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Ensino de Comportamentos Pré-Requisito do Empatizar para Crianças Autistas: uma Revisão de Escopo2 2 O presente trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – Brasil (02/2021) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes) – Código de Financiamento 001.

Teaching Pre-Requisite Behaviors of Empathizing for Autistic Children: a Scope Review

RESUMO:

Este estudo objetivou identificar, sistematizar e avaliar quais estratégias têm sido utilizadas na Análise do Comportamento para o ensino de comportamentos pré-requisito do empatizar a crianças diagnosticadas com autismo. Para isso, realizaram-se as seguintes etapas: definição das palavras-chave e das bases de dados; estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão dos artigos; busca e seleção de artigos; e análise de dados que consistiu na análise da qualidade individual e geral dos artigos e na sistematização e análise de dados dos artigos (e.g., ano de publicação, procedimento empregado etc.). Foram selecionados 11 artigos para análise. Em todos os artigos, houve o ensino de uma ou mais respostas empáticas, mas apenas dois deles utilizaram a terminologia “empatia” na descrição do objetivo. A falta de consenso na definição do termo dificulta que textos sobre empatia sejam encontrados. Quanto à qualidade dos artigos recuperados, ela foi avaliada como alta. Diante da importância do tema, sugere-se que estudos futuros realizem buscas mais abrangentes sobre o ensino do empatizar para crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

PALAVRAS-CHAVE:
Empatia; Autismo; Transtorno do Espectro Autista; Revisão de escopo; Habilidades sociais

ABSTRACT:

This study aimed to identify, systematize and evaluate which strategies have been used in Behavior Analysis to teach pre-requisite behaviors for empathizing in children with autism. For this, the following steps were performed: definition of keywords and databases; establishment of inclusion and exclusion criteria for the articles; search and selection of articles; and data analysis, which consisted of analyzing the individual and general quality of the articles and systematizing and analyzing the data of the articles (e.g., year of publication, procedure used, etc.). Eleven articles were selected for analysis. All articles taught one or more empathetic responses, but only two of them used the terminology “empathy” in the objective description. The lack of consensus on the definition of the term makes it difficult to find texts on empathy. As for the quality of the retrieved articles, it was evaluated as high. Given the importance of the topic, it is suggested that future studies develop more embracing searches on teaching empathy for children with Autism Spectrum Disorder (ASD).

KEYWORDS:
Empathy; Autism; Autistic Spectrum Disorder; Scope review; Social skills

1 Introdução

O diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA) é feito com base nos seguintes critérios: (1) presença de déficits persistentes na comunicação e na interação social em múltiplos contextos; (2) presença de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e/ou atividades; e (3) prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas da vida do indivíduo (American Psychiatric Association [APA], 2013American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (5a ed.). APA.). Devido aos déficits em interação social, pesquisadores e profissionais têm buscado ensinar a autistas comportamentos sociais, dentre eles, o comportamento de empatizar. O ensino desse comportamento é importante porque pode contribuir para um melhor desempenho acadêmico e desenvolvimento de outros comportamentos sociais (Del Prette & Del Prette, 2005;Del Prette, Z. A. P. , & Del Prette, A. (2005). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Vozes. Gresham, 2016;Gresham, F. M. (2016). Social skills assessment and intervention for children and youth. Cambridge Journal of Education, 46(3), 319-332. https://doi.org/10.1080/0305764X.2016.1195788
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Gresham & Elliott, 2008;Gresham, F. M., & Elliott, S. (2008). Social skills improvement system: Rating scales manual. Pearson Assessments. Walker et al., 1992Walker, H. M., Irvin, L., Noell, J., & Singer, G. (1992). A construct score approach to the assessment of social competence: Rational, technological considerations, and anticipated outcomes. Behavior Modification, 16(4), 448-474. https://doi.org/10.1177/01454455920164002
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). Diante da relevância do ensino desse comportamento, torna-se importante investigar o que tem sido publicado sobre o empatizar e que estratégias têm sido utilizadas por analistas do comportamento para o seu ensino.

A empatia é uma das principais classes de comportamentos sociais na infância (Del Prette & Del Prette, 2005Del Prette, Z. A. P. , & Del Prette, A. (2005). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Vozes.), por funcionar como cunha comportamental6 6 Cunha comportamental diz respeito à mudança de comportamento que tem consequências para o organismo além da própria mudança, algumas das quais podem ser consideradas importantes (Rosales-Ruiz & Baer, 1997, p. 534). para outros comportamentos pró-sociais, como fazer amizades e resolver problemas interpessoais. A empatia é caracterizada por comportamentos voltados ao outro, tais como: “observar, prestar atenção, ouvir e demonstrar interesse pelo outro, reconhecer/inferir sentimentos do interlocutor, compreender a situação (assumir perspectiva), demonstrar respeito às diferenças, expressar compreensão pelo sentimento ou experiência do outro, oferecer ajuda, e compartilhar” (p. 47). Os autores indicam respostas do indivíduo que podem ser emitidas com a função de empatizar com o outro em determinados contextos. Contudo, são destacadas topografias que também podem ser emitidas com outras funções a depender do contexto, por exemplo: “observar” e “prestar atenção” são respostas mencionadas pelos autores tanto como componentes da empatia quanto de habilidades sociais acadêmicas.

