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Usos da antropofagia: canibalismo caleidoscópico

Uses of anthropophagy: kaleidoscopic cannibalism

Resumos

Resumo

O presente artigo tem duas intenções principais, a saber: em primeiro lugar, mostrar, contra parte significante da bibliografia, que não foram apenas os tropicalistas que teriam herdado e atualizado o legado antropofágico e, em segundo lugar, que a melhor forma de mapear o legado antropofágico seria a utilização da noção de uso e não de, por assim dizer, hereditariedade ou continuidade. À vista disto, sugerimos que: (a) a noção de uso seria a melhor forma de estudo desta história intelectual; (b) os diferentes usos são condicionados a partir de influxos políticos, materiais e ideológicos distintos, o que leva ao estímulo ou não de certos aspectos de sua produção e (c) seis seriam alguns dos usos por nós cartografados. Outra ideia-força que subjaz de nosso trabalho é a de que a antropofagia é sistematicamente revisitada por formalizar elementos (e efeitos) decisivos da colonização no Brasil.

Palavras-chave:
teoria política e social; pensamento político e social brasileiro; arte moderna e contemporânea brasileira; Oswald de Andrade; antropofagia


Abstract

The present article has two main intentions: first, to show, against a significant part of the bibliography, that it was not only the tropicalists who would have updated the anthropophagic legacy and, secondly, the best way to map the anthropophagic legacy would be from the notion of use and not of heredity or continuity. In view of this, we suggest that: (a) the notion of use would be the best way to study this intellectual history; (b) the different uses are conditioned by different political, material and ideological influences, which leads to the stimulation or not of certain aspects of their production and (c) six are some of the uses we have mapped. Another underlying idea of our work is that anthropophagy is systematically revisited for formalizing decisive elements (and effects) of colonization in Brazil.

Key words:
political and social theory; Brazilian political and social thought; modern and contemporary Brazilian art; Oswald de Andrade; anthropophagy


Prolegômenos aos usos

O mais comum a se pensar é que a antropografia de Oswald de Andrade fora revisitada pelos tropicalistas e que, ao fim e ao cabo, foram eles que a reatualizaram e seriam seus herdeiros (Campos, 2015CAMPOS, Augusto de. (2015), Balanço da bossa e outras bossas. São Paulo, Editora Perspectiva.; Jezzini, 2010JEZZINI, Jhanaina Silva Pereira. (2010), “Antropofagia e tropicalismo: identidade cultural”. Visualidades, 8, 2: 49-73.; Muniz de Britto, 2009MUNIZ DE BRITTO, Jomard. (2009), Do modernismo à bossa nova. São Paulo, Ateliê Editorial.; Santiago, 1977SANTIAGO, Silviano. (1977), “Fazendo perguntas com o martelo”, in G. Vasconcellos. Música popular: um olhar na fresta, Rio de Janeiro, Graal.; Schwarz, 2012SCHWARZ, Roberto. (2012), Que horas são?. São Paulo, Companhia das Letras.; Viveiros de Castro, 2007VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. (2007), Encontros. Rio de Janeiro, Azougue.). Duarte (2018, pDUARTE, Pedro. (2018), Tropicália ou panis et circencis. São Paulo: Editora Cobogó.. 119) chega mesmo a dizer que o “Tropicalismo que se filiou à antropofagia, mas a antropofagia que, através dele, tornou-se na prática o que ela é hoje”.

Não obstante, propomos que esse diagnóstico precisa ser relativizado e burilado por dois motivos: i) a relação do tropicalismo com a antropofagia seria melhor entendida caso a entendêssemos como usos (Portantiero, 1977PORTANTIERO, Juan Carlos. (1977), Los usos de Gramsci. Buenos Aires, Passado y presente.) e não como uma relação de propriedade exclusiva ou de justeza hereditária - ou melhor, as apropriações feitas quanto à antropofagia por intelectuais, artistas e movimentos posteriores a Oswald de Andrade seriam melhor compreendidas como usos possíveis e distintos - e ii) em meio ao próprio tropicalismo podemos notar, ao menos, duas formas de utilização do legado antropofágico; mesmo que dotadas de certa complementariedade, essas adaptações feitas pelo tropicalismo divergiam frente, por exemplo, a reconfiguração e construção nacional brasileiras.

Exporemos, daqui em diante, as determinações que acreditamos serem importantes para a justificação e explicação destes dois pontos elencados.

Do ponto de vista do estudo de história das ideias, do pensamento e da cultura visual brasileira, talvez fosse útil falarmos em usos da antropofagia. Para explicitar o que queremos dizer, lançaremos mão de um autor e texto, à primeira vista, diversos do tema aqui enfrentado, mas que, todavia, pode nos legar um ponto de vista interessante.

O intelectual marxista argentino, Juan Carlos Portantiero, em seu ensaio Los usos de Gramsci (1977), aponta que a obra do marxista sardo era conhecida de forma fragmentária e era lida desde influxos políticos e históricos distintos. Destarte, existiam alguns “Gramscis”. Um Gramsci seria precursor do chamado do “togliattismo”, isto é, da política moderada do Partido Comunista Italiano e seu eurocomunismo, colocado em prática pós-Segunda Guerra Mundial e que reeditaria os caminhos reformistas do Partido Social-Democrata Alemão. Outro Gramsci, no extremo oposto, desenvolveria, a começar por seus escritos de juventude, uma visão espontaneísta de revolução, a qual se conformaria com base nos conselhos de fábrica e num basismo obreirista que o colocaria próximo de Rosa Luxemburgo e Geoges Sorel, e não de Lenin e seu centralismo democrático. Pontantiero, por sua vez, proporá uma análise distinta, em que a obra do sardo deveria ser lida como testemunho ideológico e político de uma estratégia de largo alcance para a conquista do poder, a partir do desenvolvimento de hipóteses apresentadas no III e IV Congresso da Internacional Comunista (1921 e 1923). Tais hipóteses supõem, a título de exemplo, a revisão das posições clássicas sobre a tomada do poder, a forma dos partidos políticos e a necessidade de análises pormenorizadas de cada nação como um sistema hegemônico particular. Seja como for, é interessante observar que o próprio Portantiero apresentava a sua própria interpretação como um uso de Gramsci:

Esse uso não é o único possível e nem o único "verdadeiro". Adapta-se às nossas necessidades e nos permite reconstruir, em termos políticos e a partir do presente, a globalidade de um trabalho considerado como produção permanente (embora nem sempre infalível) e não como um somatório de posições parciais (o "consilista" Gramsci, o Gramsci " político ", o" teórico" Gramsci), que é avaliado unilateralmente. A reconstrução não implica negar a existência de cortes, de etapas do trabalho, em que cada aspecto da investigação traça um viés que deforma o todo. Esses momentos existem e, entre outras coisas, são o resultado de condições históricas particulares sobre as quais a mesma obsessão se volta. Essa diferença de condições não é neutra: atua sobre o pensamento, estimulando certos aspectos e desencorajando outros, modificando o pulso em uma ou outra direção da análise que é superdimensionada em relação ao resto. (Portantiero, 1977, pPORTANTIERO, Juan Carlos. (1977), Los usos de Gramsci. Buenos Aires, Passado y presente.. 16, tradução nossa)

Com base nessas colocações teóricas e metodológicas de Portantiero, podemos nos afastar de três tentações distintas, mas prejudiciais ao estudo que aqui temos em tela. Em primeiro lugar, nos afastamos de uma tentação historicista, que apenas veria sentido em estudar as ideias e produções artísticas nos seus contextos mais imediatos de circulação e debate - dado que a repercussão de ideias e projetos intelectuais e artísticos se estendem para além dos seus meios originários. Em segundo lugar, nos permite analisar diferentes interpretações não como erros formais e sim como mudanças ocorridas perante momentos históricos, sociais e políticos diversos de seu momento de “origem”. Em terceiro lugar, possibilita que o estudo feito por nós articule de maneira satisfatória, no recorte aqui proposto, a análise do artefato intelectual e cultural em questão e os contextos nos quais ele está imantando e nos quais, sobretudo, age e oferece respostas em contenciosos específicos - como nas disputas sobre o que seriam, por exemplo, a identidade brasileira, a arte brasileira e os destinos do Brasil no mundo (Skinner, 2010, pSKINNER, Quentin. (2010), Hobbes e a liberdade republicana. São Paulo, Editora UNESP..15).1 1 Inspiramo-nos aqui nas críticas e sugestões feitas por André Botelho e Elide Rugai Bastos ao campo da sociologia da cultura e dos intelectuais no sentido de apontar a necessidade, em meio às ciências sociais, de se valorizar o estudo aprofundado dos produtos dos trabalhos simbólicos dos atores sociais, como obras e ideias. Até porque, ideias e artefatos culturais têm um fundamento que ultrapassa os seus contextos de origem e a trajetória de seus constituidores e a sociedade não poderia se realizar “desacompanhada das interpretações de que é objeto e, mais do que isso, as intepretações proporcionam significado a vida social, pesadas inclusive as suas veleidades, possibilidades e limites efetivos” (Botelho e Bastos, 2019, p. 247). É preciso ter em mente também que, com essa ideia de uso, não se quer introduzir formas de classificação - cuja maneira de proceder é a tentativa de subsumir, esquematicamente, uma pletora de pensamentos e autores a categoria fechadas -, e sim formas de aproximação com linhas estilizadas de usos da antropofagia. Tanto é que artistas e autores diversos podem lançar mão do legado oswaldiano de modo a se aproximar de alguns e não apenas de um uso do espólio antropofágico.2 2 Nos inspiramos aqui em Brandão (2005, p.241): “Nem todos os ‘pensadores político-sociais’ se enquadram nesta ou naquela linhagem, em vários convivem almas contrapostas”.

Para melhorar a compreensão da noção de uso aqui operacionalizada, resta-nos apontar ainda três pontos que mostrariam a sua adequação para o objeto que temos aqui em tela.

Primeiramente, pode-se apontar o seu papel pragmático. Isto é, a noção de uso, diferentemente de termos analíticos como tradução, reinterpretação e até mesmo apropriação, não carrega consigo arcabouços epistemológicos suficientemente pesados a ponto de poder obliterar o objeto que pretendemos expor e suas dinâmicas imanentes. Ademais, com a noção de uso não precisamos nos alicerçar em grandes teorizações (estranhas, por vezes, ao objeto estudado) sobre mudanças e dinâmicas sociais e políticas e que poderiam dizer pouco sobre o artefato intelectual e artístico em questão (Skinner, 2002b, pSKINNER, Quentin. (2002b), “Retrospect: studying rhetoric and conceptual change” in Q. Skinner. Vision of politics, v.1: regarding method, Cambridge, Cambridge University Press.. 180). Desta forma, podemos, por meio do estudo de imagens, lances linguísticos e atos de fala, mostrar diferenças nas formas com que um mesmo conceito foi utilizado por diversos atores em contextos diferentes uns dos outros.

De forma mais pormenorizada, podemos dizer que não optamos pela noção de (re)interpretação, visto que ela seria imprecisa no seguinte sentido: nos usos que aqui exporemos trata-se, no fim das contas, não de uma interpretação conceitual distinta sobre o que é a antropofagia, mas sim das diferenças entre os limites, aplicações e implicações políticas e sociais de um conceito aproximado ou igual de antropofagia (Skinner, 2002bSKINNER, Quentin. (2002b), “Retrospect: studying rhetoric and conceptual change” in Q. Skinner. Vision of politics, v.1: regarding method, Cambridge, Cambridge University Press.). Em nosso entendimento, não utilizamos também a ideia de apropriação, uma vez que ela pode ter efeito parecido ao da noção de interpretação, dado que por apropriação poder-se-ia entender que atores e autores forjaram, a partir de suas trajetórias e experiências intelectuais, mudanças no próprio conceito de antropofagia e, como dito, não é isso que enfatizamos em nosso recorte e não é isso que encontramos em nosso objeto de estudo. A ideia de incorporação também não nos é interessante tanto pelo fato de no estudo aqui feito não nos preocuparmos com a forma como e de que maneira o conceito de antropofagia fora incorporado pelos diversos agentes, mas sim a forma como ele foi usado; quanto porque a noção de incorporação estaria mais voltada para análise de diferenças de conteúdos presentes em conceitos aparentemente iguais. O que não é o nosso caso, visto que nos preocupamos com os usos de um conceito parecido ou mesmo igual de antropofagia por vários agentes e seus contextos. De forma parecida, a noção de tradução também não nos serve aqui, visto que, ao menos em sua versão gramsciana, demandaria a viabilização de algum nível de correspondência social e econômica que permitiriam uma tradutibilidade entre atividades humanas e intelectuais distintas, feito filosofia, economia e sociedade. Ademais, há uma pressuposição de que estas atividades estão condicionadas, de forma complexa, pelo desenvolvimento e movimentação de grupos e classes sociais. O que, ao fim e ao cabo, poderia trazer certa univocidade para os termos em disputa e os conceitos usados nas disputas. Algo que, para o nosso recorte, não é interessante porque, como fora dito, estamos interessados nos usos variados da antropofagia feitos por agentes específicos em contenciosos particulares sobre noções decisivas para os caminhos do Brasil e suas artes.

Em segundo lugar, podemos, utilizando a noção de uso, ao invés de outras categorias analíticas como as acima elencadas, ter também uma noção mais pormenorizada da forma como atores diferentes podem fazer usos diversos de um mesmo conceito para agirem de formas distintas num mesmo contexto linguístico, histórico e político. De forma sucinta, como pretendemos mostrar posteriormente, figuras como José Celso Martinez Corrêa, Hélio Oiticica e Rubem Valentim, num período histórico e político aproximado, fizeram usos divergentes da antropofagia para confeccionarem posições particulares sobre, para ficar com dois assuntos, o que seria a arte brasileira de vanguarda e o que seria a identidade nacional (ou não). Assim, não nos comprometeríamos com o valor de face de um conceito, mas sim o seu uso preciso e, muitas vezes, agonístico em momentos determinados.

