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Teorias de calibre a la Shaw-Deser

Gauge theories via Shaw-Deser

Resumo

Este trabalho tem como objetivo introduzir e discutir a metodologia de Shaw-Deser para descrever a interação entre matéria e radiação via simetria de calibre (abeliana/não abeliana). Nas entrelinhas, a mensagem que pretendemos passar é como a “impressão digital” da simetria de calibre local está contida na simetria de calibre global, por meio de uma interação corrente-campo (Dirac/Schwinger) e uma análise mais algébrica (iterativa), complementando a abordagem geométrica de Yang-Mills/Utiyama.

Palavras-chave:
Teoria de Campos; Teorias de calibre

Abstract

The aim of this work is to present and discuss the Shaw-Deser methodology to describe the interaction between matter and radiation by gauge symmetry (abelian/non-abelian). Between the lines, the message we intend to convey is how the “ fingerprint ” of local gauge symmetry is contained in global gauge symmetry, through a current-field interaction (Dirac/Schwinger) and a more algebraic (iterative) analysis, complementing the geometrical approach of Yang-Mills/Utiyama.

Keywords:
Field theory; Gauge theory

1. Conceitos Preliminares

Como sabemos a busca por uma teoria unificada que consiga descrever as interações da natureza (eletromagnética, fraca, forte e gravitacional) vem de longa data, com o princípio de calibre [1][1] L. O'Raifeartaigh, The Dawning of Gauge Theory (Princeton University Press, Princeton, 1997). protagonizando esse busca e por conseguinte, com simetria de calibre determinando a interação entre matéria, radiação e suas auto-interações.

Quem primeiro apontou na direção de que o princípio de calibre advindo do eletromagnetismo poderia ser extendido para descrever outras interações (gravitacional) foi Weyl [2][2] H. Weyl, Preuss Akad. Wiss. 465, 29 (1918)., na tentativa da simetria de calibre ser elevada a um nível mais fundamental. Tendo em vista o desenvolvimento e a descrição das interações fortes por Heisenberg, Tamm e Yukawa [3[3] W. Heisenberg, I. Z. Physik 77, 1 (1932). [4] I.G. Tamm, Nature 133, 981 (1934).-5[5] H. Yukawa, Proc. Phys. Math. Soc. Jpn. 17, 48 (1935).], em que partículas nucleares (protons e neutrons) estariam trocando mésons (píons), Yang and Mills retomam o empreendimento de Weyl [1[1] L. O'Raifeartaigh, The Dawning of Gauge Theory (Princeton University Press, Princeton, 1997)., 6[6] H. Weyl, Zeit. f. Physik 330, 56 (1929).], no esforço de explicar a interação forte generalizando a simetria de fase (isospin global) para um patamar local [7][7] C.N. Yang e R. Mills, Phys. Rev. 96, 191 (1954)., onde aparece o conceito de derivada covariante. Porém, como era bem sabido por Pauli [8][8] N. Straumann, em The Ninth Marcel Grossmann Meeting, editado por V.G Gurzadyan, R.T Jantzen e R. Ruffini (World Scientific, Singapore, 2002), as partículas intermediadoras dessa interação associada a simetria de isospin local são não massivas, contradizendo o fato da interação forte ser descrita por uma interação de curto alcance e partículas massivas. Paralelamente ao trabalho de Yang-Mills, Utiyama estabelece um cojunto de diretrizes para construir uma teoria de gauge para todos os grupos de Lie semi-simples e inclui também no estudo, a relação entre a gravitação na formulação de tetradas e o eletromagnetismo via conexão [9[9] R. Utiyama, Phys. Rev. 101, 1597 (1597)., 10[10] O.A. Acevedo, R.R. Cuzinatto, B.M. Pimentel e P.J. Pompeia, Rev. Bras. Ens. Fis. 40, e4302 (2018).]. Nos dias atuais, o caráter geométrico das interações fundamentais ainda é explorado [11[11] M.D. Maia, Geometry of the Fundamental Interactions (Springer-Verlag, New York, 2011)., 12[12] R. Aldrovandi e J.G. Pereira, An Introduction to Geometrical Physics (World Scientific, Cingapura, 2017), 2ª ed.].

