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As transformações conformes como auxílio às resoluções dos problemas de física

Conformal mapping as an aid for solving problems in physics

Resumos

Quase todos os problemas relevantes na física envolvem equações diferenciais. Dentre esses, uma classe especial e muito importante de problemas envolvem equações diferenciais parciais de segunda ordem. Um bom exemplo é a equação de Laplace que é fundamental em eletrostática, dinâmica de fluidos e termodinâmica, por exemplo. Em geral, a solução da equação de Laplace não é tarefa fácil e muitos são os métodos desenvolvidos para resolvê-la. Separação de variáveis e método das imagens são bons exemplos desses métodos. Nesse trabalho, apresentaremos as transformações conformes como uma ferramenta muito útil na solução da equação de Laplace. Esse método é pouco utilizado por não ser apresentado aos estudantes em um curso regular de exatas, tal omissão é ainda mais acentuada nos cursos de licenciatura. Nosso objetivo é ajudar a sanar essa lacuna apresentando um texto didático, introdutório e de fácil compreensão ao público interessado.

Palavras-chave
transformações conformes; equação de Laplace; problemas de física; variáveis complexas


Most of the relevant physics problems involve differential equations. A special class of problems is those that involve second-order partial differential equations. The Laplace equation, for example, is fundamental in electrostatics, fluid dynamics, and thermodynamics. In many cases, obtaining the solution to the Laplace equation is difficult with the frequently used methods, namely: separation of variables and the method of images. In this work, we will present the conformal transformations as an additional tool that, in certain cases, is much simpler to use. As this tool is often overlooked in regular exact courses, our goal is to help fill this gap by presenting a didactic, introductory, and an easily understood text to the interested public.

Keywords
conformal mapping; Laplace’s equation; physics problems; complex variables


1. Introdução

É comum que os alunos se impressionem com os números complexos quando os estudam pela primeira vez. Isso é muito natural, uma vez que foram previamente ensinados a considerar como inexistentes quaisquer soluções de variáveis ao quadrado que sejam iguais a algum número negativo. Ao estranhamento inicial pode-se somar a incompreensão posterior porque os números complexos fazem parte daqueles conteúdos com forte componente abstrato, cujas situações de aplicação estão além da matemática escolar [11. L.W. Monzon e M.A. Gravina, Boletim de Educação Matemática 46 , 645 (2013).].

Aceitando estoicamente nossa limitação em tornar o assunto mais claro no nível do ensino médio, não o precisamos fazer, contudo, em um nível superior. É no reino da matemática avançada que os números complexos florescem e nos permitem ver sua extensa aplicabilidade.

Essa aplicabilidade encontra-se, sobretudo, no auxílio que a utilização de números complexos podem oferecer para a solução de integrais e equações diferenciais; entidades matemáticas ubíquas na física.

Nesse trabalho, mostraremos como utilizar as transformações conformes, um tipo de transformação complexa, para resolvermos a equação de Laplace com condições de contorno ou problemas de Dirichlet. Essas transformações possuem forte apelo geométrico e aplicam-se a uma gama de problemas de física tais como eletrostática, termodinâmica, fluidos entre outros.