Eiterer et al. (2023)Eiterer, P. , Kienen, N., & Souza, S. R. (2023). Sistematização de comportamentos intermediários do empatizar: revisão e proposta de uma sequência para o ensino. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 25(1), 1-15. https://doi.org/10.31505/rbtcc.v25i1.1715
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e Vettorazzi et al. (2005)Vettorazzi, A., Frare, E., Souza, F. C., Queiroz, F. P. , De Luca, G. G., Moskorz, L., & Kubo, O. M. (2005). Avaliação de um programa para ensinar comportamento empático para crianças em contexto clínico. Interação em Psicologia, 2(9), 355-369. https://doi.org/10.5380/psi.v9i2.4780
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compreendem que o empatizar é um comportamento abrangente que pode ser decomposto em comportamentos menos abrangentes. Eiterer et al. (2023)Eiterer, P. , Kienen, N., & Souza, S. R. (2023). Sistematização de comportamentos intermediários do empatizar: revisão e proposta de uma sequência para o ensino. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 25(1), 1-15. https://doi.org/10.31505/rbtcc.v25i1.1715
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e Vettorazzi et al. (2005)Vettorazzi, A., Frare, E., Souza, F. C., Queiroz, F. P. , De Luca, G. G., Moskorz, L., & Kubo, O. M. (2005). Avaliação de um programa para ensinar comportamento empático para crianças em contexto clínico. Interação em Psicologia, 2(9), 355-369. https://doi.org/10.5380/psi.v9i2.4780
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identificaram 25 e 46 comportamentos pré-requisito do empatizar, respectivamente. Os comportamentos identificados em ambos os estudos dependem da interação com o outro para serem emitidos, selecionados e mantidos, isso porque o empatizar é uma classe de comportamentos sociais mantida por consequências sociais (i.e., consequências mediadas pelo outro) e, portanto, obtidas a partir da interação social (Skinner, 1981Skinner, B. F. (1981). Ciência e comportamento humano. Martins Fontes.).

Tanto no sentido filogenético quanto no ontogenético, o empatizar pode aumentar a probabilidade de ocorrência de outras interações sociais e, consequentemente, do acesso a reforçadores sociais condicionados (Argott et al., 2017Argott, P. J., Townsend, D. B., & Poulson, C. L. (2017). Acquisition and generalization of complex empathetic responses among children with Autism. Behavior Analysis in Practice, 10(2), 107-117. https://doi.org/10.1007/s40617-016-0171-7
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). Os comportamentos pró-sociais podem funcionar como facilitadores para o desenvolvimento de repertório acadêmico, pois observa-se melhor desempenho escolar entre crianças com maior repertório de interação social (Gresham, 2016Gresham, F. M. (2016). Social skills assessment and intervention for children and youth. Cambridge Journal of Education, 46(3), 319-332. https://doi.org/10.1080/0305764X.2016.1195788
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). Além disso, a empatia é um fator importante para interações sociais saudáveis e para compreensão emocional. Sua falta está associada a fatores de risco para comportamentos como agressão, depressão, ansiedade e bullying (Belman & Flanagan, 2009;Belman, J., & Flanagan, M. (2009). Designing games to foster empathy. Cognitive Technology 14(2), 5-15. Mandelli et al., 2022;Mandelli, R. R., Tonetto, L. M., Lorenz, B. A., Meyer, G. E. C., & Marin, A. (2022). Game design guidelines to foster empathic behaviours in school-age children. The Design Journal, 25(4), 577-595. https://doi.org/10.1080/14606925.2022.2083364
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Papoutsi & Drigas, 2016;Papoutsi, C., & Drigas, A. (2016). Games for empathy for social impact. International Journal of Engineering Pedagogy, 6(4), 36-40. https://doi.org/10.3991/ijep.v6i4.6064
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Pavarino et al., 2005;Pavarino, M. G., Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (2005). O desenvolvimento da empatia como prevenção da agressividade na infância. Psico, 36(2), 127-134. https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=5161415
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Wu et al., 2020Wu, L., Kim, M., & Markauskaite, L. (2020). Developing young children’s empathic perception through digitally mediated interpersonal experience: Principles for a hybrid design of empathy games. British Journal of Educational Technology, 51(4), 1168-1187. https://doi.org/10.1111/bjet.12918
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). Os comportamentos relacionados ao empatizar funcionam como cunha comportamental, ampliando as possibilidades de interação do indivíduo com o ambiente o que torna o ensino desse comportamento importante para indivíduos que não o apresentam, como é o caso de crianças com diagnóstico de TEA. Crianças com TEA apresentam déficits na reciprocidade socioemocional e nos comportamentos comunicativos não-verbais usados para interação social (APA, 2013) e podem se beneficiar de intervenções que tenham como objetivo desenvolver comportamentos pré-requisito do empatizar.