Por outro lado, colateralmente a prescrição de Yang-Mills/Utiyama, e praticamente na mesma época, Shaw desenvolve sua abordagem [13[13] R. Shaw, Problem of Particle Types and Other Contributions to the Theory of Elementary Particles. Tese de Doutorado, Cambridge University, Cambridge (1955)., 14[14] J.C. Taylor, Gauge Theories In The Twentieth Century (World Scientific Publishing Company, Singapore, 2001).], com incentivo diferente. Tendo em vista a atenção dada por Dirac na análise da simetria de calibre da época [15][15] P.A.M. Dirac, Il Nuovo Cim. 7, 925 (1950). e o trabalho de Schwinger [16][16] J. Schwinger, Phys. Rev., 91 713 (1953)., Shaw percebeu que a simetria de calibre do eletromagnetismo U(1) apresentado na sua forma real bidimensional SO(2) poderia ser generalizado para SU(2), onde teríamos campos vetoriais auto-interagindo, extendendo o trabalho de seu orientador de doutorado (Salam) sobre campos escalares com auto-interação [17][17] A. Salam, Phys. Rev. 82, 217 (1951).. Implicitamente na abordagem de Shaw, vemos um forte apelo de implementarmos na lagrangiana termos do tipo corrente-campo (J×A) com o intuito de obtermos uma simetria de calibre local. Sendo assim, o objetivo ao longo do texto é de analisar minuciosamente esse apelo por meio da abordagem contída no trabalho de Deser [18[18] S. Deser, General Relativity and Gravitation 1, 9 (1970). [19] S. Okubo, Introduction To General Relativity, lectures notes Preprint UR-695 (University of Rochester, Rochester, 1978).-20[20] M. Blagojevic, Gravitation and gauge symmetries (Routledge, Abingdon, 2001).].

Portanto o artigo é organizado da seguinte forma: Na Secção-2 e Secção-3 estudamos a simetria de calibre abeliana U(1) no caso da eletrodinâmica. Na Secção-4 exploramos novamente a simetria de calibre abeliana U(1) porém no caso da eletrodinâmica escalar. Na Secção-5 analisamos a simetria de calibre não abeliana SU(2). Por fim, as conclusões estão na Secção-6.

2. Simetria U(1)

Com o intuito de introduzir a simetria de calibre abeliana (global-local), vamos relembrar como a mesma surge de uma linguagem relativística descrevendo a interação entre matéria e radiação [21[21] J. Foster e J.D. Nightingale, A Short Course in General Relativity (Springer, New York, 2006), 3ª ed., 22[22] L.D. Landau e E.M. Lifshitz, The Classical Theory of Fields (Butterworth-Heinemann, Oxford, 1987), 4ª ed.].

2.1. Radiação (fótons)

Dessa forma, inicialmente, construimos uma ação que represente as equações de movimento relativística associada a interação de uma partícula com um campo eletromagnético externo na forma covariante

(1) S = S l i v r e + S i n t , S l i v r e = m d s , S i n t = e A μ d x μ ,

onde ds2 é o intervalo associado a medidas de distância no espaço de Minkowski. Conseqüentemente aplicando o princípio da mínima ação

(2) δ S = 0 , x μ = x μ + δ x μ ,

juntamente com as identidades

(3) δ d s = 1 d x μ d x μ d x μ δ d x μ δ S l i v r e = m d 2 x μ d s 2 δ x μ d s , δ ( A μ d x μ ) = [ μ A ν ν A μ ] d x ν d s δ x μ d s δ S i n t = e [ μ A ν ν A μ ] d x ν d s δ x μ d s ,

encontramos a equação que representa a força de Lorentz na forma covariante

(4) m d 2 x μ d s 2 = e F μ ν d x ν d s , F μ ν = ˙ [ μ A ν ν A μ ] .

Partículas se movendo a velocidades newtonianas (v1) interagem com o campo eletromagnético da seguinte forma

(5) m d 2 x i d t 2 = e F i 0 e F i j d x j d t = e E i + e ( v × B ) i ( experimental ) ,

onde na aproximação tempo próprio passou a ser o tempo coordenado.

Definimos os campos elétricos E e magnéticos B em termos do 4-potencial Aμ=(ϕ,A) a partir da equação anterior

(6) E = ˙ A t ϕ , B = ˙ × A .