O trabalho está estruturado da seguinte forma, na seção 2 2. Transformações elementares Uma variável complexa z sempre pode ser escrita em uma forma que separa sua parte real de sua parte imaginária da seguinte forma (1) z = x + i ⁢ y , em que x e y são números reais, e i é um número imaginário. Outra forma comum de escrevermos os números complexos é em sua forma polar (2) z = r ⁢ e i ⁢ θ , com r=|z|=x2+y2 e eiθ = cosθ + isenθ. Se w é uma função de z, i.e., w = f(z), então a função w pode ser separada na sua parte real e imaginária da seguinte forma: (3) w = u ⁢ ( x , y ) + i ⁢ v ⁢ ( x , y ) . Denominamos de transformação a correspondência entre os pontos do plano-z e os pontos do plano-w. Os pontos do plano-z são transformados em pontos do plano-w por meio da transformação f. Com intuito didático e devido ao seu caráter de transformações básicas, apresentaremos algumas funções elementares e como ocorrem as transformações por meio das mesmas. É preciso ressaltar que nas soluções dos problemas que serão tratados posteriormente se faz necessário o uso de outras funções mais complexas do que as que serão apresentadas. A forma como essas funções se transformam pode ser obtida através de tabelas, facilmente encontradas na literatura [2, 3, 4]. Outra forma de se obter transformações adequadas a problemas específicos é por meio das transformações de Schwarz-Christoffel, muito útil nas aplicações em dinâmica dos fluidos. Essas transformações, no entanto, fogem ao escopo deste trabalho. O leitor interessado poderá encontrar uma boa discussão sobre essas transformações nas referências [2, 3]. 2.1. A transformação afim Tomemos a transformação (4) w = f ⁢ ( z ) = z + K , onde K = K1 + iK2 é uma constante complexa. Portanto, (5) w = ( u , v ) = ( x + K 1 , y + K 2 ) . Torna-se claro que essa função translada cada ponto z através do vetor K. Como todos os pontos são transladados da mesma forma, as duas imagens possuem a mesma forma, o mesmo tamanho e a mesma orientação. Analisemos também a função (6) w = C ⁢ z , que escrita na forma polar assume a forma (7) ρ ⁢ e i ⁢ ϕ = c ⁢ r ⁢ e i ⁢ ( α + θ ) , onde (8) c = | C | . Dessa forma, (9) ρ → c ⁢ r , e (10) ϕ → α + θ . Portanto, podemos concluir que essa transformação gira o raio vetor do plano-z em torno da origem de um ângulo α = arg(C) e dilata (ou contrai) o raio vetor por um fator c. Como consequência da discussão anterior, podemos dizer que a função (11) w = C ⁢ z + K , translada os raios vetores do plano-z de acordo com K, os rotaciona de acordo com o arg(C) e os expande ou contrai de acordo com o módulo de C. A título de exemplo, tomemos w = Cz + K com C = 3 + 2i, e K = 1 + i, além disso, vamos considerar z = x + i (uma reta horizontal no plano-z). Da discussão anterior, vemos que essa transformação desloca, no plano-w, a reta de uma unidade tanto para a direita quanto para cima. Além disso, rotaciona a reta de um ângulo arg(C) = π/4 no sentido anti-horário (positivo) e expande a reta por um fator de |C|=3⁢2. Essa situação está ilustrada na Figura 1. Figura 1 Segmento de reta no plano-z sendo transformado em outro segmento de reta no plano-w através da transformação w = Cz + K. 2.2. A transformação exponencial A forma como se dá a transformação (12) w = e z , é nosso objeto de interesse nessa subseção. Observe que podemos escrever a equação (12) na seguinte forma (13) w = ρ ⁢ e i ⁢ ϕ = e x + i ⁢ y , em que ρ → ex e ϕ → y. Dessa forma, podemos concluir que a transformação exponencial leva as retas x = c em círculos de raio ρ = ec e as retas y = c em semiretas com coeficiente angular ϕ = c, conforme ilustrado na Figura 2. Figura 2 Retângulo no plano-z sendo transformado em um semi-anel no plano-w através da transformação w = ez. Observe que sob essa transformação, se tomarmos a faixa infinita −∞ < x < ∞ e 0 ≤ y ≤ π no plano-z, ela será transformada em todo o semiplano superior no eixo-w, já que, nesse caso, teremos 0 ≤ ρ < ∞ e 0 ≤ ϕ ≤ π. 2.3. A transformação polinomial A transformação denominada polinomial é da seguinte forma: (14) w = z n . Na forma polar, ela se torna (15) w = ρ ⁢ e i ⁢ ϕ = r n ⁢ e i ⁢ n ⁢ θ . É fácil ver que (16) ρ → r n e (17) ϕ → n ⁢ θ . Dessa maneira, fica claro que essa transformação leva a região angular r > 0, 0≤θ≤πn do plano-z no semi-plano superior do plano-w, conforme ilustrado na Figura 3. Figura 3 Ilustração da transformação de uma região angular do plano-z no semi-plano superior do plano-w através da transformação polinomial w = zn. apresentaremos algumas transformações elementares que serão essenciais para nossos propósitos. Na seção 3 3. Transformações conformes Consideremos uma função complexa f analítica em z0 e tal que f′(z0) ≠ 0. Nosso objetivo agora é mostrar como se processa uma mudança de direção de curvas no ponto z0 através da transformação w = f(z). Consideremos uma curva C no plano-z passando por z0 e a inclinação da tangente ao ponto z0 como sendo α. Essa situação está ilustrada na Figura 4. A inclinação da reta tangente ao ponto w0 no plano-w será dado por ϕ. Figura 4 Curva suave C no plano-z e sua imagem C’ no plano-w. Se usarmos o parâmetro t para parametrizar a curva C, então o caminho z(t) ao longo de C no plano-z corresponde ao caminho w(t) ao longo de C′ no plano-w. Pela regra da cadeia, (18) d ⁢ w d ⁢ t = d ⁢ z d ⁢ t ⁢ d ⁢ w d ⁢ z , que, na forma polar, calculada em t = t0 onde w0 = f(z0), leva a (19) ρ ⁢ e i ⁢ ϕ = r ⁢ e i ⁢ α ⁢ R 0 ⁢ e i ⁢ θ , de onde fica evidente que (20) ϕ = α + θ . Como θ = arg(f′(z0)) podemos concluir que sob a transformação f a tangente à curva C no ponto z0 gira de um ângulo θ = arg(f′(z0)) a tangente à curva C′ no ponto w0 no plano-w. Observe que o ângulo θ é determinado pela transformação f e pelo ponto z0, dessa forma, esse ângulo deve ser o mesmo para todas as curvas que passam por esse ponto. A título de ilustração, considere α1 e α2 os ângulo de inclinação em z0 de dois arcos orientados C1 e C2 no plano-z. Além disso, considere ϕ1 e ϕ2 os ângulos correspondentes às imagens C1′ e C2′ no plano-w. Como ja vimos, ϕ1 = α1 + θ e ϕ2 = α2 + θ ou ϕ2−ϕ1 = α2−α1. Isso nos mostra que a transformação f preserva ângulo, em módulo e sentido, entre pares de curvas em cada ponto de um determinado domínio. Às transformações com essas características damos o nome de transformações conformes. Esse nome se dá devido ao fato de que sob essas transformações, nas proximidades de um ponto, sua imagem tem aproximadamente a mesma forma, ou seja, é conforme a original. No entanto, como os tamanhos dos segmentos podem ser alterados e os ângulos de rotação variam de ponto para ponto, a imagem formada pela transformação pode não apresentar nenhuma semelhança com a original. As transformações conformes serão de grande utilidade para resolvermos problemas de física ao nos permitir transformar um problema complexo e de difícil solução imediata em um determinado plano para outro onde essa solução se dê de forma mais fácil. Muitas vezes, tal solução no plano imagem se dá de forma trivial. Esse fato levou Henri Poincaré a dizer: Desse modo, no estudo das funções de variáveis complexas, o analista, ao lado da imagem geométrica, que é seu instrumento habitual, encontra várias imagens físicas que pode usar com o mesmo sucesso (…) graças a essas imagens, num breve olhar ele pode ver o que a dedução pura só lhe mostraria sucessivamente. Reúne assim os elementos esparsos da solução e, por uma espécie de intuição, advinha antes de poder demonstrar. Depois de encontrada a solução no plano imagem, devemos apresentar a solução no plano original. De sorte que para isso temos um teorema da análise complexa que garante a inversa: sendo f uma função analítica no ponto z0, no qual f(z0) ≠ 0 e tomando w0 = f′(z0), existe uma vizinhança do ponto w0 no qual a função w = f(z) possui uma única inversa z = F(w). Além disso, F ′ ⁢ ( w ) = 1 f ′ ⁢ ( z ) . definiremos as transformações conformes e suas principais propriedades. A seção 4 4. A física e as variáveis complexas Para fazermos a conexão entre variáveis complexas e os problemas de física, vamos deduzir o que ficou conhecido como equações de Cauchy-Riemann, essas equações serão de fundamental importância para nossos propósitos. 