativo, com manifestações expressas nas habilidades práticas, sociais e conceituais, originando-se antes dos dezoito anos de idade (LUCKASSON et al., 2002) considerando algumas redes de significações que atravessam os processos pedagógicos (formais e não formais) de ensino por eles experienciados nos diferentes espaços-tempos da escola, com ênfase nas aulas da Educação Física.

Concebemos, neste estudo, uma significativa contribuição no sentido de se ampliar o olhar para as diferentes/diversas possibilidades de ação desses indivíduos, abrindo-lhes a possibilidade de acesso, permanência e sucesso na escola, tanto numa perspectiva quantitativa quanto qualitativa,3 3 . Para Magda Soares (1999), a perspectiva quantitativa refere-se à ampliação de ofertas educacionais, ampliação de estabelecimentos de ensino, obrigatoriedade e gratuidade do ensino elementar; e a perspectiva qualitativa reporta-se a reformas educacionais, reformulação da organização escolar, introdução de novas metodologias de ensino, aperfeiçoamento do professor, entre outras. de modo que esse convívio contribua para a formação de um cidadão crítico e atuante, capaz de reconhecer-se como alguém que ultrapassa a condição amorfa de objeto para tornar-se sujeito de sua própria vida (CIAMPA, 1981).

Concordamos com Sawaia (2001) e Skliar (2002), ao defenderem um entendimento sobre a inclusão que denuncie o poder hegemônico colonizador, a economia mundial excludente, o desrespeito aos direitos sociais e que considere, como eixo da reflexão, a ressignificação desses valores, observando a temporalidade individual, a afetividade e o desejo do indivíduo de não só se tornar igual, mas também de distinguir-se e ser reconhecido em busca de uma solidariedade desenvolvida a partir dos imperativos da liberdade, da democracia e da cidadania crítica.

Desse modo, Sawaia (2001, p. 98) nos anuncia:

A exclusão vista como sofrimento de diferentes qualidades recupera o indivíduo perdido nas análises econômicas e políticas [estatísticas, abstrações], sem perder o coletivo. Dá força ao sujeito, sem tirar a responsabilidade do Estado. É no sujeito que se objetivam as várias formas de exclusão, a qual é vivida com motivação, carência, emoção e necessidade do eu. Mas ele não é um nômade responsável por sua situação social e capaz de, por si mesmo, superá-la.

Essa perspectiva analítica pode recuperar os indivíduos, na medida em que reflete sobre o "cuidado" que o Estado deveria ter com seus cidadãos, ao despertar para a análise acerca do sofrimento que mutila o cotidiano, a possibilidade de autonomia e a subjetividade dos sujeitos, contestando uma política estatal abstrata e instrumental.

Nesse contexto, não podemos deixar de assinalar a influência que o panorama social exerce em relação às políticas públicas em Educação Especial, promovendo um distanciamento entre a proposta inclusiva e a sua efetivação nos cotidianos escolares. Em nossa contemporaneidade, podemos afirmar que, apesar de haver um avanço nas discussões e produções acadêmicas presentes em nossa sociedade, ainda há muito a se construir a fim de promovermos, efetivamente, a inclusão prevista na Declaração de Salamanca, cujo objetivo era oferecer educação para todos, independentemente de suas diferenças.

Nas palavras de Omote (1996, p. 133), apesar dos avanços a partir dos anos 80, impulsionados por políticas nacionais que tinham em seu bojo o movimento internacional de Educação para Todos, muitas ambiguidades ainda acompanham o processo de escolarização das pessoas com deficiência,

[...] os deficientes deixaram de ser abandonados à própria sorte e conquistaram o direito à vida. [...] conquistaram o direito à educação escolar e alguns passaram a freqüentar as mesmas escolas ou até as mesmas classes junto com alunos não deficientes [...]. Apesar de tudo isso, o quadro de atendimento ao deficiente está ainda bastante distante do desejável [...].

Em frente ao exposto, presenciamos, no contexto escolar atual, a exclusão tanto "[...] da escola como na escola" (FERRARO, 1999, p. 24). A primeira é caracterizada pelo não acesso à escola como também pela evasão; a segunda refere-se à exclusão operada dentro do processo educativo, por meio da reprovação e da repetência.