Observe que os campos elétricos e magnéticos definidos anteriormente são invariantes perante a trasformação de calibre abeliana

(7) ϕ ϕ ' = ϕ t α , A A ' = A + α ,

onde é necessário utilizar a identidade vetorial ×(α)=0. Os campos elétricos E e magnéticos B são os campos que realmente tem conteúdo físico no sentido de representarem os verdadeiros graus de liberdade apresentados na natureza. Já o 4-potencial Aμ possui uma liberdade de escolha a qual estamos representando pelas transformações de calibre (local)

(8) A μ A ' μ = A μ + μ α .

A partir do conjunto de equações (6) encontramos

(9) × E = B t , · B = 0 ,

onde além de aplicar o rotacional e o divergente utilizamos as identidades vetoriais

(10) × ( ϕ ) = 0 , · ( × A ) = 0 .

Por outro lado, podemos também sintetizar em uma linguagem covariante como correntes eletromagnéticas (fontes) geram campos, por meio da seguinte ação

(11) S M = d 4 x L , L = L M + L interação , L M = 1 4 F μ ν F μ ν , L interação = J μ A μ ,

cujas equações de movimento, pelo pricípio da mínima ação de Hamilton, são dadas por

(12) μ F λ μ = J λ .

Se impormos que SM é invariante pela transformação de calibre em eq. (8) temos como consequência uma equação de continuidade para a 4-corrente Jμ=(ρ,j), μJμ=0. Desse modo, com a finalidade de mater a simetria de calibre apenas correntes conservadas devem se acoplar com campos eletromagnéticos na forma corrente-campo (JμAμ). Por fim, a equação (12) pode ser escrita em termos dos campos eletromagnéticos e das componentes da 4-corrente

(13) · E = ρ , × B = E t + j .

Portanto as equações clássicas de movimento de na presença de fontes podem ser unificadas (Maxwell)

(14) · E = ρ , · B = 0 , × E = B t , × B = E t + j ,

tendo em vista eq. (9) e eq. (13). Observe que a dinâmica é dada pelas equações que tem variações temporais dos campos.

2.2. Matéria (elétrons)

Assim como campos relativísticos descrevem a radiação, o mesmo deve acontecer com a matéria [23][23] S.S. Schweber, An Introduction to Relativistic Quantum Field Theory (Row, Peterson and Company, New York, 1961).. Como sabemos uma partícula relativística é descrita cinemáticamente pelas seguinte equações

(15) p μ p μ = m 2 (Einstein) , p μ = ( E , p ) = i μ (princípio da correspondência, Schrödinger),

onde somos conduzidos a uma equação de Klein-Gordon-Fock (KGF) (+m2)ψ=0.

Agora podemos aplicar o procedimento de Dirac para encontrar uma equação de primeira ordem a partir de uma equação de segunda ordem (KGF). Um conjunto de equações diferenciais em primeira ordem é escrita de maneira geral na forma

(16) i γ μ μ m I ψ = 0 ,

em que γμ são certas matrizes, I é a matriz identidade e ψ é um vetor coluna. Sendo assim devemos ter que

(17) α + α ν ν i γ μ μ m I = + m 2 ,

ou seja,

(18) i α γ μ μ α I m + i 2 α ν γ μ + α μ γ ν μ ν α ν I m ν = + m 2 ,

em que para que essa igualdade seja verdadeira, as condições

(19) i α γ μ α μ I m = 0 , i 2 α ν γ μ + α μ γ ν = g μ ν , α I m = m 2 I ,

devem ser obedecidas. Estas condições conduzem a α=mI, αμ=iγμ e também

(20) γ ν γ μ + γ μ γ ν = 2 η μ ν (álgebra de Clifford) .

Por fim tendo em vista que |ψ|2 deve representar uma densidade de carga elétrica associada a uma equação de continuidade, construímos a ação de Dirac

(21) S D = d 4 x L D , L D = ψ ¯ i γ μ μ m ψ , ψ ¯ = ψ γ 0 .

Observe que a ação é invariante pela transformação de calibre (global)

(22) ψ ψ ' = exp [ i α ] ψ , ψ ¯ ψ ¯ ' = ψ ¯ exp [ i α ] .

