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Evolução do uso do solo em uma área piloto da região de Vacaria, RS

Evolution of land use in a pilot area in the region of Vacaria, RS

Resumos

A região dos Campos de Cima da Serra, RS foi ocupada, tradicionalmente, pela pecuária extensiva, porém nos anos 50 se iniciou a transição de campo nativo para a agricultura empresarial, mecanizada com culturas anuais e pomares. Este trabalho avaliou, por meio de técnicas de sensoriamento remoto, as modificações na cobertura do solo decorrentes de atividades antrópicas verificadas nesta época até os dias atuais, em uma área piloto ao norte envolvendo parte da zona urbana de Vacaria, RS. A década de 60 a ocupação da terra foi identificada através da interpretação de aerofotos datadas de 1964. A partir de 1972 foram utilizadas imagens LANDSAT - sensor MSS, datadas de 1976 e sensor - TM, datadas de 1987 e 1996, e Eros A de 2005, todas classificadas em mapas temáticos que, após cruzados, geraram o mapa de evolução da cobertura do solo, desde o início da agricultura até os dias atuais. Constatou-se que de 1960 até 2005 aproximadamente 40% do campo nativo foram convertidos em agricultura. A conversão de campo nativo para os outros usos foi, em média, de 1,4 km² ano-1 no período de 1960 a 1995 e de 0,7 km² ano-1 de 1996 a 2005. As áreas ocupadas por florestas e matas ciliares não foram alteradas significativamente até os dias atuais.

geoprocessamento; sensoriamento remoto; análise da cobertura do solo; Campos de Cima da Serra


The grasslands of Campos de Cima da Serra region, located in NE Rio Grande do Sul, were originally occupied by extensive cattle ranching. However, in the 1950s, a transition took place in land use from native vegetation to modern cash crop agriculture, which comprised mainly annual grain crops and apple orchards. This study applied remote sensing techniques for spatial and temporal detection of human-induced land use changes in this 50-years period to a pilot area, including part of the urban area of Vacaria and agricultural land to the north of this city. The earliest available aerial photos, from 1964, allowed assessment of initial shifts in land use. Subsequent temporal analyses relied on Landsat imagery from the 70s, 80s and 90s, and a 2005 EROS-A high resolution image. These analyses produced land use maps, which were overlayed, resulting in a land use evolution map from the beginning of agriculture up to the present day. Approximately 40% of the original grasslands were converted to annual grain crops. Conversion rates of grasslands into other uses were about 1.4 km² year-1 in the 1960-1995 period, and 0.7 km² year-1 from 1996 to 2005. On the other hand, areas of forests and riparian forests have not changed significantly throughout the study period.

geoprocessing; remote sensing; land use change; Campos de Cima da Serra


MANEJO DE SOLO, ÁGUA E PLANTAS

Evolução do uso do solo em uma área piloto da região de Vacaria, RS1 1 Parte do projeto de Tese de Doutorado do primeiro autor (Bolsista Capes). Projeto financiado pelo PRONEX - FAPERGS-CNPq-MCT

Evolution of land use in a pilot area in the region of Vacaria, RS

Fabíola LopesI; João MielniczukII; Elisandra S. OliveiraIII & Carlos G. TornquistIV

I Departamento de Solos/UFRGS. Av. Bento Gonçalves 7712, Porto Alegre, RS. Fone: (51) 3316-7426. fabilopes@gmail.com

II Departamento de Solos/UFRGS. Av. Bento Gonçalves 7712, Porto Alegre, RS. Fone: (51) 3316-7426. mieln@ufrgs.br

III Departamento de Solos/UFRGS. Av. Bento Gonçalves 7712, Porto Alegre, RS. Fone: (51) 3316-7426. elisandrao@pop.com.br

IV Departamento de Solos/UFRGS. Av. Bento Gonçalves 7712, Porto Alegre, RS. Fone: (51) 3316-7426. carlos.tornquist@ufrgs.br