Entendemos que essa condição perversa de exclusão escolar operada na escola camufla a realidade dos processos inclusivos. Anteriormente, com a reprovação ou até mesmo com a não aceitação da matrícula desses alunos na escola, podíamos ter um panorama mais real sobre a situação. Ver, agora, esses alunos/as matriculados sendo promovidos aleatoriamente, muitas vezes apenas por uma questão legal, dá-nos um entendimento irreal sobre a inclusão. Isso não significa que estamos defendendo a segregação escolar. Antes, entretanto, a exclusão acontecia somente no âmbito do acesso a escola; agora, ela se evidencia dentro da escola.

A inserção pura e simples desses alunos no ensino regular, sem nenhum tipo de preparação da comunidade em geral, não configura a inclusão que defendemos. Essa atitude é nociva, pois desconsidera que esses alunos necessitam de uma atenção singular, deslocando o eixo dos processos de ensino, que deveriam centrar-se em suas potencialidades, para suas deficiências, para uma perspectiva homogeneizadora, caracterizada como "ensino de massas".

Ao nos remetermos aos cotidianos das aulas de Educação Física escolar, vislumbramos aulas fundamentadas nas perspectivas liberais tecnicistas (LIBÂNEO, 2008) da aptidão física, que, de fato, excluem todo aquele que não se enquadra num estereótipo predeterminado de aluno, independente de ter alguma deficiência. Conforme pesquisa de Berto (2003, p. 21):

Ao direcionarmos nosso foco para o âmbito escolar, identificamos diversos mecanismos excludentes (o não acesso, a não permanência, os preconceitos, etc.), principalmente quando desenvolvemos uma ação pedagógica fundamentada no dualismo, ou seja, na insistente separação entre corpo e mente ou, corpo e alma como se competisse a uma disciplina escolar lidar com o corpo enquanto a mente fica por conta das demais disciplinas.

Segundo a autora, algumas práticas pedagógicas em Educação Física escolar, ao elegerem como finalidades de suas aulas a aptidão física numa perspectiva de rendimento físico/biológico, tornam-se excludentes, pois desconsideram outros significativos conteúdos produzidos na/pela cultura e inviabilizam uma ação pedagógica que considere "[...] o ser em todas as suas dimensões humanas, ou seja, acima da visão dualista" (BERTO, 2003, p. 22).

Outra vertente a ser contemplada neste trabalho centra-se na análise sobre a estruturação dos modos de simbolização dos sujeitos deste estudo, considerando a sua interação social no contexto escolar e tomando por referência os estudos de Mantoan et al. (1997), Jesus (2002) e Chicon (2005), ao afirmarem que os alunos com deficiência intelectual são os que representam maior dificuldade no processo de inclusão, devido, principalmente, às suas limitações no campo intelectual e, também, pelo fato de, geralmente, não serem ouvidos em suas necessidades e interesses.

Nessa perspectiva, Sawaia (2001) nos alerta para o fato de que as subjetividades presentes nos processos dialéticos e complexos de exclusão/inclusão não são explicadas somente pelas dimensões econômicas. São as diversas possibilidades de legitimação social e individual que as determinam e são determinadas por elas. Logo, a forma como ocorrem essas estruturações é um construto que se dá no/com o cotidiano, cujo entendimento deve ser de todos, a fim de que seja possível incluí-los como sujeitos sociais.

Sendo assim, optamos pela investigação das questões que atravessam a construção da subjetividade dos alunos caracterizados como deficientes intelectuais a partir das rotulações ocorridas no contexto escolar, por concebermos que a análise da forma como eles se veem e se avaliam contribuirá para torná-los sujeitos de sua própria história. Para Nunes e Glat (2001, p. 3), essa opção representa uma visão mais humana desses sujeitos:

[...] entrevistar pessoas portadoras de deficiência mental representa uma mudança radical do objeto de estudo e da própria relação do pesquisador com o sujeito, já que se deixa de analisar a doença ou o desvio para compartilhar sua vida.

Assim sendo, para este estudo, objetivamos conhecer e analisar a autopercepção de três alunos com deficiência intelectual em diferentes espaços-tempos da escola, com ênfase na Educação Física.

O PERCURSO INVESTIGATIVO

A pesquisa realizada se constituiu num estudo de caso com aproximações etnográficas, pelo interesse que nos despertou a possibilidade de conhecer o particular, no intuito de esclarecer questões emergentes acerca de três alunos com deficiência intelectual investigados. Teve como foco de análise a construção subjetiva na perspectiva da autopercepção desses alunos sobre os diferentes processos de escolarização por eles vividos, ou seja, "[...] o estudo dos fenômenos em seu acontecer natural [...]" (ANDRÉ, 1995, p. 17). Afinal, o singular também se encontra no plural.