Dados de pesquisas indicam que intervenções embasadas pela Análise do Comportamento (e.g., ensino por tentativa discreta, intervenção comportamental intensiva precoce, treinamento de resposta pivotal) possuem resultados satisfatórios para o ensino de comportamentos a indivíduos diagnosticados com autismo (Medavarapu et al., 2019Medavarapu, S., Marella, L. L., Sangem, A., & Kairam, R. (2019). Where is the evidence? A narrative literature review of the treatment modalities for Autism Spectrum Disorders. Cureus, 11(1), 1-17. https://doi.org/10.7759/cureus.3901
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). Tais contribuições se estendem ao campo das habilidades sociais, de modo que foram desenvolvidos protocolos de avaliação e intervenção com essa finalidade (Sella & Ribeiro, 2018Sella, C., & Ribeiro, D. M. (2018). Análise do comportamento aplicada ao transtorno do espectro autista. Appris.). Dentre esses protocolos, destacam-se o Inventário Portage Operacionalizado (IPO) (Williams & Aiello, 2001Williams, L. C. A., & Aiello, A. L. R. (2001). O Inventário Portage Operacionalizado: Intervenção com famílias. Memnon.) e o Verbal Behavior Milestones Assessment and Placement Program (VB-MAPP) (Sundberg, 2008Sundberg, M. L. (2008). Verbal behavior milestones assessment and placement program: The VB-MAPP. AVB Press.), que possibilitam o levantamento de dados de caracterização de comportamentos e o planejamento de ensino de acordo com as necessidades do indivíduo. Apesar de o empatizar ser um tema de interesse de outras áreas da Psicologia e de o desenvolvimento desse repertório ser relevante para indivíduos com autismo, estudos sobre o ensino de comportamentos pré-requisito do empatizar por meio de intervenções analítico-comportamentais ainda são escassos (Kisamore et al., 2018Kisamore A. N., Schnell L. K., Goodwyn L. A., Carrow J. N., Taylor-Santa C., & Vladescu J. C. (2018). Behavior analytic perspectives on teaching complex social behavior to children with Autism Spectrum Disorder. In C. McNeil, L. Quetsch, C. Anderson (Eds.), Handbook of Parent-Child Interaction Therapy for Children on the Autism Spectrum (1a. ed., pp. 129-146). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-030-03213-5_8
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).

Em razão do aumento no número de publicações sobre intervenções analítico-comportamentais para pessoas com diagnóstico de autismo e da importância do empatizar para o desenvolvimento de outros repertórios (e.g., acadêmico), há a necessidade de identificar e organizar artigos publicados em revistas denominadas analítico-comportamentais a respeito desse tema, bem como sistematizar os resultados encontrados; para isso, revisões de escopo podem ser realizadas. Revisões de escopo permitem a identificação e a sistematização da literatura, possibilitando um mapeamento da literatura de uma determinada área bem como o exame das pesquisas que estão sendo realizadas (Costa et al., 2022Costa, Â. B., Fontanari, A. M., & Zoltowski, A. P. C. (2022). Como escrever um artigo de revisão sistemática: um guia atualizado. In M. I. C. Sampaio, A. A. Z. P. Sabadini, & S. H. Koller (Orgs.), Produção científica: um guia prático (1ª ed., pp. 130-165). https://doi.org/10.11606/9786587596280.
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). Uma das primeiras etapas no desenvolvimento de uma revisão de literatura, seja ela de escopo, sistemática ou integrativa, é a formulação de uma questão de pesquisa que guiará as atividades do pesquisador. Neste artigo, questionou-se: o que tem sido publicado por analistas do comportamento sobre estratégias de ensino de comportamentos pré-requisito do empatizar para crianças autistas? Com o intuito de responder a essa pergunta, o presente estudo teve como objetivo identificar, sistematizar e avaliar quais estratégias têm sido utilizadas na Análise do Comportamento para o ensino de comportamentos pré-requisito do empatizar em crianças diagnosticadas com autismo.

2 Método

Para orientar a estruturação e a análise dos dados encontrados, foram utilizados: (a) o Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analysis Protocols (PRISMA) (Moher et al., 2009Moher, D., Liberati, A., Tetzlaff, J., & Altman, D. G. (2009). Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses: The PRISMA Statement. PLoS Medicine, 6(7), 1-8. https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1000097
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), que consiste em uma lista de itens para relatar e realizar revisões de literatura; (b) o software EndNote, utilizado para o gerenciamento dos textos selecionados; e (3) o software State of the Art by Systematic Review (StArt) (Hernandes et al., 2012Hernandes, E., Zamboni, A., Fabbri, S., & Thommazo, A. (2012). Using GQM and TAM to evaluate StArt - a tool that supports Systematic Review. CLEI Electronic Journal, 15(1), 1-13. http://www.scielo.edu.uy/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0717-50002012000100003&lng=es&tlng=en
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), que auxilia no delineamento e na execução de revisões de literatura. O StArt disponibiliza, por meio de uma árvore hierárquica, funcionalidades que apoiam a execução de cada fase da pesquisa. O uso dessas ferramentas direcionou o estabelecimento das seguintes etapas: (a) definição das palavras-chave; (b) definição das bases de dados; (c) critérios de inclusão e exclusão; (d) busca nas bases de dados; (e) seleção de artigos; (f) análise de dados e avaliação por pares.

2.1 Definição das palavras-chave

Para definição das palavras-chave, inseriram-se as palavras “empathy”, “autism” e “behavior analysis” na base de terminologias Thesaurus da Associação Americana de Psicologia (APA). Após a sistematização e a análise da relevância das palavras encontradas, as palavras-chave foram definidas e organizadas em uma string de busca, com operadores booleanos AND e OR. A string de busca usada foi: (“Emotion recognition” OR “Prosocial behavior” OR “Facial expressions” OR “Nonverbal communication” OR “Social perception” OR “Body language” OR “Verbal communication” OR Empathy OR “Perspective taking” OR “Empathic Behavior” OR “Helping” OR “Interest in the other” OR “Social skills”) AND (Autis* OR “Asperger’s Syndrome” OR “Pervasive Developmental Disorders”) AND (“Applied Behavior Analysis” OR “Behavioral intervention” OR “Behavior Analysis” OR Behaviorism).