RESUMO

A região dos Campos de Cima da Serra, RS foi ocupada, tradicionalmente, pela pecuária extensiva, porém nos anos 50 se iniciou a transição de campo nativo para a agricultura empresarial, mecanizada com culturas anuais e pomares. Este trabalho avaliou, por meio de técnicas de sensoriamento remoto, as modificações na cobertura do solo decorrentes de atividades antrópicas verificadas nesta época até os dias atuais, em uma área piloto ao norte envolvendo parte da zona urbana de Vacaria, RS. A década de 60 a ocupação da terra foi identificada através da interpretação de aerofotos datadas de 1964. A partir de 1972 foram utilizadas imagens LANDSAT - sensor MSS, datadas de 1976 e sensor - TM, datadas de 1987 e 1996, e Eros A de 2005, todas classificadas em mapas temáticos que, após cruzados, geraram o mapa de evolução da cobertura do solo, desde o início da agricultura até os dias atuais. Constatou-se que de 1960 até 2005 aproximadamente 40% do campo nativo foram convertidos em agricultura. A conversão de campo nativo para os outros usos foi, em média, de 1,4 km2 ano-1 no período de 1960 a 1995 e de 0,7 km2 ano-1 de 1996 a 2005. As áreas ocupadas por florestas e matas ciliares não foram alteradas significativamente até os dias atuais.

Palavras-chave: geoprocessamento, sensoriamento remoto, análise da cobertura do solo, Campos de Cima da Serra

ABSTRACT

The grasslands of Campos de Cima da Serra region, located in NE Rio Grande do Sul, were originally occupied by extensive cattle ranching. However, in the 1950s, a transition took place in land use from native vegetation to modern cash crop agriculture, which comprised mainly annual grain crops and apple orchards. This study applied remote sensing techniques for spatial and temporal detection of human-induced land use changes in this 50-years period to a pilot area, including part of the urban area of Vacaria and agricultural land to the north of this city. The earliest available aerial photos, from 1964, allowed assessment of initial shifts in land use. Subsequent temporal analyses relied on Landsat imagery from the 70s, 80s and 90s, and a 2005 EROS-A high resolution image. These analyses produced land use maps, which were overlayed, resulting in a land use evolution map from the beginning of agriculture up to the present day. Approximately 40% of the original grasslands were converted to annual grain crops. Conversion rates of grasslands into other uses were about 1.4 km2 year-1 in the 1960-1995 period, and 0.7 km2 year-1 from 1996 to 2005. On the other hand, areas of forests and riparian forests have not changed significantly throughout the study period.

Key words: geoprocessing, remote sensing, land use change, Campos de Cima da Serra

INTRODUÇÃO

Em sua condição natural, os solos apresentam grande variabilidade espacial e temporal de seus atributos, devido principalmente às diferentes texturas, posição na paisagem e tempo de atuação dos fatores de formação (material de origem, clima, relevo e organismos vivos). As mudanças de uso e das práticas de manejo do solo aumentam esta variabilidade por meio de inúmeras combinações, como adição de nutrientes, rotação e sucessão de culturas, utilização de máquinas e implementos agrícolas, além de tempo de exploração agrícola. Assim, os estudos da evolução espaço-temporal do uso do solo são fundamentais em trabalhos de avaliação da dinâmica dos estoques de carbono orgânico do solo (COS) e, consequentemente, da qualidade do solo (Lopes et al., 2008; Tornquist et al., 2009; Yadav & Malanson, 2008) uma vez que, para as mesmas condições de clima e tipo de solo, a quantidade de COS depende, basicamente, do tempo de uso, sistema de culturas e manejo adotado.

Porém, reconstituir a ocupação espaço-temporal do solo de uma região é muitas vezes, uma tarefa bastante laboriosa devido, sobretudo, à escassez de registros e ao conhecimento insuficiente da história da ocupação do solo pelos atuais moradores. As fontes usuais adotadas para obtenção de informações históricas do uso agrícola do solo englobam, basicamente: levantamentos e mapas temáticos (topografia, geomorfologia, vegetação, pedologia); dados de sensoriamento remoto (aerofotos e imagens de satélite); censos oficiais (anuários estatísticos, relatórios dos censos agropecuários, levantamentos agrícolas); informações acessórias locais, como estudos e levantamentos municipais, e registros populares sobre o histórico da agricultura. Dentre essas fontes os produtos do sensoriamento remoto são os que apresentam informações intrinsecamente espacializadas com atualização frequente sobre o uso do solo possuindo, assim, maior confiabilidade e precisão das informações geradas (Tornquist et al., 2009).

Em um estudo no qual avaliou a modificação na paisagem entre 1970 e 1999, em uma microbacia localizada no Estado do Paraná, Faria (2005) concluiu que os dados temáticos e quantitativos gerados a partir do uso de imagens de satélite possibilitaram a identificação dos diferentes usos do solo em todos os anos avaliados, sendo que o material cartográfico elaborado a partir de técnicas de geoprocessamento e cartografia digital tornou disponível um banco de dados estruturados em ambiente de Sistema de Informação Geográfica (SIG) que poderá ser útil para os trabalhos de gabinete e de campo que tenham, como foco, a microbacia em questão.