4.1. As equações de Cauchy-Riemann Seja f(z) = u(x, y) + iv(x, y) uma função analítica complexa. Por definição, a derivada de f(z) é dada por: (21) d ⁢ f d ⁢ z = lim h → 0 ⁡ f ⁢ ( z + h ) - f ⁢ ( z ) h . Tomemos h tendendo para zero por dois caminhos particulares, um pelo eixo real e outro pelo eixo imaginário. Pelo eixo real temos (22) d ⁢ f d ⁢ z = lim h → 0 ( u ⁢ ( x + h , y ) - u ⁢ ( x , y ) h + i v ⁢ ( x + h , y ) - v ⁢ ( x , y ) h ) , ⁢ d ⁢ f d ⁢ z = ∂ ⁡ u ∂ ⁡ x + i ⁢ ∂ ⁡ v ∂ ⁡ x . Pelo eixo imaginário obtemos (23) d ⁢ f d ⁢ z = lim h → 0 ( u ⁢ ( x , y + h ) - u ⁢ ( x , y ) i ⁢ h + i v ⁢ ( x , y + h ) - v ⁢ ( x , y ) i ⁢ h ) , ⁢ d ⁢ f d ⁢ z = - i ⁢ ∂ ⁡ u ∂ ⁡ y + ∂ ⁡ v ∂ ⁡ x . Obviamente as equações (22) e (23) são iguais e, portanto, (24) ∂ ⁡ u ∂ ⁡ x = ∂ ⁡ v ∂ ⁡ y ⁢ e ⁢ ∂ ⁡ v ∂ ⁡ x = - ∂ ⁡ u ∂ ⁡ y , que são as famosas equações de Cauchy-Riemann. 4.2. A equação de Laplace As derivadas parciais das equações de Cauchy-Riemann com relação a x e y, respectivamente, são dadas por: (25) ∂ 2 ⁡ u ∂ ⁡ x 2 = ∂ 2 ⁡ v ∂ ⁡ x ⁢ ∂ ⁡ y ⁢ e ⁢ ∂ 2 ⁡ u ∂ ⁡ y 2 = - ∂ 2 ⁡ v ∂ ⁡ y ⁢ ∂ ⁡ x , como f é analítico, temos que (26) ∂ 2 ⁡ u ∂ ⁡ x 2 + ∂ 2 ⁡ u ∂ ⁡ y 2 = 0 . Uma expressão corresponde para v (equação 27) pode ser obtida de forma similar. (27) ∂ 2 ⁡ v ∂ ⁡ x 2 + ∂ 2 ⁡ v ∂ ⁡ y 2 = 0 . As equações (26) e (27) possuem a mesma forma. Sendo assim, tanto u quanto v respeitam a bem conhecida equação de Laplace: (28) ∇ 2 ⁡ ϕ ⁢ ( x , y ) = ∂ 2 ⁡ ϕ ∂ ⁡ x 2 + ∂ 2 ⁡ ϕ ∂ ⁡ y 2 = 0 . Qualquer função f que possua uma derivada parcial de segunda ordem contínua que satisfaça a equação de Laplace é denominada de função harmônica. Portanto, a função analítica f = u + iv é harmônica. As funções u e v são denominadas de funções harmônicas conjugadas. Em muitas áreas da física, a equação de Laplace é fundamental. O fato de que u e v respeitarem a equação de Laplace nos permite utilizar as ferramentas da análise complexa na solução de problemas de física. será dedicada a fazer a conexão entre as variáveis complexas e os problemas de física que pretendemos abordar. Abordaremos as aplicações à dinâmica de fluidos, termodinâmica e à eletrostática na seção 5 5. Aplicações: Fluidos, Termodinâmica e Eletrostática 5.1. Dinâmica dos fluidos Consideremos um fluido ideal, i.e., com densidade constante ρ, não viscoso e irrotacional. A velocidade do fluido q→⁢(x,y) é um campo vetorial que informa a velocidade de um elemento do fluido em uma dada posição. A equação da continuidade para o fluido é dada por (29) ∂ ⁡ ρ ∂ ⁡ t + ∇ → ⋅ ( ρ ⁢ q → ) = Q , em que Q é a taxa de massa que uma fonte (sumidouro) introduz no sistema. Na ausência de fontes ou sumidouros a equação (29) se reduz a (30) ∂ ⁡ ρ ∂ ⁡ t + ∇ → ⋅ ( ρ ⁢ q → ) = 0 . Como em nosso caso a densidade ρ é constante, temos que (31) ∇ → ⋅ q → = ∂ ⁡ q 1 ∂ ⁡ x + ∂ ⁡ q 2 ∂ ⁡ y = 0 . Além disso, como estamos tratando de um fluido não viscoso, seu escoamento é laminar e, portanto será irrotacional (sem “redemoinhos”). Sendo assim, (32) ∇ → × q → = ∂ ⁡ q 2 ∂ ⁡ x - ∂ ⁡ q 1 ∂ ⁡ y = 0 . Das equações (31) e (32) é fácil ver que (33) ∂ ⁡ q 1 ∂ ⁡ x = - ∂ ⁡ q 2 ∂ ⁡ y ⁢ e ⁢ ∂ ⁡ q 2 ∂ ⁡ x = ∂ ⁡ q 1 ∂ ⁡ y . Observe que essas são as equações de Cauchy-Riemann (24) para q→. São essas relações que ligam o estudo do movimento de fluidos bidimensionais à teoria das funções de variáveis complexas. Observe que como (34) ∇ → ⋅ q → = 0 , podemos definir a função potencial de velocidades ϕ(x, y) de tal forma que (35) q → = ∇ → ⁢ ϕ . É imediato ver que a função potencial de velocidades ϕ(x, y) satisfaz a equação de Laplace (36) ∇ 2 ⁡ ϕ = 0 . Podemos agora definir a função harmônica conjugada a ϕ(x, y) como sendo a função corrente ψ(x, y). Observe que as famílias de curvas ψ = c1 e ϕ = c2 são ortogonais. Como q→=∇→⁢ϕ, fica evidente que os vetores velocidade são tangentes às curvas ψ = c1, por esse motivo essas curvas são chamadas de linhas de corrente. A função potencial complexo do escoamento será definida por (37) F ⁢ ( z ) = ϕ ⁢ ( x , y ) + i ⁢ ψ ⁢ ( x , y ) . Observe que (38) F ′ ⁢ ( z ) = ∂ ⁡ ϕ ∂ ⁡ x + i ⁢ ∂ ⁡ ψ ∂ ⁡ x = ∂ ⁡ ϕ ∂ ⁡ x - i ⁢ ∂ ⁡ ϕ ∂ ⁡ y , de onde podemos concluir que (39) q → = F ′ ⁢ ( z ) ¯ e (40) | q → | = | F ′ ⁢ ( z ) | . Uma vez determinado o potencial complexo do escoamento podemos tirar todas as informações sobre a o vetor velocidade do escoamento, bem como a forma do mesmo [2]. 5.2. Condução de calor: Lei de Fourier A lei de Fourier é utilizada para descrever os fenômenos de transferência de calor. A lei possui a seguinte forma (41) H → = - k ⁢ A ⁢ ∇ → ⁢ T , em que k é a condutividade térmica do material entre as superfícies, T é a temperatura e A é área da superfície. Considerando que entre as superfícies onde o calor se propaga não há fontes nem sumidouros de calor (42) ∇ → ⋅ H → = 0 , concluímos que (43) ∇ 2 ⁡ T = 0 . Como T(x, y) satisfaz a equação de Laplace, podemos relacionar o estudo da termodinâmica com as variáveis complexas introduzindo a função conjugada a T, ψ. Como isso, escrevemos a temperatura complexa Ω(z): (44) Ω ⁢ ( z ) = T ⁢ ( x , y ) + i ⁢ ψ ⁢ ( x , y ) . Por construção, a família de curvas T(x, y) = c1 e ψ(x, y) = c2 são ortogonais em cada ponto onde se encontram e representam fisicamente as linhas isotermas e linhas de fluxo, respectivamente. 5.3. Eletrostática Sabemos que o eletromagnetismo clássico tem sua base nas famosas equações de Maxwell. A primeira equação de Maxwell, conhecida como lei de Gauss, é dada por (45) ∇ → ⋅ E → = ρ ε 0 , em que E→ é o campo elétrico, ε0 é a constante de permissividade elétrica para o vácuo, e ρ é a densidade total de carga elétrica (carga por unidade de volume). Na ausência de cargas (fontes e sumidouros), a lei de Gauss toma a seguinte forma (46) ∇ → ⋅ E → = 0 . Como o potencial elétrico é dado por (47) E → = - ∇ → ⁢ V , isso implica que (48) ∇ 2 ⁡ V = 0 . A relação com as variáveis complexas se dará definindo U(x, y) como a função conjugada a V(x, y) e escrevendo o potencial complexo na forma (49) Γ ⁢ ( z ) = V ⁢ ( x , y ) + i ⁢ U ⁢ ( x , y ) . A família de curvas V(x, y) = c1 e U(x, y) = c2 são ortogonais em cada ponto onde se encontram e representam, fisicamente, as linhas equipotenciais e as linhas de fluxo, respectivamente. Interessante ressaltar que o campo elétrico E→ tem a direção das linhas de fluxo. 5.4. Exemplos Dinâmica de fluidos: Escoamento uniforme Tomemos o potencial complexo F(z) = Az, com A sendo uma constante real positiva. Ora, nesse caso, ϕ(x, y) = Ax e ψ(x, y) = Ay. Dessa forma, as linhas de corrente ψ = c são retas horizontais y = c/A. Portanto, este potencial descreve um escoamento para a direita, com vetor velocidade dado por (50) q → = F ′ ⁢ ( z ) ¯ = A . Esse potencial pode descrever tanto todo o semi-plano superior do plano-z, como apenas uma faixa infinita a < y < b, como mostrado na Figura 5 Figura 5 Ilustração esquemática de um escoamento descrito pelo potencial F(z) = Az. Escoamento em um canto Consideremos o escoamento através de um canto, conforme mostra a Figura 6. Figura 6 Ilustração esquemática de um escoamento em um canto. Já vimos que a transformação z = w2 transforma o primeiro quadrante do plano-w no semiplano superior do plano-z. Sob essa transformação, portanto, transformamos o escoamento em um canto no escoamento uniforme visto anteriormente. O potencial de escoamento para o plano-w será (51) F ⁢ ( w ) = A ⁢ w 2 , com linhas de corrente dadas por ψ = 2Auv e vetor velocidade dado por q→=F′⁢(w)¯=2⁢A⁢(u-i⁢v). Analogamente ao que fizemos aqui, podemos usar a transformação