Por fim, cumpre elaborar mais alguns elementos que nos afastam de uma ideia de hereditariedade ou de apropriação legítima da antropofagia por intelectuais e movimentos culturais posteriores a ela. Via de regra, noções como hereditariedade e herança giram em torno de processos de legitimação e consagração em campos específicos da sociedade, como o intelectual e artístico (Bourdieu, 2013BOURDIEU, Pierre. (2013), “Quelques propriétés des champs”, in P. Bourdieu. Questions de sociologie, Paris, Les Éditions de Minuit.). Porém, para o recorte que aqui lançamos mão, os processos de consagração e de canonização da antropofagia oswaldiana e da construção de herdeiros legítimos desta são menos importantes do que a identificação e comparação de usos do conceito de antropofagia para a confecção de projetos políticos e estéticos para o país e suas artes. Desta forma, a escolha pela hereditariedade nos levaria a lançar luz mais para as expressões culturais antropofágicas canônicas ou para versões consagradas da antropofagia e menos pelos diversos usos que ela teve em contextos distintos - que é o propósito deste trabalho. Até porque, alguns dos pressupostos das ciências sociais de estudos de artefatos simbólicos que guiam a nossa pesquisa são os de que (i) as ideias e objetos artísticos têm uma vida e um funcionamento que vão para além de seu contexto (Brandão, 2005, pBRANDÃO, Gildo Marçal. (2005), “Linhagens do pensamento político brasileiro”. Dados, 48, 2: 231-269.. 238); (ii) artefatos intelectuais e artísticos são forças sociais e políticas que oferecem interpretações as quais forjam significados e sentidos para a vida social e para as disputas políticas e intelectuais que a constitui (Bastos, 2002BASTOS, Elide Rugai. (2002), “Pensamento social da escola sociológica paulista”, in S.Miceli, O que ler na ciências social brasileira: 1970-2002. São Paulo; Brasília, Sumaré; ANPOCS.; 2011BASTOS, Elide Rugai. (2011), “Atualidade do pensamento social brasileiro”. Sociedade e Estado, 26, 2: 51-70.; Brasil Jr., 2015BRASIL Jr., Antonio. (2015), “As ideias como forças sociais: sobre uma agenda de pesquisa”. Sociologia & Antropologia, 5, 2: 553-574.; Schwarcz & Botelho, 2011SCHWARCZ, Lilia; BOTELHO, André. (2011), “Pensamento social brasileiro, um campo vasto ganhando forma”. Lua nova, 82, 1: 11-16.; Brandão, 2005BRANDÃO, Gildo Marçal. (2005), “Linhagens do pensamento político brasileiro”. Dados, 48, 2: 231-269.; Ricupero, 2011RICUPERO, Bernardo. (2011), “Existe um pensamento político brasileiro ou as ideias e seu lugar”, in B. Ricupero. Sete lições sobre as interpretações do Brasil. São Paulo, Alameda.) e (iii) objetos simbólicos, em geral, não podem ser entendidos apenas como autorretratos interessados de intelectuais e artistas sobre si, que visavam alçar posições nos mercados de postos e forjar estratégias para atingir melhores posições na relação as classes dirigentes, como em Miceli (2001MICELI, Sergio. (2001), Intelectuais à brasileira. São Paulo, Companhia das Letras.; 2003MICELI, Sergio. (2003), Nacional estrangeiro: história social e cultural do modernismo artístico em São Paulo. São Paulo, Companhia das Letras.; 2009MICELI, Sergio. (2009), “Mário de Andrade: a invenção do moderno intelectual brasileiro”, in A. Botelho & L. Schwarcz. Um enigma chamado Brasil. São Paulo, Companhia das Letras.), dado que, pela sua dinâmica social e politicamente conflitiva, tais objetos não deveriam ser subsumidos pelas trajetórias intelectuais e institucionais de seus feitores (Botelho & Hoelz, 2018BOTELHO, André; HOELZ, Maurício. (2018), “Macunaíma contra o Estado Novo: Mário de Andrade e a democracia”. Novos estudos, 37,2: 335-357.).

Poder-se-ia argumentar ainda que os atores aqui estudados possuem graus distintos de aprofundamento e compreensão da antropofagia oswaldiana, de modo que enquanto alguns seriam estudiosos de sua obra, outros teriam um entendimento menos aprimorado desta. Ao nosso ver, isso não seria impeditivo para a nossa pesquisa e não afetaria a validade do recorte aqui feito por dois motivos. Primeiramente, não se trata, em nosso trabalho, de estabelecer quais atores sociais teriam conseguido interpretar da forma mais correta ou fidedigna a antropofagia oswaldiana, mas sim mapear usos substantivos feitos do conceito de antropofagia por estes atores em contextos e disputas diversos. Segundo, os usos, a despeito de terem coerência interna invejável ou não e de serem mais estruturados teoricamente ou não, são utilizados para disputarem visões sobre uma temática, para interpelarem outros agentes e para construírem interpretações específicas sobre temas importantes para artes e para o pensamento a respeito do Brasil.

Ainda cumpre dizer, a título de comparação, que divergimos do estudo de Wallace Guedes (2011)GUEDES, Wallace Andrioli. (2011), Brasil canibal: antropofagia e tropicalismo no Macunaíma de Joaquim Pedro de Andrade. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro., no qual o autor falará, a partir da história dos conceitos de Koselleck, em apropriações da antropofagia. Discordamos do autor por achar a sua interpretação muito restrita e não notar diferentes “apropriações” da antropofagia para além da tropicália. Isso se daria pelo fato de que o arcabouço koselleckiano (Koselleck, 2006KOSELLECK, Reinhart. (2006), “História dos conceitos e história social”, in R. Koselleck. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro, Contraponto, Editora PUC-Rio.) seria funcional, de acordo com Skinner (2002aSKINNER, Quentin. (2002a), “Moral principles and social change in Q. Skinner”. Vision of politics, v.1: regarding method, Cambridge, Cambridge University Press.; 2002bSKINNER, Quentin. (2002b), “Retrospect: studying rhetoric and conceptual change” in Q. Skinner. Vision of politics, v.1: regarding method, Cambridge, Cambridge University Press.), para se aprender mudanças conceituais numa longa duração. Não obstante, o que vemos, muitas vezes, é que o conceito de Antropofagia utilizado pelos autores aqui abordados se aproxima muito e diz respeito a variações sobre a deglutição canibal de modelos, ideias e comportamento. Não obstante, os seus usos, as matérias e contextos sobre e nos quais o conceito é aplicado divergem fortemente (Skinner, 2002aSKINNER, Quentin. (2002a), “Moral principles and social change in Q. Skinner”. Vision of politics, v.1: regarding method, Cambridge, Cambridge University Press.; 2002bSKINNER, Quentin. (2002b), “Retrospect: studying rhetoric and conceptual change” in Q. Skinner. Vision of politics, v.1: regarding method, Cambridge, Cambridge University Press.). Nesse sentido, sem fazer de nosso trabalho uma pesquisa talhada pelo contextualismo linguístico, olharemos os atos de fala e os lances linguísticos e artísticos (imagens, iconografias etc.) (Skinner, 2018SKINNER, Quentin. (2018), From humanism to Hobbes: studies in rhetoric and politics. Cambridge, Cambridge University Press.) como materiais privilegiados para identificarmos as diferenças entre os usos propostos por nós.

Desta forma, propomos a existência, não exaustiva, de seis usos da antropofagia: i) um armado por Zé Celso Martinez Corrêa; ii) um uso preocupado com a construção miscigenada da nação e da cultura e levado a cabo por Hélio Oiticica; iii) um uso voltado para uma metafísica da alteridade, exposto por Cocco, Viveiros de Castro e Castro Rocha; iv) outro concentrado no uso da antropofagia para construção de uma projeto político e estético afro-ameríndio-brasileiro e com pretensões universalistas, executado por Rubem Valentim; v) o uso feito pelos poetas concretistas e vi) a (re)antropofagia de Denilson Baniwa e Jaider Esbell. É possível notar, aqui, que ao menos dois destes usos são encontrados no tropicalismo: o de Zé Celso Martinez Corrêa e a utilização feita por Hélio Oiticica.3 3 A aproximação dos concretistas paulistas à tropicália merece cautela, porém a comparação da forma como socorreram essas apropriações da antropofagia pode ser interessante, até porque, conforme argumentava Veloso (2017, p. 259), a centralidade da antropofagia unia setores bastante dispares, como os “irracionalistas” (Zé Agrippino, Zé Celso e Jorge Mautner) e os “super-racionalistas” (poetas concretos e os músicos seguidores dos dodecafônicos).

É importante notar que o recorte a que aqui recorremos diz respeito não a um recenseamento das recorrências do tópos antropofágico, mas sim à cartografia e à comparação de usos em que o conceito de antropofagia teve em projetos intelectuais, artísticos e políticos, nos quais tal conceituação era central para as posições as quais os atores pretendiam colocar em jogo e em disputa. Em outras palavras, a nossa preocupação aqui não é, por assim dizer, com a presença da antropofagia em todo e qualquer discurso, corriqueiro ou não, mas sim com os usos que teve em discursos e projetos intelectuais nos quais a antropofagia se apresentava como algo central para articulação das posições dos atores em disputas sobre diversos temas, feito a constituição do Brasil, a conformação de uma arte brasileira e os destinos políticos e históricos do país.

O campo do pensamento político e social brasileiro nas ciências sociais é profundamente interdisciplinar e não se furta em empregar descobertas e métodos de outras áreas do conhecimento como a história, a história da arte, a filosofia política, os estudos literários etc. (Schwarcz e Botelho, 2011SCHWARCZ, Lilia; BOTELHO, André. (2011), “Pensamento social brasileiro, um campo vasto ganhando forma”. Lua nova, 82, 1: 11-16.). Seja como for, podemos dizer que o nosso objeto e recorte fazem parte das ciências sociais, além de dialogar com trabalhos e pesquisadoras(es) importantes da área, na medida em que pretendemos estudar a antropofagia não apenas como realização estética, mas sim como um artefato simbólico sistematicamente revisitado e utilizado para se pensar e disputar os sentidos de noções decisivas e constitutivas para o político e para o social no Brasil, como: identidade nacional, as conformações da sociedade e de seu “povo”, a construção social e política das artes brasileiras e o lugar que o Brasil teria ou deveria ter em meio ao concerto das nações.

A ideia de antropofagia, antiga fantasmagoria dos colonizadores, no período em que Oswald de Andrade formaliza escritos sobre o tema, fora revisitada por diversos atores: lia-se e comentava-se a literatura dos viajantes, feito Hans Staden, Francisco López de Gómara e André de Thevet; dadaístas colocavam o Cannibale, nome de uma de suas revistas, como pedra de toque de revisão e crítica da moral burguesa; Mario de Andrade, lendo um livro de Theodor Koch Grünberg, também dá conta do mesmo tema e Tarsila pinta, como presente para Oswald, o que viria ser Abaporu, o homem que come gente. Andrade (2011)ANDRADE, Oswald de. (2011), A utopia antropofágica. São Paulo, Globo. lança, em 1928, seu Manifesto antropófago e nele vê-se uma unidade entre estética e política (Lima, 2018, pLIMA, Bruna Della Torre de Carvalho. (2018), Vanguarda do atraso ou atraso da vanguarda? Oswald de Andrade e os teimosos destinos do Brasil. São Paulo, Alameda Editorial.. 122). Estética, pois almejava forjar um modelo de formação cultural e nacional brasileira que friccionasse a dualidade importado (europeu) - local (nacional), e que abrisse caminho para uma arte vanguardista radical contrária ao convencionalismo das belas artes civilizadas. Política, uma vez que o modernista paulistano passava a história do Brasil pelo crivo do olhar dos oprimidos índios antropófagos, criticando a violência colonial e a civilização de fachada. Nesse bojo, é possível entender o seu caráter libertário, cuja crítica à religião, à moral e à sexualidade recalcada traz à baila a utopia de uma humanidade fundada no bárbaro tecnizado desrecalcado, contrária à decadente civilização burguesa. Ao longo do manifesto, é possível notar, também, tanto um elogio das chamadas marcas do atraso brasileiro, transfiguradas em saída civilizacionais para o mundo, e de um certo irracionalismo,4 4 A utilização de tal termo não tem, ao longo do texto, uma intenção pejorativa, mas de marcar a ênfase antropofágica em tensões desejantes e pulsionais distintas de uma razão distante das paixões. o qual condenava ideias e determinadas construções intelectuais hegemônicas (a lógica, o direito, a especulação, Goethe etc.) - entendidas como colonizadas, bacharelescas e frutos de um moralismo burguês.