Borges et al. (1993), também utilizaram, além de imagens orbitais, fotografias aéreas, para avaliar a evolução do uso do solo em Santa Bárbara d'Oeste, SP, e constataram que as fotografias aéreas proporcionaram um nível maior de detalhamento, na identificação do uso do solo, em virtude da sua maior resolução espacial quando comparados com imagens de satélite, mas concluíram que a identificação de culturas que apresentam características espectrais próprias é facilitada em qualquer produto do sensoriamento remoto.

Barbosa et al. (2009) evidenciam em um estudo da evolução da cobertura vegetal e uso do solo no município de Lagoa Seca, PB, que o emprego das tecnologias de sistema de informações geográficas (SIG) é fundamental para o resgate do passado e para elaborar o planejamento futuro da paisagem de cada região.

Em um estudo na região do Planalto do Rio Grande do Sul, Tornquist et al. (2009) avaliaram a evolução do uso agrícola do solo por meio de interpretação de aerofotos datadas de 1956, 1965 e 1975 e classificação de imagens de satélite dos anos 1977, 1988 e 2002, e comprovou a importância do uso desses produtos para estudos que visam à identificação pretérita e atual do uso do solo, evento também comprovado por Lopes et al. (2008) em um trabalho no qual avaliaram a evolução do uso agrícola do solo em uma microbacia localizada na encosta Superior do Nordeste, Rio Grande do Sul; contudo, o acompanhamento de todo o tempo de exploração agrícola de uma região por meio de sensoriamento remoto se mostra tarefa difícil de ser executada pois o período, desde o início de exploração, deve coincidir com o período de existência de imagens e aerofotos para a região de interesse. Assim, como a maioria dos levantamentos aerofotogramétricos é datada a partir da década de 1950 e apenas a partir de 1972 se dá a disponibilidade de imagens de satélite, somente as regiões com início mais tardio da exploração agrícola, isto é, após 1950, possibilitam este completo acompanhamento.

Buscou-se no presente estudo, assim, avaliar, através de dados de sensoriamento remoto, as modificações antrópicas ocorridas desde a introdução da agricultura, em meados da década de 1950, até os dias atuais, em uma área piloto do Município de Vacaria, Estado do Rio Grande do Sul.

MATERIAL E MÉTODOS

Caracterização da área em estudo

A área de estudo compreende 126 km² e está localizada ao norte e envolve parte da zona urbana do Município de Vacaria, RS (Figura 1). Buscou-se a escolha desta área devido à existência de informações de sensoriamento remoto desde 1964, coincidindo aproximadamente com o início da maior conversão de campo nativo em lavouras anuais, e também à existência de imagem recente, datada de novembro de 2005, de alta resolução espacial (1,8 m), a qual foi imprescindível para a identificação precisa e para o reconhecimento in loco das modificações ocorridas até o presente.


Originalmente, a vegetação predominante se compunha de densa mata subtropical nas encostas dos rios e, principalmente, de campos limpos, com a presença do pinheiro Araucária (Araucaria angustifolia) (Barbosa, 1980). O clima da região, segundo o sistema de Köppen, é o Cfb, com chuvas bem distribuídas durante todo o ano, possuindo médias de temperatura do mês mais quente inferiores a 22ºC e a do mês mais frio superior a 3ºC. O relevo se apresenta suavemente ondulado, com altitudes entre 800 e 1000 metros. Na região há predomínio de Latossolo Bruno (EMBRAPA, 2006) com mineralogia dominada por caulinita, óxidos de ferro e alumínio, com alto teor de matéria orgânica.

A região de Vacaria é conhecida, tradicionalmente, pela pecuária extensiva sob campo nativo, paisagem esta que começou a mudar em meados da década de 50, com a introdução de grandes lavouras, devido ao advento da fertilização mineral e à mecanização agrícola (Barbosa, 1980).

Conforme estudos (Barbosa, 1980; Debarba, 2002) e registros populares sobre histórico da agricultura da região, nos primeiros 20 anos (1950 a 1970) a agricultura se baseou no sistema de preparo convencional do solo, com uso de arado e grade, cultivo de trigo no inverno e pousio no verão, havendo a introdução da soja em sucessão com o trigo em torno de 1970. Em meados da década de 80 teve início o sistema reduzido de preparo do solo, com o escarificador substituindo o arado, o qual permaneceu até os anos 90, quando da introdução do sistema de semeadura direta com adoção de rotação de culturas, como trigo/soja, aveia/soja e aveia/milho, que permanece até os dias atuais. Mais recentemente, muitas áreas foram convertidas diretamente de campo nativo para agricultura sob sistema de semeadura direta. Os pomares de maçã, que atualmente ocupam área expressiva na região, foram introduzidos no final da década de 70 na região do clima ameno, da elevada altitude e do relevo pouco acidentado, características favoráveis à implantação e produção dessas frutíferas temperadas.