Tendo em vista o Teorema de Emmy Noether a transformação global acima (infinitesimal) esta associada a uma simetria

(23) δ S D = d 4 x δ L D = d 4 x μ [ δ ψ ¯ L D ( μ ψ ¯ ) + L D ( μ ψ ) δ ψ ] = d 4 x μ ( i α ψ ¯ γ μ ψ ) = 0.

Sendo assim

(24) J μ = e ψ ¯ γ μ ψ , μ J μ = 0 ( equação da continuidade ) , Q = e d 3 x ψ ¯ γ 0 ψ ( carga conservada ) .

3. Eletrodinâmica

Como foi visto anteriormente, sabemos como descrever radiação e matéria por meio de campos relativísticos de Maxwell e Dirac respectivamente, e sabemos também que a interação entre os mesmos advém de um acoplamento corrente-campo em que a corrente é uma quantidade conservada. Consequentemente temos a seguinte densidade de lagrangiana

(25) L T = L M + L D + L interação , L interação = J μ A μ , J μ = e ψ ¯ γ μ ψ .

O termo de interação corrente-campo (eψ¯γμψAμ) pode ser escrito em termos dos diagramas de Stüeckelberg-Feynman (vértice) [24[24] E. Stüeckelberg, Phys. Acta 14, 588 (1941). [25] E. Stüeckelberg, Helv. Phys. Acta 14, 588 (1941). [26] J. Lacki, H. Ruegg and G. Wanders e E.C.G. Stueckelberg, An Unconventional Figure of Twentieth Century Physics (Birkhäuser Verlag AG, Basel, 2008). [27] R. Feynman, Rev. Mod. Phys. 20, 367 (1948). [28] S.S. Schweber, QED and the Men Who Made It (Princeton University, New Jersey, 1994). [29] A.C. Aguilar, Rev. Bras. Ens. Fis. 40, e4205 (2018).-30[30] V. Pleitez, Rev. Bras. Ens. Fis. 40, e4208 (2018).], vide Figura 1.

Figura 1
Vértice da eletrodinâmica

Ao escrevermos a equação anterior explícitamente

(26) L T = 1 4 F μ ν F μ ν + ψ ¯ ( i γ μ μ m ) ψ + e ψ ¯ γ μ ψ A μ = 1 4 F μ ν F μ ν + ψ ¯ ( i γ μ D μ m ) ψ ,

vemos o surgimento da derivada covariante Dμ=μieAμ [31][31] P.A.M. Dirac, The Principle of Quantum Mechanics (Oxford University Press, London, 1958), 4ª ed.. A simetria de calibre abeliana e local é dada pelas seguintes transformações de campos (infinitesimais)

(27) ψ ψ ' = ψ + i α ψ , ψ ¯ ψ ¯ ' = ψ ¯ i α ψ ¯ , A μ A μ ' = A μ 1 e μ α .

Portanto a simetria de calibre global garante uma corrente conservada, a qual acoplada com o campo na forma corrente-campo nos gera uma densidade de Lagrangiana total LT com simetria de calibre local, em que é possível observar naturalmente o surgimento do conceito de derivada covariante. Sendo assim, podemos dizer que a simetria de calibre global contém a “impressão digital” da simetria de calibre local.

4. Eletrodinâmica Escalar

Da mesma forma que no caso anterior, vamos aplicar a idéia de interação corrente-campo para o caso onde a matéria é descrita por campos escalares (KGF) [32[32] J.D. Bjorken e S.D. Drell, Relativistic quantum mechanics (MC Graw Hill Book Company, New York, 1964). [33] J.D. Bjorken e S.D. Drell, Relativistic quantum fields (McGraw-Hill Book Company, New York, 1965). [34] L. Ryder, Quantum Field Theory (Cambridge University Press, Cambridge, 1996), 2ª ed.-35[35] A.F. Ferrari, A.A. Nogueira e C. Palechor, Rev. Bras. Ens. Fis. 40, e3315 (2018).].