2.2 Definição das bases de dados

Utilizou-se o portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Periódicos CAPES) para definição das bases de dados. Selecionaram-se aquelas que estivessem relacionadas à Psicologia e que possibilitassem acesso por meio da Comunidade Acadêmica Federada (CAFe). As bases selecionadas foram: CAPES, PsycInfo, Springer, Web of Science e Wiley.

2.3 Critérios de inclusão e exclusão

Foram critérios de inclusão: (a) texto em português, inglês ou espanhol; e (b) objetivo de ensino de pelo menos um comportamento pré-requisito do empatizar. Os critérios de exclusão foram: (a) estudos incompletos, parcialmente indisponíveis ou que não possuíam estruturação de artigo; (b) estudos que objetivaram ensinar comportamentos que estivessem indiretamente relacionados com o empatizar; (c) estudos com menos de 50% dos participantes com idade até 11 anos, consoante a definição de criança da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm
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– Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); (d) estudos sem participantes diagnosticados com autismo; e (e) estudos de outras abordagens que não a analítico-comportamental.

2.4 Busca nas bases de dados

Pelo acesso CAFe, realizou-se a busca com a mesma string em todas as bases selecionadas. Nas bases CAPES, PsycInfo, Springer e Web of Science, inseriu-se a string completa no campo geral. Na Wiley, devido ao extenso número de artigos retornados (2.557), as palavras-chave referentes à “Empatia” e a “Autismo” foram inseridas no índice “Abstract” e as referentes à “Análise do Comportamento” foram inseridas no índice “Anywhere”. Também se utilizaram os seguintes filtros: (a) “Artigos publicados entre 2016-2021” para todas as bases; (b) “Journal” para as bases CAPES, PsycInfo, Web of Science e Wiley, e o correspondente “Article” para a base Springer; e (c) “Psychology” para as bases CAPES, PsycInfo, Springer e Wiley. As demais bases não possuíam o filtro “Psychology” e, por isso, ele não foi utilizado.

Na base de dados CAPES, utilizou-se o recurso de tópicos devido da quantidade de artigos recuperados (11.196). Como critério para inclusão ou exclusão dos tópicos listados, considerou-se a presença das seguintes palavras no nome do tópico: autismo, Psicologia, criança(s), transtorno do desenvolvimento e intervenção.

2.5 Seleção de artigos

Inicialmente, os artigos da Springer foram salvos na planilha disponibilizada pela base e os artigos das demais bases foram armazenados no EndNote. Após a tabulação dos artigos recuperados, exportaram-se os dados para o software StArt e excluíram-se os artigos duplicados. Avaliaram-se os títulos e os resumos de cada artigo conforme os critérios de inclusão e exclusão previamente estabelecidos. Por fim, os artigos que atendiam a todos os critérios de inclusão foram lidos na íntegra e seus dados analisados.

2.6 Análise de dados

Realizou-se a análise de dados em três etapas: (a) sistematização dos dados; (b) análise da qualidade individual dos artigos selecionados; e (c) análise da qualidade geral dos artigos selecionados.

Sistematização de Dados: Os dados extraídos, sintetizados e analisados em cada artigo foram: (a) título; (b) ano; (c) autores; (d) revista; (e) DOI/Link; (f) palavras-chave; (g) objetivo; (h) variável dependente; (i) variável independente; (j) número de participantes; (k) faixa etária dos participantes; (l) delineamento empregado; (m) comportamentos ensinados; (n) nome dado à classe de comportamentos ensinados; (o) consequência utilizada na linha de base; (p) critério de domínio adotado; (q) presença de avaliação da generalização; (r) presença de follow up; (s) presença de avaliação de validade social; (t) resultados; e (u) indicações para estudos futuros.

Análise da Qualidade Individual: Utilizou-se o guia Avaliando a Força da Evidência no Setor de Educação (BE2, 2015)7 7 O guia “Assessing the Strength of Evidence in the Education Sector”, desenvolvido pelo grupo Building Evidence in Education ([BE2], 2015), não possui tradução para o português. Por isso, as autoras deste trabalho fizeram traduções livres para utilização da ferramenta. para análise individual da qualidade de cada artigo selecionado para a revisão de escopo. De acordo com o BE2, foram avaliados os seguintes princípios: (a) enquadramento conceitual; (b) abertura e transparência; (c) robustez da metodologia; (d) adequação cultural; (f) validade; (g) confiabilidade; e (h) convincência. O tópico de definição da hipótese não foi avaliado porque analistas do comportamento geralmente não formalizam a hipótese em seus estudos. Avaliou-se cada princípio de acordo com os critérios: alto (2 pontos); médio (1 ponto); e baixo (0 ponto).

Análise da Qualidade Geral: O objetivo desta etapa foi identificar a qualidade geral dos artigos selecionados para a amostra. Foram analisados os seguintes princípios: (a) avaliação da qualidade individual de cada estudo; (b) tamanho da amostra; (c) contexto das pesquisas; e (d) consistência dos resultados encontrados (BE2, 2015).

