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A Ciência na Ciência Política brasileira3 3 Para replicação de dados ver: https://doi.org/10.7910/DVN/XWAY2Z

The Science in Brazilian Political Science

Resumo:

Embora fundamental para sua identidade, não foram feitos estudos sistemáticos para identificar a concepção dominante de ciência na Ciência Política brasileira e, a partir dela, o grau de cientificidade da produção acadêmica. Essa lacuna torna-se tanto mais crítica quando se estabelece uma identidade profissional que incorpora uma concepção específica de ciência. Para suprir essa lacuna, o artigo emprega uma abordagem pragmatista para identificar a concepção dominante de ciência na Ciência Política brasileira e, a partir dela, reconstruir a cientificidade da disciplina. Para fazer isso, analisou-se a produção de 23 periódicos nacionais A1, A2 e B1 listados no Qualis de Ciência Política. Em primeiro lugar, verificou-se que o valor dos periódicos, medido com o Qualis, do fator de impacto e do vínculo com a Ciência Política, varia em função de uma concepção ortodoxa de ciência, composta por orientação empírica, natureza das evidências, uso de estatística, apresentação e teste de hipóteses, causalidade e orientação nomotética. Em segundo lugar, a partir dessa concepção de ciência, é analisada a cientificidade de periódicos, áreas temáticas, tradições e abordagens disciplinares. Por fim, discute-se alguns riscos desse estado de coisas: (i) ao entronizar-se uma concepção de ciência particular na identidade disciplinar e (ii) ao conjugar-se positivismo lógico e instituições políticas formais.

Palavras-chave:
Ciência política brasileira; Concepções de ciência; Produção acadêmica; Tradições disciplinares; Identidade profissional

Abstract:

Although fundamental to its identity, no systematic studies have been made to measure the dominant conception of science in Brazilian Political Science and, in turn, the scientific character of its academic production. This gap is even more critical when professional identities are established incorporating a specific conception of science. To address this gap, the article employs a pragmatist approach to identify the dominant conception of science in Brazilian Political Science and, with this conception in hand, to rebuild the scientific character of the discipline. To do this, we analyzed the production of 23 national journals of the A1, A2 and B1 strata, listed in the Qualis for Political Science. In the first place, we verified that the value of the journals (measured with the Qualis, the impact factor and the tie to Political Science) varies with respect to an orthodox conception of science (empirical orientation, the nature of the evidence, use of statistics, presentation and hypothesis testing, causality and nomothetic orientation). Then, with this conception in hand, we assess the scientific character of journals, thematic areas, approaches, and disciplinary traditions. Finally, we discuss some risks of this state of affairs: (i) to enthrone a specific conception of science in the disciplinary identity and (ii) to equate logical positivism with the study of formal political institutions.

Keywords:
Brazilian political science; Conceptions of science; Academic production; Disciplinary traditions; Professional identity

Introdução

No livro que coroa os seus vinte anos de pesquisa sobre a história da Ciência Política, John Gunnell a define como “uma ciência devotada ao entendimento e propagação da democracia” (GUNNELL, 2004GUNNELL, John G. Imagining the American polity: political science and the discourse of democracy. Pennsylvania: Pennsylvania State University Press, 2004., p. 1). É interessante notar que, em vez de estabelecer um critério metodológico para distinguir a disciplina, o autor a define por um compromisso com uma forma de governo historicamente específica - a democracia representativa. Logo, em seguida, Gunnell acrescenta que, além de valorizar tal forma de governo, a Ciência Política insistentemente a iguala ao modelo norte-americano (GUNNELL, 2004GUNNELL, John G. Imagining the American polity: political science and the discourse of democracy. Pennsylvania: Pennsylvania State University Press, 2004., p. 1). Não se trata de uma tese singular. A identificação do compromisso com a democracia representativa como critério de definição da disciplina foi mencionada já em 1959 pelo britânico Bernard Crick, no livro The American Science of Politics. (CRICK, 1959CRICK, Bernard. The American science of politics: its origins and conditions. Berkeley: University of California Press, 1959.).

É inconteste o fato de a Ciência Política, entendida como disciplina acadêmica institucionalizada, ter sido criada nos Estados Unidos. O jurista alemão e filósofo político de formação, Francis Lieber, tornou-se titular da primeira cadeira de Ciência Política, criada na Universidade de Columbia (EUA), em 1857 (FARR; SEIDELMAN, 1993FARR, James; SEIDELMAN, Raymond. Discipline and history: political science in the United States. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1993., p. 15). Antes mesmo de virar nome de disciplina, a expressão “ciência política” já era usada nos Estados Unidos. John Adams falou da “divina ciência da política”, enquanto Alexander Hamilton e James Madison, os dois principais autores federalistas, recorreram à expressão para glorificar as inovações institucionais postas em práticas pela nova república que ajudaram a conceber (FARR, 1993FARR, James. Political science and the state. In: GUNNELL, John; EASTON, David; STEIN, Michael (ed.). Regime and discipline: democracy and the development of political science. Ann Arbor: The University of Michigan Press, p. 587-607, 1993., p. 67). Contudo, foi só com a institucionalização universitária, ao longo da segunda metade do século XIX, que o status científico tornou-se uma questão fundamental para a Ciência Política no contexto norte-americano. Em outras palavras, enquanto o objeto da disciplina deveria ser a democracia representativa, o seu estudo deveria ser de caráter “científico”.

Como aponta Gunnell, a preocupação em ser científica atravessa a história da Ciência Política estadunidense, da sua fundação aos dias de hoje. Para Lieber, essa cientificidade consistia em empregar a análise histórica e a estatística no estudo dos fenômenos sociais (FARR; SEIDELMAN, 1993FARR, James; SEIDELMAN, Raymond. Discipline and history: political science in the United States. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1993., p. 15). O influente cientista político John William Burgess, professor da Universidade de Columbia, também esposava o método histórico associado a estatística como o padrão de ouro de sua disciplina (GUNNELL, 2004GUNNELL, John G. Imagining the American polity: political science and the discourse of democracy. Pennsylvania: Pennsylvania State University Press, 2004., p. 99).

Ainda segundo Gunnell, até chegar aos dias de hoje, a disciplina passou por uma fase pluralista, iniciada nas primeiras décadas do século XX e, depois, liberal, já a partir de meados do mesmo século. Tal divisão proposta pelo autor não tem como critério a metodologia adotada pelos especialistas acadêmicos, mas sim a concepção de democracia dominante na prática dessa “ciência da democracia”. Se fizermos uma rápida recapitulação metodológica das tradições dominantes que se sucederam na história da Ciência Política norte-americana temos o historicismo na fundação, que perdura para além do final do século XIX; o empiricismo do começo do século XX, convivendo com tradições formalistas e legalistas; a Revolução Behavioral, a partir dos anos 1950; a lenta mas certeira ascensão da escolha racional a partir da década de 1960; e uma situação atual de diversidade hierarquizada, pós-movimento Perestroyka (MONROE, 2005MONROE, Kristen Renwick. Perestroika!: the raucous rebellion in political science., New Haven: Yale University Press, 2005.; LAITIN, 2003LAITIN, David D. The perestroikan challenge to social science. Politics and Society, Thousand Oaks, v. 31, n. 1, p. 163-184, 2003.).

O voo de pássaro que empreendemos aqui sobre a história da Ciência Política norte-americana, a pioneira e institucionalmente mais desenvolvida no mundo, tem a finalidade de mostrar que os critérios de cientificidade, assim como os critérios de definição de uma disciplina, não são puramente formais. Assim, o estudo científico da Ciência Política, ou qualquer outra disciplina acadêmica, é imensamente beneficiado pela adoção de uma abordagem pragmatista, que atribui o status de científico aos métodos e problemas substantivos validados de maneira razoavelmente inequívoca em uma determinada época, a partir de sua aceitação pela comunidade de especialistas. Ou, como argumentou Thomas Kuhn, o critério de cientificidade depende da aceitação por parte da comunidade autodenominada, e reconhecida socialmente, como científica, de problemas, objetos e métodos de investigação (KUHN, 1962KUHN, Thomas. The structure of scientific revolutions. Chicago: University of Chicago Press, 1962.).

A posição de Kuhn desmonta concepções evolucionistas ou lineares de progresso cientifico, ou mesmo a visão de que o conhecimento científico aproximaria a realidade assintoticamente, em nome de uma concepção construtivista de ciência, como prática social, produto das escolhas, ações e instituições humanas. Contudo, Kuhn era cético em relação ao caráter científico das ciências humanas, pois o próprio fato de seus profissionais continuarem a discutir o que constitui a verdadeira prática científica seria sinal de que não há consenso acerca de problemas, objetos e métodos de investigação e, portanto, não há o que o autor denominou como ciência normal. As ciências exatas e naturais, objeto precípuo do estudo de Kuhn, gastam muito pouca energia com esse tipo de metateoria, dedicando-se mormente à aplicação do que é já consensual entre seus praticantes. As ciências sociais, por outro lado, estariam ainda em um estágio pré-paradigmático (KUHN, 1962KUHN, Thomas. The structure of scientific revolutions. Chicago: University of Chicago Press, 1962., p. 161).

Sem adotar integralmente o ceticismo de Kuhn, defendemos que o método pragmatista pode ser usado para reconstruir alguns critérios de cientificidade das Ciências Sociais, em nosso caso, da Ciência Política. Temos um conjunto de temas e tradições reconhecidos como “políticos” ou pertencentes à Ciência Política pelas instituições que regulam a disciplina: periódicos acadêmicos, agências de fomento, departamentos e programas universitários. Há critérios de “normalidade” na Ciência Política praticada no Brasil e alhures. Ainda que eles nem sempre sejam convergentes, esses critérios estão suficientemente institucionalizados para que possam ser descritos e estudados.

Nossa predileção pela contribuição de Kuhn para a interlocução neste trabalho tem a ver com o fato de tal formulação conter uma concepção pragmatista, que pode ser operacionalizada pela pesquisa empírica. Pragmatistas mais recentes, como Richard Rorty, esposam uma visão por demais cética e relativista das ciências, particularmente das ciências sociais, às quais o filósofo norte-americano atribui a mera função de terapia da razão (Rorty, 1991RORTY, Richard. Objectivity, relativism, and truth. New York: Cambridge University Press, 1991.).

Não é nosso objetivo discutir em detalhes aqui as razões pelas quais a Ciência Política apresenta esse déficit de consenso e, portanto, a falta de paradigma no sentido estrito do termo dado por Kuhn. Junto com suas irmãs das Ciências Sociais e das Humanidades, a Ciência Política sofre por eleger a nós mesmos, seres humanos em nossa vida coletiva, como objeto. Alguns filósofos da ciência veem nisso razão para nos creditar um tipo diferente de conhecimento, compreensivo e perspectivo, de certa forma ancilar ao puramente científico produzido pelas ciências exatas e da natureza (DILTHEY, 1976DILTHEY, Wilhelm. Selected writings. Cambridge, New York: Cambridge University Press, 1976.). A Ciência Política parece sofrer dessa “maldição” de maneira ainda mais intensa, pois seu objeto são as próprias estruturas, ações, paixões, valores e interesses que constituem a vida coletiva. Assim, para validar socialmente seu trabalho, o cientista político constantemente procurou se colocar acima das paixões e interesses dos homens, ou seja, da própria política, ainda que essa atitude esteja inexoravelmente eivada de paradoxos (GUNNELL, 1993GUNNELL, John G. The descent of political theory: the genealogy of an American vocation. Chicago: University of Chicago Press, 1993.). Isto é, ele parece encarnar o arquétipo, citado por Kuhn, do cientista social preocupado em estabelecer o que é rigorosamente científico.