4.1. Equações de segunda ordem

No momento é de nosso conhecimento que a matéria pode ser descrita por campos escalares complexos pela seguinte equação de movimento (+m2)ϕ=0, a qual pode ser escrita em termos da seguinte densidade de lagrangiana

(28) L 0 = ϕ ( + m 2 ) ϕ μ ϕ μ ϕ m 2 ϕ ϕ ,

em que a operação significa que as lagrangianas são equivalentes a menos de um termo de superfície e temos uma simetria de calibre global

(29) ϕ ϕ ' = exp [ i α ] ϕ , ϕ * ϕ ' * = exp [ i α ] ϕ * .

Sendo assim, utilizando o teorema de Emmy Noether, a transformação global acima (infinitesimal) esta associada a uma simetria

(30) δ S 0 = d 4 x δ L 0 = d 4 x μ [ L 0 ( μ ϕ ) δ ϕ + L 0 ( μ ϕ ) δ ϕ ] = d 4 x μ ( i α μ ϕ ϕ + i α ϕ μ ϕ ) = 0 ,

onde definimos uma corrente conservada

(31) J μ 0 = i e ( μ ϕ ϕ + ϕ μ ϕ ) = i e ϕ μ ϕ .

Agora ao aplicar a metodologia corrente-campo temos a seguinte densidade de Lagrangiana

(32) L 1 = μ ϕ μ ϕ m 2 ϕ ϕ + 1 2 J μ 0 A μ = μ ϕ μ ϕ m 2 ϕ ϕ + i e 2 ( μ ϕ ϕ + ϕ μ ϕ ) A μ ,

Em termos dos diagramas de Stüeckelberg-Feynman a interação (μϕ*ϕ+ϕ*μϕ)Aμ pode ser escrita em termos de um vértice, vide Figure 2. Podemos aplicar novamente o teorema de Emmy Noether, via eq. (30) e encontrar novamente a seguinte corrente conservada

Figura 2
Vértice da eletrodinâmica escalar
(33) J μ 1 = J μ 0 + e ( ϕ * ϕ + ϕ ϕ * ) .

Deste modo, pensando de maneira iterativa, podemos aplicar novamente a metodologia corrente-campo encontrando a seguinte densidade de lagrangiana

(34) L 2 = L 1 + 1 2 J μ 1 A μ = μ ϕ μ ϕ m 2 ϕ ϕ + [ i e ( μ ϕ ϕ + ϕ μ ϕ ) + e 2 ϕ ϕ A μ ] A μ ,

onde ao utilizarmos novamente o teorema de Emmy Noether não geramos mais termos para a corrente conservada e dessa forma paramos por aqui com a iteração. Novamente em termos dos diagramas de Stüeckelberg-Feynman a interação e2ϕ*ϕAμAμ pode ser escrita em termos de um vértice, vide Figure 3.

Figura 3
Vértice da eletrodinâmica escalar

Sendo assim ao incluirmos a radiação temos a seguinte densidade de lagrangiana total

(35) L T = 1 4 F μ ν F μ ν + ( D μ ϕ ) * D μ ϕ m 2 ϕ * ϕ ,

em que novamente noção de derivada covariante Dμ=μieAμ surge naturalmente de uma simetria global e interação corrente-campo.

Como foi possível observar, novamente por meio da simetria global e do acoplamento corrente-campo é possível gerar uma simetria de calibre local, porém diferentemente da eletrodinâmica, a eletrodinâmica escalar precisa de um ingrediente a mais, que no caso é o processo de iteração. Na primeira iteração geramos um vértice de interação (Feynman) e na segunda iteração geramos um segundo vértice, que no caso é suficiente para se ter uma simetria de calibre local.

4.2. Equações de primeira ordem

É possível também escrever a densidade de Lagrangiana que descreve o comportamento de campos escalares complexos em eq. (28) no formalismo de primeira ordem

(36) L 0 = 1 2 μ ϕ * B μ + 1 2 B * μ μ ϕ + 1 2 B * μ B μ m 2 ϕ * ϕ ,

em que Bμ é um campo auxiliar que reduz a ordem. Pelas equações de movimento temos que

(37) B μ = μ ϕ , B * μ = μ ϕ * ,

e a simetria de calibre global continua sendo ditada por eq. (29).

Neste caso novamente pelo teorema de Emmy Noether em eq. (30) a simetria de calibre global nos conduz a seguinte corrente conservada

(38) J μ 0 = i e ( B μ * ϕ + ϕ * B μ ) .