Os sujeitos foco da pesquisa foram três adolescentes (um menino e duas meninas) que cursavam o 5º ano do ensino fundamental com idades de 14 anos, identificados pelos registros escolares como deficientes intelectuais, cujas possibilidades de articulação linguística eram fator preponderante.

Outros sujeitos que participaram foram três professoras regentes das turmas dos três alunos, duas professoras do laboratório pedagógico, a professora de Educação Física, a pedagoga, o diretor/professor da trupe e os responsáveis por esses educandos, totalizando 14 sujeitos envolvidos.

Nossa rotina diária se pautava no acompanhamento do cotidiano escolar dos sujeitos envolvidos em três momentos diferenciados, a saber:

a) aulas regulares em geral, com destaque para as aulas de Educação Física: momentos coletivos em que os três alunos foco desenvolviam atividades pedagógicas conjuntamente com os alunos não deficientes, com base na organização escolar delimitada para a série/ano cursada;

b) atividades desenvolvidas no laboratório pedagógico (atendimento educacional especializado): momentos individuais fora da sala de aula regular, em que esses alunos desenvolviam atividades pedagógicas voltadas para potencializar seus respectivos processos de ensino/aprendizagem a partir das limitações e/ou potencialidades identificadas;

c) projeto extracurricular de ginástica circense intitulado: "Trupe do Palhaço Caramelo": momentos coletivos em que os alunos foco desenvolviam atividades de ginástica geral, organizadas e coordenadas pelo professor de Educação Física, fora do horário regular de aula, conjuntamente com os alunos não deficientes.

A coleta de dados ocorreu ao longo do segundo semestre letivo do ano de 2002, iniciando-se na primeira semana do mês de agosto, quando estabelecemos os primeiros contatos com a comunidade escolar pesquisada e encerrando-se no final do mês de novembro, em uma das escolas municipais de ensino fundamental de Vitória-ES.

Os instrumentos utilizados pautaram-se nas entrevistas semiestruturadas (realizadas com os professores, a pedagoga, o diretor e as mães dos alunos investigados) e recorrentes (realizadas com os alunos investigados), registros em diário de campo e observação. As entrevistas foram devidamente autorizadas (todos os envolvidos preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) pela instituição, pelos professores e pelos pais dos sujeitos foco. Os nomes utilizados no estudo são fictícios.

As entrevistas recorrentes constituíram-se no mais importante instrumento de nosso estudo, por meio das quais foi solicitado aos sujeitos focos que descrevessem seu cotidiano escolar a partir da seguinte fala: como você se sente em sua escola e em sua sala de aula/quadra? Após a realização das entrevistas, transcrevemos os relatos, registrando-os em cadernos de acordo com os diferentes assuntos que emergiram, apresentando-os aos sujeitos foco em entrevistas subsequentes, com vistas a correções necessárias ou a maiores explicações. Em seguida, evidenciamos alguns pontos que mereceram uma nova investigação. Recorremos, então, aos sujeitos para novas entrevistas, até que se "esgotou" a necessidade de investigação. Foram realizadas, ao todo, 12 entrevistas recorrentes, a partir de quatro encontros com cada um dos três sujeitos.

Os dados foram analisados segundo a técnica de análise de conteúdos, com base em Bardin (1994), pela possibilidade que essa técnica nos oferece de investigar um objeto ou problema de pesquisa, tendo como fonte primordial de dados os conteúdos da comunicação. Para André (1995, p. 48), "[...] o grande desafio é saber trabalhar o envolvimento e a subjetividade, mantendo o necessário distanciamento que requer um trabalho científico".

OS PROCESSOS DE AUTOPERCEPÇÃO DOS ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

Neste tópico, analisaremos alguns momentos captados com cada sujeito, no intuito de dissertar acerca de como eles se percebiam no contexto investigado à luz de nosso referencial teórico. Nosso primeiro episódio busca evidenciar como um dos investigados se percebia negativamente, reafirmando os estudos de Jesus (2002) e Berto (2003), ao anunciarem o quanto as aulas fundamentadas em perspectivas hegemônicas liberais comprometem os processos de ensino/aprendizagem de alunos que não se enquadram num estereótipo de "aluno ideal", em especial, quando pensamos em alunos com deficiência intelectual, cuja condição singular interfere significativamente na forma como se apropriam do conhecimento, principalmente quando este é tratado de modo abstrato e descontextualizado de situações vividas. Observe as falas de Beatriz ao tentar vestir um fantoche em sua mão:

Beatriz: Você é burra demais [referindo-se à boneca do fantoche que vestia nas mãos].