Procedimentos

Dados de sensoriamento remoto

Segundo as informações obtidas a partir dos anuários agrícolas do IBGE, agricultores antigos, instituições de pesquisa e extensão rural e de agrônomos atuantes na região, há vários anos nas áreas sob vegetação original de campo nativo, a agricultura teve início em meados da década de 1950, fato que favoreceu a seguinte abordagem para a identificação espacializada das mudanças de uso agrícola dos solos:

a) período de 1950 até 1963 - considerou-se que em 1950 o solo se encontrava sob a condição original, isto é, com campo nativo e mata subtropical e ciliar nas encostas dos rios;

b) período de 1964 até 1975 - neste período se identificou o uso agrícola do solo por meio de fotointerpretação do registro mais antigo disponível, uma aerofoto pancromática datada de 1964;

c) período de 1976 até 1986 - neste período, a identificação das mudanças de uso agrícola do solo foi realizada a partir da classificação supervisionada pelo método da máxima verossimilhança de imagens do satélite LANDSAT (sensor MSS - 80 m de resolução espacial);

d) período de 1987 até 2004 - a classificação do uso dos solos nesta época foi feita com auxílio de imagens LANDSAT (sensor TM - 30 m de resolução espacial);

e) período atual - a identificação do uso agrícola do solo foi feita por meio da vetorização de imagens de alta resolução do ano de 2005 (sensor Eros A - 1,8 m).

Todo o período de evolução do uso do solo foi guiado pelas duas imagens de alta resolução utilizadas, sendo o início do período de estudo pelas aerofotos datado de 1964 e o final do período pela imagem Eros A, datado de 2005 proporcionando, no período intermediário a essas imagens (quanto foram utilizados sensores de menor resolução espacial) maior exatidão e confiabilidade nas classificações realizadas.

Para o acompanhamento completo do uso agrícola do solo utilizou-se, necessariamente, entre as décadas de 1970 e 1980, o único sensor orbital disponível - LANDSAT MSS, de baixa resolução espacial, cujo uso nesta região, caracterizada pelas grandes lavouras, não comprometeu, no entanto, o resultado do trabalho haja vista que se trata de regiões extensas que, consequentemente, são passíveis de identificação nessas imagens.

As datas das imagens de satélite das décadas de 1970 a 1990 foram determinadas a partir de imagens disponíveis no Centro Estadual de Pesquisas em Sensoriamento Remoto e Meteorologia - UFRGS.

Estudo da evolução do uso agrícola do solo

Primeiro, as imagens dos diferentes períodos foram georreferenciadas pela imagem Eros A, a qual foi previamente corrigida por georreferenciamento utilizando-se cartas do exército da região, na escala 1:50.000; isto foi feito com o propósito de se ajustar as diferentes distorções características de cada sensor; em seguida, por meio da classificação supervisionada (Reis et al., 2005) associada a técnicas de interpretação das imagens de satélite e aerofotos e vetorização da imagem Eros A, se confeccionaram mapas temáticos de uso do solo para os diferentes períodos; esses mapas, por sua vez, foram divididos em classes, com a intenção de se separar as áreas agrícolas dos demais usos, como campo nativo, área urbana, corpos d'água, vegetação natural remanescente de mata, pomares e outros.

Fez-se a verificação das informações obtidas pelas técnicas de sensoriamento remoto por meio de trabalho de campo realizado na área e no qual se identificaram pontos em diferentes glebas de fazendas visitadas. Esta verificação de campo teve como base a imagem de alta resolução de 2005, usando-se também informações de moradores antigos das fazendas visitadas, sobremaneira quanto ao ano de conversão de campo em agricultura. Com base nessas informações se coletaram oito amostras de solo em campo nativo e em áreas com diferentes períodos de agricultura, que serão utilizadas para a modelagem dos estoques da matéria orgânica na área, em trabalhos futuros.