Logo ao aplicar a metodologia corrente-campo temos a seguinte densidade de Lagrangiana

(39) L 1 = 1 2 μ ϕ B μ + 1 2 B μ μ ϕ + 1 2 B μ B μ m 2 ϕ ϕ + 1 2 J μ 0 A μ = 1 2 ( μ ϕ i e ϕ A μ ) B μ + 1 2 B μ ( μ ϕ + i e ϕ A μ ) + 1 2 B μ B μ m 2 ϕ ϕ

e portanto, ao encontrar as equações de movimento temos o seguinte

(40) B μ = ( D μ ϕ ) , B * μ = ( D μ ϕ ) * ,

onde naturalmente temos o surgimento da derivada covariante Dμ=μieAμ e a garantia de uma simetria de calibre local. Substituindo eq. (40) em eq. (39) temos ao incluirmos a radiação eq. (35).

Por fim, curiosamente, ao reduzirmos a ordem, obtemos a simetria de calibre local e a idéia de derivada covariante por meio de uma simetria de calibre global diretamente, sem a necessidade de iterações e com a informação contída em apenas um vértice (J0μAμ e Figura 2), diminuindo assim o número de diagramas de Stüeckelberg-Feynman necessários para descrever a interação entre campos escalares complexos e campos vetoriais. Podemos também descrever o comportamento de campos escalares por meio do formalismo de Duffin-Kemmer-Petiau [36][36] T.R. Cardoso e B.M. Pimentel, Rev. Bras. Ens. Fis. 38, 3 (2016)., onde temos uma equação na forma de Dirac e sendo assim de primeira ordem, e um vértice tipo eletrodinâmica (Figura 1).

5. Simetria SU(2)

Neste momento estamos aptos a analisar uma simetria de calibre não abeliana (global-local) [37[37] J.B. Neto, Eletrodinâmica Quântica, notas de curso (IF/UFRJ, Rio de Janeiro, 1988)., 38[38] V. Rubakov, Classical Theory of Gauge Fields (Princeton University Press, Princeton, 2002).], sempre explorando como o conceito de simetria global e o acoplamento do tipo corrente-campo nos leva a uma simetria local (Shaw-Deser) [18[18] S. Deser, General Relativity and Gravitation 1, 9 (1970). [19] S. Okubo, Introduction To General Relativity, lectures notes Preprint UR-695 (University of Rochester, Rochester, 1978).-20[20] M. Blagojevic, Gravitation and gauge symmetries (Routledge, Abingdon, 2001).]. O protótipo dessa idéia pode ser visto na análise de Shaw para a simetria SO(2) [1[1] L. O'Raifeartaigh, The Dawning of Gauge Theory (Princeton University Press, Princeton, 1997)., 13[13] R. Shaw, Problem of Particle Types and Other Contributions to the Theory of Elementary Particles. Tese de Doutorado, Cambridge University, Cambridge (1955)., 14[14] J.C. Taylor, Gauge Theories In The Twentieth Century (World Scientific Publishing Company, Singapore, 2001).]. Como a inspiração para esse estudo é baseada na descrição de interações em física nuclear com conceitos do eletromagnetismo (simetria de calibre), vamos emprestar a seguinte nomeclatura: Hadrons são as partículas que carregam a interação forte e são divididas em bárions (prótons e neutrons) e mésons (píons). Vamos chamar o estudo da interação entre os hadrons de hadrodinâmica.

5.1. Matéria (bárions)

Seguindo a fenomenologia associada a interação forte (isospin), com o intuito de descrever o comportamento de prótons e neutrons (núcleons), escrevemos uma densidade de Lagrangiana em termos de um dublete de campos de Dirac

(41) L ( d u b l e t e ) = ψ ¯ i i γ μ μ m ψ i , i = 1 , 2 .

Por comodidade, geralmente omitimos os indices internos

(42) ψ = ψ 1 ψ 2 .

A densidade de Lagrangiana anterior é invariante pela seguinte transformação

(43) ψ ψ ' = U ψ , ψ ¯ ψ ¯ ' = ψ ¯ U ,

em que UU=1, sendo U2×2 uma matriz unitária (U1=U) pertencente ao conjunto de matrizes com entradas no corpo dos números complexos. Pois bem, matrizes unitárias satisfazem os aximomas de um grupo de transformações (associatividade, existência do elemento neutro e existência do elemento simétrico) [39][39] M. Hamermesh, Group Theory and its Application to Physical Problems (Addison-Wesley Publishing Company, Boston, 1962)..