z = wn para estudar o escoamento em um canto com ângulação qualquer. Escoamento ao redor de um obstáculo circular Consideremos a situação de um rio que possui em seu interior uma pilastra circular. O problema do escoamento nesse rio pode ser resolvido encontrando o potencial que descreva a situação ilustrada na Figura 7. Figura 7 Ilustração esquemática de um escoamento com um obstáculo circular. Fazendo uso de uma tabela de transformações conformes ou utilizando o teorema do círculo de Milne-Thomsom veremos que a transformação (52) z = w + a 2 w , transforma a região apresentada na Figura 7 na região apresentada na Figura 5. Sendo assim o potencial que desejamos será dado por1 (53) F ⁢ ( w ) = A ⁢ z = A ⁢ ( w + a 2 w ) . Elestrostática: Potencial elétrico no espaço entre planos Consideremos o problema de determinar o potencial elétrico no espaço entre os planos y = 0 e y = a, com V = 0 na região onde x > 0 e V = V0 na região onde x < 0, conforme ilustrado na Figura 8. Figura 8 Ilustração esquemática de regiões paralelas com potenciais elétricos distintos. É interessante ressaltar que esse problema é simples apenas na aparência. Ele difere dos problemas clássicos apresentados nos livros didáticos em dois aspectos essenciais: 1) não estamos interessados na diferença de potencial entre as placas extremas, mas no potencial em qualquer ponto interior às placas e 2) os efeitos de borda na junção de placas com potenciais diferentes não podem ser desprezados aqui. O método tradicional para a solução desse problema seria por separação de variáveis. Qualquer um que tenha feito um curso mais avançado de eletromagnetismo sabe o quão trabalhoso é a aplicação de tal método. Vamos mostrar que através de uma escolha adequada de transformações, é possível transportar esse problema para outro plano onde ele se torne bem mais simples de se obter a solução. Conforme vimos na seção 2, a transformação (54) w ′ = e π ⁢ z a , transforma as retas x = c em círculos de raio ρ=eπ⁢ca e as retas y = c em semi-retas de inclinação ϕ=π⁢ca. Como os dois planos variam de −∞ < x < ∞ eles serão mapeados em todo o semi-plano superior do plano w′. Para x < 0, teremos que ρ < 1 e, nesse caso, para y = 0, teremos ϕ = 0. Já para y = a, teremos ϕ = π, de onde concluímos que a região onde V = V0 estará confinada à região −1 < u′ < 1, no plano-w′. Já para x > 0, ρ > 1, o comportamento para y = 0 e y = a não se altera e a região em que V = 0 estará na região em que |u′| > 1, no plano-w′. Essas considerações nos levam a concluir que sob a transformação w′, o plano-z da Figura 8 é levado no plano-w′ apresentado na Figura 9. Figura 9 Ilustração esquemática do plano-w’ sob a transformação w′=eπ⁢za. Embora tenhamos apresentado apenas algumas das infinidades de transformações possíves, com auxílio de uma tabela de transformações, podemos ter acesso a várias outras. Por exemplo, a transformação (55) w = log ⁢ w ′ - 1 w ′ + 1 , com w′ ≠ {1,−1}, transforma a região apresentada na Figura 9 na região destacada na Figura 10. Figura 10 Ilustração esquemática do plano-w sob a transformação w=log⁢w′-1w′+1. Dessa forma, vemos que agora o nosso problema se resume a encontrar V em função de u e v que satisfaça a equação de Laplace com as seguintes condições de contorno (56) V ⁢ ( u , π ) = V 0 , e (57) V ⁢ ( u , 0 ) = 0 . Uma função que satisfaz essas condições é (58) V ⁢ ( u , v ) = V 0 π ⁢ v , com 0 ≤ v ≤ π. Nos interessa, no entanto, a solução no plano-z. Para obtê-la, observe que (59) w = log ⁢ | w ′ - 1 w ′ + 1 | + i ⁢ arg ⁢ ( w ′ - 1 w ′ + 1 ) . Além disso, como w′ = u′ + iv′, podemos escrever (60) v = arg ⁢ ( w ′ - 1 w ′ + 1 ) = arctg ⁢ ( 2 ⁢ v ′ u ′ ⁣ 2 + v ′ ⁣ 2 - 1 ) . Como w′=eπ⁢za, decorre que (61) u ′ = e π ⁢ x a ⁢ cos ⁢ ( π ⁢ y a ) , e (62) v ′ = e π ⁢ x a ⁢ sen ⁢ ( π ⁢ y a ) . Substituindo esses valores na equação 60, obtemos a solução de interesse no plano-z (63) V ⁢ ( x , y ) = V 0 π ⁢ arctg ⁢ ( sen ⁢ ( π ⁢ y a ) senh ⁢ ( π ⁢ x a ) ) , com (x, y) ∈ ℝ × [0, a]−{(0, 0), (0, a)} e 0 ≤ arctg(t) ≤ π. Definitivamente, essa solução não é uma solução trivial tais como as obtidas de problemas de capacitores encontrados frequentemente nos livros didáticos de física básica. Condução de calor: condução de calor em um sólido em forma de cunha Considere um sólido em forma de cunha conforme a ilustração da Figura 11. Considere que nas fronteiras θ = 0 e θ = θ0 as temperaturas sejam T = 0 e T = T0, respectivamente. Além disso, considere que a fronteira r = r0 seja um material perfeitamente isolante. Nosso problema é obter a função que descreve a temperatura em qualquer lugar dentro desse sólido. Figura 11 Ilustração esquemática de um sólido em forma de cunha com bordas mantidas a diferentes temperaturas. Para tornar esse problema mais simples, vamos proceder duas mudanças de planos. Primeiramente vamos usar a transformação (64) w ′ = z π 2 ⁢ θ 0 , ou (65) w ′ = r π 2 ⁢ θ 0 ⁢ e i ⁢ π ⁢ θ 0 2 ⁢ θ 0 , que transforma a região ilustrada na Figura 11 na região ilustrada na Figura 12. Figura 12 Ilustração esquemática da transformação feita pela função w′=zπ2⁢θ0. aplicando agora ao plano w′ a transformação (66) w = log ⁢ w ′ , ou (67) w = π 2 ⁢ θ 0 ⁢ Log ⁢ r + π 2 ⁢ θ 0 ⁢ i ⁢ θ , transformamos a região ilustrada na Figura 12 na região ilustrada na Figura 13. Figura 13 Ilustração esquemática da transformação feita pela função w = Logw′. O problema agora é determinar uma função T(u, v) que satisfaça a equação de Laplace e as seguintes condições de contorno (68) T ⁢ ( u , 0 ) = 0 , (69) T ⁢ ( u , π 2 ) = T 0 , e (70) ∂ ⁡ T ∂ ⁡ u = 0 , ao longo da fronteira u=π2⁢θ0⁢log⁢r0, já que se trata de uma fronteira isolante. Facilmente podemos concluir que uma função que satisfaz a todas essas condições é (71) T ⁢ ( u , v ) = 2 ⁢ T 0 π ⁢ v . Podemos obter a solução no plano-z substituindo a equação (67) na equação (71) e observar que θ=arctg⁢(yx). Dessa forma, obtemos T ⁢ ( x , y ) = T 0 θ 0 ⁢ arctg ⁢ ( y x ) , com x ≠ 0. . Dedicaremos a seção 6 6. Grupos Conformes Estudos mais aprofundados e tema de pesquisas atuais sobre as transformações conformes podem ser encontrados no estudo sobre os chamados grupos conformes. A noção de grupo é uma das noções mais fundamentais em matemática. Um grupo é um conjunto não vazio C em que dois elementos desse conjunto podem ser associados por uma determinada operação “×” tal que os chamados axiomas de grupo sejam satisfeitos. Os axiomas de grupo são: Associatividade: para todo x, y, z ∈ C, (x × y) × z = a × (y × z). elemento neutro: para todo c ∈ C, existe um único elemento a ∈ C tal que c × a = a × c = c. elemento inverso: para cada c ∈ C existe um único elemento c−1 ∈ C tal que c × c−1 = c−1 × c = a. O conjunto das funções analíticas complexas sob operações de transformações conformes (que preservam ângulos) formam o que chamamos de grupos conformes e todos os grupos conformes são grupos de Lie (de importância fundamental em várias áreas da física). Existem vários grupos conformes de grande interesse em teorias físicas, entre eles está o grupo conforme ortogonal. Esse grupo pode ser entendido como o grupo ortogonal vezes o grupo das dilatações. O estudo desse grupo, em particular, está associado aos chamados grupos conformes do espaço-tempo que compreendem os grupos de Minkowski, Lorentz e Poincaré, de grande importância nos desenvolvimentos da teoria da relatividade, por exemplo. Sobre a importância dos estudos desses grupos O. A. Barut disse [7]. One of the prime reasons for the interest in the conformal group is that it is perhaps the most important of the larger groups containing the Poincaré group. It opens the door to applications far beyond the standard kinematical framework provided by the local symmetries of flat space-time. Ao leitor interessado em se aprofundar no tema, recomendamos as referências [7, 8, 9, 10, 11]. para as conclusões.