Sabe-se que Oswald de Andrade fora figura importante da elite cafeeira paulista, integrante destacado do Partido Republicano Paulista - fora filiado, posteriormente, ao Partido Comunista Brasileiro - e partícipe proeminente da Semana de Arte Moderna - evento canonizado como símbolo basilar da cultura e arte brasileiras (Simioni, 2013SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. (2013), “Modernismo brasileiro: entre a consagração e a contestação”. Perspective, 2, 1: 1-17.). Da mesma forma, sabe-se que a Semana de 1922 teve uma constituição contraditória, negociada entre as providências artísticas apreendidas com vanguardas cosmopolitas e os gostos e as vicissitudes das elites e mecenas locais, e que fora menos revolucionária do que a narrativa triunfalista dos próprios modernistas faz crer (Chiarelli, 2010CHIARELLI, Tadeu. (2010), “De Anita à academia: para pensar a história da arte no Brasil”. Novos Estudos, 3, 88: 113-132.; Gonçalves, 2012GONÇALVES, Marcos Augusto. (2012), 1922: a semana que não terminou. São Paulo, Companhia das Letras.; Miceli, 1996MICELI, Sergio. (1996), Imagens negociadas: retratos da elite brasileira (1920-1940). São Paulo, Companhia das Letras.; Schwarcz & Monteiro, 2016SCHWARCZ, Lilia; MONTEIRO, Pedro Meira. (2016), “Sérgio com Lima: um encontro inusitado em meio aos modernismos”. Revista brasileira de História, v. 36, n. 73: 41-62.; Villas Boas, 2011VILLAS BÔAS, Glaucia. (2011), “Arte e geopolítica: a lógica das interpretações”. Sociedade e Estado, 26, 3: 487- 499.). Porém, a importância destes elementos é relativizada em nosso trabalho pelos motivos seguintes. O seu processo de consagração fora algo gestado durantes décadas depois de sua realização (Simioni, 2013SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. (2013), “Modernismo brasileiro: entre a consagração e a contestação”. Perspective, 2, 1: 1-17.), tendo como data fundamental a comemoração dos seus 50 anos, em 1972, em que o Estado brasileiro, em pleno período da ditadura, projetou a Semana de 22 como símbolo da arte nacional e da nacionalidade (Coelho, 2012COELHO, FREDERICO. (2012), A semana sem fim: celebrações e memória da Semana de Arte Moderna de 1922. Rio de Janeiro, Casa da palavra.; De Napoli, 1980DE NAPOLI, Roselis Oliveira. (1980), 1922/1972: a semana permanece. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, São Paulo.). Esse processo de sagração era permeado, como não poderia deixar de ser: (a) pela seleção e obliteração de alguns partícipes (Amaral, 2010AMARAL, Aracy. (2010), Artes plásticas na semana de 22. São Paulo, Editora 34.), feito o “esquecimento” de Zina Aita e John Graz; (b) pela escolha das obras que seriam consagradas como símbolos da nacionalidade - preferindo-se aquelas que seriam, segundo a visão estatal, menos “vanguardistas” e mais “nacionalistas”; (c) até pela confecção de versões mais legítimas de como um artista ou escritor deveria ser entendido ou interpretado e (d) pela constituição do modernismo paulista, ou melhor, uma versão dele, como o mais legítimo representante dos modernismos no Brasil (Arruda, 2011ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. (2011), “Modernismo e regionalismo no Brasil: entre inovação e tradição”. Tempo social, v.23, n.2: 191-212.; Dimitrov, 2018DIMITROV, Eduardo. (2018), “Lula Cardoso Ayres: modernista em Pernambuco, folclórico em São Paulo. Sociologia & Antropologia, 8, 2: 483-516.). Logo após a realização da Semana de Arte Moderna, não foram poucas as polêmicas e disputas entre participantes destacados como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Menotti Del Picchia e Graça Aranha, cujos rompimentos e críticas públicas giravam em torno de projetos estéticos e de países divergentes, o que pode ser indicado até mesmo nas radicalizações, à direita e à esquerda, de várias destas figuras (Ricupero, 2018RICUPERO, Bernardo. (2018), “O “original” e a “cópia” na antropofagia”. Revista Sociologia & Antropologia, 8, 3: 875-912.; Jardim, 1978JARDIM, Eduardo. (1978), A brasilidade modernista: sua dimensão filosófica. Rio de Janeiro, Graal.; Prado, 2010PRADO, Antonio Arnoni. (2010), Itinerário de uma falsa vanguarda: os dissidentes, a Semana de 22 e o Integralismo. São Paulo, Editora 34.; Ridenti, 2010, pRIDENTI, Marcelo. (2010), Brasilidade revolucionária. São Paulo, Editora UNESP..92-93). O que, ao fim e ao cabo, evidencia tanto a sua diversidade quanto a resistência que este espólio pode ter a versões canonizadas mais ou menos estabilizadas da Semana de 1922. Dizemos tudo isso para indicar que, apesar de importante e com certo potencial explicativo, o contexto e o processo de legitimação do modernismo paulista (ou melhor, de uma versão sobre ele) como modelo da arte nacional não explica totalmente as ideias e obras - posteriores ou feitas naquele momento ou de usos posteriores de artefatos simbólicos ali forjadas -, de artistas e intelectuais partícipes do modernismo paulista. Trabalharemos dois exemplos nesse sentido.

Miceli (2009)MICELI, Sergio. (2009), “Mário de Andrade: a invenção do moderno intelectual brasileiro”, in A. Botelho & L. Schwarcz. Um enigma chamado Brasil. São Paulo, Companhia das Letras., em trabalho sobre Mário de Andrade, argumenta que o autor de Pauliceia Desvairada teria lançado mão de uma série de estratégias vitoriosas no sentido de ser inserido nas estruturas de poder num período em que estava acontecendo uma reconversão das elites no país. Deste modo, Mário de Andrade seria explicado pelas suas escolhas partidárias, pelas alianças com figuras antivarguistas e pelo mandato político de Fábio Prado na Prefeitura de São Paulo. Assim, o sociólogo reafirmaria perspectiva presente em seu livro Intelectuais e classe dirigente, qual seja: de que uma sociologia da cultura e dos intelectuais deveria ter em vista não propriamente um estudo sociológico dos artefatos simbólicos produzidos e sim estes enquanto resultados de trajetórias singulares nas quais dever-se-ia fisgar os perfis de investimentos em atividades intelectuais e as estratégias para uma melhor inserção em relação às classes dirigentes e no crescente mercado de postos e posições entre 1920 e 1945 - principalmente as relações destes intelectuais com o Estado Novo (Miceli, 2001MICELI, Sergio. (2001), Intelectuais à brasileira. São Paulo, Companhia das Letras.). Emprestando raciocínios de Bomeny (2001BOMENY, Helena. (2001), Constelação Capanema: intelectuais e políticas. Rio de Janeiro: Bragança Paulista, Editora FGV; Editora Universidade de São Francisco.; 2012BOMENY, Helena. (2012), Um poeta na política: Mario de Andrade, paixão e compromisso. Rio de Janeiro, Casa da palavra.), Botelho (2020)BOTELHO, André. (2020), “O modernismo como movimento cultural: uma sociologia política da cultura”. Lua nova, 111, s/v: 175-209. e Botelho & Hoelz (2018)BOTELHO, André; HOELZ, Maurício. (2018), “Macunaíma contra o Estado Novo: Mário de Andrade e a democracia”. Novos estudos, 37,2: 335-357., que lançam mão de outra forma de feitura da sociologia da cultura e dos intelectuais, acreditamos que este raciocínio é parcial por três razões. O Estado Novo não era um monólito, dado que, dentre outras coisas, envolveu a colaboração conflitante de intelectuais de esquerda e de direta. Os motivos e condicionamentos que levaram esses intelectuais a participarem desta configuração do Estado não eram unívocos. E que a trajetória feita por este Andrade não explicaria suas obras, evidência disto é que Macunaíma, com sua construção particularmente dilacerada (Mello e Souza, 2003MELLO E SOUZA, Gilda. (2003), O tupi e o alaúde. São Paulo, Editora 34.) e resistente a sínteses simples e fechadas de identidade e nacionalidade, providenciariam críticas ao autoritarismo vigente no Brasil (Botelho & Hoelz, 2018, pBOTELHO, André; HOELZ, Maurício. (2018), “Macunaíma contra o Estado Novo: Mário de Andrade e a democracia”. Novos estudos, 37,2: 335-357.. 353). Em resumo, as ideias e produções de intelectuais e artísticas não só, em boa medida, escapariam de seus contextos de consagração (ou não) e trajetórias imediatas, como os usos posteriores de seus espólios se tornariam diversos e alvos de disputa por autores díspares.

Outro exemplo interessante é sobre o próprio Oswald de Andrade. Conforme dissemos, a canonização do modernismo paulista e da Semana de 1922 teve como passo decisivo os investimentos materiais e simbólicos alicerçados na política cultural do Regime Militar brasileiro, principalmente, na década de 1970 (Simioni, 2013SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. (2013), “Modernismo brasileiro: entre a consagração e a contestação”. Perspective, 2, 1: 1-17.; Ortiz, 1988ORTIZ, Renato. (1988), A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. Editora Brasiliense, São Paulo.). É importante notar que figuras e obras deste mesmo modernismo - com especial ênfase na antropofagia oswaldiana - eram reabilitados, no mesmo momento histórico, pela contracultura como móbiles de crítica à ditadura e à repressão cultural e desejante (Gonçalves, 2012, pGONÇALVES, Marcos Augusto. (2012), 1922: a semana que não terminou. São Paulo, Companhia das Letras.. 339; Ridenti, 2014, pRIDENTI, Marcelo. (2014), Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da TV. São Paulo: Editora UNESP.. 244; Santiago, 2002SANTIAGO, Silviano. (2002), “A permanência do discurso da tradição no modernismo”, in S. Santiago. Nas malhas da letra: ensaio. Rio de Janeiro, Rocco.). Portanto, artefatos simbólicos não se prendem necessariamente às suas configurações legitimadas pelos e nos diversos campos da sociedade, podendo ser utilizados de formas diferentes, em disputas variadas e tendo, eles mesmos, uma natureza conflituosa e, por vezes, contraditória. Parafraseando Skinner (2002aSKINNER, Quentin. (2002a), “Moral principles and social change in Q. Skinner”. Vision of politics, v.1: regarding method, Cambridge, Cambridge University Press.; 2002bSKINNER, Quentin. (2002b), “Retrospect: studying rhetoric and conceptual change” in Q. Skinner. Vision of politics, v.1: regarding method, Cambridge, Cambridge University Press.), ideias e imagens não são apenas objetos de disputa (procurando valorá-las e entendê-las de maneiras dessemelhadas), mas são armas para as disputas. O que, de forma alguma, permite que, mesmo que as ideias e objetos mais consagrados tenham significados, efeitos e constituições estáveis e imutáveis.

Partimos do pressuposto de que a antropofagia é revisitada sistematicamente por autores e artistas contemporâneos pelo fato de elaborar elementos essenciais e contraditórios da colonização e da formação social brasileira, bem como os efeitos decorrentes do processo de colonização.5 5 À vista disto, discordamos da interpretação de Jáuregui (2015) de que apenas Oswaldo Costa, componente de destaque da Revista de Antropofagia, teria apontado as violências decorrentes da colonização e da ocidentalização dos povos ameríndios e do Brasil. Ao nosso ver, Oswald de Andrade e outros componentes do movimento também teriam proposto um programa de descolonização do Brasil por meio de outra modernidade, antropofágica. Ademais, o trabalho de Jáuregui, apesar de interessante, parece positivar os textos de Oswaldo Costa, pois estes seriam mais próximos de teses decoloniais contemporâneos, dos quais é entusiasta. O que, do ponto de vista de construção de uma linhagem intelectual e política, é legítimo, mas, do ponto de vista de uma história intelectual, é problemático por se aproximar daquilo que Skinner (2017) chamaria de paroquialismo - em que intérpretes confeccionam, anacronicamente, uma continuidade entre suas intenções e crenças com textos e autores anteriores. Desta forma, por meio do móbile antropofágico puderam elaborar e atritar díades como local - cosmopolita, brasileiro - estrangeiro, branco - indígena, afro-brasileiro - europeu, civilizado - bárbaro, recalcado - liberado.

Cumpre dizer que, por vezes, a nossa exposição destes usos pode ser um pouco sumária, não obstante o nosso objetivo é menos pesquisar pormenorizadamente as teorizações e criações destes artistas e intelectuais e mais cartografar, friccionar e comparar os usos que fizeram da antropofagia.

Usos da antropofagia

À vista destas considerações, é lícito dizer que os aproveitamentos e usos da antropofagia de Oswald de Andrade sofreram com influxos políticos, materiais e ideológicos distintos, o que leva ao estímulo ou não de certos aspectos de sua produção. Começaremos, agora, a explorar um dos usos mais paradigmáticos da antropofagia oswaldiana: a feita por Zé Celso Martinez e pelo Teatro Oficina. Logo depois, exporemos um uso que figurou a antropofagia como uma espécie de metafísica da alteridade. Posteriormente, daremos conta dos outros quatro usos, totalizando, ao final, o mapeamento de seis apropriações do legado antropofágico de Andrade.

Para Bruna Lima (2018)LIMA, Bruna Della Torre de Carvalho. (2018), Vanguarda do atraso ou atraso da vanguarda? Oswald de Andrade e os teimosos destinos do Brasil. São Paulo, Alameda Editorial., um dos marcos de releitura da antropofagia e dos textos de Andrade fora a encenação, pelo Teatro oficina, da peça O Rei da vela, em 1967. Um marco, pois a leitura de Zé Celso Martinez Corrêa consolidou-se, bastante em função do sucesso da montagem da peça oswaldiana, como uma pedra de toque para aqueles que quisessem revisitar a obra de Andrade - bem como, e principalmente, a sua antropofagia.

Escrito em 1933, O Rei da vela fora impactado decisivamente pelo comunismo, do qual Oswald de Andrade havia virado efusivo adepto. De acordo com Lima (2018)LIMA, Bruna Della Torre de Carvalho. (2018), Vanguarda do atraso ou atraso da vanguarda? Oswald de Andrade e os teimosos destinos do Brasil. São Paulo, Alameda Editorial., três seriam as características estéticas e políticas originais da peça. Em primeiro lugar, a tese de que o atraso seria uma escolha das classes dominantes e não um simples dado a ser superado. Em segundo, a ideia de que, caso preciso, a burguesia lançaria mão do fascismo para manter a sua dominação de classe e que apenas uma revolução proletária poderia negar isto. Por último, a apresentação da burguesia como uma classe degenerada por meio de sua alegorização como classe promíscua. Tais elementos não seriam, necessariamente, construídos e expostos com o mesmo peso e explicitação pelo Oficina e Zé Celso.