O insight pragmatista de Kuhn é aplicável ao caso brasileiro, pois aqui a Ciência Política está institucionalizada há algumas décadas. Já na avaliação trienal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) de 2013 foram computados 33 programas acadêmicos de pós-graduação em funcionamento, revistas de Ciências Sociais, revistas especializadas em Ciência Política, associação em funcionamento continuado há quase duas décadas, representação em agências de fomento etc. Inclusive já há um cabedal de trabalhos que refletem sobre o desenvolvimento da própria Ciência Política no Brasil (LEITE; CODATO, 2013LEITE, Fernando; CODATO, Adriano. Autonomização e institucionalização da ciência política brasileira: o papel do sistema Qualis-Capes. Agenda Política - Revista de Discentes de Ciência Política da UFSCAR, São Carlos, v. 1, n. 1, p. 1-21, 2013.; AMORIM NETO; SANTOS, 2005AMORIM NETO, Octavio; SANTOS, Fabiano. La ciencia política en Brasil: el desafío de la expansión. Revista de Ciencia Política, Santiago, v. 25, n. 1, p. 101-10, 2005.; SOARES, 1998SOARES, Luiz Eduardo. Políticas das ciências sociais: armadilhas do heroísmo esquecido de si. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 13, n. 36, p. 1-8, 1998.; LESSA, 1998LESSA, Renato. Por que rir da filosofia política?: ou a ciência política como techné. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 13, n. 36, p. 1-5, 1998.; TAVARES; OLIVEIRA, 2016TAVARES, Francisco Mata Machado; OLIVEIRA, Ian Caetano de. Omissões e seletividades da ciência política brasileira: lacunas temáticas e seus problemas sócio-epistêmicos. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 19, p. 11-45, 2016.; AMORIM NETO; SANTOS, 2015AMORIM NETO, Octavio; SANTOS, Fabiano. La ciencia política en Brasil en la última década: la nacionalización y la lenta superación del parroquialismo. Revista de Ciencia Política, Santiago, v. 35, n. 1, p. 19-31, 2015.), em constante expansão.

Em outras palavras, ainda que não devamos esperar um verdadeiro paradigma na Ciência Política brasileira, pretendemos mostrar, baseados na análise dos dados da produção na área, que há uma concepção “ortodoxa” de ciência política, historicamente associada às ciências exatas, que prevalece sobre as outras. Cumpre destacar que isso não redunda em atribuirmos qualquer superioridade epistemológica a essa concepção, mas apenas na constatação de que ela foi privilegiada pelos periódicos mais valorizados. Mais especificamente, ao passo que o nosso estudo revela uma Ciência Política no todo bastante eclética, também apontamos para o privilégio desfrutado por essa concepção específica do fazer dessa ciência que muitas vezes é chamada, de maneira bastante imprecisa, de “positivista”.

O texto se estrutura da seguinte forma. Em primeiro lugar, apresentaremos a importância da cientificidade, do atributo de “ser científico”, entendido no sentido ortodoxo de empréstimo de métodos oriundos das ciências naturais, no processo de autonomização da Ciência Política. Na seção metodológica, apresentamos o indicador utilizado para identificar a força dessa concepção na definição do que é científico no campo. A seguir, com base nesse indicador, identificamos o grau de cientificidade de áreas temáticas, tradições e abordagens. Na conclusão, discutimos as consequências desse estado de coisas para a disciplina.

Metodologia

Recorte

A unidade de observação adotada foram os artigos publicados em periódicos. Durante o período estudado, os artigos já haviam se estabelecido como o item de avaliação mais importante dos programas de pós-graduação em Ciência Política, como é o caso das avaliações trienais e quadrienais da Capes.

A base de dados foi composta por 567 artigos de periódicos nacionais A1, A2 e B1 listados no Qualis da área de Ciência Política e Relações Internacionais da Capes, segundo a classificação publicada em 2013. Tendo em vista que a produção da maior parte dos periódicos é multidisciplinar, a escolha dos artigos seguiu os seguintes critérios: (i) vínculo institucional: autor vinculado a um programa de pós-graduação da área de Ciência Política listado na Capes; (ii) identificação subjetiva: Ciência Política como área de atuação no currículo Lattes; (iii) participação no Encontro da ABCP; (iv) participação em banca de doutorado em Ciência Política. A referência é o primeiro autor dos artigos. Não foram consideradas revisões de literatura, introduções, apresentações, resenhas, opiniões ou entrevistas.

Ao delimitarmos a produção por critérios de pertencimento e prática institucional evitamos lançar mão de definição substantiva ou “ontológica” de Ciência Política, de acordo com a orientação pragmatista da nossa investigação. Isso também permite contemplar zonas fronteiriças da disciplina - isto é, suas interseções e frentes de heteronomia com outros campos disciplinares, em particular a Sociologia. Abaixo vai uma descrição mais detalhada da base:

Tabela 1.
Universo de análise

É preciso notar que, tendo em vista os critérios de seleção, as inferências envolvendo periódicos restringem-se à produção de Ciência Política nessas publicações, não podendo ser generalizadas para o conjunto como um todo. As exceções são Opinião Pública, que teve todos os artigos analisados e, aproximadamente, a Revista Brasileira de Ciência Política, com 91,3% de seus artigos selecionados como Ciência Política, e a Brazilian Political Science Review, com todos artigos analisados, exceto os de Relações Internacionais.

Categorias de análise

Ao contrário de alguns autores da literatura, que adotam critérios “externos” como instrumento de mensuração da cientificidade da produção do campo (SOARES, 2005SOARES, Gláucio Ary Dillon. O calcanhar metodológico da ciência política no Brasil. Sociologia, Problemas e Práticas, [Online], n. 48, p. 27-52, 2005.), preferimos, seguindo mais uma vez o método pragmatista, derivar categorias de análise das práticas reais estabelecidas. São elas: áreas temáticas, abordagens teórico-metodológicas e tradições disciplinares.

Áreas temáticas são conjuntos mais ou menos institucionalizados de objetos de pesquisa afins. Elas constituem o principal fator de organização da produção e são conscientemente escolhidas e reconhecidas pelos autores. Elaboramos uma lista de áreas temáticas que leva em conta (i) as “Áreas do Conhecimento” da Capes/CNPq4 4 “Tabela de Áreas de Conhecimento”, Capes, 2012. Disponível em: http://www.capes.gov.br/avaliacao/instrumentos-de-apoio/tabela-de-areas-do-conhecimento-avaliacao. Acesso em: 30 maio 2014. ; (ii) as “Áreas Temáticas” (ATs) da ABCP5 5 “Áreas temáticas”, ABCP, 2012. Disponível em: http://www.cienciapolitica.org.br/encontros/8o-encontro-abcp/areas-tematicas/. Acesso em: 30 maio 2013. e (iii) o conteúdo dos trabalhos analisados.

Uma tradição teórico-metodológica é uma composição de fatos cognitivos (ideias) e ocorrências linguísticas (palavras, termos, expressões) que são diretamente expressados em textos (artigos, papers, livros etc.), isto é, podem ser observados na expressão escrita. Essas abordagens são, com frequência, conscientemente escolhidas e reconhecidas pelos autores. Substantivamente, uma tradição refere-se a: (i) um conjunto de ideias a respeito de um objeto; (ii) procedimentos mobilizados para estudá-lo; e (iii) atributos, fatores ou variáveis que o analista supõe, deduz ou infere ao estudar o objeto. As tradições são, frequentemente, trazidas à consciência e classificadas, muitas vezes com a utilização do sufixo ismo, identificando posições na estrutura intelectual do campo, isto é, tradições nominais: “neoinstitucionalismo”, “marxismo”, “pluralismo”, e por aí vai. A listagem das tradições foi feita com base em manuais, trabalhos sobre a história da disciplina e referências substantivas.

Uma abordagem disciplinar é uma forma específica de definir os predicados de objetos aos quais a disciplina se dedica. Usualmente, entendemos que os objetos têm natureza cultural, social, econômica, política etc., e supomos que cada um desses predicados se distingue dos demais por possuir uma “natureza” específica, dotado de uma lógica que lhes é particular. Essa distinção entre predicados define disciplinas e justifica sua separação institucional. O primeiro critério que define a abordagem disciplinar, portanto, é a natureza do objeto: “político”, “social”, “cultural”, “psíquico”, entre outros.

Além disso, ao analisarmos um objeto, podemos descrevê-lo ou explicá-lo a partir de propriedades internas ou externas a seu âmbito. Por exemplo, quando se explica o funcionamento das instituições políticas em função de seu arranjo de regras, um elemento da política institucional é explicado por fatores político-institucionais, isto é, o objeto é explicado por fatores do seu próprio âmbito. Nesse caso, o âmbito é autônomo, porque foi tratado como um microcosmo independente, autorregulado, autodeterminado, irredutível a outros.

Contudo, um objeto pode ser descrito ou explicado por propriedades ou fatores que lhe são externos, muitas vezes chamados na literatura de “fatores exógenos”. Por exemplo, podemos dizer que os deputados votam a favor ou contra o aborto em função de tradições culturais, ou de seu pertencimento de classe. Estaríamos, então, explicando a dinâmica institucional por meio de fatores “societais”, que interagiriam com o objeto “político”, submetendo-o a forças externas. Nesse caso, o predicado do objeto foi tratado como dependente, heterônomo. Ou podemos dizer que deputados votam de tal ou qual forma em função de barganhas por cargos. Diante disso, fatores políticos estão determinando o fenômeno político, compreendido assim como um componente de um âmbito autônomo.

Outro aspecto importante é que disciplinas acadêmicas mais autônomas tendem a evitar âmbitos de outras disciplinas6 6 Isso não quer dizer que ciências mais paradigmáticas não sejam “fecundadas” pela troca de saberes com outros ramos científicos, como é o caso da química, física e vários ramos da biologia. . Elas evitam não apenas estudar objetos “dos outros”, mas tomam cuidado para não subjugar seus objetos a âmbitos associados a outras disciplinas. Disciplinas menos autônomas, entretanto, são mais suscetíveis a hibridismos e, mesmo, à dependência. É o caso da Ciência Política, pois os seus analistas frequentemente explicam objetos políticos a partir de fatores culturais, societais, econômicos ou linguísticos. Assim, no interior da Ciência Política, há abordagens mais vinculadas a outras áreas disciplinares, como a Sociologia Política, a Economia Política ou mesmo a Antropologia.