2. Transformações elementares

Uma variável complexa z sempre pode ser escrita em uma forma que separa sua parte real de sua parte imaginária da seguinte forma

(1) z = x + i y ,

em que x e y são números reais, e i é um número imaginário.

Outra forma comum de escrevermos os números complexos é em sua forma polar

(2) z = r e i θ ,

com r=|z|=x2+y2 e e = cosθ + isenθ.

Se w é uma função de z, i.e., w = f(z), então a função w pode ser separada na sua parte real e imaginária da seguinte forma:

(3) w = u ( x , y ) + i v ( x , y ) .

Denominamos de transformação a correspondência entre os pontos do plano-z e os pontos do plano-w. Os pontos do plano-z são transformados em pontos do plano-w por meio da transformação f.

Com intuito didático e devido ao seu caráter de transformações básicas, apresentaremos algumas funções elementares e como ocorrem as transformações por meio das mesmas. É preciso ressaltar que nas soluções dos problemas que serão tratados posteriormente se faz necessário o uso de outras funções mais complexas do que as que serão apresentadas. A forma como essas funções se transformam pode ser obtida através de tabelas, facilmente encontradas na literatura [22. J.W. Brown e R.V. Churchill, Complex variables and applications (McGraw-Hil, New York, 2009)., 33. P.K. Kythe, Hand book of conformal mapping and applications (CRC Press, Londres, 2019)., 44. G. Ávila, Variáveis complexas e aplicações (LTC, Rio de Janeiro, 2000).]. Outra forma de se obter transformações adequadas a problemas específicos é por meio das transformações de Schwarz-Christoffel, muito útil nas aplicações em dinâmica dos fluidos. Essas transformações, no entanto, fogem ao escopo deste trabalho. O leitor interessado poderá encontrar uma boa discussão sobre essas transformações nas referências [22. J.W. Brown e R.V. Churchill, Complex variables and applications (McGraw-Hil, New York, 2009)., 33. P.K. Kythe, Hand book of conformal mapping and applications (CRC Press, Londres, 2019).].

2.1. A transformação afim

Tomemos a transformação

(4) w = f ( z ) = z + K ,

onde K = K1 + iK2 é uma constante complexa. Portanto,

(5) w = ( u , v ) = ( x + K 1 , y + K 2 ) .

Torna-se claro que essa função translada cada ponto z através do vetor K. Como todos os pontos são transladados da mesma forma, as duas imagens possuem a mesma forma, o mesmo tamanho e a mesma orientação.

Analisemos também a função

(6) w = C z ,

que escrita na forma polar assume a forma

(7) ρ e i ϕ = c r e i ( α + θ ) ,

onde

(8) c = | C | .

Dessa forma,

(9) ρ c r ,

e

(10) ϕ α + θ .

Portanto, podemos concluir que essa transformação gira o raio vetor do plano-z em torno da origem de um ângulo α = arg(C) e dilata (ou contrai) o raio vetor por um fator c.

Como consequência da discussão anterior, podemos dizer que a função

(11) w = C z + K ,

translada os raios vetores do plano-z de acordo com K, os rotaciona de acordo com o arg(C) e os expande ou contrai de acordo com o módulo de C.

A título de exemplo, tomemos w = Cz + K com C = 3 + 2i, e K = 1 + i, além disso, vamos considerar z = x + i (uma reta horizontal no plano-z). Da discussão anterior, vemos que essa transformação desloca, no plano-w, a reta de uma unidade tanto para a direita quanto para cima. Além disso, rotaciona a reta de um ângulo arg(C) = π/4 no sentido anti-horário (positivo) e expande a reta por um fator de |C|=32. Essa situação está ilustrada na Figura 1.

Figura 1
Segmento de reta no plano-z sendo transformado em outro segmento de reta no plano-w através da transformação w = Cz + K.

2.2. A transformação exponencial

A forma como se dá a transformação

(12) w = e z ,

é nosso objeto de interesse nessa subseção.

Observe que podemos escrever a equação (12) na seguinte forma

(13) w = ρ e i ϕ = e x + i y ,

em que ρex e ϕy.

Dessa forma, podemos concluir que a transformação exponencial leva as retas x = c em círculos de raio ρ = ec e as retas y = c em semiretas com coeficiente angular ϕ = c, conforme ilustrado na Figura 2.

Figura 2
Retângulo no plano-z sendo transformado em um semi-anel no plano-w através da transformação w = ez.

Observe que sob essa transformação, se tomarmos a faixa infinita −∞ < x < ∞ e 0 ≤ yπ no plano-z, ela será transformada em todo o semiplano superior no eixo-w, já que, nesse caso, teremos 0 ≤ ρ < ∞ e 0 ≤ ϕπ.

2.3. A transformação polinomial

A transformação denominada polinomial é da seguinte forma:

(14) w = z n .

Na forma polar, ela se torna

(15) w = ρ e i ϕ = r n e i n θ .

É fácil ver que

(16) ρ r n

e

(17) ϕ n θ .

Dessa maneira, fica claro que essa transformação leva a região angular r > 0, 0θπn do plano-z no semi-plano superior do plano-w, conforme ilustrado na Figura 3.

Figura 3
Ilustração da transformação de uma região angular do plano-z no semi-plano superior do plano-w através da transformação polinomial w = zn.

3. Transformações conformes

Consideremos uma função complexa f analítica em z0 e tal que f′(z0) ≠ 0. Nosso objetivo agora é mostrar como se processa uma mudança de direção de curvas no ponto z0 através da transformação w = f(z).

Consideremos uma curva C no plano-z passando por z0 e a inclinação da tangente ao ponto z0 como sendo α. Essa situação está ilustrada na Figura 4. A inclinação da reta tangente ao ponto w0 no plano-w será dado por ϕ.

Figura 4
Curva suave C no plano-z e sua imagem C’ no plano-w.

Se usarmos o parâmetro t para parametrizar a curva C, então o caminho z(t) ao longo de C no plano-z corresponde ao caminho w(t) ao longo de C′ no plano-w. Pela regra da cadeia,

(18) d w d t = d z d t d w d z ,

que, na forma polar, calculada em t = t0 onde w0 = f(z0), leva a

(19) ρ e i ϕ = r e i α R 0 e i θ ,

de onde fica evidente que

(20) ϕ = α + θ .

Como θ = arg(f′(z0)) podemos concluir que sob a transformação f a tangente à curva C no ponto z0 gira de um ângulo θ = arg(f′(z0)) a tangente à curva C′ no ponto w0 no plano-w.

Observe que o ângulo θ é determinado pela transformação f e pelo ponto z0, dessa forma, esse ângulo deve ser o mesmo para todas as curvas que passam por esse ponto. A título de ilustração, considere α1 e α2 os ângulo de inclinação em z0 de dois arcos orientados C1 e C2 no plano-z. Além disso, considere ϕ1 e ϕ2 os ângulos correspondentes às imagens C1 e C2 no plano-w. Como ja vimos, ϕ1 = α1 + θ e ϕ2 = α2 + θ ou ϕ2ϕ1 = α2α1.

Isso nos mostra que a transformação f preserva ângulo, em módulo e sentido, entre pares de curvas em cada ponto de um determinado domínio. Às transformações com essas características damos o nome de transformações conformes. Esse nome se dá devido ao fato de que sob essas transformações, nas proximidades de um ponto, sua imagem tem aproximadamente a mesma forma, ou seja, é conforme a original. No entanto, como os tamanhos dos segmentos podem ser alterados e os ângulos de rotação variam de ponto para ponto, a imagem formada pela transformação pode não apresentar nenhuma semelhança com a original.

As transformações conformes serão de grande utilidade para resolvermos problemas de física ao nos permitir transformar um problema complexo e de difícil solução imediata em um determinado plano para outro onde essa solução se dê de forma mais fácil. Muitas vezes, tal solução no plano imagem se dá de forma trivial. Esse fato levou Henri Poincaré a dizer:

Desse modo, no estudo das funções de variáveis complexas, o analista, ao lado da imagem geométrica, que é seu instrumento habitual, encontra várias imagens físicas que pode usar com o mesmo sucesso (…) graças a essas imagens, num breve olhar ele pode ver o que a dedução pura só lhe mostraria sucessivamente. Reúne assim os elementos esparsos da solução e, por uma espécie de intuição, advinha antes de poder demonstrar.

Depois de encontrada a solução no plano imagem, devemos apresentar a solução no plano original. De sorte que para isso temos um teorema da análise complexa que garante a inversa: sendo f uma função analítica no ponto z0, no qual f(z0) ≠ 0 e tomando w0 = f(z0), existe uma vizinhança do ponto w0 no qual a função w = f(z) possui uma única inversa z = F(w). Além disso,

F ( w ) = 1 f ( z ) .

4. A física e as variáveis complexas

Para fazermos a conexão entre variáveis complexas e os problemas de física, vamos deduzir o que ficou conhecido como equações de Cauchy-Riemann, essas equações serão de fundamental importância para nossos propósitos.

4.1. As equações de Cauchy-Riemann

Seja f(z) = u(x, y) + iv(x, y) uma função analítica complexa. Por definição, a derivada de f(z) é dada por:

(21) d f d z = lim h 0 f ( z + h ) - f ( z ) h .