Iná Camargo Costa (2016)COSTA, Iná Camargo. (2016), A hora do teatro épico no Brasil. São Paulo: Expressão Popular., em abordagem particular e dissonante de outras análises, apontaria certo stalinismo estético e político como uma afinidade entre o Oficina e Oswald de Andrade no período de escrita de O rei da vela. Ademais, segundo Costa, o teatro do primeiro seria marcado pelo atraso em relação ao que era feito pelo Arena e pelo conjunto da dramaturgia nacional, dado que apostariam em peças naturalistas e influenciadas por Máximo Gorki, antípoda oficial da União Soviética ao teatro de Brecht. Silva (2008)SILVA, Armando Sérgio da. (2008), Oficina: do teatro ao te-atro. São Paulo, Perspectiva., por seu turno, argumenta que a peça foi ao encontro de anseios e incômodos do grupo Oficina com os caminhos que estavam tomando e suas contradições, que poderiam ser sintetizadas do seguinte modo: até a encenação da peça oswaldiana, havia um “engajamento na realidade nacional mediante a cultura e técnicas europeizantes” (Silva, 2008, pSILVA, Armando Sérgio da. (2008), Oficina: do teatro ao te-atro. São Paulo, Perspectiva.. 142). Deste modo, a encenação do texto oswaldiano serviu para uma revolução dramatúrgica e ideológica do grupo em direção ao Brasil. Mesmo apostando mais na semelhança entre Oficina e nas intenções de Oswald de Andrade - pegando, deste modo, o caminho contrário ao de críticos como Sábato Magaldi e Décio de Almeida Prado -, pontua uma acentuação do grupo de Zé Celso de elementos sexuais, irracionais e de diversidade dos elementos e tipos teatrais utilizados na montagem. Ademais, Silva acentua a importância da presença intelectual de Luiz Carlos Maciel e até do antiilusionismo brechtiano filtrado por gestos e matéria nacionais.

A partir das interpretações de Silva (2008)SILVA, Armando Sérgio da. (2008), Oficina: do teatro ao te-atro. São Paulo, Perspectiva. e Lima (2018)LIMA, Bruna Della Torre de Carvalho. (2018), Vanguarda do atraso ou atraso da vanguarda? Oswald de Andrade e os teimosos destinos do Brasil. São Paulo, Alameda Editorial., podemos notar diferenças interessante entre a peça de Andrade e a encenação do Oficina. Estruturando-se a partir da libertação sexual, da carnavalização, do choque e de certo irracionalismo, a direção de Zé Celso enfatizaria um Oswald boêmio e enfant terrible. Desta feita, o nacionalismo, a visão revolucionária e a crítica do capitalismo colonial que ordenava as relações no Brasil, presente no original, são deixados de lado e, em seu lugar, vemos vicejar, pelas mãos do Oficina, uma defesa da modernização dos costumes no Brasil e uma crítica que entedia o nacionalismo como uma forma de afirmação patriótica démodé. De acordo com Lima (2018), aLIMA, Bruna Della Torre de Carvalho. (2018), Vanguarda do atraso ou atraso da vanguarda? Oswald de Andrade e os teimosos destinos do Brasil. São Paulo, Alameda Editorial. base desta mudança teria sido o fato de que o Golpe Militar de 1964 ter sido efetivado em nome dos bons costumes, da família tradicional brasileira e da moralidade cristã conservadora.

Nas palavras de Zé Celso:

E O rei da vela (viva o mau gosto da imagem) iluminou um escuro enorme do que chamamos realidade brasileira numa síntese quase inimaginável. E ficamos bestificados quando percebemos que o teto desse edifício nos cobria também, era a nossa realidade brasileira que ele ainda iluminava. Sob ele encontramos o Oswald grosso, antropófago cruel, implacável, negro, apresentando tudo a partir de um cogito muito especial: Esculhambo, logo existo. E esse esculhambar era o meio de conhecimento e de expressão de uma estrutura que sua consciência captava como inviável. Pois essa consciência se inspirava numa utopia de um país futuro, negação do país presente, de um país desligado dos seus centros de controle externo e consequentemente do escândalo de uma massa marginal faminta [...]. O rei da vela acabou virando manifesto para comunicarmos no Oficina, através do teatro e do antiteatro, a chacriníssima realidade nacional (Corrêa, 1998, pCORRÊA, José Celso Martinez. (1998), Primeiro ato: cadernos, depoimentos, entrevistas (1958-1974). São Paulo, Editora 34.. 86).6 6 Como expôs Corrêa (2011, p. 74-75): “Oswald deslocou a história do Brasil e isso era o que os jesuítas portugueses mais temiam. [...] Oswald chama nossa atenção para a cerimônia do ritual antropofágico, que, por sua vez, é muito interessante porque remete também ao ritual dionisíaco, remete às bacantes, que devoram carne crua [...]. Oswald vislumbrou o relacionamento dessa cultura indígena brasileira com a cultura dionisíaca”.

Dessa crítica ao elemento nacional pode-se depreender o surgimento de duas vias para leitura de Oswald (Lima, 2018LIMA, Bruna Della Torre de Carvalho. (2018), Vanguarda do atraso ou atraso da vanguarda? Oswald de Andrade e os teimosos destinos do Brasil. São Paulo, Alameda Editorial.), as quais acabam por obliterar intenções importantes do modernista: i) uma leitura libertária que procurava combinar elementos da cultural popular ao hype da indústria cultural, cujos representantes destacados seriam os tropicalistas, e ii) uma interpretação que veria a antropofagia como um regime de relação com a alteridade, próxima a Viveiros de Castro (2007)VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. (2007), Encontros. Rio de Janeiro, Azougue., João Cezar de Castro Rocha (2011)ROCHA, João Cezar de Castro. (2011), “Uma teoria da exportação? Ou: “Antropofagia como visão de mundo””, in J. Ruffinelli & J. C. Castro Rocha. Antropofagia hoje?, Rio de Janeiro, É Realizações. e Giuseppe Cocco (2009)COCCO, Giuseppe. (2009), MundoBraz: o devir-mundo do Brasil e o devir-Brasil do mundo. Rio de Janeiro, Record..

Podemos argumentar assim, inspirando-nos em Ricupero (2018)RICUPERO, Bernardo. (2018), “O “original” e a “cópia” na antropofagia”. Revista Sociologia & Antropologia, 8, 3: 875-912. e Lima (2018)LIMA, Bruna Della Torre de Carvalho. (2018), Vanguarda do atraso ou atraso da vanguarda? Oswald de Andrade e os teimosos destinos do Brasil. São Paulo, Alameda Editorial., que as relações de dominação cultural e econômica entre colônia e metrópole, entre América e Europa, as quais alimentaram decisivamente a antropofagia, dão lugar a uma metafísica da alteridade sem referente nacional. Aliás, posiciona-se contrariamente a qualquer elemento nacionalismo, o qual passaria a ser compreendido como um ataque permanente a multiplicidade ameríndia canibal. A raiz deste movimento mais recente seria, de acordo com Lima (2018, pLIMA, Bruna Della Torre de Carvalho. (2018), Vanguarda do atraso ou atraso da vanguarda? Oswald de Andrade e os teimosos destinos do Brasil. São Paulo, Alameda Editorial.. 245), a euforia econômica da primeira década dos anos 2000, tornando distinções e conceitos como nação, imperialismo, centro e periferia um tanto deslocados. Ademais, a antropofagia oswaldiana, nestes autores, seria salpicada e filtrada teoricamente pelos trabalhos de Deleuze e Guatarri e pelas pesquisas etnológicas recentes - feitos as pesquisas do próprio Viveiros de Castro (2009)VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. (2009), Metafísicas canibais. São Paulo, Cosac Naify; n-1. Ebook. sobre o perspectivismo ameríndio.

Para Cocco (2009), aCOCCO, Giuseppe. (2009), MundoBraz: o devir-mundo do Brasil e o devir-Brasil do mundo. Rio de Janeiro, Record. antropofagia seria uma forma de teorização anticolonial que projetava os índios no mundo sem se fundar nem num nacionalismo e nem em qualquer forma de estabelecimento de uma nação unificada brasileira. Até porque, para o teórico franco-italiano, o anticolonialismo canibal não seria apenas contra o exterior, mas sim contra o colonialismo interno cujo intento era padronizar os variados povos indígenas de acordo com os ditames de um povo brasileiro unificado. Desta forma, a antropofagia se constituiria como uma forma de teorização da multiplicidade rizomática e não da diversidade que sempre se remete ao padrão eurocêntrico. Assim, para Cocco (2009, pCOCCO, Giuseppe. (2009), MundoBraz: o devir-mundo do Brasil e o devir-Brasil do mundo. Rio de Janeiro, Record.. 271), a resposta mais radical que a América Latina poderia dar à alienação cultural - isto é, a superação da produção de identidades diversas em direção às alteridades múltiplas -, seria o aprofundamento da mestiçagem e hibridização antropofágicas com os fluxos mundiais.

Em Viveiros de Castro (2007VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. (2007), Encontros. Rio de Janeiro, Azougue.; 2009VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. (2009), Metafísicas canibais. São Paulo, Cosac Naify; n-1. Ebook.), a percepção é bastante próxima. Para o antropólogo carioca, a antropofagia teria sido a única contribuição realmente anticolonialista gerada na América Latina. Isso teria se dado, justamente, pelo fato de Oswald de Andrade, segundo interpreta, não prestar contas nem ao nacionalismo e nem ao indianismo romântico que pretendia escavar as raízes brasileiras. Desta feita, a mestiçagem antropofágica seria, a um só tempo, um antídoto contra o etnocentrismo europeu e uma forma de a antropologia abandonar o multiculturalismo europeu e adentrar numa “antropologia multinaturalista nativa” que “assume como condição vital de autodescrição a preensão ‘semiofísica’ - a execução e a devoração - do ‘ponto de vista do inimigo’”. Ou seja, de confeccionar a “antropofagia enquanto antropologia” (Viveiros de Castro, 2009, sVIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. (2009), Metafísicas canibais. São Paulo, Cosac Naify; n-1. Ebook../p.).

Rocha (2011)ROCHA, João Cezar de Castro. (2011), “Uma teoria da exportação? Ou: “Antropofagia como visão de mundo””, in J. Ruffinelli & J. C. Castro Rocha. Antropofagia hoje?, Rio de Janeiro, É Realizações., por fim, conceberia a antropofagia como um gesto de assimilação criativa da alteridade que poderia ser encontrado em vários contextos. Exemplo disto seria dinâmica antropofágica da transculturación pensada por Fernando Ortiz e Ángel Rama. O que, segundo argumenta, impediria a antropofagia de ser reduzida à construção de uma identidade nacional e a caracterizaria como um “procedimento cultural que implica uma contínua e produtiva assimilação da alteridade”, tratando-se, então “de um permanente processo de mudança e, portanto, de novas incorporações” (Rocha, 2011, pROCHA, João Cezar de Castro. (2011), “Uma teoria da exportação? Ou: “Antropofagia como visão de mundo””, in J. Ruffinelli & J. C. Castro Rocha. Antropofagia hoje?, Rio de Janeiro, É Realizações.. 665-666).

À vista do exposto, sugerimos, até aqui, dois usos da antropofagia oswaldiana: i) um tropicalista, armado por Zé Celso Martinez Corrêa, e ii) um uso voltado para uma metafísica da alteridade, exposto por Cocco, Viveiros de Castro e Rocha.7 7 Há outros autores (Azevedo, 2016; Nodari, 2011; Sterzi, 2011) que se aproximar deste uso, todavia, por concisão, preferimos desenvolver apenas a argumentação dos três autores acima citados. Nesse ínterim, havia uma ligação entre elas, dado que o primeiro uso, pela sua crítica ao elemento nacional e nacionalista em Oswald de Andrade, teria aberto espaço para outras interpretações desnacionalizadas e até mesmo desoswaldianizadas da antropofagia, como é o caso da leitura feita por Rocha (2011)ROCHA, João Cezar de Castro. (2011), “Uma teoria da exportação? Ou: “Antropofagia como visão de mundo””, in J. Ruffinelli & J. C. Castro Rocha. Antropofagia hoje?, Rio de Janeiro, É Realizações.. Não obstante, o segundo uso seria marcado por uma operação de abstração metafísica via devoração de alteridades não essencial na dramaturgia de Zé Celso.

Apesar de seguimos, em parte, o que é exposto por Lima (2018)LIMA, Bruna Della Torre de Carvalho. (2018), Vanguarda do atraso ou atraso da vanguarda? Oswald de Andrade e os teimosos destinos do Brasil. São Paulo, Alameda Editorial., propomos duas diferenciações importantes: a) de modo não exaustivo, sugerimos que seriam, ao menos, seis os usos da antropofagia e b) em meio ao tropicalismo, ver-se-ia, a bem da verdade, dois usos dessemelhantes da antropofagia - a despeito de, em algum nível, terem complementariedades.8 8 Divergimos aqui, por exemplo, de Celso Favaretto (2007, p. 57-58), para quem a apropriação da antropofagia pelo tropicalismo seria um tanto unificada em que o “que o tropicalismo retém do primitivismo antropofágico é mais a concepção cultural sincrética, o aspecto de pesquisa de técnicas de expressão, o humor corrosivo, a atitude anárquica com relação aos valores burgueses, do que a sua dimensão etnográfica e a tendência em conciliar culturas em conflito”. Discordamos, igualmente, das interpretações de Wisnik (2005) e Chaves (2019), que igualizaram as formas como Oiticica e Zé Celso conceberiam o tropicalismo. Em certa medida, nesse sentido, nos aproximamos das distinções feitas por Patriota (2003) entre os tropicalistas e suas formas de elaboração estética. Exporemos, agora, alguns traços essenciais para distinguir as apropriações em torno da antropofagia oswaldiana feitas por Rubem Valentim e Hélio Oiticica.

Ao nosso ver, a compreensão da antropofagia de Oiticica passa por dois textos importantes, a saber: o “Esquema geral da nova objetividade” e um texto de 4 de março de 1968 - coligido, posteriormente, no livro Aspiro ao grande labirinto. Neles, por motivos distintos, porém complementares, a figura de Oswald de Andrade e sua antropofagia serão centrais.