Tendo isso em vista, distinguimos as seguintes abordagens disciplinares no campo: politológica, politológica intermediária, politicista, estatal, estatista, societal, societalista, econômica, economicista e idealista.

Quadro 1.
Definição de cada abordagem disciplinar, a partir do âmbito do objeto de estudo e do âmbito dos fatores determinantes

Do quadro, percebe-se que há cinco abordagens que estudam a política institucional: politológica, politicista, intermediária, societalista e economicista. Destas, a politicista trata a política institucional como um âmbito totalmente autônomo: tanto o objeto como os fatores que o determinam pertencem à política institucional. Já o societalismo e o economicismo consideram a política institucional como um âmbito heterônomo, dependente de fatores de âmbitos externos, societal ou econômico, respectivamente. Por exemplo, explicar instituições estatais em termos de sua captura por interesses de classe é societalismo, ao passo que expor padrões de recrutamento partidário em termos do nível de renda dos cidadãos é economicismo.

A abordagem politológica leva em consideração fatores externos à política institucional, mas em um hibridismo com fatores político-institucionais. Por exemplo, um estudo que relaciona o sucesso eleitoral com o tamanho do distrito eleitoral e a ideologia dos eleitores constitui uma forma moderada de autonomia politológica, pois enquanto o tamanho do distrito é variável da política institucional, a ideologia dos eleitores é mais propriamente um objeto sociológico ou mesmo antropológico.

Procedimento de interpretação

Foram lidos o resumo, as palavras-chave, a introdução e a conclusão de todos os artigos. Na introdução e conclusão, buscamos categorias não identificadas no título, resumo e palavras-chave. Por exemplo, para verificar se o trabalho tem orientação nomotética, procuramos por inferências nas conclusões. Em caso de dúvida, recorremos ao corpo do texto, em particular para identificar a abordagem nominal, norteando-nos pela bibliografia de referência e pelas palavras-chave (como “instituições políticas” e neoinstitucionalismo, “ideologia” e marxismo, “recrutamento” e análise de elites). Além disso, recorremos ao corpo do texto em busca dos dados que se encontram necessariamente nessa região, como a natureza das evidências (quanti, quali, bibliográficas). O grau de atenção da leitura da introdução e da conclusão dependeu do grau de dificuldade encontrado na classificação. A codificação de cada artigo levou em torno de 5 a 20 minutos.

O papel da cientificidade na autonomização da Ciência Política

O tema que domina os estudos sobre a história e perfil da Ciência Política brasileira é o da sua constituição como disciplina autônoma, tanto do ponto de vista epistemológico como institucional. A autonomia epistemológica se daria por meio da escolha da política institucional como objeto precípuo da investigação acadêmica, em particular por meio da análise de fatores, causas ou variáveis internas. Em outras palavras, essa autonomia representa o desligamento da Ciência Política de matrizes de explicação oriundas da Sociologia ou da Economia (societalismo e economicismo, respectivamente) como, por exemplo, o marxismo ou a Escola Francesa (LEITE, 2015LEITE, Fernando. O campo de produção da ciência política brasileira contemporânea: uma análise histórico-estrutural de seus princípios de divisão a partir de periódicos, áreas e abordagens. 2015. Tese (Doutorado em Sociologia) - Departamento de Sociologia e Ciência Política, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2015.; REIS, 2016REIS, Fábio W. Huis Clos no Chile e ciência política no Brasil. In: AVRITZER, Leonardo, Milani, Carlos R.; Braga, Maria do Socorro (org.). A ciência política no Brasil: 1960-2015. Rio de Janeiro, FGV Editora, p.13-60, 2016.). Tal tema já estava presente no texto que praticamente fundou essa literatura (LAMOUNIER, 1983) e continuou a ser revisitado por várias contribuições que se seguem até os dias de hoje (MARENCO, 2015MARENCO, André. When institutions matter: Capes and political science in Brazil. Revista de Ciencia Política, Santiago, v. 35, n. 1, p. 33-46, 2015.a; MARENCO, 2016MARENCO, André. Cinco décadas de ciência política no Brasil: institucionalização e pluralismo, In: AVRITZER, Leonardo; MILANI, Carlos R. S.; BRAGA, Maria do Socorro (org.). A ciência política no Brasil: 1960-2015. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2016. p. 141-64. AMORIM NETO; SANTOS, 2015AMORIM NETO, Octavio; SANTOS, Fabiano. La ciencia política en Brasil en la última década: la nacionalización y la lenta superación del parroquialismo. Revista de Ciencia Política, Santiago, v. 35, n. 1, p. 19-31, 2015.; BRANDÃO, 2007BRANDÃO, Gildo Marçal. Linhagens do pensamento político brasileiro. São Paulo: Hucitec, 2007.; LESSA, 1998LESSA, Renato. Por que rir da filosofia política?: ou a ciência política como techné. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 13, n. 36, p. 1-5, 1998.; LIMONGI; ALMEIDA; FREITAS, 2016LIMONGI, Fernando; ALMEIDA, Maria H. T.; FREITAS, Andrea. Da sociologia política ao (neo) institucionalismo: 30 anos que mudaram a ciência política no Brasil. In: AVRITZER, Leonardo; MILANI, Carlos R.; BRAGA, Maria do Socorro. (org.). A ciência política no Brasil: 1960-2015. Rio de Janeiro: FGV Editora, p. 61-92, 2016.).

Colado ao tema principal da autonomia está o da natureza científica da Ciência Política brasileira. Por ter sido uma prática acadêmica em grande medida importada dos Estados Unidos, a implantação da Ciência Política no Brasil enfrentou a resistência de adeptos de outros estilos de reflexão política e social já instalados no país (LEITE, 2015LEITE, Fernando. O campo de produção da ciência política brasileira contemporânea: uma análise histórico-estrutural de seus princípios de divisão a partir de periódicos, áreas e abordagens. 2015. Tese (Doutorado em Sociologia) - Departamento de Sociologia e Ciência Política, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2015.). Sua recepção não se deu igualmente em todo o território nacional. Alguns programas e departamentos foram mais permeáveis às ideias e métodos da Ciência Política norte-americana, como os mestrados criados na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) no final da década 1960, enquanto outros, como na Universidade de São Paulo (USP), continuaram mais afeitos a manter as tradições já estabelecidas. Não é coincidência que um dos ataques mais contundentes às Ciências Sociais brasileiras adveio de Fábio Wanderley Reis (1997)REIS, Fábio W. As ciências sociais nos últimos 20 anos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 12, n. 35, p. 1-22, 1997., da UFMG, que as classificou como “descritivas”, “ideográficas”, “jornalísticas”, “historiográficas” e “etnográficas”, acusando a falta “rigor analítico”, de “vocação teórica e nomológica” e de “cumulatividade”. Trata-se de um diagnóstico similar ao de Antonio Octavio Cintra, formado na UFMG e no MIT, que militou contra a sociologia marxista durante a década de 1960 defendendo sistematicamente uma concepção ortodoxa de ciência, pregando a pesquisa empírica e o teste de hipóteses (CINTRA apud ARRUDA, 2001ARRUDA, M. A. N. A modernidade possível: cientistas e ciências sociais em Minas Gerais. In: Miceli, S. (ed.) História das Ciências Sociais no Brasil. V. 1. São Paulo: Sumaré, 2001., p. 356-357).

Reis e Cintra utilizam em sua crítica ao campo um vocabulário em tudo tributário da behavioral revolution estadunidense. Dois termos utilizados pelo autor têm um significado particularmente importante para nossa análise, pois marcam sua adesão à agenda behavioralista: vocação nomológica e cumulatividade. Uma das principais referências epistemológicas da revolução behavioral foi o trabalho do filósofo da ciência Karl Hempel, cujo método nomológico-dedutivo (HEMPEL, 1965HEMPEL, Carl. Aspects of scientific explanation and other essays in the philosophy of science. Oxford: Oxford University Press, 1965.) serviu de base para os proponentes da behavioral revolution - acrescido posteriormente pelo critério da falseabilidade das hipóteses de Karl Popper (POPPER, 1968POPPER, Karl Raimund. Conjectures and refutations: the growth of scientific knowledge. New York: Harper & Row, 1968.). A cumulatividade era outro lugar comum no trabalho dos behavioralistas, sempre expressa em termos da justificação de que a presente contribuição seria um avanço em relação às anteriores (ALMOND, 1991ALMOND, Gabriel. Political science: the history of the discipline. In: GOODIN, Robert E.; KLINGEMANN, Hans-Dieter. A new handbook of political science. New York: Oxford University Press, p. 50-96, 1991.), numa concepção evolucionista de ciência que tomava como modelo idealizações nem sempre precisas da dinâmica das ciências naturais (GUNNELL, 1969GUNNELL, John G. Deduction, explanation, and social scientific inquiry. American Political Science Review, Washington, D. C., v. 63, n. 4, p. 1233-1246, 1969., p. 1259).

Na década de 2000, outro cientista político brasileiro com formação norte-americana, Gláucio Soares, baseado no IUPERJ, identificou “defeitos” semelhantes na Ciência Política praticada na época, ressaltando a falta de rigor do treinamento metodológico (SOARES, 2005SOARES, Gláucio Ary Dillon. O calcanhar metodológico da ciência política no Brasil. Sociologia, Problemas e Práticas, [Online], n. 48, p. 27-52, 2005.). Segundo ele, a maior parte dos trabalhos não tinha método algum e, para fazer as coisas piores, a ausência de método era confundida com adesão à tradição qualitativa. Em meio à disseminação do ensaísmo abundariam estudos de um só caso. Na visão do autor, os únicos trabalhos metodologicamente informados eram quantitativos, mas escassos e raramente empregavam métodos estatísticos mais sofisticados.