Tomemos h tendendo para zero por dois caminhos particulares, um pelo eixo real e outro pelo eixo imaginário.

Pelo eixo real temos

(22) d f d z = lim h 0 ( u ( x + h , y ) - u ( x , y ) h + i v ( x + h , y ) - v ( x , y ) h ) , d f d z = u x + i v x .

Pelo eixo imaginário obtemos

(23) d f d z = lim h 0 ( u ( x , y + h ) - u ( x , y ) i h + i v ( x , y + h ) - v ( x , y ) i h ) , d f d z = - i u y + v x .

Obviamente as equações (22) e (23) são iguais e, portanto,

(24) u x = v y e v x = - u y ,

que são as famosas equações de Cauchy-Riemann.

4.2. A equação de Laplace

As derivadas parciais das equações de Cauchy-Riemann com relação a x e y, respectivamente, são dadas por:

(25) 2 u x 2 = 2 v x y e 2 u y 2 = - 2 v y x ,

como f é analítico, temos que

(26) 2 u x 2 + 2 u y 2 = 0 .

Uma expressão corresponde para v (equação 27) pode ser obtida de forma similar.

(27) 2 v x 2 + 2 v y 2 = 0 .

As equações (26) e (27) possuem a mesma forma. Sendo assim, tanto u quanto v respeitam a bem conhecida equação de Laplace:

(28) 2 ϕ ( x , y ) = 2 ϕ x 2 + 2 ϕ y 2 = 0 .

Qualquer função f que possua uma derivada parcial de segunda ordem contínua que satisfaça a equação de Laplace é denominada de função harmônica. Portanto, a função analítica f = u + iv é harmônica. As funções u e v são denominadas de funções harmônicas conjugadas.

Em muitas áreas da física, a equação de Laplace é fundamental. O fato de que u e v respeitarem a equação de Laplace nos permite utilizar as ferramentas da análise complexa na solução de problemas de física.

5. Aplicações: Fluidos, Termodinâmica e Eletrostática

5.1. Dinâmica dos fluidos

Consideremos um fluido ideal, i.e., com densidade constante ρ, não viscoso e irrotacional. A velocidade do fluido q(x,y) é um campo vetorial que informa a velocidade de um elemento do fluido em uma dada posição.

A equação da continuidade para o fluido é dada por

(29) ρ t + ( ρ q ) = Q ,

em que Q é a taxa de massa que uma fonte (sumidouro) introduz no sistema.

Na ausência de fontes ou sumidouros a equação (29) se reduz a

(30) ρ t + ( ρ q ) = 0 .

Como em nosso caso a densidade ρ é constante, temos que

(31) q = q 1 x + q 2 y = 0 .

Além disso, como estamos tratando de um fluido não viscoso, seu escoamento é laminar e, portanto será irrotacional (sem “redemoinhos”). Sendo assim,

(32) × q = q 2 x - q 1 y = 0 .

Das equações (31) e (32) é fácil ver que

(33) q 1 x = - q 2 y e q 2 x = q 1 y .

Observe que essas são as equações de Cauchy-Riemann (24) para q. São essas relações que ligam o estudo do movimento de fluidos bidimensionais à teoria das funções de variáveis complexas.

Observe que como

(34) q = 0 ,

podemos definir a função potencial de velocidades ϕ(x, y) de tal forma que

(35) q = ϕ .

É imediato ver que a função potencial de velocidades ϕ(x, y) satisfaz a equação de Laplace

(36) 2 ϕ = 0 .

Podemos agora definir a função harmônica conjugada a ϕ(x, y) como sendo a função corrente ψ(x, y). Observe que as famílias de curvas ψ = c1 e ϕ = c2 são ortogonais. Como q=ϕ, fica evidente que os vetores velocidade são tangentes às curvas ψ = c1, por esse motivo essas curvas são chamadas de linhas de corrente.

A função potencial complexo do escoamento será definida por

(37) F ( z ) = ϕ ( x , y ) + i ψ ( x , y ) .

Observe que

(38) F ( z ) = ϕ x + i ψ x = ϕ x - i ϕ y ,

de onde podemos concluir que

(39) q = F ( z ) ¯

e

(40) | q | = | F ( z ) | .

Uma vez determinado o potencial complexo do escoamento podemos tirar todas as informações sobre a o vetor velocidade do escoamento, bem como a forma do mesmo [22. J.W. Brown e R.V. Churchill, Complex variables and applications (McGraw-Hil, New York, 2009).].

5.2. Condução de calor: Lei de Fourier

A lei de Fourier é utilizada para descrever os fenômenos de transferência de calor. A lei possui a seguinte forma

(41) H = - k A T ,

em que k é a condutividade térmica do material entre as superfícies, T é a temperatura e A é área da superfície.

Considerando que entre as superfícies onde o calor se propaga não há fontes nem sumidouros de calor

(42) H = 0 ,

concluímos que

(43) 2 T = 0 .

Como T(x, y) satisfaz a equação de Laplace, podemos relacionar o estudo da termodinâmica com as variáveis complexas introduzindo a função conjugada a T, ψ. Como isso, escrevemos a temperatura complexa Ω(z):

(44) Ω ( z ) = T ( x , y ) + i ψ ( x , y ) .

Por construção, a família de curvas T(x, y) = c1 e ψ(x, y) = c2 são ortogonais em cada ponto onde se encontram e representam fisicamente as linhas isotermas e linhas de fluxo, respectivamente.

5.3. Eletrostática

Sabemos que o eletromagnetismo clássico tem sua base nas famosas equações de Maxwell. A primeira equação de Maxwell, conhecida como lei de Gauss, é dada por

(45) E = ρ ε 0 ,

em que E é o campo elétrico, ε0 é a constante de permissividade elétrica para o vácuo, e ρ é a densidade total de carga elétrica (carga por unidade de volume).

Na ausência de cargas (fontes e sumidouros), a lei de Gauss toma a seguinte forma

(46) E = 0 .

Como o potencial elétrico é dado por

(47) E = - V ,

isso implica que

(48) 2 V = 0 .

A relação com as variáveis complexas se dará definindo U(x, y) como a função conjugada a V(x, y) e escrevendo o potencial complexo na forma

(49) Γ ( z ) = V ( x , y ) + i U ( x , y ) .

A família de curvas V(x, y) = c1 e U(x, y) = c2 são ortogonais em cada ponto onde se encontram e representam, fisicamente, as linhas equipotenciais e as linhas de fluxo, respectivamente. Interessante ressaltar que o campo elétrico E tem a direção das linhas de fluxo.

5.4. Exemplos

  • Dinâmica de fluidos: Escoamento uniforme

Tomemos o potencial complexo F(z) = Az, com A sendo uma constante real positiva. Ora, nesse caso, ϕ(x, y) = Ax e ψ(x, y) = Ay. Dessa forma, as linhas de corrente ψ = c são retas horizontais y = c/A. Portanto, este potencial descreve um escoamento para a direita, com vetor velocidade dado por

(50) q = F ( z ) ¯ = A .

Esse potencial pode descrever tanto todo o semi-plano superior do plano-z, como apenas uma faixa infinita a < y < b, como mostrado na Figura 5

Figura 5
Ilustração esquemática de um escoamento descrito pelo potencial F(z) = Az.
  • Escoamento em um canto Consideremos o escoamento através de um canto, conforme mostra a Figura 6.

Figura 6
Ilustração esquemática de um escoamento em um canto.

Já vimos que a transformação z = w2 transforma o primeiro quadrante do plano-w no semiplano superior do plano-z. Sob essa transformação, portanto, transformamos o escoamento em um canto no escoamento uniforme visto anteriormente. O potencial de escoamento para o plano-w será

(51) F ( w ) = A w 2 ,

com linhas de corrente dadas por ψ = 2Auv e vetor velocidade dado por q=F(w)¯=2A(u-iv).

Analogamente ao que fizemos aqui, podemos usar a transformação z = wn para estudar o escoamento em um canto com ângulação qualquer.

  • Escoamento ao redor de um obstáculo circular Consideremos a situação de um rio que possui em seu interior uma pilastra circular. O problema do escoamento nesse rio pode ser resolvido encontrando o potencial que descreva a situação ilustrada na Figura 7.