No “Esquema geral [...]”, Oiticica enuncia que a Nova Objetividade se trata mais de um estado composto por várias tendências, ou melhor, uma chegada marcada pela falta de unidade entre seus componentes e não um movimento organizado. Seja como for, um dos principais pontos que uniria essas orientações diversas seria uma vontade geral construtiva - alicerçada numa tentativa de dotar o país de uma vanguarda brasileira e de uma solidificação cultural -, cujo ponto de largada teria sido o próprio modernismo de 1922 e, mais especificamente, a antropofagia oswaldiana. Antropofagia que, em seu julgamento, teria dado régua e compasso aos momentos mais radicais da arte nacional. Citaremos aqui uma longa, porém elucidativa, passagem:

No Brasil os movimentos inovadores apresentam, em geral, esta característica única, de modo específico, ou seja, uma vontade construtiva marcante. Até mesmo no movimento de 22 poder-se-ia verificar isto, sendo, a nosso ver, o motivo que levou Oswald de Andrade à celebre conclusão do que seria nossa cultura antropofágica, ou seja, redução imediata de todas as influências externas a modelos nacionais. Isto não aconteceria não houvesse, latente na nossa maneira de apreender tais influências, algo de especial, característico nosso, que seria essa vontade construtiva geral. Dela nasceram nossa arquitetura, e mais recentemente os chamados Movimentos Concreto e Neoconcreto, que de certo modo objetivaram de maneira definitiva tal comportamento criador. Além disso, queremos crer que a condição social aqui reinante, de certo modo ainda em formação, haja colaborado para procura de uma característica cultural, no que nos diferenciamos do europeu com seu peso cultural milenar e do americano do norte com suas solicitações superprodutivas. Ambos exportam suas culturas de modo compulsivo, necessitam mesmo que isso se dê, pois o peso das mesmas as faz transbordar compulsivamente. Aqui, subdesenvolvimento social significa culturalmente a procura de uma caracterização nacional, que se traduz de modo específico nessa primeira premissa, ou seja, nossa vontade construtiva. Não que isso aconteça necessariamente a povos subdesenvolvidos, mas seria um caso nosso, particular. A antropofagia seria a defesa que possuímos contra tal domínio exterior, e a principal arma criativa, essa vontade construtiva, o que não impediu de todo uma espécie de colonialismo cultural, que de modo objetivo queremos hoje abolir, absorvendo-o definitivamente num superantropofagia. Por isto e para isto, surge a primeira necessidade da Nova objetividade: procurar pelas características nossas, latentes e de certo modo em desenvolvimento, objetivar um estado criador geral, a que se chamaria de vanguarda brasileira, numa solidificação cultural (mesmo que para isso sejam usados métodos especificamente anticulturais); erguer objetivamente dos esforços criadores individuais os itens principais desses mesmos esforços, numa tentativa de agrupá-los culturalmente. (Oiticica, 1986, pOITICICA, Hélio. (1986), Aspiro ao grande labirinto. Rocco, Rio de Janeiro.. 85)

Desta passagem podemos depreender três elementos muito importantes para o entendimento da antropofagia no pensamento de Oiticica, quais sejam: i) a antropofagia seria uma forma de reduzir influxos estrangeiros a modelos nacionais; ii) estes modelos nacionais forjados, antropofagicamente, desde influxos externos seriam basilares para um projeto de formação nacional ao dotar o Brasil de uma solidez cultural inédita; e iii) a antropofagia se apresentaria como uma defesa que nos resguarda do imperialismo e colonialismo culturais da Europa e dos EUA e como um filtro material que permitiria reaproveitarmos autonomamente e criativamente as influências estéticas e culturais estrangeiras, permitindo-nos erigir uma cultura brasileira.

No texto de 4 de março de 1968 teremos um aprofundamento e um refinamento maior do papel da antropofagia na cultura e formação nacionais. De acordo com o artista visual brasileiro, “no início do texto sobre Nova Objetividade, invoco Oswald de Andrade e o sentido da antropofagia (antes de virar moda, o que aconteceu após a apresentação do Rei da Vela) como um elemento importante nesta tentativa de caracterização nacional”, cujo resultado mais consciente teria sido justamente a sua obra Tropicália - que intentava impor uma imagem brasileira ao mundo. A genealogia da obra Tropicália, ainda de acordo com Oiticica, deveria ser vista desde os primeiros Parangolés, na experiência com o samba popular, na sua ida e descoberta dos morros cariocas e da arquitetura orgânica de suas favelas - tal organicidade popular também poderia ser vista, consoante ao que diz o artista, nas palafitas da Amazônia. Com uma diferença: os Parangolés ainda se mantinham num plano de ideias universalistas, feito a volta ao mito e a incorporação sensorial, ao passo que em Tropicália a intenção era se criar uma linguagem artística e de vanguarda brasileira que desse ossatura ao cenário cultural do país. Nessa imagem brasileira exposta ao mundo, Oiticica pretendia, em última instância, criar um mito da miscigenação, entendida como construção de uma cultura e artes brasileiras nas quais os elementos e heranças negras e indígenas devorariam antropofagicamente o elemento europeu:

Por isso creio que a Tropicália, que encerra toda essa série de proposições, veio contribuir fortemente para essa objetivação de uma imagem brasileira total, para a derrubada do mito universalista da cultura brasileira, toda calcada na Europa e na América do Norte, num arianismo inadmissível aqui: na verdade, quis eu com a Tropicália criar o mito da miscigenação - somos negros, índios, brancos, tudo ao mesmo tempo - nossa cultura nada tem a ver com a europeia, apesar de estar até hoje a ela submetida: só o negro e o índio não capitularam a ela.9 9 Oiticica dirá também, em outro ensaio, numa retórica da miscigenação, que a “Tropicália é a beleza da mulata sambando, vestida de cetim brilhante; é a volta às raízes brasileiras, sem preconceitos; é o corte do cordão umbilical que nos limita e bitola dentro das influências europeias e americanas” (Oiticica apud Crockett, 2020, p. 136). Quem não tiver consciência disto que caia fora. Para a criação de uma verdadeira cultura brasileira, característica e forte, expressiva ao menos, essa herança maldita europeia e americana terá de ser absorvida, antropofagicamente, pela negra e índia da nossa terra, que na verdade são as únicas significativas, pois a maioria dos produtos da arte brasileira e híbrida, intelectualizada ao extremo, vazia de um significado próprio. (Oiticica, 1986, pOITICICA, Hélio. (1986), Aspiro ao grande labirinto. Rocco, Rio de Janeiro.. 108, ênfases nossas)

Na sequência, Oiticica assevera que o tropicalismo, que deveria servir a um projeto de uma arte brasileira miscigenada e radicalmente contra a herança maldita europeia e americana, virou moda. Um artigo de consumo entre “burgueses, subintelectuais e cretinos de toda espécie a pregar tropicalismo, tropicália” (Oiticica, 1986, pOITICICA, Hélio. (1986), Aspiro ao grande labirinto. Rocco, Rio de Janeiro.. 108). Note-se que, no trecho citado, as ideias de miscigenado e híbrido são contrapostas: aquele significaria a criação de uma arte brasileira não colonizada e este marcaria justamente uma arte brasileira ainda com pretensões universalistas e intelectualistas. Lembremos, também, que, em trecho anterior, o artista visual já havia apontado que a origem da transformação da Tropicália em moda teria ocorrido após as encenações do Rei da Vela, pelo Oficina. Mas por que, para Oiticica, o tropicalismo poderia ter virado um artigo de consumo? De acordo com o artista carioca, o elemento vivencial direto da arte não poderia ser consumido pela voracidade burguesa, uma vez que a vivência e existência não seriam possíveis para os setores burgueses, dado que a sua cultura seria demasiado universalista e se preocuparia com a descoberta de folclores exóticos. A imagem, por sua vez, abriria espaço para uma compreensão do tropicalismo enquanto consumo superficial (Oiticica, 1986, pOITICICA, Hélio. (1986), Aspiro ao grande labirinto. Rocco, Rio de Janeiro.. 109).

Isto é, o que Oiticica chamava de supra-sensorial seria o elemento mais essencial para uma vanguarda brasileira não colonizada e, ao mesmo tempo, o aspecto não mercantilizável da arte, visto que era algo existencial e não universalista. A bem da verdade, o supra-sensorial seria, precisamente, o meio para se derrubar o universalismo intelectualista. Ademais, apenas desta forma é que o tropicalismo poderia levar a cabo o seu projeto mais profundo e crítico, qual seja: notando-se que o mito tropicalista ia para muito além de bananeiras e araras, ver-se-ia que se trata da “consciência de um não condicionamento às estruturas estabelecidas, portanto altamente revolucionária na sua totalidade. Qualquer conformismo, seja intelectual, social, existencial, escapa à sua ideia principal” (Oiticica, 1986, pOITICICA, Hélio. (1986), Aspiro ao grande labirinto. Rocco, Rio de Janeiro.. 109).

Ainda há que se notar que a antropofagia fora mobilizada por Oiticica quando, já no período em Nova York, entra em contato de forma mais profunda com o rock de Jimi Hendrix e Mick Jagger. O artista carioca (Oiticica, 1978, pOITICICA, Hélio. (1978), “Um mito vadio: entrevistado por Jary Cardoso”. Folha de São Paulo, 05 nov. (caderno Folhetim). Disponível em https://acervo.folha.com.br/leitor.do?numero=6755&keyword=Oiticica&anchor=4270433&origem=busca&originURL=&pd=0f4cdbf3e3e49c97027d2e15552b2ac9, consultado em 10/01/2021.
https://acervo.folha.com.br/leitor.do?nu...
. 7) pontua que, à diferença do samba brasileiro, o rock não precisa de iniciações, prescinde de uma ligação com o território e a sua dança seria feita não por coreografias, mas sim a partir do que cada um criaria ao ouvi-lo. Seja como for, o rock permitiria uma síntese total e antropofágica de várias tendências culturais, a qual marcaria uma ruptura com o que conceberia como elitismo de estilos como jazz e que marcaria decididamente o tecido cultural americano (Crockett, 2020, pCROCKETT, Vivian. (2020), “War heroes: por uma poética da negritude em Hélio Oiticica”, in A. Pedrosa & T. Toledo. Hélio Oiticica: a dança na minha experiência. São Paulo, MASP.. 135).

Porém, em que medida essa caracterização afastaria o uso de Oiticica dos anteriores? Em primeiro lugar, Oiticica, diferentemente das duas apropriações anteriormente elencadas, de modo algum havia deixado de lado o elemento nacional e sua construção, pelo contrário: diz, com todas as letras, que a antropofagia seria tanto uma forma de resistirmos aos colonialismos das nações centrais do capitalismo, quanto um modo de devorar os influxos estrangeiros, no intuito de criar modelos nacionais, nos quais as heranças indígenas e negras teriam primazia. Em segundo lugar, a aposta de Oiticica no supra-sensorial divergia de Zé Celso, visto que este, mesmo que com intenções críticas - de mostrar o absurdo brasileiro e elaborar uma deseducação pela imagem, parodiando a cultural oficial ufanista (Pestana, 2012, pPESTANA, Sandra Regina Facioli. (2012), Identidade cultural brasileira nos figurinos de O Rei da Vela. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo..116) -, carregava as imagens de certa mitologia tropical; como, por exemplo, nos cenários e figurinos confeccionados por Hélio Eichenbauer, com participação direta do próprio Zé Celso, para a encenação de O rei da vela - travejadas de coqueiros, cores da bandeira nacional, riqueza vegetal etc. Poder-se-ia argumentar, que, mesmo almejando o supra-sensorial, a obra Tropicália, do artista visual carioca, ressalta elementos exotizantes (Marino, 2021MARINO, Rafael. (2021), Rubem Valentim, Hélio Oiticica e o tropicalismo: dois caminhos para a antropofagia na arte brasileira. Novos Estudos, 40, 2: 335-356.), feito a encenação da peça de Oswald de Andrade pelo Oficina. Não obstante, para construção de nosso argumento a respeito das apropriações da antropofagia, é necessário ressaltarmos também as diferentes ideias que faziam do legado antropofágico - além de seus resultados estéticos. Por último, cabe evidenciar que a devoração proposta por Oiticica carrega elementos de tensão entre centro e periferia, e até mesmo de formação nacional não presentes no uso do Oficina, o que ressalta uma filosofia da diferença e da alteridade.

Dizemos que o uso fora efetivado por Oiticica, pois em seus textos os argumentos a respeito de uma formação nacional, em sentido social e cultural, desde a antropofagia, estão bastante claros e expostos sem maiores tensões. Contudo, o papel da antropofagia em Glauber Rocha e em Caetano Veloso também seriam parecidos, porém numa menor intensidade.