Pesquisador: Quem não aprende é burro?

Beatriz: Coelho.

Pesquisador: Alguém fala que você é burra?

Beatriz: Joana [nome de sua mãe].

Pesquisador: Por que ela fala que você é burra?

Beatriz: Peidorreira.

Pesquisador: Ela fala isso? Você se acha burra?

Beatriz: Vou te comer [fala com o fantoche e desconversa o assunto].

Em nosso entender, os diferentes/diversos modos de significação presentes em nossa sociedade interferem diretamente na forma como as pessoas constroem a percepção sobre si e, por consequência, promovem sua segregação e/ou a legitimação social (SAWAIA, 2001). No caso de Beatriz, a forma negativa como ela se percebia ficava explícita ao longo de sua fala.

Acreditamos que a condição como a escola interagia com ela influenciava significativamente nesse processo, haja vista que seu relacionamento com os colegas de sala não era interativo. Só duas colegas lhe davam atenção, mas, mesmo assim, tratavam-na como se ela fosse um objeto, uma "boneca" utilizada até mesmo para gazetear as aulas de Educação Física, das quais muitos desejavam ficar livres. Ou seja, assumiam a condição de "cuidadores de Beatriz" a fim de não participar das atividades propostas pela professora que, por sua vez, não se incomodava com essa situação.

Outro fator a se destacar é que, apesar de Beatriz já estar na escola há mais de três anos, ela só podia entrar em sala de aula com a presença da estagiária e, mesmo assim, somente em dois dias semanais.

No que se refere aos outros dois sujeitos focos, essa condição se repetia em diferentes situações observadas. A seguir, narraremos uma situação com Victor, quando este define o ser deficiente como alguém que não tem expectativa de aprender. Entretanto, ao tentar instigá-lo a analisar com mais profundidade o conceito em xeque, ele interrompe a conversa, provavelmente por não desejar se perceber nessa mesma condição:

Pesquisador: Você tem colegas na sua sala de aula?

Victor: Tenho, o Jonas, Adilson e o Igor. O Igor só vem à escola para passear.

Pesquisador: Por quê?

Victor: Porque ele é desficiente.

Pesquisador: É o quê?

Victor: Desficiente.

Pesquisador: O que é ser desficiente?

Victor: É quem anda na cadeira de rodas.

Pesquisador: Ah! Todo mundo que anda na cadeira de rodas é desficiente?

Victor: Tem umas pessoas que sim, outras que não.

Pesquisador: Ah! Me explica melhor isso, eu não estou entendendo muito bem.

Victor: Desficiente é quem anda na cadeira de rodas! [abaixa a cabeça e fica em silêncio a fim de encerrar o assunto].

Os depoimentos acima evidenciam o quanto Victor e Beatriz apresentam uma autopercepção negativa associada aos processos de ensino/aprendizagem por eles vividos, ou mesmo os que são vividos por outros colegas com deficiência. Em nosso entender, a condição atual de exclusão operada na escola (FERRARO, 1999) se apresenta como um dos maiores desafios à perspectiva da inclusão, em especial quando pensamos num processo de escolarização que tome a diversidade humana como premissa.

Em linhas semelhantes, suas famílias também sofriam reflexos desse contexto pedagógico excludente, no sentido de que, mesmo desejando muito mais para seus filhos, sucumbiam à possibilidade de socialização que a escola lhes oferecia, por acreditar que essa condição já lhes era suficiente, considerando as expectativas sociais voltadas a seus filhos. Acompanhemos os depoimentos de duas mães dos sujeitos foco:

Joana D'Arc, mãe de Beatriz:

Isso, com cinco anos, eu falei não, eu não quero que ela seja formada, mas eu quero que ela decore o número do ônibus que ela tem que apanhar, o endereço da casa dela, o nome dos pais dela, pra ela não precisar depender de ninguém!

Vera, mãe de Rafaela:

Vera: Eu acho meio difícil pra eles, né?