O mapa final de evolução do uso do solo foi gerado a partir de operação de união de planos vetoriais correspondentes aos mapas dos diferentes períodos, relativos aos anos entre 1964 e 2005, no ArcGIS 9.0 (ESRI, 2003).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Segundo informações de agricultores, dos agrônomos atuantes na região e dos anuários agrícolas do IBGE, em meados de 1950 os solos da região eram praticamente cobertos por campo nativo tendo, como principal atividade, a pecuária extensiva (Figura 2A). Verifica-se que no ano de 1964, 9,5% da área já estavam ocupados com agricultura (Figura 2B); em 1976: 17% da área (Figura 2C); em 1987: 23,4% (Figura 2D); em 1996: 34,5% (Figura 2E) chegando, em 2005, a aproximadamente 40% da área explorados com agricultura (Figura 2F).


A taxa de expansão das áreas agrícolas no período estudado foi crescente, isto é, de 0,68 km2 ano-1 entre 1950 e 1964, de 0,74 km2 ano-1 entre 1976 e 1987 e 1,6 km2 ano-1 entre 1987 e 1996. A maior taxa de expansão no período que envolve as décadas de 80 e 90, segundo Overbeck et al. (2007), foi devida sobretudo à baixa rentabilidade da atividade pecuária tradicional, comparada com as outras oportunidades oferecidas, como a agricultura empresarial, o que impulsionou a exploração do solo com esses usos mais rentáveis; somado a isto, Vacaria se situa em uma região de clima e solo propícios para o cultivo de culturas anuais.

As estimativas de expansão das áreas agrícolas obtidas foram similares às apresentadas no estudo de Debarba (2002) e nos anuários agrícolas do IBGE.

O crescimento da zona urbana foi um fenômeno que se destacou na evolução do uso do solo, cuja área é duplicada em 40 anos - 1964 a 2005 (Figura 2 e Tabela 1). Este crescimento foi alavancado pela geração de empregos proporcionada pelo cultivo de fruteiras de clima temperado, principalmente a maçã, instalando um novo ciclo econômico na região em substituição ao ciclo extrativista da araucária e da pecuária extensiva gerando, para a mesma área, empregos na proporção de oitenta para um, comparando-se com a pecuária extensiva (Barbosa, 1980).

Na Tabela 1 é possível verificar o grande aumento nas áreas cultivadas com agricultura nos anos 1970 que, praticamente, duplicou em 12 anos (1964 a 1976) devido, sobretudo, à introdução da soja na região, época com que também se iniciou o cultivo de pomares de maçã constatando-se, em 40 anos, um aumento de 2,5 vezes das áreas com esta cultura (Tabela 1).

As áreas de vegetação natural remanescente de mata continuam praticamente as mesmas nesses 40 anos de avaliação (Tabela 1), em virtude de estarem localizadas nas regiões mais acidentadas e junto às drenagens, caracterizando-se em matas ciliares, o que dificulta sua retirada; além disto, existe a legislação ambiental que as protege contra o desmatamento.

Com o aumento das demais classes, em particular lavoura e urbana, ocorreu, em conseqüência, um decréscimo do campo nativo ao longo do tempo (Tabela 1), o qual se foi reduzindo em taxas médias de 1,4 km2 ano-1, exceto entre 1996 e 2005, quando se encontrou a menor taxa, de 0,7 km2 ano-1, visto que as melhores áreas neste período já estavam sob outro uso que não a vegetação nativa.

A classificação das imagens de satélite disponíveis e a fotointerpretação possibilitaram a construção de um modelo espacializado de evolução do uso do solo na região de estudo (Figura 3). Na Figura 3 estão representados as áreas de observação e os pontos de amostragem utilizados como apoio de campo para verificação da classificação das imagens e da fotointerpretação. Os pontos foram escolhidos de acordo com o tempo de uso agrícola, proximidade de um campo nativo para servir de testemunha e disponibilidade de informações a respeito do histórico agrícola da área, para futura modelagem espaço-temporal dos estoques de carbono orgânico do solo (COS).


Conforme visitas à região, as poucas áreas remanescentes atuais com campo nativo são bastante diversas, em termos de cobertura e composição florística, em particular em função das diferentes lotações de bovinos utilizadas e manejos aplicados (Heringer & Jacques, 2002).