A demanda por metodologia científica já estava presente desde os primeiros estágios da Ciência Política como disciplina autônoma, quando se institucionalizou nos Estados Unidos em fins do século XIX. Já então o empirismo passaria a definir a orientação epistemológica do núcleo da disciplina, ao destacar-se e opor-se à História (MUNCK, 2006MUNCK, Gerardo L. The past and present of comparative politics. Working Paper of the The Helen Kellogg Institute for International Studies, n. 330,p. 1-44, 2006., p. 4). Desde a emergência do behavioralism, uma concepção mais “positivista” de ciência entra em cena, acrescentando-se o ideal da neutralidade axiológica e associando conhecimento empírico ao conhecimento quantitativo. A pregação cientificista então se voltou contra a teoria política, de cunho filosófico, normativo e histórico, em uma tentativa de expeli-la da disciplina, ao ponto de Peter Laslett chegar a falar na “morte” da filosofia política (KOIKKALAINEN, 2009KOIKKALAINEN, Petri. Peter Laslett and the contested concept of political philosophy. History of Political Thought, [Online], v. 30, n. 2, p. 336-359, 2009.) e Jensen descrever o desprezo às tradições históricas desencadeado pela behavioralist Revolution (JENSEN, 1969JENSEN, Richard. History and the political science. In: LIPSET, Seymour Martin. Politics and the social sciences. New York: Oxford University, p. 1-28, 1969.). Embora a neutralidade fosse calorosamente debatida, a orientação empírico-quantitativa e a aversão a tradições teóricas humanísticas persistiram no mainstream da disciplina até o presente (MUNCK, 2006MUNCK, Gerardo L. The past and present of comparative politics. Working Paper of the The Helen Kellogg Institute for International Studies, n. 330,p. 1-44, 2006., p. 5; ALMOND, 1990ALMOND, Gabriel. A discipline divided. Newbury Park: Sage Publications, 1990.; 1991ALMOND, Gabriel. Political science: the history of the discipline. In: GOODIN, Robert E.; KLINGEMANN, Hans-Dieter. A new handbook of political science. New York: Oxford University Press, p. 50-96, 1991.; JENSEN, 1969JENSEN, Richard. History and the political science. In: LIPSET, Seymour Martin. Politics and the social sciences. New York: Oxford University, p. 1-28, 1969.; FARR; SEIDELMAN, 1993FARR, James; SEIDELMAN, Raymond. Discipline and history: political science in the United States. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1993.; entre outros).

A evolução do uso de matemática na trajetória da Ciência Política estadunidense demonstra essa espécie de entronização empírico-quantitativa na disciplina. Raramente empregada até 1920, a matemática começa a se disseminar a partir de então, com o uso da estatística descritiva (RIBA, 1996RIBA, Clara. The use of mathematics in political science. European Journal of Political Research, Dordrecht, v. 29, n. 4, p. 477-508, 1996. , p. 479). Entre 1940 e 1960, com a hegemonia do behariovalism¸ métodos quantitativos se alastraram e foram introduzidas técnicas multivariadas. Para muitos dos proponentes da “nova ciência”, métodos quantitativos tornaram-se condições de cientificidade. Entre 1960 e 1980, apesar do descenso do behavioralism, o uso de matemática continuou a crescer, indo além da estatística: incorporou-se a geometria analítica, teoria dos jogos, cálculo, lógica simbólica e modelos probabilísticos, processo associado ao crescimento da rational choice theory (Ibidem, p. 479-480). A partir da década de 1980, o uso de matemática passou a predominar nos principais periódicos, como o American Political Science Review e o American Journal of Political Science (Ibidem, p. 489). A legitimidade de métodos quantitativos adquiriu escala suficiente para estruturar a produção dos periódicos mais importantes, em boa medida organizados em função de métodos analítico-dedutivos, baseados em modelos formais e lógica simbólica, e métodos empírico-indutivos (Ibidem, p. 497). Termos como data, statistics e empirical passam a ser usados como sinônimos, como se o dado quantitativo se tornasse a forma legítima de evidência empírica14 14 Riba (1996), por exemplo, praticamente confunde “uso de dados” com a apresentação de informações quantitativas em gráficos e tabelas. A mesma associação aparece em diagnósticos da Ciência Política brasileira, como em Reis (1997). .

Ao tomarem o percurso metodológico da Ciência Política estadunidense como padrão, Reis e Soares esposam uma concepção ortodoxa de cientificidade como critério principal de definição da disciplina: orientação nomológica, cumulatividade, emprego de técnicas estatísticas, apresentação e teste de hipóteses etc.

A concepção ortodoxa de cientificidade no campo

Cabe a nós aqui elucidar se os critérios de cientificidade, vistos por Reis e Soares como ausentes ou deficientes na Ciência Política brasileira, teriam passado a efetivamente estruturar o campo mais recentemente? Uma boa forma de fazê-lo é averiguar se a concepção ortodoxa de cientificidade, tal qual presente na literatura sobre a Ciência Política, é um preditor da hierarquia da produção do campo.

Assim, em primeiro lugar, calculamos o indicador de cientificidade ortodoxa, composto dos seguintes critérios: (i) pesquisa empírica15 15 Se o objeto é empírico, ou seja, um observável direto, indireto ou constructo, e se são construídos dados para medi-lo ou caracterizá-lo. Não basta apresentar dados, como citar estatísticas de tal ou qual referência - é preciso elaborá-los mediante observação e aplicação de métodos específicos. ; (ii) apresentação de hipótese; (iii) teste de hipótese; (iv) natureza das evidências (quanti, quali, híbridas, bibliográficas); (v) tipo de estatística utilizada, (vi) causalidade16 16 Se o argumento verifica ou mede relações de causa e efeito entre duas ou mais variáveis. Não basta apresentar suposições ou considerações causais - o argumento precisa estruturar-se na demonstração, prova ou refutação de relações causais. e (vii) escopo do argumento.

Foram discriminados os seguintes tipos de estatística: distribuição de frequências; univariada; bivariada e GLM. Univariada envolve medidas de tendência central (média, mediana), dispersão (quartis, percentis), variabilidade (variância, desvio-padrão, boxplot) e análises morfológicas (como skewness, curtose e histogramas). Bivariada compõe-se de medidas de interação entre variáveis, como testes de correlação e medidas de associação, sem covariância padronizada. GLM responde por General Linear Model, que fundamenta a maior parte das estatísticas funcionais, como análise de regressão, análise de variância e covariância (ANOVA e ANCOVA) e demais formas de covariância padronizada. Regressão logística e similares são generalizações do modelo linear (FIELD, 2013FIELD, Andy. Discovering statistics using IBM SPSS Statistics. Los Angeles: Sage Publications, 2013.), sendo também classificados como GLM17 17 Não foram identificados trabalhos que empregassem análise bayesiana. Houve dois casos de técnicas multivariadas, excluídas da análise. .

A partir desses critérios, para compor o indicador tiramos uma média ponderada das proporções das variáveis acima em cada periódico. Atribuímos os seguintes parâmetros de ponderação: natureza das evidências: “quanti”, valor 1, “híbrido”, valor 0,75 e “quali”, valor 0,5. A proporção entre os pesos carrega um grau de arbitrariedade, mas tem poder de discriminar o tipo de evidências utilizado. Também não discriminamos se os trabalhos com evidências qualitativas efetivamente possuíam um “método”, no sentindo atribuído, por exemplo, em Soares (2005)SOARES, Gláucio Ary Dillon. O calcanhar metodológico da ciência política no Brasil. Sociologia, Problemas e Práticas, [Online], n. 48, p. 27-52, 2005.. A mesma lógica foi aplicada ao tipo de estatística empregada: GLM, valor 1, bivariada, valor 0,75, univariada, valor 0,50 e distribuição de frequências, valor 0,25, ou seja, o valor aumenta em conjunto com o grau de complexidade da técnica estatística empregada no texto (RIBA, 1996RIBA, Clara. The use of mathematics in political science. European Journal of Political Research, Dordrecht, v. 29, n. 4, p. 477-508, 1996. ; CERVI, 2016CERVI, Emerson U. Sobre cuando retroceder es importante para seguir adelante: la relación entre métodos empíricos de investigación y la ciencia política en el siglo XXI. Revista Latinoamericana de Metodología de la Investigación Social, [Online], n. 11, v. 6, p. 40-55, 2016.).

Utilizamos o valor acadêmico dos periódicos da Ciência Política, apresentado em Leite (2016)LEITE, Fernando. The stratification of diversity: measuring the hierarchy of Brazilian political science. Brazilian Political Science Review, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 1-29, 2016., como proxy da hierarquia da produção do campo. Ele é calculado a partir do Qualis, do fator de impacto e da proporção de artigos dedicados à Ciência Política em cada periódico. É importante notar que o valor acadêmico é calculado a partir de variáveis que não têm, à primeira vista, relação óbvia com essa ou aquela concepção de cientificidade. O Qualis e o fator de impacto de um periódico são atribuídos por instituições externas ao campo. Trata-se de conferir aqui se o que chamamos de indicador de cientificidade ortodoxa tem o poder de explicar essa hierarquia. Assim, elaboramos um modelo de regressão com o indicador de cientificidade ortodoxa como preditor e o coeficiente de valor dos periódicos como resultante. O sumário do modelo é apresentado na Tabela 2, a seguir:

Tabela 2.
Modelo de regressão linear: cientificidade e valor dos periódicos: sumário

Como se pode atestar, obtivemos resultados bastante expressivos. O coeficiente de correlação é de 0,820 (“muito alto”) e o R2 indica que 67,3% do valor dos periódicos podem ser explicados apenas pela cientificidade ortodoxa. Os valores dos coeficientes são os seguintes (Tabela 3):

Tabela 3.
Modelo de regressão linear: cientificidade e valor dos periódicos: coeficientes

E os intervalos de confiança, via método bootstrap (Tabela 4):

Tabela 4.
Modelo de regressão linear: cientificidade e valor dos periódicos: intervalos de confiança

Os resultados mostram que os coeficientes têm alta significância estatística, de modo que são baixas as chances de ser dar ao acaso a relação cientificidade ortodoxa e valor dos periódicos. A relação entre as variáveis é descrita na Figura 1, a seguir:

Figura 1.
Scatterplot, regressão linear entre cientificidade e valor dos periódicos

O periódico História, o maior representante de abordagem humanística no campo, confunde-se com a linha de regressão próxima à origem, isto é, nega quase perfeitamente os atributos cientificistas do indicador. Nas proximidades, encontram-se também Cadernos de Pesquisa, Estudos Feministas e Caderno CRH. Por outro lado, Brazilian Political Science Review tem um valor menor do que o esperado dada a sua cientificidade, mas isso pode ser explicado por ser relativamente novo (foi fundado em 2007), fato este que tem peso sobre avaliações institucionais como o Qualis. No entanto, o fator abordagem, não considerado no modelo, pode explicar os casos da Revista Brasileira de Ciências Sociais e de Lua Nova, que concentram um valor acadêmico maior do que o esperado dada a sua cientificidade.

Diagnósticos mais recentes sobre o estado do campo corroboram o nosso resultado. Por exemplo, Cervi (2016)CERVI, Emerson U. Sobre cuando retroceder es importante para seguir adelante: la relación entre métodos empíricos de investigación y la ciencia política en el siglo XXI. Revista Latinoamericana de Metodología de la Investigación Social, [Online], n. 11, v. 6, p. 40-55, 2016., Oliveira e Nicolau (201)OLIVEIRA, Lilian; NICOLAU, Jairo. A produção da ciência política brasileira: uma análise dos artigos acadêmicos (1966-2013). In: Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, 37., 2013, Água de Lindoia-SP. Anais eletrônicos [...]. Brasília: ANPOCS, 2013. e o próprio Fabio Wanderley Reis (2016)REIS, Fábio W. Huis Clos no Chile e ciência política no Brasil. In: AVRITZER, Leonardo, Milani, Carlos R.; Braga, Maria do Socorro (org.). A ciência política no Brasil: 1960-2015. Rio de Janeiro, FGV Editora, p.13-60, 2016. identificaram “melhoras” na situação da disciplina, o que, para eles, traduz-se em uma maior adoção da concepção ortodoxa de cientificidade pelos praticantes da Ciência Política brasileira.