O cineasta baiano, em formulação próxima à de Oiticica a respeito da construção de modelos nacionais a partir de influxos externos, afirma que antropofagia revelaria as estruturas da cozinha brasileira, em que se utiliza o que é externo para construção, canibal, de algo brasileiro. Veja-se a seguinte passagem:

Recusar tudo que a antiga musa canta que outra mais alta se alevanta. Mitologia indigenista. Mitologia cabocla, de cada transação nodal antropológica libertar os mitos. Para ideias novas formar. Os vanguardismos europeus foram instrumentalizados por Oswald. Importar tecnologia teórica para produzir Pau-Brasil Estético. Pra exportar. O Modernismo não se pagou no mercado interno porque o público brasileiro o recusou e não tinha condições econômicas no mercado internacional. (Rocha, 2004, pROCHA, Glauber. (2004), Revolução do cinema novo. São Paulo: Cosac Naify.. 320)

Tal procedimental antropofágico é ainda mais burilado em outro momento - levemos em conta que, na maioria das vezes, Rocha trata antropofagia e tropicalismo quase como sinônimos:

O tropicalismo, a antropofagia e seu desenvolvimento são a coisa mais importante hoje na cultura brasileira. [...] O tropicalismo, a descoberta antropofágica, foi uma revelação: provocou consciência, uma atitude diante da cultura colonial que não é uma rejeição à cultura ocidental como era no início (e era loucura, porque não temos uma metodologia); aceitamos a ricezione [recepção] integral, a ingestão dos métodos fundamentais de uma cultura completa e complexa mas também a transformação mediante os nostri succhi [nossos sucos] e através da utilização e elaboração da política correta. É a partir deste momento que nasce uma procura estética nova, e é um fato recente [...]. Tropicalismo é aceitação, ascensão do subdesenvolvimento; por isto exige um cinema antes e depois do tropicalismo. Agora nós não temos mais medo de afrontar a realidade brasileira, a nossa realidade, em todos os sentidos e a todas as profundidades. (Rocha, 2004, pROCHA, Glauber. (2004), Revolução do cinema novo. São Paulo: Cosac Naify.. 151)

Em Caetano Veloso, os termos de devoração do externo e transformação em arte brasileira também tem forte ar de família com os termos propostos por Hélio Oiticica. Destarte, ao invés de imitar, os brasileiros deveriam deglutir a experiência estrangeira, reconformá-la em termos nacionais e colocar o resultado diante do mundo. O que, de acordo com Veloso (2017, pVELOSO, Caetano. (2017), Verdade tropical. São Paulo, Companhia das Letras.. 261), invertia a relação tradicional de importação-exportação e lançava o mito da antropofagia, “trazendo para as relações culturais internacionais o rito canibal” (Ibid.). Construindo uma postura que seria aproveitada pela Tropicália. Esta, também na esteira dos ensinamentos antropofágicos, lançaria mão de um exercício de exotização do próprio Brasil, o qual, no fim das contas, tinha um papel de afirmação nacional. Em suas palavras:

No entanto, há pertinência em notar na Tropicália (na esteira da Antropofagia) uma tendência a tornar o Brasil exótico tanto para turistas quando para brasileiros. Sem dúvida eu próprio até hoje rechaço o que me parecem tentativas ridículas de neutralizar as características esquisitas desse monstro católico tropical, feitas em nome da busca de migalhas de respeitabilidade internacional mediana. Claro que reconheço que reflexos de um turbante de bananas não seriam particularmente úteis à cabeça de um pesquisador de física nuclear ou letras clássicas que tivesse nascido no Brasil. Apenas sei que este fato “Brasil” só pode liberar energias criativas que façam proliferar pesquisadores de tais disciplinas (ou inventores de disciplinas novas) se não se intimidar diante de si mesmo. E se puser seu gozo narcísico acima da depressão de submeter-se o mais sensatamente possível à ordem internacional. (Veloso, 2017, pVELOSO, Caetano. (2017), Verdade tropical. São Paulo, Companhia das Letras.. 264)

Nesse ínterim, torna-se inteligível o porquê de o cantor baiano considerar Oswald de Andrade não só uma espécie de grande pai para os tropicalistas, mas também um profeta da nova esquerda e da arte pop. Oswald era, em sua visão, irresistível para aquela geração. O modernista antropófago, que a cultura brasileira havia rejeitado por décadas, criou, para eles, “a utopia brasileira de superação do messianismo patriarcal por um matriarcado primal e moderno” (Veloso, 2017, pVELOSO, Caetano. (2017), Verdade tropical. São Paulo, Companhia das Letras.. 269, grifos meus).

Destoando um pouco da bibliografia sobre o tropicalismo, Ridenti (2014)RIDENTI, Marcelo. (2014), Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da TV. São Paulo: Editora UNESP. já havia apontado que este não rompera completamente com a cultura política do período entre 1950 e 1960, constituindo-se, na verdade, um fruto diverso da mesma árvore - sendo, talvez, rebento e construtor derradeiro de uma estrutura de sentimento de brasilidade revolucionária (Ridenti, 2010, pRIDENTI, Marcelo. (2010), Brasilidade revolucionária. São Paulo, Editora UNESP.. 101). Isto é, o tropicalismo não teria rompido com o nacionalismo romântico do período (imantado pela utopia de construção de um país a partir do encontro entre o intelectual e o artista e o homem simples do povo supostamente não contaminado pela modernização desigual capitalista), visto que a sua “preocupação básica continuaria sendo a constituição de uma nação desenvolvida e de um povo brasileiro, afinados com as mudanças do cenário internacional, a propor soluções à moda brasileira para os problemas do mundo” (Ridenti, 2014, pRIDENTI, Marcelo. (2014), Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da TV. São Paulo: Editora UNESP.. 247). Apesar de concordamos, em certa medida,10 10 Dizemos que concordamos em certa medida, porque os trabalhos de Ridenti (2010; 2014), apesar de mostrarem diferenças entre movimentos e artistas, apostam numa base comum entre eles que seria um nacionalismo romântico ou uma brasilidade revolucionária. O nosso trabalho, por sua vez, pretende olhar as diferenças existentes nos usos que artistas e intelectuais fizeram do conceito de antropofagia. Nesse sentido, buscamos olhar mais as diferenças entre suas produções simbólicas do que uma estruturação comum que as guiariam. com tal diagnóstico, acreditamos, como expomos, que ele funciona melhor se relacionado a Hélio Oiticica, Caetano Veloso e Glauber Rocha e menos com Zé Celso e o teatro oficina. Isso se daria porque nos três primeiros a constituição da nação Brasileira é importante, já em Zé Celso esse ímpeto é até mesmo criticado. Ademais, é preciso lembrar que, no caso da poesia concreta, também não se pode afirmar proximidades entre o que pensavam e faziam e um nacionalismo romântico, como pensando por Ridenti. Seja como for, o próximo artista a ser explorado, Rubem Valentim, a seu modo, também se preocupara com os destinos de constituição da nação e de uma arte (afro)brasileira.

O outro uso que podemos identificar da antropofagia é o feito por Rubem Valentim. Valentim, diversamente do tropicalismo, procurava construir uma riscadura brasileira, assentada na iconografia afro-ameríndia-popular, com pretensões universalistas. Deste modo, suas obras, partindo daquela iconografia e a reelaborando, devoravam antropofagicamente a linguagem abstrato-construtiva europeia, a qual era passada pelo crivo da experiência religiosa, artística e cultural popular e de povos de matriz africana (Valentim, 2018a, pVALENTIM, Rubem. (2018a), “Depoimento a Bené Fonteles”, in A. Pedrosa & F. Oliva. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas, São Paulo, MASP.. 144). O que, a um só tempo, conformava uma linguagem construtiva dotada de sentido - para além do que chamava de jogos óticos da arte abstrata eurocêntrica (Valentim apudMorais, 1977, pMORAIS, Frederico. (1977), “Outros construtivos”, in A. Amaral. Projeto construtivo na arte: 1950‑1962.Rio de Janeiro/São Paulo, Museu de Arte Moderna/Pinacoteca do Estado.. 292) - e a defesa de uma identidade e alma brasileiras (uma brasilidade), contrárias ao colonialismo cultural e material.

Se, como afirmava Mário Pedrosa (2018, pPEDROSA, Mário. (2018), “A contemporaneidade de Rubem Valentim”, in A. Pedrosa & F. Oliva. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas, São Paulo, MASP.. 127) - afirmação corroborada pelo próprio artista visual em seu “Manifesto ainda que tardio” -, a arte de Valentim era antropofágica ao se basear em deglutições culturais, não é de se estranhar que declare o seguinte a respeito de sua linguagem:

Minha linguagem plástico-visual-signográfica está ligada aos valores míticos profundos de uma cultura afro-brasileira (mestiça-animista-fetichista). Com o peso da Bahia sobre mim - a cultura vivenciada; com o sangue negro nas veias - o atavismo; com os olhos abertos para o que se faz no mundo - a contemporaneidade; criando os meus signos-símbolos, procuro transformar em linguagem visual o mundo encantado, mágico, provavelmente místico que fluir continuamente dentro de mim. O substrato vem da terra, sendo eu tão ligado ao complexo cultural da Bahia: cidade produto de uma grande síntese coletiva que se traduz na fusão de elementos étnicos e culturais de origem europeia, africana e ameríndia. Partindo desses dados pessoais e regionais, busco uma linguagem poética, contemporânea, universal para expressar-me plasticamente. Um caminho voltado para a realidade cultural profunda do Brasil - para suas raízes - mas sem desconhecer ou ignorar tudo o que se faz no mundo, sendo isso por certo impossível com os meios de comunicação de que já dispomos, é o caminho, a difícil via para a criação de uma autêntica linguagem brasileira de arte. Linguagem plástico-vérbico-visual-sonora. Linguagem plurisensorial: O sentir brasileiro. (Valentim, 2018b, pVALENTIM, Rubem. (2018b), “Manifesto ainda que tardio”, in A. Pedrosa & F. Oliva. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas, São Paulo, MASP.. 132)

[...] a Arte Brasileiro só poderá ser um produto poético autêntico quando resultado de sincretismos, de aculturações sígnicas (semiótica/ semiologia não verbal) das culturas formadoras da nossa nacionalidade de base (branco-luso-negro-índio) acrescidas com a contribuição das culturas mais recentes trazidas pelos diferentes povos de outras nações e que, aqui nesse espaço Brasil-Continente comum a todos, se misturam criando um sistema de brasilidade cultural de caráter singular, de rito, mito e ritmo que sejam inconfundíveis apesar da famigerada Aldeia-Global. O fundamental é assumir a nossa identidade de povo em termos de Nação. (Valentim, 2018b, pVALENTIM, Rubem. (2018b), “Manifesto ainda que tardio”, in A. Pedrosa & F. Oliva. Rubem Valentim: construções afro-atlânticas, São Paulo, MASP.. 134)

Porém, olhando-se para as perspectivas de Valentim e Oiticica, o(a) leitor(a) poderia se perguntar: não são iguais ou mesmo muito próximos? Na verdade, apesar da aparente similaridade, haveria diferenças importantes e que podem ser sim assim apresentadas. Enquanto o artista carioca procurava construir uma imagem brasileira exótica para os artistas de vanguarda,11 11 Lembremos, nesse sentido, que Oiticica (2020 [1964], p. 291), ao falar de seus Parangolés, dizia estar buscando, nesta pesquisa, pela primitividade construtiva popular. Desta forma, Oiticica gostaria, no Morro da Mangueira (Rio de Janeiro), de buscar o Outro, como artistas vanguardistas buscaram o Outro nas artes que vinham do continente africano e nas artes ameríndias. Para mais sobre ver Micheli (2004) e Pedrosa (2015 [1966]). Valentim buscava forjar uma linguagem universal forjada a partir da experiência brasileira afro-nordestino-ameríndia (Marino, 2021MARINO, Rafael. (2021), Rubem Valentim, Hélio Oiticica e o tropicalismo: dois caminhos para a antropofagia na arte brasileira. Novos Estudos, 40, 2: 335-356.).

Nesse sentido, o uso da antropofagia feita por Valentim, ao enfatizar a construção nacional pela via afro-ameríndia-popular se distinguiria dos usos que negavam o papel da nação e o papel constituinte que a antropofagia poderia ter nesse processo de formação. Por outro lado, conforme visto, ele também diferiria de Oiticica. Cabe pontuar também que, em relação ao uso da antropofagia como móvel importante de uma filosofia da alteridade, Valentim se diferencia ao acentuar as dimensões de tensão entre centro e periferia, colônia e metrópole, ademais diverge ao fincar seu pensamento e obra numa brasilidade afro-atlântica diversa do procedimento de desterritorialização do pensamento de autores como Viveiros de Castro e Giuseppe Cocco.

Exporemos, agora, os usos feitos pelos poetas concretistas e a (re)antropofagia de Denilson Baniwa e Jaider Esbell.

Na releitura que o grupo concretista ou Noingrandres, formado, destacadamente, por Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari (contando, posteriormente, com a participação de Ronaldo Azeredo e José Lino Grünewald), faz da obra oswaldiana é possível notar um outro uso da antropofagia: a de que seria um instrumento para depuração formal ao mínimo primitivo e concreto da palavra (Pignatari, 2006aPIGNATARI, Décio. (2006a), “Nova poesia: concreta (manifesto)”, in J. Ruffinelli & J. C. Castro Rocha. Antropofagia hoje?, Rio de Janeiro, É Realizações. [1957], p. 67; 2006bPIGNATARI, Décio. (2006b), “Poesia concreta: pequena marcação histórico-formal”, in J. Ruffinelli & J. C. Castro Rocha. Antropofagia hoje?, Rio de Janeiro, É Realizações. [1957], p. 98), além de abrir espaço para um experimentalismo estético radical e poucas vezes presente num ambiente cultural como o brasileiro, no qual os poetas se perdiam na poesia “regressiva” e de “bom-tom” (Campos, 2006cCAMPOS, Haroldo de. (2006c [1957]), “Evolução das formas: poesia concreta”, in A. de Campos & D. Pignarati & H. de Campos. Teoria da poesia concreta: textos críticos e manifestos (1950-1960), Cotia, Ateliê Editorial. [1957], p. 80). Desta forma, os poetas concretistas enfatizavam, principalmente, o que chamavam de “poemas-minuto” (Andrade, 2017ANDRADE, Oswald de. (2017), Poesia reunida. São Paulo, Companhia das Letras.), os romances mais experimentais de Oswald de Andrade (1971)ANDRADE, Oswald de. (1971), Obras completas 2: Memórias sentimentais de João Miramar; Serafim ponte grande. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira., feito Memórias sentimentais de João Miramar e Serafim ponte grande, e peças como O rei da vela, A morta e O Homem a Cavalo (Andrade, 1973ANDRADE, Oswald de. (1973), Obras completas 8 - Teatro: A morta, Rei da vela, Homem a cavalo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.). Deixando, assim, de lado as produções ensaísticas do modernista paulista, além de outros de seus romances, como Os condenados (Andrade, 1970ANDRADE, Oswald de. (1970), Obras completas 1: Os condenados. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.) e Marco Zero (Andrade, 1974aANDRADE, Oswald de. (1974a), Obras completas 3: Marco Zero I. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.; 1974bANDRADE, Oswald de. (1974b), Obras completas 4: Marco Zero II. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.).