Pesquisador: Como assim?

Vera: Tipo assim, ter uma profissão, eu acho mais difícil.

Pesquisador: E a senhora colocou ela na escola esperando o quê?

Vera: Acho, assim, melhoramento no relacionamento, né?

Pesquisador: Socialização?

Outro fator a reforçar tal reflexão diz respeito às interações escolares por eles experienciadas, consideradas por nós como a representação mais significativa dessa condição excludente, seja nas aulas regulares, as quais só ocorriam com a presença do estagiário, e, no caso de Beatriz, conforme dados anteriores, somente em dias predeterminados, seja nas aulas de Educação Física, quando participavam fazendo "figuração", isto é, representando um personagem sem vida própria, como nos lembra Skliar (2002, p. 4): "Um outro colonizado é um corpo sem corpo. Uma voz que fala sem voz. Que diz sem dizer".

Observe a fala de Beatriz quando conversávamos sobre uma boneca que criamos numa das entrevistas realizadas:

Pesquisador: Como é que nós vamos dar um nome para ela?

Beatriz: Lulu.

Pesquisador: Ela estuda em que série?

Beatriz: 8.ª B.

Pesquisador: 8.ª B?

[...] Pesquisador: Essa menina estudava na escola? Ela era bonita?

Beatriz: [Acenou com a cabeça que sim]. Eu não gosto do laboratório [laboratório de aprendizagem – sala de recurso].

Pesquisador: Você gosta do laboratório?

Beatriz: Eu não quero ir ao laboratório!

Pesquisador: Eu perguntei se ela ia ao laboratório.

Beatriz: Ia.

Pesquisador: Ela gostava?

Beatriz: Sim.

Pesquisador: O que ela fazia lá?

Beatriz: Nada.

[...] Pesquisador: A Lulu ia à aula de Educação Física?

Beatriz: Ia.

Pesquisador: O que ela fazia lá na Educação Física?

Beatriz: Nada.

Chama nossa atenção a percepção que Beatriz apresenta sobre o componente curricular Educação Física. Sua fala denuncia que, também nesse espaço, os alunos com deficiência intelectual não eram atendidos em suas reais necessidades educacionais especiais, conforme se observa na fala de Beatriz. Esses dados nos provocam a pensar que a escola, muito longe de cumprir o seu papel como facilitadora do acesso e da permanência desses alunos no ambiente escolar, oferecendo-lhes uma educação de qualidade, acaba por reforçar neles os preconceitos impostos socialmente, contribuindo para sua exclusão, mudando apenas o enfoque que anteriormente acontecia: a exclusão da escola se transforma em exclusão na escola (FERRARO, 1999).

Apesar desse panorama excludente, ao nos aproximarmos do campo investigativo, identificamos uma tentativa extra de reconhecer as possibilidades dos alunos, não desconsiderando suas próprias limitações. Essa tentativa personifica-se num projeto extracurricular, denominado "A Trupe do Palhaço Caramelo", espaço em que o estigma da diferença fazia a diferença no/para o grupo investigado.

A "TRUPE DO PALHAÇO CARAMELO" E SUAS CONTRIBUIÇÕES AOS PROCESSOS INCLUSIVOS DOS ENVOLVIDOS

Com base nos dados coletados, o projeto extracurricular intitulado "A Trupe do Palhaço Caramelo" se configurou para o grupo pesquisado como um instrumento de valorização sociocultural, que operava de forma positiva nos modos de simbolização/percepção dos sujeitos foco envolvidos, elevando a autoestima deles, já que se tratava de uma atividade em que todos se sentiam muito orgulhosos em participar, visto que saíam da condição de figuração vivida nos processos regulares de ensino/aprendizagem para experimentar o protagonismo de suas respectivas histórias de vida (CIAMPA, 1981).

Esse trabalho se constituiu a partir de um grupo de alunos pertencentes à escola pesquisada, que realizavam apresentações circenses com base nos elementos da Ginástica Geral, sob forma de uma peça teatral (saltos, malabarismo, rolamentos, evoluções a partir de ginástica historiada — conta a história ou cantiga e ao mesmo tempo os alunos a fazem acontecer, tendo o lúdico como pano de fundo). Esse grupo participava de eventos na comunidade e também de abertura de eventos científicos sobre a área. Grande parte desse grupo era composta por alunos com deficiência. Contava ainda com a participação de alguns alunos sem deficiência e de professores cuja função era auxiliar nas evoluções, tendo em vista a participação de alunos com múltiplas deficiências.