Cientificidade ortodoxa na produção da Ciência Política brasileira

Agora que sabemos que cientificidade ortodoxa tem influência sobre a hierarquia da produção, cumpre descrevê-la em termos de áreas e tradições. O indicador é interpretado de duas formas. Em primeiro lugar, em uma escala absoluta, em magnitudes análogas às escalas de correlação, dividas em quintis, interpretados como cientificidade ortodoxa “muito baixa” (≤.200), “baixa” (.201-.400), “média” (.401-.600), “alta” (.601-.800) e “muito alta” (≥.801). Nessa escala, 1,000 corresponde a algo como um laboratório ideal de física experimental e 0,000 a algo como uma coletânea de contos.

Em segundo lugar, também apresentamos uma escala relativa, a qual considera a distribuição específica do campo, ignorando se a cientificidade é “baixa” ou “alta”. Ela seciona a distribuição por desvios-padrão (σ) e nos diz se a cientificidade de uma categoria está bem abaixo (-2σ), abaixo (-1σ), acima (+1σ) ou muito acima da média (+2σ). Desse modo, é possível compreender que, embora uma categoria possa ter uma cientificidade ortodoxa “moderada”, ela está muito acima da média em seu campo disciplinar específico. É o caso do periódico Opinião Pública, como veremos na próxima seção.

Periódicos

Os dados para os periódicos são apresentados na Tabela 5, a seguir:

Tabela 5.
Indicadores de cientificidade dos periódicos (%)

Em primeiro lugar, a média do Indicador de Cientificidade Ortodoxa da produção qualificada (0,277) é baixa, mas não irrisória, como sugerido em Reis (1997)REIS, Fábio W. As ciências sociais nos últimos 20 anos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 12, n. 35, p. 1-22, 1997. e Soares (2005)SOARES, Gláucio Ary Dillon. O calcanhar metodológico da ciência política no Brasil. Sociologia, Problemas e Práticas, [Online], n. 48, p. 27-52, 2005.. Por um lado, a disciplina mostra ser uma ciência empírica e trabalhos ensaísticos constituem uma minoria não desprezível. Se 27,6% dos trabalhos são baseados exclusivamente em evidências bibliográficas, o tipo de evidência geralmente utilizado em ensaios, a estatística é usada em 38,6% da produção. Em 15% dos casos, trabalha-se com interação entre variáveis e, em 13%, há covariância padronizada, geralmente com pretensões causais. Considerando-se trabalhos com evidências híbridas, a proporção de utilização de metodologias quantitativas chega a 38,8%. O emprego de matemática, fora estatística, contudo, ainda é residual: o estilo simbólico, que contempla técnicas como geometria, teoria dos jogos, cálculo, entre outros, compreende apenas 1,4% da produção. Destacam-se ainda 32,7% dos trabalhos, que são de natureza qualitativa e não apresentam qualquer preocupação em discutir método. A proporção de trabalhos com hipóteses é razoável, mas ainda minoritário. Por outro lado, metade da produção trabalha com argumentos causais e 40,9% têm propósito nomotético.

Entre os periódicos mais ortodoxos temos Brazilian Political Science Review e Opinião Pública, com um ICO de 0,451 e 0,407, respectivamente. Nota-se nestas publicações uma quase totalidade de trabalhos empíricos (pesquisas), baixíssimo uso de evidências bibliográficas18 18 Estamos nos referindo ao uso exclusivo de referências bibliográficas como fonte no artigo, e não a seu emprego em geral em seções de discussão da literatura pertinente, que são comuns em artigos empiricamente orientados. , abundância de trabalhos com estatística, com o maior uso de GLM, predominância da apresentação de hipóteses e do teste de hipóteses, uso de argumentos causais, e também razoável contingente de trabalhos de orientação nomotética, em proporção equivalente a daqueles que apresentam hipóteses19 19 Nesse instante, lembramos que os periódicos seguintes são interdisciplinares. Portanto, os dados e generalizações referem-se apenas à produção de Ciência Política nesses periódicos. .

Com um ICO de 0,364 e ainda no estrato mais alto de cientificidade absoluta, encontramos a revista Dados. Ressalta-se o maior percentual de hipóteses testadas (94,4%) e o terceiro maior de argumentos causais (71,1%). Apesar disso, Dados parece menos científica do que em análise feita entre 2004 e 2008. Assim como o Iuperj, o seu instituto-sede, o periódico que, historicamente, disseminou tradições empírico-quantitativas inéditas no Brasil parece ter-se tornado mais eclético ao longo dos anos, pelo menos no que diz respeito à produção de Ciência Política. Em termos relativos, esses três periódicos posicionam-se na fração superior da distribuição, além de dois desvios-padrão acima da média. São a elite da cientificidade da Ciência Política brasileira.

No grupo seguinte (+1 σ), a Revista de Economia e Política se destaca pelo maior percentual de trabalhos com argumentos causais (100%), com maiores percentuais de evidências quantitativas (40% estritamente quanti e 20% híbridos) e com uso de estatística (apenas 20% não usam). Conspira contra ela o contingente relativamente elevado de ensaios (30% utilizam somente evidências bibliográficas). Seu ICO de 0,339, entretanto, aproxima-a mais de Dados do que do periódico seguinte, a Revista de Sociologia e Política, com um quociente de 0,285. Juntamente com a Revista Brasileira de Ciências Sociais (0,278), posicionam-se na média da produção (0,277).

A transição à fração inferior da amostra, de um desvio-padrão abaixo da média, marca uma queda de cientificidade em quase todos os aspectos, porém, ainda há um ecletismo não desprezível, em particular em Novos Estudos (0,258), Revista Brasileira de Ciência Política (0,243) e Ciência e Saúde Coletiva (0,239). Nesta última, por exemplo, há forte orientação empírica e poucos ensaios, porém, hipóteses escassas, proeminência qualitativa e pouca orientação nomotética. Em outras palavras, ganha força a “ciência humanística” sem ainda afastar-se do estilo erístico. O estrato de cientificidade muito baixa corresponde à faixa de dois desvios-padrão abaixo da média e se destacam apenas pela orientação empírica (Cadernos de Pesquisa, História) ou por um contingente não desprezível de argumentos causais (Caderno CRH, Estudos Feministas). Aqui, o grau de cientificidade está na fronteira entre a “ciência humanística” e uma abordagem humanística per se, literária e militante.

Em suma, não há periódicos com elevados quocientes de cientificidade, concordando com a impressão dos cientistas políticos mais “positivistas” de que a Ciência Política brasileira ainda não é suficientemente científica, segundo os padrões ortodoxos emprestados por eles da behavioral revolution norte-americana. O principal motivo é o uso ainda pouco disseminado de estatísticas mais sofisticadas e de matemática em geral. Além disso, fica claro que os critérios de cientificidade indicam uma oposição entre concepções de conhecimento: em parte, os periódicos com quocientes menores são menos científicos por se oporem à cientificidade definida pelos parâmetros “positivistas”.

Repare-se, contudo, que embora a concepção de Reis (1997)REIS, Fábio W. As ciências sociais nos últimos 20 anos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 12, n. 35, p. 1-22, 1997. e Soares (2005)SOARES, Gláucio Ary Dillon. O calcanhar metodológico da ciência política no Brasil. Sociologia, Problemas e Práticas, [Online], n. 48, p. 27-52, 2005. não predomine, ela é proeminente em dois sentidos: em primeiro lugar, os periódicos que aderem a um padrão de cientificidade ortodoxa mais claramente são os mais identificados com a Ciência Política. Em segundo, são os que têm melhores avaliações no Qualis da Capes - dado nada desprezível, uma vez que as avalições da Capes regulam o acesso a recursos e prestígio na academia brasileira.

Áreas temáticas

Áreas temáticas são a principal dimensão que estrutura o campo no plano institucional, alocando os estudos em função de objetos mais ou menos legítimos. Eis os seus dados (Tabela 6):

Tabela 6.
Indicadores de cientificidade das áreas temáticas (%)

As áreas mais científicas, em termos cientificistas, são as mais consagradas de “instituições políticas” (IP) e de “comportamento político” (CRCP), associadas aos neoinstitucionalismo e à teoria da escolha racional, ao comportamentalismo e à cultura política, respectivamente. As seis se posicionam no segundo desvio-padrão acima da média e cinco delas atingem um grau razoável de cientificidade ortodoxa. Embora a taxa de apresentação de hipótese não seja muito alta, os trabalhos testam a maior parte das hipóteses que apresentam um importante indicador de rigor metodológico. A distribuição das frequências mostra, no entanto, que ainda não são tão matemáticas como desejaria a concepção mais “ortodoxa” por não atingirem um patamar mais elevado de cientificidade. É o relativo déficit matemático que faz “estudos eleitorais e partidos políticos” ficar pouco abaixo de 0,400.

O estrato seguinte compreende um nível de cientificidade relativamente baixo, porém acima da média da produção, na faixa de um desvio-padrão. À exceção de pesquisa empírica, os indicadores caem em quase todos os aspectos, em particular o uso de estatísticas mais sofisticadas. Em seguida, temos as áreas de “Estado e sociedade civil” (ESC). Nota-se que a mais científica delas, “Recrutamento político, jurídico e burocrático”, é justamente a mais politológica, produto do enfoque dos estudos de elites sobre elites políticas, além de elites sociais. As áreas institucionais desse estrato aplicam um neoinstitucionalismo político qualitativo, mais distante da variante da escolha racional. Quanto mais sociológico é o âmbito do objeto que define a área, mais tendem a cair os indicadores, à exceção da orientação empírica. A área de metodologia, a única da classe de “teoria, métodos e ideias” (TMI), é a mais politológica dessas áreas, e a sua reflexão teórica se dirige à aplicação empírica, algo não considerado no indicador de cientificidade. O expressivo contingente de GLM, a rejeição de tradições qualitativas e a orientação nomotética - a maior de todas - atestam o caráter mais ortodoxo dessa área, à imagem do mainstream da Ciência Política estadunidense.

No estrato de periódicos com cientificidade relativa abaixo da média (-1σ e -2σ), predominam áreas de Estado e sociedade civil. Nesse estrato, o principal fator de queda de cientificidade ortodoxa é a parca presença de pesquisas empíricas e o aumento das evidências bibliográficas - ou seja, ganham espaço os ensaios bibliográficos. A mais qualitativa das áreas de comportamento político se encontra aqui: comunicação e opinião pública. Ao mesmo tempo, ela é a mais científica dessa região, em virtude da apresentação e do teste de hipóteses. Por fim, as áreas teóricas compõem o estrato de cientificidade mais baixa, embora argumentos causais e o escopo nomotético estejam razoavelmente presentes.