Figura 7
Ilustração esquemática de um escoamento com um obstáculo circular.

Fazendo uso de uma tabela de transformações conformes ou utilizando o teorema do círculo de Milne-Thomsom veremos que a transformação

(52) z = w + a 2 w ,

transforma a região apresentada na Figura 7 na região apresentada na Figura 5. Sendo assim o potencial que desejamos será dado por1 1 Esse problema do escoamento em torno de um obstáculo circular é de grande interesse tanto teórico quanto prático. Por esse motivo encotramos na literatura várias formas de resolvê-lo, olhar por exemplo as referências [2, 4, 5, 6]. Apenas para explicitar a vantagem do método apresentado aqui, por meio da separação de variáveis a soluçã desse problema é V⁢(r,ϕ)=a0+b0⁢ln⁡r+∑k=1∞[rk⁢(ak⁢cos⁡k⁢ϕ)+s-k⁢(ck⁢cos⁡k⁢ϕ+dk⁢sen⁢k⁢ϕ)], que após a aplicações das condições de contorno recaem na equação (53).

(53) F ( w ) = A z = A ( w + a 2 w ) .
  • Elestrostática: Potencial elétrico no espaço entre planos Consideremos o problema de determinar o potencial elétrico no espaço entre os planos y = 0 e y = a, com V = 0 na região onde x > 0 e V = V0 na região onde x < 0, conforme ilustrado na Figura 8.

Figura 8
Ilustração esquemática de regiões paralelas com potenciais elétricos distintos.

É interessante ressaltar que esse problema é simples apenas na aparência. Ele difere dos problemas clássicos apresentados nos livros didáticos em dois aspectos essenciais: 1) não estamos interessados na diferença de potencial entre as placas extremas, mas no potencial em qualquer ponto interior às placas e 2) os efeitos de borda na junção de placas com potenciais diferentes não podem ser desprezados aqui. O método tradicional para a solução desse problema seria por separação de variáveis. Qualquer um que tenha feito um curso mais avançado de eletromagnetismo sabe o quão trabalhoso é a aplicação de tal método.

Vamos mostrar que através de uma escolha adequada de transformações, é possível transportar esse problema para outro plano onde ele se torne bem mais simples de se obter a solução. Conforme vimos na seção 2 2. Transformações elementares Uma variável complexa z sempre pode ser escrita em uma forma que separa sua parte real de sua parte imaginária da seguinte forma (1) z = x + i ⁢ y , em que x e y são números reais, e i é um número imaginário. Outra forma comum de escrevermos os números complexos é em sua forma polar (2) z = r ⁢ e i ⁢ θ , com r=|z|=x2+y2 e eiθ = cosθ + isenθ. Se w é uma função de z, i.e., w = f(z), então a função w pode ser separada na sua parte real e imaginária da seguinte forma: (3) w = u ⁢ ( x , y ) + i ⁢ v ⁢ ( x , y ) . Denominamos de transformação a correspondência entre os pontos do plano-z e os pontos do plano-w. Os pontos do plano-z são transformados em pontos do plano-w por meio da transformação f. Com intuito didático e devido ao seu caráter de transformações básicas, apresentaremos algumas funções elementares e como ocorrem as transformações por meio das mesmas. É preciso ressaltar que nas soluções dos problemas que serão tratados posteriormente se faz necessário o uso de outras funções mais complexas do que as que serão apresentadas. A forma como essas funções se transformam pode ser obtida através de tabelas, facilmente encontradas na literatura [2, 3, 4]. Outra forma de se obter transformações adequadas a problemas específicos é por meio das transformações de Schwarz-Christoffel, muito útil nas aplicações em dinâmica dos fluidos. Essas transformações, no entanto, fogem ao escopo deste trabalho. O leitor interessado poderá encontrar uma boa discussão sobre essas transformações nas referências [2, 3]. 2.1. A transformação afim Tomemos a transformação (4) w = f ⁢ ( z ) = z + K , onde K = K1 + iK2 é uma constante complexa. Portanto, (5) w = ( u , v ) = ( x + K 1 , y + K 2 ) . Torna-se claro que essa função translada cada ponto z através do vetor K. Como todos os pontos são transladados da mesma forma, as duas imagens possuem a mesma forma, o mesmo tamanho e a mesma orientação. Analisemos também a função (6) w = C ⁢ z , que escrita na forma polar assume a forma (7) ρ ⁢ e i ⁢ ϕ = c ⁢ r ⁢ e i ⁢ ( α + θ ) , onde (8) c = | C | . Dessa forma, (9) ρ → c ⁢ r , e (10) ϕ → α + θ . Portanto, podemos concluir que essa transformação gira o raio vetor do plano-z em torno da origem de um ângulo α = arg(C) e dilata (ou contrai) o raio vetor por um fator c. Como consequência da discussão anterior, podemos dizer que a função (11) w = C ⁢ z + K , translada os raios vetores do plano-z de acordo com K, os rotaciona de acordo com o arg(C) e os expande ou contrai de acordo com o módulo de C. A título de exemplo, tomemos w = Cz + K com C = 3 + 2i, e K = 1 + i, além disso, vamos considerar z = x + i (uma reta horizontal no plano-z). Da discussão anterior, vemos que essa transformação desloca, no plano-w, a reta de uma unidade tanto para a direita quanto para cima. Além disso, rotaciona a reta de um ângulo arg(C) = π/4 no sentido anti-horário (positivo) e expande a reta por um fator de |C|=3⁢2. Essa situação está ilustrada na Figura 1. Figura 1 Segmento de reta no plano-z sendo transformado em outro segmento de reta no plano-w através da transformação w = Cz + K. 2.2. A transformação exponencial A forma como se dá a transformação (12) w = e z , é nosso objeto de interesse nessa subseção. Observe que podemos escrever a equação (12) na seguinte forma (13) w = ρ ⁢ e i ⁢ ϕ = e x + i ⁢ y , em que ρ → ex e ϕ → y. Dessa forma, podemos concluir que a transformação exponencial leva as retas x = c em círculos de raio ρ = ec e as retas y = c em semiretas com coeficiente angular ϕ = c, conforme ilustrado na Figura 2. Figura 2 Retângulo no plano-z sendo transformado em um semi-anel no plano-w através da transformação w = ez. Observe que sob essa transformação, se tomarmos a faixa infinita −∞ < x < ∞ e 0 ≤ y ≤ π no plano-z, ela será transformada em todo o semiplano superior no eixo-w, já que, nesse caso, teremos 0 ≤ ρ < ∞ e 0 ≤ ϕ ≤ π. 2.3. A transformação polinomial A transformação denominada polinomial é da seguinte forma: (14) w = z n . Na forma polar, ela se torna (15) w = ρ ⁢ e i ⁢ ϕ = r n ⁢ e i ⁢ n ⁢ θ . É fácil ver que (16) ρ → r n e (17) ϕ → n ⁢ θ . Dessa maneira, fica claro que essa transformação leva a região angular r > 0, 0≤θ≤πn do plano-z no semi-plano superior do plano-w, conforme ilustrado na Figura 3. Figura 3 Ilustração da transformação de uma região angular do plano-z no semi-plano superior do plano-w através da transformação polinomial w = zn. , a transformação

(54) w = e π z a ,

transforma as retas x = c em círculos de raio ρ=eπca e as retas y = c em semi-retas de inclinação ϕ=πca. Como os dois planos variam de −∞ < x < ∞ eles serão mapeados em todo o semi-plano superior do plano w′.

Para x < 0, teremos que ρ < 1 e, nesse caso, para y = 0, teremos ϕ = 0. Já para y = a, teremos ϕ = π, de onde concluímos que a região onde V = V0 estará confinada à região −1 < u′ < 1, no plano-w′. Já para x > 0, ρ > 1, o comportamento para y = 0 e y = a não se altera e a região em que V = 0 estará na região em que |u′| > 1, no plano-w′. Essas considerações nos levam a concluir que sob a transformação w′, o plano-z da Figura 8 é levado no plano-w′ apresentado na Figura 9.

Figura 9
Ilustração esquemática do plano-w’ sob a transformação w=eπza.

Embora tenhamos apresentado apenas algumas das infinidades de transformações possíves, com auxílio de uma tabela de transformações, podemos ter acesso a várias outras. Por exemplo, a transformação

(55) w = log w - 1 w + 1 ,

com w′ ≠ {1,−1}, transforma a região apresentada na Figura 9 na região destacada na Figura 10.