Esse grupo era dirigido por um professor de Educação Física que, no momento da pesquisa, respondia também pela direção da escola. A trupe realizava seus ensaios na própria escola, após o término das aulas, todas as terças-feiras, das 17h30min às 19h. Apesar de não identificarmos nesse trabalho uma proposta pedagógica inclusiva formal e estruturada nos moldes das abordagens progressistas vigentes no âmbito das discussões epistemológicas da Educação Física escolar, não poderíamos deixar de reconhecer o quanto o cotidiano dos ensaios se pautavam em ações dialógicas entre alunos-alunos e alunos-professores, cujas relações com o conhecimento ocorriam na medida em que eles passavam a acreditar em suas potencialidades.

Em nosso entender, essas ações foram extremamente significativas para o fortalecimento da autoestima de seus participantes, promovendo uma melhora em seu reconhecimento e aceitação. Além disso, o trabalho influenciava diretamente a manutenção e potencialização dos processos de construção da autonomia desses alunos e funcionava como uma ferramenta fundamental para se constituir uma relação qualitativa com os contextos socioculturais e socioeducacionais.

Por esse prisma, remetemo-nos aos estudos de Sanches (1996, p. 27), que discute os apoios e complementos educativos na Educação Especial, compreendidos como procedimentos que "[...] visam à igualdade de oportunidades de acesso e de sucesso escolar [...]", tendo como objetivos não somente a superação das dificuldades, como também a descoberta de talentos e o desenvolvimento de potencialidades.

O trabalho realizado pela "Trupe do Palhaço Caramelo" apresentava-se como um interessante dispositivo de consecução desses objetivos, na medida em que propiciava a seus participantes a oportunidade de se sentirem em iguais condições, ao contrário do que ocorria nas práticas curriculares, em que se evidenciavam, de forma velada ou não, suas impossibilidades.

Essa sensação positiva gerada com a participação na trupe influenciava a autoestima dos alunos, deixando-os seguros, desejando permanecer ali, ou seja, esperando para si mais do que lhes é oferecido. Essa condição manifestou-se nos três sujeitos (Beatriz, Victor e Rafaela), evidenciando-se na forma como viam suas respectivas participações de maneira muito significativa em sua vida, conforme seus depoimentos:

Victor: Talvez por ser dos três sujeitos pesquisados o único a sonhar em ser artista, ele gosta tanto de participar que, certa vez, ao perceber que não poderia ir com o grupo a uma apresentação, penitenciou-se literalmente. Ao chegarmos à escola, vimos os participantes da 'Trupe do Palhaço Caramelo' sentados na entrada da escola, conversando com o diretor sobre como iriam ao Seminário Capixaba de Educação Inclusiva,4 4 . O Seminário Capixaba de Educação Inclusiva é o evento, nessa área, mais importante e tradicional no Estado do Espírito Santo, organizado pelo Fórum Capixaba de Educação Inclusiva; Universidade Federal do Espírito Santo; Programa de Pós-Graduação em Educação e Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação Especial. Reuniam-se, anualmente, na Ufes os profissionais da Educação/Educação Física para discutir questões relativas à temática da educação inclusiva. A partir de 2008, o grupo passou a se organizar bianualmente e, em 2010, ganhou dimensão nacional, constituindo-se no XII Seminário Capixaba de Educação Inclusiva e no I Seminário Nacional de Educação Especial. para uma apresentação na abertura do evento naquela tarde. Encontramos com Victor, que estava quieto e aborrecido no canto, pois não poderia ir pelo fato de não ter trazido sua roupa e, como morava longe, não seria possível ir buscá-la. De repente, Victor se ajoelhou no chão, ficando assim por muito tempo, como se estivesse se punindo pelo esquecimento. Nós o observamos de longe e, como não aguentamos ver aquela situação, pedimos que ele se sentasse na cadeira. Victor sentou-se, mas sempre com uma fisionomia contrariada. Ele retornou à sala bem aborrecido. Solicitamos à professora que ligasse para a casa dele, pedindo que trouxessem sua roupa. Ela tentou uma vez, mas ninguém atendeu. Ele reclamou que o aviso tinha sido na última hora (DIÁRIO DE CAMPO).