Tradições nominais

Enquanto áreas temáticas alocam objetos, tradições (teorias, métodos, técnicas) fornecem os parâmetros em função dos quais o objeto é compreendido ou explicado. Eis as suas medidas de cientificidade (tabela 07):

Tabela 7.
Indicadores de cientificidade das tradições nominais (%)

As tradições mais científicas são as mais identificadas com a disciplina, e o seu grau de cientificidade geral corresponde à faixa de dois desvios-padrão acima da média. O comportamentalismo é mais científico, embora pouco nomotético, incorrendo em um ICO abaixo de 0,500. Embora proeminente frente a média, a aplicação de estatísticas mais sofisticadas ainda não predomina nas demais tradições, sendo a principal causa do ICO inferior a 0,500. Cultura política - cujos autores principais se formam, como Gabriel Almond, dentro dos cânones do behavioralismo (JENSEN, 1969JENSEN, Richard. History and the political science. In: LIPSET, Seymour Martin. Politics and the social sciences. New York: Oxford University, p. 1-28, 1969., p. 7) - conserva grande parte do posicionamento epistemológico dos mestres: há o mesmo padrão, mas com valores um pouco mais modestos, talvez por influência do culturalismo sociológico, tão presente nessa tradição. Esse padrão também se reflete no empirismo politológico. O neoinstitucionalismo de escolha racional expressa, ao mesmo tempo, a influência da Economia e uma particularidade relativa à análise institucional: elevado contingente quantitativo e expressivo volume de GLM, porém os números são mitigados pela adoção por vezes de abordagens qualitativas em 32,4% dos casos (híbridos).

A seguir, inicia-se a transição às tradições de Ciência Política menos ortodoxas e a tradições identificadas ou fortemente influenciadas por outras disciplinas. Essa transição corresponde a uma queda nos índices de cientificidade20 20 É importante aqui que “índice de cientificidade” é a forma econômica da expressão “índice de cientificidade ortodoxa”, e que tal cientificidade ortodoxa advém de critérios adotados pela própria área e não impostos de maneira exógena por nossa análise. . A faixa seguinte, de um desvio-padrão acima da média, introduz tradições de cunho sociológico (Sociologia Política). A análise de elites, tradição originalmente sociológica, foi tornando-se mais politológica à medida que o foco se deslocou de elites sociais para elites políticas. Esse deslocamento entre zonas fronteiriças se expressa na forma de ecletismo metodológico. Mas por que o neoinstitucionalismo político não se equipara a seu irmão de escolha racional? Porque parte dele é estatal, empregado em estudos sobre burocracia e políticas públicas, com valores de cientificidade mais modestos, e outro propriamente politológico. Isso se manifesta no ecletismo das evidências. Tal tradição apresenta um meio termo entre análises mais cientificistas e politológicas e outras mais qualitativas, que tratam de agências estatais.

Na zona de transição às frações inferiores, temos o predomínio de tradições sociológicas acompanhado de queda em quase todos os critérios de cientificidade ortodoxa. Evidências se tornam mais ecléticas; a estatística, mais escassa; e a apresentação de hipóteses, a causalidade e o escopo nomotético variam entre presença razoável e desprezível dentro da mesma tradição, aproximando o ICO do estrato de cientificidade muito baixa. Repare-se que as tradições de Ciência Política desse estrato são societais, como as tradições de teoria política. Etnometodologia é uma espécie de equivalente qualitativo do empirismo quantitativo comportamentalista: todos os casos são empíricos e produtos de pesquisa, mas a interpretação é totalmente qualitativa. O estrato de cientificidade muito baixa (ICO < 0,201) corresponde a tradições de sociologia histórica (SH). e a faixa inferior, de dois desvios-padrão abaixo da média, tem o predomínio de tradições linguístico-interpretativas (LIN) e de teoria política (CP). Feminismo, pós-colonialismo, multiculturalismo e, sobretudo, teoria crítica praticamente invertem a concepção de conhecimento, sugerindo a existência de uma oposição humanística, filosófica e literária.

O feminismo é um caso interessante. Em um aspecto, está no extremo oposto de uma visão mais ortodoxa de ciência, com valores irrisórios de apresentação de hipótese (7,4%), teste de hipótese (nenhum caso) e causalidade (7,4%). Por outro lado, embora predominem trabalhos teóricos, há um contingente razoável de objetos empíricos (44,4%) e pesquisas (40,7%), assemelhando-se, nesse aspecto, ao marxismo. Assim como naquela abordagem, evidências bibliográficas predominam (55,6%), mas há 29,6% de trabalhos qualitativos, 7,4% de trabalhos quantitativos e 7,4% híbridos, havendo aplicação de GLM em 3,7% dos casos. Nesse sentido, há um feminismo teórico, predominante; um feminismo empírico e qualitativo razoavelmente estabelecido; e um feminismo mais “científico”, residual, permeável a evidências quantitativas, hipóteses e causalidade. Em outras palavras, é como se o marxismo e o feminismo invertessem a estrutura do campo em seu espaço acadêmico-intelectual específico: o cientificismo ortodoxo é periférico enquanto o humanismo acadêmico é mainstream.

Em suma, é possível identificar tradições empíricas “positivistas” e tradições empíricas mais qualitativas - que são também mais sociológicas (etnometodológicas e atores sociais), sócio-históricas (histórico-interpretativa, historiográfica, neoinstitucionalismo histórico, tipos ideais) ou histórico-linguísticas (contextualismo linguístico e história conceitual). Os índices de cientificidade mostram um claro contínuo entre uma concepção científica mais ortodoxa, com um ICO maior, politológico, em direção a uma mais humanística e societal, com ICO de baixo a próximo de nulo.

Abordagens disciplinares

Até aqui, periódicos, áreas e tradições foram referidos a abordagens disciplinares, como “politológica” e “societal”. De fato, abordagens disciplinares estruturam a produção, sobretudo quando combinadas a abordagens intelectuais, como “humanística” e “científica”. Também sabemos que quanto maior o ICO, mais científico se é dentro de parâmetros ortodoxos e, quanto menor, mais humanístico. Assim, ao se determinar o grau de cientificidade das abordagens disciplinares, explica-se boa parte da estrutura do campo - e, inclusive, a sua hierarquia, como visto acima. Então qual seria o grau de cientificidade das abordagens? A tabela 8, a seguir, contém elementos de uma resposta a essa questão.

Tabela 8.
Indicadores de cientificidade das abordagens disciplinares (%)

Nota-se que a proximidade com a política institucional implica maiores valores de cientificidade. Embora nenhuma abordagem atinja um grau razoável de cientificidade, as três abordagens politológicas posicionam-se na faixa de dois desvios-padrão acima da média e concentram 31,9% da produção. Outro aspecto importante é que a cientificidade se divide precisamente entre tratar ou não da política institucional: as abordagens societalista (ICO = 0,320) e economicista (ICO = 0,257) estudam a política institucional, mas tratam-na como um âmbito dependente de fenômenos sociais e econômicos. O estatismo, que trata as instituições estatais como um âmbito totalmente autônomo, também é mais científico do que a abordagem estatal, que considera fatores exógenos.

Quando rodamos testes específicos, verificamos que a estrutura do campo se reproduz na abordagem societal, no sentido de que a porção quantitativa apresenta mais uso de hipóteses (82,6%) e causalidade (78,3%) do que a qualitativa (25,4% e 27%) - isto é, há uma oposição entre abordagens científica, humanística e acadêmica no interior da abordagem societal. As duas últimas predominam, produzindo menores índices de cientificidade ortodoxa. Como é esperado, a fração acadêmica da abordagem societal é permeada por tradições e áreas de teoria política, cujos autores principais são filósofos críticos da democracia representativa, preocupados com formas alternativas de participação e de promoção de justiça social, frequentemente informados e até atuantes no campo da teoria social, como Iris Marion Young, Nancy Fraser, Carole Pateman e, sobretudo, Jürgen Habermas. Em outras palavras, no âmbito do objeto, parte da teoria política está mais próxima da sociologia política do que da Ciência Política em sentido estrito.

O societalismo representa uma sociologia política bastante distinta da societal. Tem orientação empírica equivalente às abordagens politológicas, é mais quantitativo que a abordagem societal e menos que as abordagens politológicas. Esse ecletismo mantém-se no uso de estatística. 21,6% dos trabalhos usam somente frequência simples, enquanto 27% empregam o GLM. O contingente de GLM, aliás, é próximo ao das abordagens politológicas. Os contingentes de apresentação de hipótese (45,9%), teste de hipótese (70,6%) e argumentos causais (56,8%) são os mais elevados fora das abordagens politológicas. Isso é provavelmente explicado por sua composição de tradições: 18,9% elites, 13,5% praxiológica e 10,8% de neoinstitucionalismo político, cultura política e comportamentalismo, todas tradições com maiores indicadores de cientificidade.

A abordagem econômica, por sua vez, refere-se a uma tradição da Economia Política, associada ao nacional-desenvolvimentismo e a abordagens heterodoxas da teoria econômica, da qual decorrem os seus baixos valores de cientificidade. O contingente de ensaios é expressivo, já que 54,5% das evidências mobilizadas são de caráter bibliográfico. A abordagem que lida com constructos linguístico-ideais, como esperado, apresenta os menores valores de cientificidade ortodoxa, embora não se reduza à filosofia política ou ao estilo literário - repare-se que predominam estudos empíricos e evidências qualitativas, e a proporção de apresentação de hipóteses não é desprezível. A natureza linguístico-ideal do seu objeto afasta-a da abordagem empirista em direção a uma epistemologia histórico-linguística baseada sobretudo nos trabalhos de Quentin Skinner e Reinhart Koselleck.

A cientificidade na definição da disciplina: Ciência Política ou sociologia política?

A visão em sentido estrito, identificada como Ciência Política, é composta das três abordagens politológicas acrescidas do estatismo. Em sentido amplo, identificada com a sociologia política, é composta das abordagens societal, societalista e estatal. Os resultados sintetizam oposições históricas entre formas de estudar fenômenos políticos, hoje agregadas em um único campo acadêmico institucionalizado, a Ciência Política. Variáveis associadas a uma concepção de cientificidade mais ortodoxa predominam na Ciência Política, enquanto na sociologia política, mais eclética, predomina uma concepção de cientificidade menos ortodoxa, permeada pelo humanismo e por uma abordagem teoricamente orientada.

A visão disciplinar, em sentido estrito, identificando o fenômeno político com a política institucional, é a mais valorizada pelos mecanismos de estratificação, que lhe conferem um poder de definição da disciplina como área de conhecimento autônomo. Essa definição, por sua vez, depende de atribuição de valores diferenciais a certas características da produção. Além da política institucional (dimensão do objeto), a principal delas, tem-se os critérios de cientificidade (dimensão da tradição). Como vimos acima, a cientificidade ortodoxa é um determinante do valor dos periódicos, isto é, da hierarquia da produção. Em outras palavras, as variáveis aqui elencadas para medir a cientificidade também constituem propriedades que, através dos mecanismos formais (e possivelmente informais) de estratificação, distinguem e hierarquizam o campo. Assim, as propriedades associadas à visão estrita da Ciência Política expressam o que é mais valorizado e vem definindo a disciplina: orientação empírica, evidências quantitativas, uso de estatística, GLM, apresentação e teste de hipótese, causalidade e escopo nomotético, entre outros. As próprias categorias “Ciência Política” e “sociologia política” são indicadores da atuação e magnitude dos princípios de divisão.