2.7 Avaliação por pares

Todas as etapas do estudo foram conduzidas, de modo independente, por duas pesquisadoras igualmente qualificadas. A concordância de cada etapa foi calculada da seguinte forma: número de acordos/total x 100.

As duas autoras fizeram a busca nas bases de dados de forma simultânea, mas de modo independente, e a comparação dos dados resultou em uma concordância de 98%. Na etapa de sistematização de dados e análise dos artigos, obteve-se uma concordância de 92%. Na análise da qualidade individual dos artigos, a concordância inicial da avaliação foi de 84% e, após uma segunda avaliação, alcançou-se a concordância de 100%. Na análise da qualidade geral, a concordância entre as avaliações foi de 100%.

3 Resultados

Encontraram-se 352 artigos nos bancos de dados selecionados. Destes, eliminaram-se 20 duplicados e 332 foram analisados. A partir da leitura de títulos e resumos, foram selecionados 15 artigos para leitura integral. Após leitura do texto completo, excluíram-se quatro artigos (ver Tabela 1).

Tabela 1
Artigos excluídos após leitura integral

A Figura 1 apresenta o fluxograma dos resultados encontrados.

Figura 1
Fluxograma da seleção dos resultados obtidos na busca bibliográfica

3.2 Sistematização de dados

As publicações recuperadas datam de 2016 a 2021, havendo mais de uma publicação a cada ano, exceto em 2020. Cinco publicações foram feitas em revistas sobre autismo e desenvolvimento (Artigos 1, 4, 6, 7 e 11); quatro em revistas de Análise do Comportamento (Artigos 2, 3, 5 e 8) e duas publicações em revistas de outras áreas (Artigos 9 e 10). Os artigos selecionados e suas respectivas referências encontram-se na Tabela 2.

Tabela 2
Identificação e referências dos artigos selecionados

Participaram dos estudos um total de 203 crianças, sendo 173 delas diagnosticadas com TEA. O único estudo que relatou terem participado crianças sem diagnóstico foi o Artigo 9: de 40 participantes, 30 não eram diagnosticadas. A idade dos participantes nos estudos variou entre 3 e 15 anos. Os dados sistematizados são apresentados na Tabela 3.

Tabela 3
Sistematização de dados dos artigos selecionados

Em relação ao uso das terminologias “empatia” e “resposta empática”, nota-se que apenas dois artigos as utilizaram na descrição do objetivo (Artigos 1 e 6). Apesar disso, considerou-se que todos os artigos ensinaram uma ou mais respostas empáticas: reconhecer emoções (Artigos 6, 9 e 11); interagir socialmente (Artigos 4, 7 e 9); responder apropriadamente ao mando disfarçado (Artigo 2); identificar e responder apropriadamente às preferências do outro durante a brincadeira (Artigo 3); tomar a perspectiva do outro (Artigo 8); fazer contato visual (Artigo 9).

Dos artigos analisados, dez empregaram delineamentos experimentais e um delineamento quase-experimental do tipo AB (Artigo 10). Dentre os experimentais, quatro utilizaram delineamento de grupo (Artigos 6, 7, 9 e 11) e seis usaram linha de base múltipla entre participantes e/ou comportamentos (Artigos 1, 2, 3, 4, 5 e 8). Três artigos (Artigos 1, 2 e 5) utilizaram consequências na linha de base.

As variáveis independentes utilizadas para ensino das habilidades consistiram em pacotes de treinamento ou programas de ensino e recursos tecnológicos. Dos 11 artigos selecionados, sete (Artigos 1, 2, 3, 4, 5, 8 e 11) usaram programas de ensino em que empregaram os seguintes procedimentos: dicas, regras, feedback e/ou reforço positivo, treino de múltiplos exemplares, desempenho de papéis e modelagem. Quatro estudos (Artigos 6, 7, 9 e 10) utilizaram recursos tecnológicos (robôs, jogos virtuais, óculos de realidade virtual e vídeos) atrelados aos procedimentos comportamentais.

Em relação à generalização, três estudos fizeram avaliação com diferentes estímulos (Artigos 1, 5, e 8), seis com diferentes pessoas (Artigos 1, 2, 3, 4, 5 e 8) e um em diferentes contextos (Artigo 5). Sete estudos (Artigos 1, 4, 5, 6, 7, 9 e 11) verificaram a manutenção dos comportamentos por meio de uma fase de follow up, e três (Artigos 1, 6 e 10) avaliaram a validade social do trabalho desenvolvido. A validação social ocorreu ou por meio da análise de vídeos (Artigo 1) ou de questionários aplicados durante a intervenção (Artigos 6 e 10). A validação social foi realizada por avaliadores externos (Artigos 1 e 6) e pais e/ou cuidadores do participante (Artigo 10).

Cinco estudos (Artigos 1, 2, 3, 4 e 8) delimitaram um critério de domínio para o comportamento ensinado. Dos artigos que não determinaram um critério de domínio (Artigos 5, 6, 7, 9, 10 e 11), destacam-se principalmente aqueles com delineamento de grupo (Artigos 6, 7, 9 e 11). Dentre os estudos que tiveram critérios de domínio, três deles (Artigos 2, 3 e 8) consideraram que a criança havia aprendido quando ela respondeu corretamente em 80% das tentativas; um estudo (Artigo 1) considerou o acerto em 89% das tentativas; e um (Artigo 4) em 100% das tentativas. A Tabela 4 apresenta as estratégias de ensino utilizadas pelos estudos e seus resultados.