Figura 10
Ilustração esquemática do plano-w sob a transformação w=logw-1w+1.

Dessa forma, vemos que agora o nosso problema se resume a encontrar V em função de u e v que satisfaça a equação de Laplace com as seguintes condições de contorno

(56) V ( u , π ) = V 0 ,

e

(57) V ( u , 0 ) = 0 .

Uma função que satisfaz essas condições é

(58) V ( u , v ) = V 0 π v ,

com 0 ≤ vπ.

Nos interessa, no entanto, a solução no plano-z. Para obtê-la, observe que

(59) w = log | w - 1 w + 1 | + i arg ( w - 1 w + 1 ) .

Além disso, como w′ = u′ + iv′, podemos escrever

(60) v = arg ( w - 1 w + 1 ) = arctg ( 2 v u 2 + v 2 - 1 ) .

Como w=eπza, decorre que

(61) u = e π x a cos ( π y a ) ,

e

(62) v = e π x a sen ( π y a ) .

Substituindo esses valores na equação 60, obtemos a solução de interesse no plano-z

(63) V ( x , y ) = V 0 π arctg ( sen ( π y a ) senh ( π x a ) ) ,

com (x, y) ∈ × [0, a]−{(0, 0), (0, a)} e 0 ≤ arctg(t) ≤ π.

Definitivamente, essa solução não é uma solução trivial tais como as obtidas de problemas de capacitores encontrados frequentemente nos livros didáticos de física básica.

  • Condução de calor: condução de calor em um sólido em forma de cunha Considere um sólido em forma de cunha conforme a ilustração da Figura 11. Considere que nas fronteiras θ = 0 e θ = θ0 as temperaturas sejam T = 0 e T = T0, respectivamente. Além disso, considere que a fronteira r = r0 seja um material perfeitamente isolante. Nosso problema é obter a função que descreve a temperatura em qualquer lugar dentro desse sólido.

Figura 11
Ilustração esquemática de um sólido em forma de cunha com bordas mantidas a diferentes temperaturas.

Para tornar esse problema mais simples, vamos proceder duas mudanças de planos. Primeiramente vamos usar a transformação

(64) w = z π 2 θ 0 ,

ou

(65) w = r π 2 θ 0 e i π θ 0 2 θ 0 ,

que transforma a região ilustrada na Figura 11 na região ilustrada na Figura 12.

Figura 12
Ilustração esquemática da transformação feita pela função w=zπ2θ0.

aplicando agora ao plano w′ a transformação

(66) w = log w ,

ou

(67) w = π 2 θ 0 Log r + π 2 θ 0 i θ ,

transformamos a região ilustrada na Figura 12 na região ilustrada na Figura 13.

Figura 13
Ilustração esquemática da transformação feita pela função w = Logw′.

O problema agora é determinar uma função T(u, v) que satisfaça a equação de Laplace e as seguintes condições de contorno

(68) T ( u , 0 ) = 0 ,
(69) T ( u , π 2 ) = T 0 ,

e

(70) T u = 0 ,

ao longo da fronteira u=π2θ0logr0, já que se trata de uma fronteira isolante.

Facilmente podemos concluir que uma função que satisfaz a todas essas condições é

(71) T ( u , v ) = 2 T 0 π v .

Podemos obter a solução no plano-z substituindo a equação (67) na equação (71) e observar que θ=arctg(yx). Dessa forma, obtemos

T ( x , y ) = T 0 θ 0 arctg ( y x ) ,

com x ≠ 0.

6. Grupos Conformes

Estudos mais aprofundados e tema de pesquisas atuais sobre as transformações conformes podem ser encontrados no estudo sobre os chamados grupos conformes. A noção de grupo é uma das noções mais fundamentais em matemática. Um grupo é um conjunto não vazio C em que dois elementos desse conjunto podem ser associados por uma determinada operação “×” tal que os chamados axiomas de grupo sejam satisfeitos. Os axiomas de grupo são:

  • Associatividade: para todo x, y, zC, (x × y) × z = a × (y × z).

  • elemento neutro: para todo cC, existe um único elemento aC tal que c × a = a × c = c.

  • elemento inverso: para cada cC existe um único elemento c−1C tal que c × c−1 = c−1 × c = a.

O conjunto das funções analíticas complexas sob operações de transformações conformes (que preservam ângulos) formam o que chamamos de grupos conformes e todos os grupos conformes são grupos de Lie (de importância fundamental em várias áreas da física).

Existem vários grupos conformes de grande interesse em teorias físicas, entre eles está o grupo conforme ortogonal. Esse grupo pode ser entendido como o grupo ortogonal vezes o grupo das dilatações. O estudo desse grupo, em particular, está associado aos chamados grupos conformes do espaço-tempo que compreendem os grupos de Minkowski, Lorentz e Poincaré, de grande importância nos desenvolvimentos da teoria da relatividade, por exemplo. Sobre a importância dos estudos desses grupos O. A. Barut disse [77. A.O. Barut e H.D. Doebner, Lect. Notes Phys., 10.1007/3-540-17163-0 (1985).
https://doi.org/10.1007/3-540-17163-0...
].

One of the prime reasons for the interest in the conformal group is that it is perhaps the most important of the larger groups containing the Poincaré group. It opens the door to applications far beyond the standard kinematical framework provided by the local symmetries of flat space-time.

Ao leitor interessado em se aprofundar no tema, recomendamos as referências [77. A.O. Barut e H.D. Doebner, Lect. Notes Phys., 10.1007/3-540-17163-0 (1985).
https://doi.org/10.1007/3-540-17163-0...
, 88. N.G. Gresnigt e P.F. Renaud, Bull. Belg. Mathe. Soc. Simon Stevin 17 , 193 (2010)., 99. M. Schottenloher, Lect. Notes Phys., 10.1007/978-3-540-68628-6 (2008).
https://doi.org/10.1007/978-3-540-68628-...
, 1010. J.C.A. Barata. “Curso de física matemática ”USP, SP (2006). Disponível em http://denebola.if.usp.br/∼jb arata/Notas_de_aula/capitulos.html. Acesso em: 30/10/ 2020.
http://denebola.if.usp.br/∼jb arata/Nota...
, 1111. J.M.F. Bassalo e M.S.D. Cattani, Teoria de grupos (Livraria da física, São Paulo, 2008).].

7. Conclusão

Como vimos, o uso das transformações conformes no auxílio à resolução de problemas envolvendo a equação de Laplace pode ser muito vantajoso e poupar muito tempo de cálculo. Com a transformação apropriada, você é capaz de inferir a solução de um problema complexo apenas com uma rápida análise do problema em um plano conveniente. Embora esse método seja abordado nos livros de análise complexa apenas nos capítulos finais, nosso intuito aqui foi mostrar que ele pode ser compreendido mesmo por quem possua apenas um conhecimento intermediário sobre o cálculo com variáveis complexas. Além disso, mostramos que esse tema pode ser aprofundado através do estudo dos grupos conformes, que possuem grande aplicação em teorias físicas de fronteira e vasta literatura para consulta.

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    Esse problema do escoamento em torno de um obstáculo circular é de grande interesse tanto teórico quanto prático. Por esse motivo encotramos na literatura várias formas de resolvê-lo, olhar por exemplo as referências [22. J.W. Brown e R.V. Churchill, Complex variables and applications (McGraw-Hil, New York, 2009)., 44. G. Ávila, Variáveis complexas e aplicações (LTC, Rio de Janeiro, 2000)., 55. M.S.D. Cattani, Elementos de mecânica dos fluidos (Edgard Blucher LTDA, São Paulo, 2005)., 66. L.M. Milne-Thomsom, Tratado de hidrodinamica teorica (Aguilar, Madrid, 1951).]. Apenas para explicitar a vantagem do método apresentado aqui, por meio da separação de variáveis a soluçã desse problema é V(r,ϕ)=a0+b0lnr+k=1[rk(akcoskϕ)+s-k(ckcoskϕ+dksenkϕ)], que após a aplicações das condições de contorno recaem na equação (53).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2020
  • Revisado
    21 Out 2020
  • Aceito
    22 Out 2020
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