Os riscos de cientificismo e oficialismo na afirmação recente da disciplina

O artigo verificou que a concepção ortodoxa de cientificidade atualmente é a mais importante na determinação do valor da produção acadêmica. A partir do cálculo do Índice de Cientificidade Ortodoxa (ICO), medimos o grau de cientificidade de categorias fundamentais da produção, como periódicos, áreas, tradições e abordagens disciplinares. Ao fazermos isso, mostramos que grande parte da produção está aquém do ideal das frações cientificistas e, ao mesmo tempo, que existem concepções alternativas de se fazer Ciência Política, de orientação mais humanística.

É preciso ressaltar que, além de determinar de forma bastante expressiva o valor dos periódicos, os padrões de cientificidade, expressos de maneira sintética pelo ICO, operam no campo como um princípio de divisão. Como o ICO médio não é muito elevado, deduz-se que o campo esteja estruturado de modo a aumentá-lo ou a privilegiar uma elite que já adota práticas mais ortodoxas. O ICO, portanto, pode ser interpretado como uma medida da entronização de uma concepção mais ortodoxa de cientificidade no campo.

Com isso em mente, gostaríamos de fazer algumas considerações acerca do futuro teórico-metodológico da disciplina. Como a cientificidade é um importante determinante de valor acadêmico e, ao mesmo tempo, uma propriedade relativamente escassa, o campo pode acabar dirigindo-se de modo a assimilar mais atributos “científicos” a seus periódicos, áreas e tradições, e, por extensão, à sua pós-graduação. Não nos esqueçamos que as instituições de fomento à pesquisa valem-se de parâmetros que reforçam essa concepção cientificista na área, como o próprio Qualis periódicos, para distribuírem recursos. Mas a hegemonia do cientificismo não se faz sem riscos.

A associação entre empirismo, democracia e neoinstitucionalismo pode produzir uma espécie de oficialismo, excluindo objetos relevantes dos horizontes da disciplina e ocultando fatores explicativos, mesmo dentro do âmbito mais estrito da política institucional. Por exemplo, a recente vitória de Jair Bolsonaro das eleições presidenciais de 2018 deixou a quase totalidade do establishment institucionalista bastante atônita, o que levou alguns de seus membros a se perguntarem se não deveriam olhar para variáveis fora do âmbito estritamente politicista (NICOLAU, 2018NICOLAU, Jairo. O triunfo do bolsonarismo: como os eleitores criaram o maior partido de extrema direita da história do país. Piauí, [Online], nov. 2018. Disponível em: Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-triunfo-do-bolsonarismo/ . Acesso em: 22 jan. 2021.
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o...
). Essas exclusões podem reificar-se institucionalmente e compartimentalizar a disciplina, excluindo previamente questões e explicações possíveis.

Em primeiro lugar, a atenção à democracia vai dando lugar à atenção às instituições democráticas estabelecidas. Ignorando fatores exógenos e sua historicidade, incorre-se em um “oficialismo ontológico”, que insula e justifica as instituições democráticas estabelecidas. Ou pior, ele acaba por produzir uma visão panglossiana segundo a qual a existência nominal de instituições é sinal suficiente de que elas estão funcionando da melhor maneira possível em uma democracia. Além disso, esse oficialismo tem outra característica: baseia-se em instituições formais. O universo informal torna-se opaco, até mesmo invisível. A necessidade de autonomização disciplinar, até aqui dependente do estudo da política institucional, só contribuiria para manter esses meandros ocultos ou em segundo plano, pois ela é incapaz de definir precisamente e medir rigorosamente instituições informais.

Sabe-se que instituições podem ser arranjos de regras, normas ou valores formais ou informais que condicionam ou constrangem o comportamento. Ocorre que regras geralmente referem-se a constrangimentos mais cristalizados do que normas. No neoinstitucionalismo de escolha racional, isso é exaltado, anexando-se um sentido sociologicamente associado às organizações: regras são o “produto de acordos explícitos instituídos por alguma autoridade, e elas implicam sanções”21 21 “Rules are the product of explicit agreement brought about by some authority, and they imply sanctions”. (TUOMELA apud HODGSON, 2006HODGSON, Geoffrey M. What are institutions? Journal of Economic Issues, Knoxville, v. 40, n. 1, p. 1-25, 2006., p. 5). Implicitamente no emprego de “norma” e “regra” há um contínuo entre o grau de formalização dos condicionantes do comportamento que fica particularmente claro na distinção de Helmke e Levistky (2004, p. 727)HELMKE, Gretchen; LEVITSKY, Steven. Informal institutions and comparative politics: a research agenda. Perspectives on Politics, Cambridge, v. 2, n. 4, p. 727-740, 2004. : normas são “self-enforcing” e regras são “enforced by a third party”. Pois “third party” é geralmente uma organização, uma estrutura regimentada, “fixada, hierarquizada e centralizada”, nos termos de Gurvitch (1955, p. 10)GURVITCH, Georges. Le concept de structure sociale. Cahiers Internationaux de Sociologie, v. 19, p. 3-44, 1955. (Nouvelle Série)., como uma organização burocrática ou uma instituição do Estado. Quando aplicados às instituições políticas, a simplicidade, o rigor e a verificabilidade das tradições de escolha racional, uns de seus maiores trunfos, favoreceram o estudo das instituições mais explícitas, mais concisas, mais facilmente identificáveis e definíveis - isto é, mais formais.

Fundamentalmente, o risco do formalismo está na adesão estrita às exigências do empirismo epistêmico quando se aborda fenômenos coletivos de difícil mensuração, como instituições informais ou formas implícitas de capital. Faltam métodos para defini-los e medi-los rigorosamente. Trata-se do problema clássico de determinar a natureza e de operacionalizar termos coletivos, quando as fronteiras entre o “observável indireto”, o “constructo” e o “teórico” ficam enevoadas. Quanto menor essa capacidade, maiores as chances de que, para evitar a reificação de termos abstratos, acabe-se por restringir a análise à camada “oficial” do mundo político ou do universo social. Daí advém a simbiose entre o empirismo e o individualismo metodológico anglo-saxões, por um lado, e a recorrente associação entre a parte mais sociológica das Ciências Sociais e as tradições menos “positivistas”.

Nessas circunstâncias, estudar o mais visível e facilmente mensurável favorece a construção de modelos com mais variância explicada, isto é, modelos melhores, o que, por seu turno, é escolha eficiente no que concerne à publicação de artigos. Melhores, é claro, dentro de um universo previamente delimitado, explicando-se mais variância de uma extensão previamente reduzida de variação. Em outras palavras, a ciência ganha em cientificidade ejetando de seu objeto a sujidade do mundo, mas que tem potencial relevância política.

Tomando-se como referência o caso estadunidense, Helmke e Levitsky (2004, p. 725)HELMKE, Gretchen; LEVITSKY, Steven. Informal institutions and comparative politics: a research agenda. Perspectives on Politics, Cambridge, v. 2, n. 4, p. 727-740, 2004. sugerem que “regras informais” ainda permanecem “periféricas” nos estudos da disciplina. Nesses termos, (i) foca-se instituições formais porque é mais fácil medi-las; e/ou (ii) o mainstream acredita que as instituições formais “contam mais”. Em outros termos, aposta-se que o fenômeno político tenha tal grau de estruturação ou objetivação de modo a ser determinado por sua dimensão formal. Helmke e Levitsky (Ibidem) mostram, no entanto, a extensão da influência dos fenômenos informais sobre o comportamento político, até mesmo suplantando as instituições formais. Eventualmente, estas podem não constituir “incentivos” reais ao comportamento, como quando normas informais de atribuição permitem que o poder Executivo exceda a autoridade formalmente prescrita ao presidente (Ibidem, p. 725-726). No limite, as instituições formais podem contradizer o comportamento real determinado informalmente, como no caso da proibição da pena de morte no Brasil e a prática corrente de execuções policiais, com a conivência tácita da corporação (Ibidem, p. 726). Os efeitos de instituições informais estendem-se a regras eleitorais e, mais fundamentalmente, influenciam resultados institucionais, bem como a própria constituição das instituições formais, estendendo-se a áreas como a política legislativa, judicial, a organização partidária, financiamento de campanha, mudança de regime, federalismo, administração pública e o desenho do Estado (Ibidem).

Ora, é natural que uma tradição foque ou reconstrua a fração do real mais adequada a ela, mas tem-se um problema quando, em um contexto de afirmação disciplinar, em particular como ciência, essas tradições acabem sendo confundidas com a cientificidade em si, de forma unívoca. A existência eficaz de uma ortodoxia faz com que os trabalhos que não empregam seu arranjo teórico, seus métodos - e seus objetos e temas - sejam tomados, na prática, como “menos científicos” ou mesmo “não científicos”. Isto constitui um claro pré-julgando do seu valor heurístico que restringe as possibilidades científicas no campo.

Assim, por exemplo, dadas as dificuldades de controle e mensuração das tradições sociológicas ou dos métodos histórico-comparados, lhes são negados o estatuto de científicos. Isso contribui para seu insulamento na periferia da Ciência Política e redunda em perdas pois os seus praticantes são incentivados a ignorar: (i) o emprego de métodos científicos22 22 Como mostra Perissinotto (2013) para o caso das tradições histórico-interpretativas. ; (ii) a possibilidade de interação e eventual complementariedade entre variáveis de âmbitos distintos; e (iii) o desenvolvimento de técnicas que permitam a mensuração dos fenômenos mais difusos e informais que constituem em larga medida os objetos dessas tradições.

Reconhecer esse problema fundamental, criado pela ortodoxia monocrática, equivale a aceitar que não há uma singularidade “ontológica” nesses objetos que os torne em princípio inescrutáveis pelos métodos científicos. Assim, a confusão entre certas tradições e o estatuto de cientificidade em um contexto de grandes limitações metodológicas - como as envolvidas nas fronteiras entre o formal e o informal e na mensuração de termos coletivos e de instituições objetivadas apenas até o nível simbólico - aumenta as chances de se acusar como “pouco” ou “não científico” aquilo que, na verdade, ainda não se consegue abordar cientificamente. Apesar dos avanços, consistentes e em curso, a aversão atual à dimensão mais recôndita dos fenômenos políticos, e aos fenômenos mais ocultos propriamente ditos, expressa as limitações científicas da disciplina.