Tabela 4
Estratégias de ensino e resultados dos artigos selecionados

Sete artigos (Artigos 1, 2, 3, 4, 5, 8 e 11) ensinaram os comportamentos-alvo pretendidos – mais de 80% das tentativas corretas após a intervenção ou, no caso dos estudos com delineamento de grupo, aumento significativo entre 80% e 100% entre a condição pré-intervenção e pós-intervenção. Dois estudos (Artigos 6 e 7) atingiram parcialmente os objetivos de ensino, e outros dois (Artigos 9 e 10) não atingiram os objetivos de ensino (taxa de acerto no pós-teste abaixo de 50% ou ausência de diferença significativa entre o desempenho pré e pós-intervenção).

Em relação a estudos futuros, os artigos sugerem, de forma geral, que sejam investigados os seguintes aspectos relativos ao ensino de comportamentos sociais: replicar e/ou ampliar os estudos (Artigos 4, 5, 6, 8, 10 e 11), avaliar a validade social (Artigos 1, 2, 3, 4, 5 e 8), avaliar a generalização (Artigos 2, 3, 4, 6 e 8), avaliar a manutenção do comportamento no tempo (Artigos 10 e 11) e analisar os comportamentos pré-requisito do comportamento ensinado (Artigos 2 e 8).

3.3 Análise da qualidade individual

A Tabela 5, apresenta a pontuação de cada um dos estudos sobre a pontuação máxima que poderia obter em cada princípio avaliado. Os artigos apresentaram alta qualidade nos princípios de enquadramento conceitual (96,83% da pontuação), principalmente por reconhecerem outras pesquisas realizadas na área e por apresentarem uma estrutura conceitual. A robustez da metodologia foi bem avaliada (93,83% da pontuação) devido à delimitação do delineamento de pesquisa e da adequação do método ao problema de pesquisa. Quanto ao princípio de convincência, os estudos apresentaram as conclusões baseadas no resultado obtido e, por isso, obtiveram 93% da pontuação. Os artigos apresentaram alta qualidade também nos princípios de confiabilidade (81,75% da pontuação) por utilizarem, em sua maioria, instrumentos de análise confiáveis que mediam as variáveis que se propuseram a medir. A validade dos estudos também foi bem avaliada (81,75% da pontuação), já que atenderam aos critérios de validade externa.

Tabela 5
Avaliação da qualidade individual dos estudos analisados

As menores pontuações foram obtidas nos princípios de abertura e transparência (69,25% da pontuação) e adequação cultural (63,5% da pontuação). A abertura e transparência não foram bem avaliadas porque grande parte dos estudos não apresentou dados brutos nos resultados e não explicitou se houve ou não financiamento. O princípio menos pontuado refere-se à falta de apropriação cultural de ferramentas e análises.

3.4 Análise da qualidade geral

Para a avaliação do tamanho da amostra de uma revisão de escopo, deve-se analisar a questão da pesquisa e o tema estudado, uma vez que não existe uma quantidade pré-determinada de estudos considerada suficiente como evidência (BE2, 2015). No presente estudo, o objetivo foi específico o suficiente para tornar restrita a quantidade de artigos recuperados e considera-se que 11 estudos seja um número razoável. A qualidade individual desses artigos é considerada alta, demonstrando adesão aos princípios de rigor, validade e confiabilidade.

No que se refere ao contexto das pesquisas, houve diversidade. Os estudos foram produzidos em cinco países, o que demonstra que o resultado dessa revisão não é restrito a um contexto específico. O conjunto de evidências proporcionado pela revisão é considerado consistente (BE2, 2015). Os objetivos dos estudos eram similares, com propostas de ensino de comportamentos pré-requisitos de empatizar.

4 Discussão

Roane et al. (2016)Roane, H. S., Fisher, W. W., & Carr, J. E. (2016). Applied Behavior Analysis as Treatment for Autism Spectrum Disorder. The Journal of Pediatrics, 175, 27-32. https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2016.04.023
https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2016.04....
e Sella e Ribeiro (2018)Sella, C., & Ribeiro, D. M. (2018). Análise do comportamento aplicada ao transtorno do espectro autista. Appris. afirmam que o número de estudos científicos com o objetivo de avaliar a eficácia das intervenções comportamentais com crianças com autismo aumentou nas duas últimas décadas em função do aumento da prevalência de casos de TEA. Tendo em vista o aumento da produção na área e a importância do ensino de comportamentos sociais para crianças com autismo, considera-se que o número de artigos encontrados é reduzido e indica-se que mais estudos teóricos e empíricos sejam realizados tanto no sentido de ampliar a busca quanto de ensinar esses comportamentos.