Nesse diapasão, Oswald de Andrade era concebido pelos Noingrandres não só como seu precursor direto (Campos, 2006bCAMPOS, Haroldo de. (2006b [1962]), “Contexto de uma vanguarda”, in A. de Campos & D. Pignarati & H. de Campos. Teoria da poesia concreta: textos críticos e manifestos (1950-1960), Cotia, Ateliê Editorial. [1962], p. 211), mas sim como participante, junto de outros artistas e escritores que deflagaram uma crise do verso e da literatura como algo artesanal (Campos, 2006aCAMPOS, Haroldo de. (2006a [1960]), “A temperatura internacional do texto”, in A. de Campos & D. Pignarati & H. de Campos. Teoria da poesia concreta: textos críticos e manifestos (1950-1960), Cotia, Ateliê Editorial. [1960], p. 193) - a exemplo de Mallarmé, Cummings, Willian Carlos Willians, Ezra Pound, James Joyce, Apollinaire e João Cabral de Melo Neto (Campos, Pignatari, Campos, 2006CAMPOS, Augusto de; PIGNATARI, Décio; CAMPOS, Haroldo. (2006 [1958]), “Plano-piloto para poesia concreta”, in A. de Campos & D. Pignarati & H. de Campos. Teoria da poesia concreta: textos críticos e manifestos (1950-1960), Cotia, Ateliê Editorial. [1958], p. 215) -, cuja evolução e depuração das formas veio a desaguar num movimento poético de vanguarda internacional: a poesia concreta. Movimento este que nascera, efetivamente, “no Brasil e na Europa, através da pesquisa apartada de autores (Grupo “Noingrandres”, de São Paulo, de um lado; Eugen Gomringer, Berna/Ulm, de outro) que tendiam para conclusões comuns e realizações até certo ponto semelhantes” (Campos, 2006bCAMPOS, Haroldo de. (2006b [1962]), “Contexto de uma vanguarda”, in A. de Campos & D. Pignarati & H. de Campos. Teoria da poesia concreta: textos críticos e manifestos (1950-1960), Cotia, Ateliê Editorial. [1962], p. 211).12 12 Chama a atenção que, no ano de 2016, em discussão com Ferreira Gullar sobre Oswald de Andrade e os caminhos do Brasil (Chaves, 2019), Augusto de Campos tenha publicado um texto com uma longa lista de movimentos feitos para a reabilitação de Oswald de Andrade por parte dos concretistas (Campos, 2016).

Por conseguinte, esse uso da antropofagia se daria, justamente, a partir da devoração canibal do “legado universal”, que seria expropriado, desconstruído e transvalorizado de acordo com a ótica do mal selvagem antropofágico (devorador de brancos) (Campos, 1992, pCAMPOS, Haroldo de. (1992), “Da razão antropofágica: diálogo e diferença na cultura brasileira”, in H. de Campos. Metalinguagem & outras metas. São Paulo, Perspectiva.. 234-235). Porém, não se trata aí de uma ideia de “nacionalismo ontológico”, ou de construção nacional, e sim de criação de um espaço local de diferenciação, desierarquização, de crítica e desconstrução do logocentrismo herdado do Ocidente, cujas raízes poderiam ser encontradas no Barroco e na sua razão antropofágica que criava o diferente dentro dos regramentos artísticos universais (Campos, 1992, pCAMPOS, Haroldo de. (1992), “Da razão antropofágica: diálogo e diferença na cultura brasileira”, in H. de Campos. Metalinguagem & outras metas. São Paulo, Perspectiva.. 239-243). Desta feita, como apontam Aguilar (2015)AGUILAR, Gonzalo. (2015), Poesia concreta brasileira: as vanguardas na encruzilhada modernista. São Paulo, Edusp. e Chaves (2019), aCHAVES, Reginaldo Sousa. (2019), “Releituras de Oswald de Andrade: o movimento da poesia concreta e a antropofagia”. Em tempo de histórias, 1, 33: 47-63. antropofagia permitia tanto a incorporação de certo caos anárquico ao concretismo, que era sempre vinculado ao racionalismo exacerbado, quanto uma postura de devoração crítica do que vinha de fora - tentando evitar, desta forma, um nacionalismo isolacionista ou uma postura de aceitação passiva frente ao estrangeiro.

Essa transvaloração antropofágica poderia aproximar os concretistas dos usos feitos por Zé Celso e Viveiros de Castro, contudo se diferencia destes ao não perder certa tensão entre o local e o cosmopolita e ter em vista um procedimento literário e de artes visuais de vanguarda. Diferiria, também, dos usos de Oititica e de Valentim, na medida em que os noingrandres não têm a intenção de conformar uma brasilidade e uma cultura brasileira.

Em relação à Reantropofagia ameríndia, pode-se dizer o seguinte. Denilson Baniwa argumentou que artistas indígenas, vários deles reunidos na exposição de retomada Reantropofagia (Centro de Artes da UFF, 2019), intentam “juntar a antropofagia dos Andrade com a dos Tupinambás” (Baniwa apudGoldstein, 2019, pGOLDSTEIN, Ilana. (2019), “Da “representação das sobras” à “reantropofagia”: povos indígenas e arte contemporânea no Brasil”. MODOS, 3, 3: 68-96.. 86).13 13 É certo que Oswald de Andrade e outros antropófagos tenham colocado Macunaíma como uma das obras vinculadas ao movimento antropófago. Contudo, como já pontuou Fonseca (2007), Mario de Andrade teria ficado contrafeito com tal filiação. Seja como for, há certa proximidade e tal filiação é algo comum de ser encontrado na literatura e no campo das artes. Nesse diapasão, Ilana Goldstein (2019)GOLDSTEIN, Ilana. (2019), “Da “representação das sobras” à “reantropofagia”: povos indígenas e arte contemporânea no Brasil”. MODOS, 3, 3: 68-96. conta que, em visita guiada à referida exposição, Baniwa argumentou que aquela exposição era um manifesto, de modo que: “Quem tem que falar sobre antropofagia somos nós! Foi preciso cortar a cabeça do Mário de Andrade e servi-la na bandeja com temperos locais e pimenta para abrir espaço para Macuanimî”. Tais palavras serviram de mote para a tela-documento, feita por Baniwa, na qual “uma cabeça, fusão de Mário de Andrade com Grande Otelo (ator que interpretou Macunaíma no filme homônimo de Joaquim Pedro de Andrade)” (Dinato, 2019, pDINATO, Daniel. (2019), “ReAntropofagia: a retomada territorial da arte”. MODOS, 3, 3: 276-284.. 278) é servida justamente numa bandeja e, junto à cabeça, estão localizados o livro Macunaíma e um pequeno bilhete, no qual está escrito: "Aqui jaz o simulacro Macunaíma, jazem juntos a ideia de povo brasileiro e a antropofagia temperada com bordeaux e pax mongólica. Que desta longa digestão renasça Makunaimî e a antropofagia originária que pertence a nós, indígenas" (Figura 1).

Figura 1
Denilson Baniwa, Reantropofagia. Centro de Artes da UFF.

Porém, qual seria diferença entre Macunaíma, de Mário de Andrade, e Makunaimî? Segundo explica Jaider Esbell (2018aESBELL, Jaider. (2018a), “Arte indígena contemporânea e o grande mundo”. Select, 1, 39: 98-103.; 2018bESBELL, Jaider. (2018b), Makunaima, o meu avô em mim. Iluminuras, 19, 46: 11-39.), teria ocorrido um sequestro de Makunaimî, ancestral comum para variados povos indígenas e que habitaria o Monte Roraima, pelo etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg, por Mário de Andrade (que utilizou Koch-Grünberg como base para seu trabalho) e por uma pletora de artistas e intelectuais, os quais teriam o estereotipado como preguiçoso e o descrito a partir de uma mistura exotizante e errônea de culturas distintas - construindo, assim, seu Macunaíma. Essa formulação crítica, encontrada em Esbell e Baniwa, também dá ossatura à peça de teatro coletiva Makunaimã: o mito através do tempo (Tauperang et al, 2019TAUPERANG; MACUXI; WAPICHANA; KOCH-GRÜNBERG, Theodor; ANDRADE, Mário de; GOLDEMBERG, Deborah; ARIEL, Marcelo; GONÇALVES, Jefferson; RENNÓ, Iara. (2019), Makunaimã: o mito através do tempo. São Paulo: Editora Elefante.), cujo enredo gira em torno da discussão e da crítica que indígenas macuxi, pemon, taurepang e wapichana, herdeiros de Makunaimã, fazem a Mario de Andrade, em sua casa no bairro da Barra Funda (São Paulo), fazendo-o despertar da morte. Crítica que é exposta de maneira contundente por Baniwa:

Quem eu sou? Eu sou o medo dos brancos/ Eu sou aquele que senta na mesa dos doutorados/ Que desestabiliza e causa constrangimento a todos/ Que ri do vocabulário prolixo e do currículo lattes dessa gente branca/ Eu sou o novo cabano/ Eu sou a resistência através da antropofagia/ Eu sou aquele que degola Tarsila do Amaral/ Eu sou aquele que empala Mario de Andrade/ Eu sou aquele que come o coração de Oswald de Andrade/ Eu sou a arte Indígena Eu sou o Indígena contemporâneo/ Muito prazer. (Baniwa apudDiniz, 2019, pDINIZ, Clarissa. (2019), “Questionar para reafirmar - reflexões sobre o “rolezinho” curatorial e político da 33ª Bienal de São Paulo”. MODOS, 3, 1: 250-265.. 264)

Tal uso de uma reantropofagia pode ser visto como uma tentativa crítica de reler e reconstruir, à contrapelo e de maneira canibal, a história e as artes brasileiras, colocando no centro deste exercício crítico os etnocídios e resistências ameríndias. Desta forma, mais do que construir uma identidade nacional, um modelo de confecção de alteridades ou de canarvalização, tratar-se-ia de escavar certas ideias de brasilidade e procurar, em seus interstícios, exotizações e silenciamentos. Eloquente, desta forma, fora a “Performance Pajé-Onça Hackeando a 33ª Bienal de Arte de São Paulo”,14 14 A performance pode ser vista na galeria on-line de Baniwa (2018) mantém no site Behance, Ver: https://www.behance.net/gallery/77978367/Paj-Onca-Hackeando-a-33-Bienal-de-Artes-de-Sao-Paulo. Para uma visão crítica desta 33ª Bienal de São Paulo, ver Diniz (2019). efetuada por Baniwa, na qual, vestido com uma máscara e vestes de onça, indumentárias do Pajé-Onça (presença constante nas artes de Baniwa, como num dos murais que expos em Reantropofagia), comprou, na loja da Bienal, o livro Uma breve história da arte, e, enquanto folheava e rasgava páginas da obra diante de uma grande fotografia etnográfica de indígenas Selk’nam (feita pelo etnólogo e padre austríaco Martin Gusinde em 1923),15 15 A foto em questão pode ser vista aqui: http://www.bienal.org.br/exposicoes/fotos/5746. localizado ao lado de um painel onde se lia “antes tudo era um” (Diniz, 2019, pDINIZ, Clarissa. (2019), “Questionar para reafirmar - reflexões sobre o “rolezinho” curatorial e político da 33ª Bienal de São Paulo”. MODOS, 3, 1: 250-265.. 262), bradou os seguintes questionamentos:

Breve história da arte. Tão breve, mas tão breve, que não vejo a arte indígena. Tão breve que não tem indígena nessa história da arte. Mas eu vejo índios nas referências, vejo índios e suas culturas roubadas. Breve história da arte. Roubo. Roubo. Roubo. Isso e o índio? Aquilo é o índio? É assim que querem os índios? Presos no passado, sem direito ao futuro? Nos roubam a imagem, nos roubam o tempo e nos roubam a arte. Breve história da arte. Roubo, roubo, roubo, roubo, roubo, roubo, roubo. Arte branca. Roubo, roubo. Os índios não pertencem só ao passado. Eles não têm que estar presos a imagens que brancos construíram para os índios. Estamos livres, livres, livres. Apesar do roubo, da violência e da história da arte. Chega de ter branco pegando arte indígena e transformando em simulacros! (Baniwa apudDiniz, 2019, pDINIZ, Clarissa. (2019), “Questionar para reafirmar - reflexões sobre o “rolezinho” curatorial e político da 33ª Bienal de São Paulo”. MODOS, 3, 1: 250-265.. 262)

Poder-se-ia argumentar que este uso em muito se aproximaria daquele voltado para uma metafísica da alteridade. Enxergamos, porém, três diferenças. Em primeiro lugar, os artistas antropófagos indígenas marcariam, de forma incisiva, o protagonismo artístico e político dos próprios indígenas neste uso. Em segundo lugar, há uma crítica à plêiade modernista - a Oswald de Andrade, inclusive - apontando que teriam se apropriado de sua ancestralidade e rituais de forma colonialista e exotizante. Em terceiro lugar, menos que o desenvolvimento de uma nova forma de compreensão das alteridades, este uso ameríndio seria, como dito, uma forma de questionar, a partir da resistência ameríndia, a história e artes no Brasil. Em relação aos outros usos, há, igualmente, distinções significativas. Aqui, não se trata de constituir uma cultura e nação brasileiras, mas sim contestar as ideias correntes de brasilidade e de conformação de um Brasil homogêneo. Ademais, baseando-se numa antropofagia ameríndia, questiona-se o que poderíamos compreender como elementos colonizadores da antropofagia oswaldiana, fazendo com que a antropofagia não seja uma maneira de depuração formal vanguardista e do seu elogio como crítica do logos ocidental - como é feito pelos poetas concretistas.

Tendo em vista o exposto, partiremos agora para algumas considerações finais, nas quais retomaremos algumas linhas fundamentais de nossa exposição e argumento.