O risco, afinal, é de um cientificismo e de um “metodologismo” exagerado, operando contra a concepções mais inclusivas de cientificidade na Ciência Política. Há inúmeros sintomas práticos. Além da “significância estatística” e seu efeito quase mágico de garantia de cientificidade, tem-se, por exemplo, o uso automatizado e indiscriminado dos termos “variável dependente” e “variável independente” que nem sempre é adequado. Em primeiro lugar, tais termos se referem a desenhos de pesquisa experimentais, quando há controle sobre as variáveis, o que não é o caso da Ciência Política, salvo raras exceções. Em segundo, exigem que os efeitos sejam observados antes e depois da atuação de uma variável sobre a outra, novamente algo raramente possível em pesquisas da área. Em terceiro, são equivocadamente confundidos com técnicas matematicamente bidirecionais (como os testes de regressão) e que, por esse motivo, só autorizam inferências causais com observações diacrônicas23 23 Por esse motivo, a literatura frequentemente recomenda o uso dos termos predictor e outcome variable, que não implicam causalidade. : causalidade são padrões de covariância observados ao longo do tempo (FIELD, 2013FIELD, Andy. Discovering statistics using IBM SPSS Statistics. Los Angeles: Sage Publications, 2013., p. 15). Na prática, essa confusão, interessada, acaba transformando causalidade em uma premissa assimilada e confundida com a técnica que se está empregando - um emprego que eventualmente assume ares de militância.

Assim como a Economia há poucas décadas, a Ciência Política brasileira descobriu o general linear model e o cultiva como uma espécie de passagem a outro patamar de cientificidade, produzindo uma fronteira fictícia entre técnicas de regressão e o “resto”. Esse imaginário, então, desdobra-se produzindo uma série de confusões basais. Estatísticas funcionais tornam-se “inferenciais”, em oposição às “descritivas”, quando ser ou não inferencial refere-se ao desenho de pesquisa (trabalhar ou não com uma amostra); ou quando - esta é uma das prediletas - “inferencial” tacitamente equivale a “explicação”, confundindo-se uma propriedade relativa ao desenho de pesquisa com uma propriedade de ordem lógica (um argumento causal).

Esses e outros vícios baseiam-se em uma necessidade de afirmação, ao mesmo tempo institucional e identitária: ser ciência, ser científico. Dirigindo-se por essa necessidade, busca-se, em operações ritualísticas, assimilar os atributos associados à cientificidade e denunciar sua falta na concorrência. Quando ser científico é transformado em uma espécie de capital, a cientificidade torna-se um artifício simbólico para acumular capital acadêmico e prestígio intelectual. Esse cientificismo, é claro, é uma característica de ciências imaturas e, na verdade, conspira contra o progresso da disciplina dentro dos parâmetros das ciências empíricas.

Por fim, é possível que outro processo de exclusão prematura esteja sendo aplicado às abordagens societais. Assim, caso progrida a separação institucional entre sociologia política e Ciência Política, correspondendo, na dimensão intelectual, ao fracionamento dos objetos e dos fatores mobilizadas em suas análises, corremos o risco de ver isoladas explicações potencialmente complementares do fenômeno político, estanques em disciplinas distintas. A falta de receptividade intelectual e abertura de canais de comunicação e intercâmbio de ideias em um ambiente institucional desfavorável produz prejuízos científicos consideráveis. Um exemplo óbvio é quando aquilo que “não é Ciência Política” exerce influência real sobre a política, isto é, quando a realidade não for suficientemente politológica como deseja a disciplina que se apropriou intelectualmente dela. Essa realidade abnegada estará imersa nos confounds, no “ruído” estatístico, naquilo que não é Ciência Política, nos itens previamente excluídos dos modelos.

Por outro lado, o amadurecimento em curso pode fazer a Ciência Política fertilizar-se com outras disciplinas sem o risco de dependência ou de perda de cientificidade. Um exemplo palpável é o estudo de instituições informais (HELMKE; LEVITSKY, 2004HELMKE, Gretchen; LEVITSKY, Steven. Informal institutions and comparative politics: a research agenda. Perspectives on Politics, Cambridge, v. 2, n. 4, p. 727-740, 2004. ). Em outras palavras, a Ciência Política poderá tornar-se mais científica ao incorporar tradições interdisciplinares e considerar fatores associados a outros âmbitos.

Por enquanto, a Ciência Política parece convergir para abordagens politológicas e o empirismo, solidificando-se segundo o modelo ortodoxo de ciência herdado da academia estadunidense. Nesse sentido, acreditamos que, dado o atual estado de coisas, o afastamento de propriedades associadas à abordagem humanística, como o estilo literário e o ensaísmo, deve continuar. O estilo simbólico e o uso mais intensivo de matemática provavelmente ganharão importância talvez gerando um novo foco de confronto com a “teoria normativa”, como ocorreu e ocorre nos Estados Unidos. Nesse sentido, os cursos e o treinamento em metodologia deverão tornar-se ainda mais importantes e cada vez mais intensivos.

No âmbito da autonomia institucional, a Ciência Política também tem mostrado vigor, vide a criação de cursos de graduação específicos da disciplina e o aprofundando sua profissionalização. A Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) igualmente se consolida cada vez mais, começando a se sobrepor à Anpocs, que, no médio, prazo talvez se torne anacrônica. O número de pós-graduações na área de Ciência Política da Capes só faz crescer, chegando nos dias de hoje a ultrapassar a Antropologia e a rivalizar com a Sociologia.

O presente artigo contribui para essa importante discussão oferecendo um indicador para medir uma concepção mais ortodoxa de cientificidade. Diferentemente de outros estudos, o nosso indicador advém dos próprios parâmetros adotados pela Ciência Política brasileira, em suas práticas. Ou seja, ele é uma expressão dos padrões de cientificidade da comunidade científica, pragmaticamente falando, e não uma imposição externa de algum ideal de ciência, método adotado por especialistas do assunto. Identificamos uma concepção ortodoxa de Ciência Política, que, dentro do campo, tem proeminência e maior poder. Essa estruturação hierárquica da Ciência Política se reflete, como mostramos, nas tradições, abordagens e periódicos. Na conclusão refletimos sobre as consequências desse estado de coisas. Seriam elas positivas ou negativas para o desenvolvimento da disciplina e para o melhor conhecimento do fenômeno político? Há razões para preocupação, relativas ao fechamento da disciplina a fatores de natureza sociológica com potencial impacto político, mas há também novas possibilidades de abertura metodológica que, ao mesmo tempo, incorporam novas variáveis sem abrir mão do rigor metodológico. A melhor solução é, assim como em várias outras coisas humanas, seguir o conselho do nosso mais dileto patrono e encontramos um bom termo.

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  • 3
    Para replicação de dados ver: https://doi.org/10.7910/DVN/XWAY2Z
  • 4
    “Tabela de Áreas de Conhecimento”, Capes, 2012. Disponível em: http://www.capes.gov.br/avaliacao/instrumentos-de-apoio/tabela-de-areas-do-conhecimento-avaliacao. Acesso em: 30 maio 2014.
  • 5
    “Áreas temáticas”, ABCP, 2012. Disponível em: http://www.cienciapolitica.org.br/encontros/8o-encontro-abcp/areas-tematicas/. Acesso em: 30 maio 2013.
  • 6
    Isso não quer dizer que ciências mais paradigmáticas não sejam “fecundadas” pela troca de saberes com outros ramos científicos, como é o caso da química, física e vários ramos da biologia.
  • 7
    Arranjo de organizações responsáveis pelo exercício legítimo do poder político - incluindo as “instituições informais” em prática no interior desse arranjo. É demarcada pela competição pela posse de posições governamentais e pelo controle dos recursos sob sua tutela, bem como a deliberação em torno dos meios e alvos de sua aplicação. Ela inclui o voto e formas institucionalizadas de participação.
  • 8
    Por exemplo: comportamento dos eleitores, a avaliação subjetiva das instituições políticas e a participação institucionalizada de atores cívicos.
  • 9
    Por exemplo: o funcionamento do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), uma política implantada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), a estrutura do Estado capitalista etc.
  • 10
    Por exemplo: a estratificação social no Brasil, um movimento social, o conceito weberiano de poder etc. Entende “político” em sentido amplo, como relações de poder ou formas de dominação.
  • 11
    Lamounier (1982, p. 417)LAMOUNIER, Bolívar. A ciência política no Brasil: roteiro para um balanço crítico. In: LAMOUNIER, Bolívar. A ciência política nos anos 80. Brasília: Editora UnB, p. 407-433, 1982. usa o termo “sociologismo” em um sentido semelhante a societal. Mas ali se faz referência a um tratamento sociológico de objetos societais, enquanto societal se refere exclusivamente ao objeto, envolvendo tradições não necessariamente sociológicas. Algumas tradições de teoria política, por exemplo, são, em boa medida, societais.
  • 12
    Por exemplo: o desempenho da economia sob o governo Lula; a implantação do nacional-desenvolvimentismo.
  • 13
    A evolução do conceito de democracia, o contextualismo linguístico na história do pensamento político.
  • 14
    Riba (1996)RIBA, Clara. The use of mathematics in political science. European Journal of Political Research, Dordrecht, v. 29, n. 4, p. 477-508, 1996. , por exemplo, praticamente confunde “uso de dados” com a apresentação de informações quantitativas em gráficos e tabelas. A mesma associação aparece em diagnósticos da Ciência Política brasileira, como em Reis (1997)REIS, Fábio W. As ciências sociais nos últimos 20 anos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 12, n. 35, p. 1-22, 1997..
  • 15
    Se o objeto é empírico, ou seja, um observável direto, indireto ou constructo, e se são construídos dados para medi-lo ou caracterizá-lo. Não basta apresentar dados, como citar estatísticas de tal ou qual referência - é preciso elaborá-los mediante observação e aplicação de métodos específicos.
  • 16
    Se o argumento verifica ou mede relações de causa e efeito entre duas ou mais variáveis. Não basta apresentar suposições ou considerações causais - o argumento precisa estruturar-se na demonstração, prova ou refutação de relações causais.
  • 17
    Não foram identificados trabalhos que empregassem análise bayesiana. Houve dois casos de técnicas multivariadas, excluídas da análise.
  • 18
    Estamos nos referindo ao uso exclusivo de referências bibliográficas como fonte no artigo, e não a seu emprego em geral em seções de discussão da literatura pertinente, que são comuns em artigos empiricamente orientados.
  • 19
    Nesse instante, lembramos que os periódicos seguintes são interdisciplinares. Portanto, os dados e generalizações referem-se apenas à produção de Ciência Política nesses periódicos.
  • 20
    É importante aqui que “índice de cientificidade” é a forma econômica da expressão “índice de cientificidade ortodoxa”, e que tal cientificidade ortodoxa advém de critérios adotados pela própria área e não impostos de maneira exógena por nossa análise.
  • 21
    “Rules are the product of explicit agreement brought about by some authority, and they imply sanctions”.
  • 22
    Como mostra Perissinotto (2013)PERISSINOTTO, Renato. Comparação, história e interpretação: por uma ciência política histórico-interpretativa. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 28, n. 83, p. 151-165, 2013. para o caso das tradições histórico-interpretativas.
  • 23
    Por esse motivo, a literatura frequentemente recomenda o uso dos termos predictor e outcome variable, que não implicam causalidade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    29 Mar 2019
  • Aceito
    09 Dez 2020
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