Apenas dois dos artigos (Artigos 1 e 5) utilizaram a terminologia “empatia” na descrição do objetivo. A falta de consenso na definição do termo dificulta que textos sobre empatia sejam encontrados. Os estudos que utilizaram o termo “empatia” ensinaram às crianças a reconhecerem e responderem a sentimentos de tristeza e/ou dor, frustração e alegria. Contudo, empatizar é um comportamento abrangente e pode ser decomposto em comportamentos menos abrangentes que transcendem o reconhecimento e a resposta a emoções e sentimentos (Del Prette & Del Prette, 2005;Del Prette, Z. A. P. , & Del Prette, A. (2005). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Vozes. Eiterer et al., 2023;Eiterer, P. , Kienen, N., & Souza, S. R. (2023). Sistematização de comportamentos intermediários do empatizar: revisão e proposta de uma sequência para o ensino. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 25(1), 1-15. https://doi.org/10.31505/rbtcc.v25i1.1715
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Vettorazzi et al., 2005Vettorazzi, A., Frare, E., Souza, F. C., Queiroz, F. P. , De Luca, G. G., Moskorz, L., & Kubo, O. M. (2005). Avaliação de um programa para ensinar comportamento empático para crianças em contexto clínico. Interação em Psicologia, 2(9), 355-369. https://doi.org/10.5380/psi.v9i2.4780
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). Considerando tal definição, todos os artigos ensinaram um ou mais comportamentos pré-requisito do empatizar, mas nenhum ensinou todas as respostas descritas por Del Prette e Del Prette (2005)Del Prette, Z. A. P. , & Del Prette, A. (2005). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Vozes., Eiterer et al. (2023)Eiterer, P. , Kienen, N., & Souza, S. R. (2023). Sistematização de comportamentos intermediários do empatizar: revisão e proposta de uma sequência para o ensino. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 25(1), 1-15. https://doi.org/10.31505/rbtcc.v25i1.1715
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e/ou Vettorazzi et al. (2005)Vettorazzi, A., Frare, E., Souza, F. C., Queiroz, F. P. , De Luca, G. G., Moskorz, L., & Kubo, O. M. (2005). Avaliação de um programa para ensinar comportamento empático para crianças em contexto clínico. Interação em Psicologia, 2(9), 355-369. https://doi.org/10.5380/psi.v9i2.4780
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.

Quanto à faixa etária dos participantes dos estudos, observa-se que todos estavam entre 3 e 15 anos. Del Prette e Del Prette (2005)Del Prette, Z. A. P. , & Del Prette, A. (2005). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Vozes. apontam o contexto como um importante fator de influência sobre o desempenho social do indivíduo. Aos 3 anos de idade, as crianças começam a ampliar os contextos em que são demandados comportamentos sociais (e.g., brincar no parquinho afastada dos pais, frequentar a creche etc.), e alguns déficits comportamentais se tornam mais evidentes a partir dessa idade, justificando a importância de intervenções com essa faixa etária. Além disso, salienta-se a importância do ensino de comportamentos da classe do empatizar na infância, já que essa classe funciona como cunha comportamental para outros comportamentos sociais (Del Prette & Del Prette, 2005;Del Prette, Z. A. P. , & Del Prette, A. (2005). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Vozes. Gresham, 2016Gresham, F. M. (2016). Social skills assessment and intervention for children and youth. Cambridge Journal of Education, 46(3), 319-332. https://doi.org/10.1080/0305764X.2016.1195788
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).

Acerca do delineamento experimental utilizado, destaca-se que seis artigos encontrados priorizaram o uso de delineamentos de linha de base múltipla ou sonda múltipla. O uso desse tipo de delineamento é pertinente uma vez que a Análise do Comportamento se concentra no comportamento do indivíduo medido direta, repetida e individualmente (Johnston et al., 2020Johnston, J. M., Pennypacker, H. S., & Green, G. (2020). Strategies and Tactics of Behavioral Research and Practice. Routledge.). Além disso, no delineamento de linha de base múltipla, uma linha de base funciona como controle para a outra, evidenciando que o ensino decorreu do procedimento empregado e não de alguma variável interveniente (Cooper et al., 2013Cooper, J. O., Heron, T. E., & Heward, W. L. (2013). Applied behavior Analysis: New International Edition. Pearson.). Os demais artigos fizeram uso de delineamentos de grupo (Artigos 6, 7, 9 e 11) e delineamento quase-experimental AB (Artigo 10). No delineamento de grupo, o número de participantes pode ser considerado um benefício importante, principalmente para estatísticas dos dados (Johnston et al., 2020Johnston, J. M., Pennypacker, H. S., & Green, G. (2020). Strategies and Tactics of Behavioral Research and Practice. Routledge.), o que fica evidente no presente estudo, posto que os artigos que utilizaram tal delineamento são os que possuem maior número de participantes. Apesar disso, nenhum dos artigos com delineamento de grupo estabeleceu critério de domínio, o que dificulta a constatação da eficácia da ferramenta testada.

Dentre as variáveis independentes dos estudos recuperados, destaca-se o uso de recursos tecnológicos (como robôs, jogos virtuais e óculos de realidade virtual) para o ensino de habilidades pré-requisito do empatizar (Artigos 6, 7, 9 e 10). Tais recursos possuem características motivadoras e podem influenciar no engajamento dos participantes, principalmente nessa faixa etária (Bruckman, 1999;Bruckman, A. (1999). Can educational be fun? [Apresentação de artigo]. 1ª Game Developers. Conferência. San Francisco, UBM Tech Network. https://faculty.cc.gatech.edu/~asb/papers/conference/bruckman-gdc99.pdf
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Suzuki & Souza, 2022Suzuki, B. M., & Souza, S. R. (2022). Avaliação de um jogo de tabuleiro no ensino de palavras com encontros consonantais. Acta Comportamentalia, 30, 29-50.). No entanto, dos artigos que não ensinaram ou ensinaram parcialmente os comportamentos-alvo pretendidos, todos fizeram uso de tecnologias. O uso de recursos tecnológicos ainda é uma área incipiente, mas que tem se mostrado promissora. Sugere-se que, por meio do design iterativo, estudos futuros aprimorem o desenvolvimento e a avaliação dos recursos já testados.