Considerações Finais

O exercício que até aqui se desenrolou pretendia criticar a visão de que a antropofagia e o legado oswaldiano fora processado, herdado e trabalhado exclusivamente pelo tropicalismo. Com o intuído de friccionar essa tese, propusemos a ideia de usos, para melhor análise de sua história intelectual e visual, e identificamos seis usos distintos da antropofagia pós-Oswald de Andrade e pós-Revista de Antropofagia - os quais, de modo algum, pretendem ser um sistema classificatório ou uma catalogação de todas as formas de utilização da antropofagia, mas, tão somente, a exploração de alguns usos do legado antropofágico. Ademais, até mesmo em meio ao tropicalismo, pudemos identificar dois usos distintos da antropofagia. Elemento que, no final das contas, contraria boa parte da literatura que apostava, grosso modo, numa identificação entre a antropofagia e o tropicalismo - este compreendido de forma mais monolítica.

Se os usos feitos por Zé Celso e o de Cocco, Viveiros de Castro e Castro Rocha se aproximam ao fazer uma crítica ao elemento nacional e ao nacionalismo, se distanciam na medida em que o primeiro desenvolveria aspectos ligados à libertação comportamental e contra uma cultura pequeno-burguesa, e o segundo grupo, por sua vez, apostaria na constituição de uma metafísica da alteridade desterritorializada. Os usos de Oiticica e de Valentim se avizinham no sentido de almejar uma construção nacional e cultural brasileiras contra os ditames coloniais e imperialistas; entretanto, afastam-se nas figurações de suas brasilidades, sendo a de Oiticica calcada num exotismo inexistente em Valentim - cujo ponto de fuga é de uma afro-brasilidade. O uso concretista, que almejava depurar antropofagicamente a literatura e criticar o logocentrismo ocidental, criticava qualquer forma de nacionalismo, apesar de não perder de vista tensões advindas da relação entre países do centro do capitalismo e ex-colônias, e não tinha como central o desrecalque pulsional pretendido por Zé Celso. Por fim, o uso reantropofágico, assentado no protagonismo artístico-político ameríndio, impõe uma crítica ao que considera serem elementos coloniais presentes na antropofagia oswaldiana e busca atravessar a história e as artes brasileiras desde as resistências indígenas. Descentrando e criticando, a um só tempo, uma aproximação elogiosa a Oswald de Andrade, a confecção de uma brasilidade e de um Brasil unificados e o aproveitamento da antropofagia como móbile para construção: (a) de uma estética vanguardista; (b) uma modernização de costumes e práticas sociais e (c) de alteridades hibridizadas.

A partir destas nossas explorações, também pudemos observar que a antropofagia oswaldiana, ao dar forma estética, política e teórica aos elementos marcantes da colonização europeia no Brasil - bem como seus efeitos sociais, econômicos, libidinais e no pensamento -, e da formação social brasileira, tornou-se uma espécie de tópos intelectual para diversos intelectuais e artistas no Brasil - a despeito destes terem, ao fim e ao cabo, intenções teóricas e políticas distintas. Desta forma, ao sofrer com influxos ideológicos e materiais distintos, a antropofagia teve determinados aspectos de sua constituição mais ou menos elaborados e atualizados ou até mesmo obliterados. Feito um caleidoscópio, cujos vidros seriam coloridos a partir das diversas tonalidades ideológicas, políticas e materiais, a antropofagia adquiriria, à luz da história, efeitos visuais (usos) distintos. Um canibalismo caleidoscópico.

  • 1
    Inspiramo-nos aqui nas críticas e sugestões feitas por André Botelho e Elide Rugai Bastos ao campo da sociologia da cultura e dos intelectuais no sentido de apontar a necessidade, em meio às ciências sociais, de se valorizar o estudo aprofundado dos produtos dos trabalhos simbólicos dos atores sociais, como obras e ideias. Até porque, ideias e artefatos culturais têm um fundamento que ultrapassa os seus contextos de origem e a trajetória de seus constituidores e a sociedade não poderia se realizar “desacompanhada das interpretações de que é objeto e, mais do que isso, as intepretações proporcionam significado a vida social, pesadas inclusive as suas veleidades, possibilidades e limites efetivos” (Botelho e Bastos, 2019, pBOTELHO, André; BASTOS, Elide Rugai. (2019), “Por uma sociologia política dos intelectuais”, in A. Botelho. O retorno da sociedade: política e interpretações do Brasil, Petrópolis, Vozes.. 247).
  • 2
    Nos inspiramos aqui em Brandão (2005, pBRANDÃO, Gildo Marçal. (2005), “Linhagens do pensamento político brasileiro”. Dados, 48, 2: 231-269..241): “Nem todos os ‘pensadores político-sociais’ se enquadram nesta ou naquela linhagem, em vários convivem almas contrapostas”.
  • 3
    A aproximação dos concretistas paulistas à tropicália merece cautela, porém a comparação da forma como socorreram essas apropriações da antropofagia pode ser interessante, até porque, conforme argumentava Veloso (2017, pVELOSO, Caetano. (2017), Verdade tropical. São Paulo, Companhia das Letras.. 259), a centralidade da antropofagia unia setores bastante dispares, como os “irracionalistas” (Zé Agrippino, Zé Celso e Jorge Mautner) e os “super-racionalistas” (poetas concretos e os músicos seguidores dos dodecafônicos).
  • 4
    A utilização de tal termo não tem, ao longo do texto, uma intenção pejorativa, mas de marcar a ênfase antropofágica em tensões desejantes e pulsionais distintas de uma razão distante das paixões.
  • 5
    À vista disto, discordamos da interpretação de Jáuregui (2015)JÁUREGUI, Carlos. (2015), “Oswaldo Costa, antropofagia, and the cannibal critique of colonial modernity”. Culture & History Digital Journal, 4, 2: 1-17. de que apenas Oswaldo Costa, componente de destaque da Revista de Antropofagia, teria apontado as violências decorrentes da colonização e da ocidentalização dos povos ameríndios e do Brasil. Ao nosso ver, Oswald de Andrade e outros componentes do movimento também teriam proposto um programa de descolonização do Brasil por meio de outra modernidade, antropofágica. Ademais, o trabalho de Jáuregui, apesar de interessante, parece positivar os textos de Oswaldo Costa, pois estes seriam mais próximos de teses decoloniais contemporâneos, dos quais é entusiasta. O que, do ponto de vista de construção de uma linhagem intelectual e política, é legítimo, mas, do ponto de vista de uma história intelectual, é problemático por se aproximar daquilo que Skinner (2017)SKINNER, Quentin. (2017), “Significado e interpretação na História das Ideias”. Tempo & Argumento, 9, 20: 358-399. chamaria de paroquialismo - em que intérpretes confeccionam, anacronicamente, uma continuidade entre suas intenções e crenças com textos e autores anteriores.
  • 6
    Como expôs Corrêa (2011, pCORRÊA, José Celso Martinez. (2011), “Na boca do estômago, conversa com Lara da Costa”, in J. Ruffinelli & J. C. Castro Rocha. Antropofagia hoje?, Rio de Janeiro, É Realizações.. 74-75): “Oswald deslocou a história do Brasil e isso era o que os jesuítas portugueses mais temiam. [...] Oswald chama nossa atenção para a cerimônia do ritual antropofágico, que, por sua vez, é muito interessante porque remete também ao ritual dionisíaco, remete às bacantes, que devoram carne crua [...]. Oswald vislumbrou o relacionamento dessa cultura indígena brasileira com a cultura dionisíaca”.
  • 7
    Há outros autores (Azevedo, 2016AZEVEDO, Beatriz. (2016), Antropofagia - palimpsesto selvagem. São Paulo, Cosac Naify.; Nodari, 2011NODARI, Alexandre. (2011), “A única lei do mundo”, in J. Ruffinelli & J. C. Castro Rocha. Antropofagia hoje?, Rio de Janeiro, É Realizações.; Sterzi, 2011STERZI, Eduardo. (2011), “Dialética da devoração e devoração da dialética”, in J. Ruffinelli & J. C. Castro Rocha. Antropofagia hoje?, Rio de Janeiro, É Realizações.) que se aproximar deste uso, todavia, por concisão, preferimos desenvolver apenas a argumentação dos três autores acima citados.
  • 8
    Divergimos aqui, por exemplo, de Celso Favaretto (2007, pFAVARETTO, Celso. (2007), Tropicália, alegoria, alegria. Cotia, Ateliê Editorial.. 57-58), para quem a apropriação da antropofagia pelo tropicalismo seria um tanto unificada em que o “que o tropicalismo retém do primitivismo antropofágico é mais a concepção cultural sincrética, o aspecto de pesquisa de técnicas de expressão, o humor corrosivo, a atitude anárquica com relação aos valores burgueses, do que a sua dimensão etnográfica e a tendência em conciliar culturas em conflito”. Discordamos, igualmente, das interpretações de Wisnik (2005)WISNIK, Guilherme. (2005), Caetano Veloso. São Paulo, Publifolha. e Chaves (2019)CHAVES, Reginaldo Sousa. (2019), “Releituras de Oswald de Andrade: o movimento da poesia concreta e a antropofagia”. Em tempo de histórias, 1, 33: 47-63., que igualizaram as formas como Oiticica e Zé Celso conceberiam o tropicalismo. Em certa medida, nesse sentido, nos aproximamos das distinções feitas por Patriota (2003)PATRIOTA, Rosangela. (2003), “A cena tropicalista do Teatro Oficina de São Paulo”. História, 22, 1: 135-163. entre os tropicalistas e suas formas de elaboração estética.
  • 9
    Oiticica dirá também, em outro ensaio, numa retórica da miscigenação, que a “Tropicália é a beleza da mulata sambando, vestida de cetim brilhante; é a volta às raízes brasileiras, sem preconceitos; é o corte do cordão umbilical que nos limita e bitola dentro das influências europeias e americanas” (Oiticica apud Crockett, 2020, pCROCKETT, Vivian. (2020), “War heroes: por uma poética da negritude em Hélio Oiticica”, in A. Pedrosa & T. Toledo. Hélio Oiticica: a dança na minha experiência. São Paulo, MASP.. 136).
  • 10
    Dizemos que concordamos em certa medida, porque os trabalhos de Ridenti (2010; 2014RIDENTI, Marcelo. (2010), Brasilidade revolucionária. São Paulo, Editora UNESP.), apesar de mostrarem diferenças entre movimentos e artistas, apostam numa base comum entre eles que seria um nacionalismo romântico ou uma brasilidade revolucionária. O nosso trabalho, por sua vez, pretende olhar as diferenças existentes nos usos que artistas e intelectuais fizeram do conceito de antropofagia. Nesse sentido, buscamos olhar mais as diferenças entre suas produções simbólicas do que uma estruturação comum que as guiariam.
  • 11
    Lembremos, nesse sentido, que Oiticica (2020OITICICA, Hélio. (2020 [1964]), “Bases fundamentais para uma definição do Parangolé”, in A. Pedrosa & T. Toledo. Hélio Oiticica: a dança na minha experiência. São Paulo, MASP. [1964], p. 291), ao falar de seus Parangolés, dizia estar buscando, nesta pesquisa, pela primitividade construtiva popular. Desta forma, Oiticica gostaria, no Morro da Mangueira (Rio de Janeiro), de buscar o Outro, como artistas vanguardistas buscaram o Outro nas artes que vinham do continente africano e nas artes ameríndias. Para mais sobre ver Micheli (2004)MICHELI, Mario de. (2004), As vanguardas artísticas. São Paulo, Martins Fontes. e Pedrosa (2015PEDROSA, Mário. (2015), “Crise do condicionamento artístico”, in L. Mammì (org.). Arte. Ensaios: Mário Pedrosa. São Paulo, Cosac Naify. [1966]).
  • 12
    Chama a atenção que, no ano de 2016, em discussão com Ferreira Gullar sobre Oswald de Andrade e os caminhos do Brasil (Chaves, 2019CHAVES, Reginaldo Sousa. (2019), “Releituras de Oswald de Andrade: o movimento da poesia concreta e a antropofagia”. Em tempo de histórias, 1, 33: 47-63.), Augusto de Campos tenha publicado um texto com uma longa lista de movimentos feitos para a reabilitação de Oswald de Andrade por parte dos concretistas (Campos, 2016CAMPOS, Augusto de. (2016), “Um formigueiro memorioso”. Folha de São Paulo, 15 jun. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/06/1781738-um-memorioso-formigueiro-mental.shtml, consultado em 20/05/2020.
    https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/...
    ).
  • 13
    É certo que Oswald de Andrade e outros antropófagos tenham colocado Macunaíma como uma das obras vinculadas ao movimento antropófago. Contudo, como já pontuou Fonseca (2007)FONSECA, Maria Augusta. (2007), Oswald de Andrade: biografia. São Paulo, Globo., Mario de Andrade teria ficado contrafeito com tal filiação. Seja como for, há certa proximidade e tal filiação é algo comum de ser encontrado na literatura e no campo das artes.
  • 14
    A performance pode ser vista na galeria on-line de Baniwa (2018)BANIWA, Denilson. (2018), “Perfomance Pajé-Onça Hackeando a 33ª Bienal de Artes de São Paulo”. Disponível em https://www.behance.net/gallery/77978367/Paj-Onca-Hackeando-a-33-Bienal-de-Artes-de-Sao-Paulo, consultado em 10/08/2020.
    https://www.behance.net/gallery/77978367...
    mantém no site Behance, Ver: https://www.behance.net/gallery/77978367/Paj-Onca-Hackeando-a-33-Bienal-de-Artes-de-Sao-Paulo. Para uma visão crítica desta 33ª Bienal de São Paulo, ver Diniz (2019)DINIZ, Clarissa. (2019), “Questionar para reafirmar - reflexões sobre o “rolezinho” curatorial e político da 33ª Bienal de São Paulo”. MODOS, 3, 1: 250-265..
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    A foto em questão pode ser vista aqui: http://www.bienal.org.br/exposicoes/fotos/5746.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    12 Fev 2021
  • Aceito
    29 Abr 2021
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