Agora de maneira geral, matrizes unitárias U2×2 podem ser escritas como U=exp[iH], onde H2×2 é uma matrix hermitiana (H=H). Como sabemos, matrizes hermitianas satisfazem os axiomas de um espaço vetorial (associatividade, comutatividade, elemento identidade, elemento inverso, compatibilidade e distributividade) [40][40] T.M. Apostol, Calculus vol. 1, One-Variable Calculus, with an Introduction to Linear Algebra (John Wiley and Sons, New York, 1991), 2ª ed. e sendo assim no presente caso podemos escrever H2×2 em termos da seguinte base {I,σ1,σ2,σ3}

(44) H = x 0 I + x a σ a , a = 1 , 2 , 3 ; I = 1 0 0 1 , σ 1 = 1 0 0 1 σ 2 = 0 1 1 0 σ 3 = 0 i i 0 .

Portanto, a menos de uma fase global (exp[ix0I]), com os resultados anteriores podemos dizer que a matriz U possui a seguinte forma

(45) U = exp [ i α ( a ) T ( a ) ] , a = 1 , 2 , 3 ; [ T ( a ) , T ( b ) ] = i ϵ a b c T ( c ) ,

em que αa=2xa, Ta=12σa e ϵabc é o símbolo de Levi-Civita com ϵ123=1. Por fim, pela identidade detU=exp[trlnU] concluímos que detU=1. Representamos o grupo de transformações especiais (detU=1), unitárias (U) e em 2 dimensões pela seguinte nomeclatura, SU(2). O grupo de transformações SU(2) é um exemplo contido em uma estrutura matemática mais abstrata e geral conhecida como grupos de Lie [41[41] A. Das e S. Okubo, Lie Groups and Lie Algebras for Physicists (World Scientific Publishing Company, Singapura, 2014)., 42[42] L.A. Ferreira, Lecture Notes on Lie Algebras and Lie Groups, disponível em: http://www.ifsc.usp.br/~laf/algebra/notes.pdf
http://www.ifsc.usp.br/~laf/algebra/note...
].

Como pode ser visto, a ação associada ao dublete de férmions (S(dublete)=d4xL(dublete)) é invariante pela seguinte transformação de calibre infinitesimal (global)

(46) ψ ψ ' = ψ + δ ψ , ψ ¯ ψ ¯ ' = ψ ¯ + δ ψ ¯ ,

em que

(47) δ ψ = i α a T ( a ) ψ , δ ψ ¯ = i α a ψ ¯ T ( a ) .

Por meio do Teorema de Emmy Noether a transformação de simetria global acima (infinitesimal) esta associada a uma carga conservada

(48) δ S (dublete) = d 4 x δ L ( d u b l e t e ) = d 4 x μ [ L ( d u b l e t e ) ( μ ψ ) δ ψ ] = d 4 x μ ( i α a ψ ¯ γ μ T ( a ) ψ ) = 0 ,

onde definimos a seguinte corrente conservada J(a)μ=gψ¯γμT(a)ψ, sendo g uma carga.

Consequentemente, a prescrição do acoplamento corrente-campo nos leva a seguinte densidade de lagrangiana associada ao dublete de férmions minimamente acoplados com campos vetoriais externos (Maxwell)

(49) L matéria = L ( d u b l e t e ) + L interação , L interação = J ( a ) μ A ( a ) μ .

Por meio dos diagramas de Stüeckelberg-Feynman a interação gψ¯γμT(a)ψA(a)μ pode ser escrita em termos de um vértice, vide Figure 4.

Figura 4
Vértice da hadrodinâmica

Agora a questão que nos resta é como inserir na densidade de Lagrangiana anterior a radiação, assunto abordado na próxima subsecção. Mas antes, vamos encontrar a transformação que os campos vetorias A(a)μ devem ter de tal forma que a transformação de calibre global em eq. (45) passa a ser local e depender de ponto αa(x) e uma simetria de calibre local de Lmatéria. Para isso basta escrevermos eq. (49) em termos do conceito de derivada covariante

(50) L matéria = ψ ¯ i γ μ D μ m ψ , D μ = μ + i g A ( a ) μ T ( a ) ,

e impormos que A(a)μ deve se transformar de tal forma que

(51) D μ ψ D μ ψ ' = U D μ ψ .