Rafaela: Apesar de ser sempre muito monossilábica em suas respostas, também confirmou essa condição:

Pesquisador: Você gosta de participar da 'Trupe do Palhaço Caramelo'? [acena que sim].

Pesquisador: Ah! E o que você gosta mais de fazer na Trupe?

Rafaela: Um monte de coisa [abaixa a cabaça e inicia um desenho como se desejasse encerrar o assunto].

Beatriz: Talvez seja a que mais tenha sentido modificação em sua vida ao participar desse grupo, o que a fazia sentir-se muito orgulhosa de si.

Pesquisador: Você gosta de participar da 'Trupe do Palhaço Caramelo'?

Beatriz: Gosto.

Pesquisador: Ah, é?! Por quê?

Beatriz: Porque tem palhaço.

Esses depoimentos reforçam-se com as contribuições de Daólio (2001), ao defender, em seus estudos, uma perspectiva pedagógica inclusiva que possibilite a todos experienciar as diversas possibilidades de linguagens de movimento presentes nas práticas corporais existentes na/pela cultura, de forma que considerem a singularidade dos sujeitos coletivos.

A fala de sua mãe, Joana D'Arc, confirma os efeitos dessa participação no comportamento de Beatriz:

E isso tá ajudando a ela crescer! Por exemplo, o trabalho desse professor, nenhum outro professor deu importância pra eles igual ele deu! Porque eles se sentem o máximo, eles se sentem grandes! Esse trabalho tá sendo muito bom, principalmente porque Beatriz não concordava com a multidão! Ela não gostava de multidão! Ela me dava um trabalho danado. Agora, pelo contrário, ela gosta de ir num lugar assim! E de primeiro não, era muito difícil, se eu chegava num lugar, ela começava a beliscar, queria ir embora. Mudou muito, ajudou muito!

Percebe-se a verdadeira angústia daquele que, de uma maneira ou de outra, vive uma situação excludente, anseia por encontrar alternativas que o façam sentir-se respeitado em suas possibilidades humanas, cujas contradições pertinentes a essa complexidade não sejam compreendidas como uma situação irreversível que o impossibilite de interagir socialmente, mas como uma condição temporal.

Portanto, ao refletirmos sobre a inclusão das pessoas com deficiência, não podemos reduzir a discussão às ações cotidianas que ocorrem na/com a escola, sem antes analisá-las num contexto maior, que considere todos os vieses que atravessam essa discussão. Nesse aspecto é que devemos retornar várias vezes ao ponto de partida, numa reflexão continuada em prol da inclusão, em cuja possibilidade acreditamos, para que juntos possamos construir saberes que visem a emancipar-nos e não a aprisionar-nos, já que "[...] uma sociedade abstrata também não existe, pois cada um de nós a constitui e, portanto, cada um de nós pode subverter alguns dos postulados vigentes, revolucionar a mentalidade hegemônica" (AMARAL, 1998, p. 26).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer desta pesquisa em busca de conhecer e analisar o processo de estruturação da autopercepção dos alunos com deficiência intelectual em diferentes espaços-tempos da escola, com ênfase na Educação Física, consideramos que muito mais doloroso que apresentar um diagnóstico patológico sobre as pessoas com deficiência é perceber a forma como a sociedade considera essa condição, interagindo com aqueles que não se enquadram nos estereótipos de comportamento construídos hegemonicamente como "positivos", de forma a condená-los a uma morte simbólica, excluindo deles/as qualquer possibilidade de reconhecimento de sua identidade singular.

Logo, conceitos como "equidade de oportunidades educacionais" em relação às pessoas com deficiência precisam ser revistos, porquanto existe a "[...] desigualdade na diferença e a diferença na diferença" (CARMO, 2002, p. 7), no intuito de que as práticas educativas no âmbito da Educação Física reconheçam, em seus processos pedagógicos, as diferentes condições singulares de seus alunos, considerando as múltiplas interfaces em que elas se manifestam, seja por questões de ordem biológica, seja por questões de ordem sociocultural.

Assim, faz-se necessário que todos os envolvidos nesse processo, em especial os professores, investiguem, planejem, reflitam, reinventem suas práticas pedagógicas, considerando os diversos caminhos a serem percorridos e reconhecendo o outro humano. Nesse sentido, todo dia será visto como momento de recomeçar, em que o necessário a cada um lhe será sempre singular.