A análise da evolução do uso do solo na região (Figura 3) evidencia a grande redução da cobertura vegetal original do solo, principalmente pela expansão da agricultura. O aumento das áreas com agricultura em detrimento das áreas com campo nativo verificado neste trabalho é consequência de um somatório de fatores que envolvem fatores ambientais: climáticos e de solo, que favorecem o estabelecimento e alta produção de culturas anuais (milho, trigo, soja, entre outras) e fatores financeiros, representados pela baixa rentabilidade da atividade pecuária extensiva tradicional nas últimas décadas. O clima característico com temperaturas baixas durante a noite contribui para o aumento da taxa fotossintética líquida em função da diminuição da respiração, fato que, somado ao elevado e bem distribuído regime de chuvas, favorece o rendimento das culturas, como o caso do milho (Argenta et al., 2003) e da soja (Fontana et al., 2001). No inverno, com o clima mais frio e seco, há uma incidência menor de doenças fúngicas, de forma especial no trigo (Fernandes & Picinini, 1999); com isto, o potencial de rendimento desta cultura no Estado do Rio Grande do Sul aumenta sempre que se desloca da Região das Missões e Planalto Médio para os Campos de Cima da Serra - região de Vacaria (Cunha et al., 2002) devido a essas características climáticas que proporcionam um risco menor de geada na floração e menor ocorrência de doenças fúngicas, além de, praticamente, não haver excesso de chuva na colheita.

As características climáticas favoráveis à redução de riscos, associadas ao grande potencial produtivo dos solos quando adequadamente corrigidos nas suas características químicas (fertilidade e acidez) tornam a região dos Campos de Cima da Serra atraente aos investimentos em culturas produtoras de grãos, em relação a outras regiões do Estado do Rio Grande do Sul. A maior estabilidade e rentabilidade motiva os agricultores a adotarem alta tecnologia de produção, inclusive a sistematização do terreno com remoção e enterro das pedras superficiais mas nem sempre recomendável, a remoção de capões e matas ciliares, com o objetivo de facilitar as operações agrícolas e aumentar a área cultivável.

Com o aumento da atividade agrícola nesta região o uso intensivo do solo pode acarretar, ao longo do tempo, diminuição na quantidade de matéria orgânica do solo (MOS), conforme vem sendo observado em outras regiões do Estado (Bayer et al., 2006; Lopes et al., 2008; Tornquist et al., 2009). As análises preliminares de estoque de carbono já realizadas para a região de Vacaria reforçam esta hipótese; entretanto, as reduções observadas são menores quando comparadas com as de regiões de clima mais quente, em razão do frio predominante, que diminui a ação dos micro-organismos na decomposição da MOS (Franzluebbers et al., 2001). Somado a isto, os solos desta região são bastante argilosos com predominância de óxidos de ferro e alumínio, os quais possuem alta área superficial específica interagindo, assim, com a MOS, proporcionando maior proteção física e química da matéria orgânica à decomposição (Bayer et al., 2004).

CONCLUSÕES

1. A metodologia adotada neste trabalho é uma ferramenta viável e de fácil acesso pelas instituições de pesquisa e ensino, para análise da evolução mais recente do uso do solo, de forma espaço-temporal.

2. A conversão de campo nativo para os outros usos foi, em média, de 1,4 km2 ano-1 no período de 1960 a 1995 e de 0,7 km2 ano-1 de 1996 a 2005.

3. Na área em estudo, no período de 1950 e 2005, aproximadamente 40% do campo nativo foram convertidos em lavouras anuais e 2,3% em pomares. A parte da zona urbana incluída no estudo aumentou 14,0% neste período.

4. As áreas ocupadas por florestas e matas ciliares não foram alteradas significativamente até os dias atuais.

AGRADECIMENTOS

Aos colaboradores do município de Vacaria, em especial à professora Elaine Conte da Faculdade de Agronomia da Universidade de Caxias do Sul - Unidade Vacaria; ao Engenheiro Agrônomo Agenor Mussatto, ao pesquisador Gilmar Nachtigall da Embrapa Uva e Vinho - Unidade Vacaria e ao pesquisador Ricardo Castro da FEPAGRO - Vacaria; ao pesquisador Carlos Alberto Flores, pela preciosa atenção no início deste trabalho; aos produtores Wolni Ferreira, Stalin Lisboa, Cleverson Dian, Rodrigo Barizon e Luiz Augusto Soldatelli, que cederam informações das suas propriedades e tiveram grande contribuição na realização deste trabalho.

LITERATURA CITADA

Protocolo 137.08 - 17/07/2008

Aprovado em 05/07/20109

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  • 1
    Parte do projeto de Tese de Doutorado do primeiro autor (Bolsista Capes). Projeto financiado pelo PRONEX - FAPERGS-CNPq-MCT
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Recebido
      17 Jul 2008
    • Aceito
      05 Jul 2009
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