Para Cooper et al. (2013)Cooper, J. O., Heron, T. E., & Heward, W. L. (2013). Applied behavior Analysis: New International Edition. Pearson., generalização e manutenção dos comportamentos aprendidos são processos intrinsecamente relacionados, de modo que os comportamentos a serem ensinados devem ser definidos levando em consideração a probabilidade futura de obtenção de reforço no ambiente natural. Nesse sentido, procedimentos que avaliem aspectos como generalização, validade social e follow up garantem não só a legitimidade dos dados, mas também a efetividade do ensino. Em casos de ensino de comportamentos sociais, teste de generalização, validade social e follow up são essenciais, já que comportamentos sociais são modelados e mantidos pela comunidade verbal (Skinner, 1981Skinner, B. F. (1981). Ciência e comportamento humano. Martins Fontes.). Seis estudos (Artigos 1, 2, 3, 4, 5 e 8) avaliaram generalização, sete (Artigos 1, 4, 5, 6, 7, 9 e, 11) verificaram a manutenção dos comportamentos por meio de uma fase de follow up e apenas três (Artigos 1, 6, 10) avaliaram a validade social do trabalho desenvolvido. A ausência de generalização, follow up e validade social em grande parte dos estudos e a ausência de um termo ou unidade de medida padronizada para avaliar o ensino do empatizar impactam na confiabilidade dos resultados. É preciso avaliar se o comportamento ensinado se mantém no tempo, bem como em outros ambientes, para afirmar que o ensino desse comportamento foi efetivo (Cooper et al., 2013Cooper, J. O., Heron, T. E., & Heward, W. L. (2013). Applied behavior Analysis: New International Edition. Pearson.). Sugere-se que estudos futuros avaliem tais aspectos.

5 Conclusões

O presente estudo teve como objetivo identificar, sistematizar e avaliar, por meio de uma revisão de escopo, quais estratégias têm sido utilizadas na Análise do Comportamento para o ensino de comportamentos pré-requisito do empatizar em crianças diagnosticadas com autismo. Esta revisão possibilitou identificar o estado da arte acerca do emprego de diferentes estratégias para esse ensino. Pesquisas futuras podem revisar os estudos publicados em outras bases de dados e/ou incluir na revisão comportamentos-objetivo mais abrangentes ou distantes do empatizar (e.g., artigo excluído após leitura integral por ter como objetivo ensinar um pré-requisito indireto do empatizar).

De maneira geral, ainda há discordâncias sobre o conceitode empatia, o que é evidenciado pelas diferentes definições e termos utilizados. Pesquisas futuras podem visar à sistematização das definições já existentes, bem como cunhar nova definição que abarque todos os aspectos abordados por definições anteriores. Além de estudos teóricos sobre empatia, destaca-se que pesquisas futuras podem avaliar novos procedimentos para o ensino de comportamentos da classe empatizar não só a crianças com autismo, mas também a crianças com desenvolvimento típico com déficit nesse repertório.

De modo geral, a qualidade dos artigos analisados que visavam ao ensino de comportamentos relacionados ao empatizar para crianças com autismo é alta. No entanto, mesmo que o número de artigos encontrados possa ser considerado razoável, haja vista a especificidade do objetivo deste trabalho e a falta de consenso na definição do empatizar, destaca-se a importância do desenvolvimento de mais estudos que avaliem o ensino do empatizar para crianças com autismo, já que o ensino de comportamentos dessa classe pode favorecer tanto o desempenho de repertório acadêmico quanto de habilidades da vida diária.

  • 2
    O presente trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – Brasil (02/2021) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes) – Código de Financiamento 001.
  • 6
    Cunha comportamental diz respeito à mudança de comportamento que tem consequências para o organismo além da própria mudança, algumas das quais podem ser consideradas importantes (Rosales-Ruiz & Baer, 1997, p. 534Rosales-Ruiz, J., & Baer, D. M. (1997). Behavioral cusps: a developmental and pragmatic concept for behavior analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 30(3), 533-544. https://doi.org/10.1901/jaba.1997.30-533
    https://doi.org/10.1901/jaba.1997.30-533...
    ).
  • 7
    O guia “Assessing the Strength of Evidence in the Education Sector”, desenvolvido pelo grupo Building Evidence in Education ([BE2], 2015)Building Evidence in Education. (2015). Assessing the Strength of Evidence in the Education Sector. https://www.edu-links.org/sites/default/files/media/file/BE2_Guidance_Note_ASE_0.pdf
    https://www.edu-links.org/sites/default/...
    , não possui tradução para o português. Por isso, as autoras deste trabalho fizeram traduções livres para utilização da ferramenta.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    01 Jun 2023
  • Revisado
    11 Out 2023
  • Aceito
    19 Out 2023
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