Não poderíamos deixar de reafirmar o nosso entendimento sobre a inclusão como um processo em que a responsabilidade não é somente da escola, mas também de toda a comunidade, cuja participação coletiva forme redes de conhecimentos auto/eco/organizadas, nas quais o projeto político-pedagógico seja construído por meio de parcerias entre a escola, a comunidade e as famílias, formando laços de colaboração e cooperação constantes entre as partes, de forma que todos nos responsabilizemos por nossas decisões e ações.

A análise dos dados nos permitiu inferir que os sujeitos foco apresentaram uma autopercepção negativa sobre si mesmos, quando associada aos processos de ensino/aprendizagem vividos nos diferentes componentes curriculares da escola, inclusive o da Educação Física e, também, no espaço do laboratório de aprendizagem. Exceção apenas ao projeto extracurricular "A Trupe do Palhaço Caramelo", desenvolvido pelo professor de Educação Física (exercendo a função de diretor da escola). A autopercepção dos alunos se evidenciou positiva nesse projeto.

Os dados expressam o quanto essa experiência na "Trupe" se configurou para o grupo pesquisado como um instrumento de valorização sociocultural, operando de forma potencializadora nos modos de simbolização/percepção dos sujeitos envolvidos, elevando a autoestima deles, já que se tratava de uma atividade em que todos se sentiam muito orgulhosos em participar, visto que saíam da condição de figuração vivida nos processos regulares de ensino/aprendizagem para experimentar o protagonismo de suas respectivas histórias de vida.

Desse modo, não podemos deixar de evidenciar o fato de que a condição atual de exclusão operada na escola se apresenta como um dos maiores desafios à perspectiva da inclusão, em especial quando pensamos num processo de escolarização que tome a diversidade humana como premissa.

O estudo vem desvelar a importância de mantermos a crença no potencial humano e de valorizarmos as diferentes linguagens de movimento presentes nas práticas corporais existentes na cultura.

Por fim, cabe-nos ficar atentos à seguinte reflexão: precisamos, inicialmente, promover a inclusão que nos é possível, para que, em seguida, por meio de um processo reflexivo, crítico e continuado, envolvendo tudo e todos, possamos viver numa sociedade onde a igualdade se personifique na diferença.

Recebido em: 3 maio 2011

Aprovado em: 13 jun. 2012

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  • Endereço para correspondência:
    José Francisco Chicon
    Rua: Francisco de Araújo Machado, n. 50
    Antônio Honório, Vitória-ES
    CEP 29070-865
  • 1
    . Para efeito deste estudo, concebemos autopercepção como modos de simbolização/percepção que o sujeito constrói sobre si a partir dos processos de interação social vividos em diferentes contextos (concretos e/ou simbólicos) presentes em nossa cultural (CIAMPA, 1981; GOERGEN, 2001).
  • 2
    . Conceitualmente, a deficiência intelectual é caracterizada como um funcionamento intelectual geral significativamente abaixo da média, oriundo do período de desenvolvimento, concomitante com limitações associadas à capacidade do indivíduo em responder adequadamente às demandas da sociedade, em especial quanto ao seu comportamento adaptativo, com manifestações expressas nas habilidades práticas, sociais e conceituais, originando-se antes dos dezoito anos de idade (LUCKASSON et al., 2002)
  • 3
    . Para Magda Soares (1999), a perspectiva quantitativa refere-se à ampliação de ofertas educacionais, ampliação de estabelecimentos de ensino, obrigatoriedade e gratuidade do ensino elementar; e a perspectiva qualitativa reporta-se a reformas educacionais, reformulação da organização escolar, introdução de novas metodologias de ensino, aperfeiçoamento do professor, entre outras.
  • 4
    . O Seminário Capixaba de Educação Inclusiva é o evento, nessa área, mais importante e tradicional no Estado do Espírito Santo, organizado pelo Fórum Capixaba de Educação Inclusiva; Universidade Federal do Espírito Santo; Programa de Pós-Graduação em Educação e Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação Especial. Reuniam-se, anualmente, na Ufes os profissionais da Educação/Educação Física para discutir questões relativas à temática da educação inclusiva. A partir de 2008, o grupo passou a se organizar bianualmente e, em 2010, ganhou dimensão nacional, constituindo-se no XII Seminário Capixaba de Educação Inclusiva e no I Seminário Nacional de Educação Especial.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      03 Maio 2011
    • Aceito
      13 Jun 2012
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