A solução para esse problema será a seguinte transformação de calibre (infinitesimal) local para os campos A(a)μ

(52) A ( a ) μ A ( a ) μ ' = A ( a ) μ 1 g μ α a ϵ a b c α b A ( c ) μ .

5.2. Radiação (mésons)

Seguindo os passos do eletromagnetismo, campos que se acoplam com correntes conservadas na forma corrente-campo devem possuir a seguinte simetria de calibre local

(53) A ( a ) μ A ( a ) μ ' = A ( a ) μ + μ α ( a ) .

Desse modo construímos a seguinte densidade de Lagrangiana

(54) L ( t r i p l e t e ) ( 0 ) = 1 4 F ( a ) μ ν F ( a ) μ ν , F a μ ν = [ μ A ( a ) ν ν A ( a ) μ ] , a = 1 , 2 , 3 .

Como podemos observar, a densidade de Lagrangiana anterior é invariante pela seguinte simetria global (rotações)

(55) A ( a ) μ A ( a ) μ ' = R a b A ( b ) μ , R t R = I ,

sendo Rt a matrix transposta de R. De maneira geral podemos escrever R3×3 da seguinte modo R=exp[G], dessa forma Gt=G e sendo assim as matrizes G3×3 são anti-simétricas e constituem um espaço vetorial. Podemos escrever G na seguinte base Gab=xaϵ(a)bc, em que ϵ(a)bc é o símbolo de Levi-Civita.

Portanto, com os resultados anteriores, podemos dizer que a matriz R possui a seguinte forma (Lie) [41[41] A. Das e S. Okubo, Lie Groups and Lie Algebras for Physicists (World Scientific Publishing Company, Singapura, 2014)., 42[42] L.A. Ferreira, Lecture Notes on Lie Algebras and Lie Groups, disponível em: http://www.ifsc.usp.br/~laf/algebra/notes.pdf
http://www.ifsc.usp.br/~laf/algebra/note...
].

(56) R = exp [ i α ( a ) T ( a ) ] , a = 1 , 2 , 3 ; [ T ( a ) , T ( b ) ] = i ϵ a b c T ( c ) ,

em que αa=ixa, T(a)bc=iϵ(a)bc. Observe que temos a seguinte identidade de Jacobi

(57) [ T ( a ) , [ T b , T c ] ] + [ T ( b ) , [ T c , T a ] ] + [ T ( c ) , [ T a , T b ] ] = 0 ,

sendo [,] o comutador. Por fim, pela identidade detR=exp[trlnR] concluímos que detR=1. Representamos o grupo de transformações especiais (detR=1), ortogonais (O) e em 3 dimensões pela seguinte nomeclatura, SO(3). Como podemos perceber, SO(3) é uma representação de SU(2) no corpo dos reais.

Como pode ser visto, a ação associada ao triplete de bosons vetoriais (S(triplete)(0)=d4xL(triplete)(0)) é invariante pela seguinte transformação de calibre infinitesimal (global)

(58) A ( a ) μ A ( a ) μ ' = A ( a ) μ + δ A ( a ) μ , δ A ( a ) μ = i α ( b ) T ( b ) a c A ( c ) μ .

Agora, utilizando a experiência que tivemos no caso do campo escalar com auto-interação, vamos reduzir a ordem da Lagrangiana associada ao triplete de bosons vetoriais por meio de um conjunto de campos auxiliares (B(a)μν)

(59) L ( t r i p l e t e ) = F ( a ) μ ν B ( a ) μ ν + B ( a ) μ ν B ( a ) μ ν , a = 1 , 2 , 3 .

com o intuito de estudar a relação entre campos vetoriais com auto-interação e a simetria de calibre (global/local) de maneira direta. Dessa forma a transformação de calibre infinitesimal (global) é dada por

(60) A ( a ) μ A ( a ) μ ' = A ( a ) μ + δ A ( a ) μ , B ( a ) μ B ( a ) μ ' = B ( a ) μ + δ A ( a ) μ ,

em que

(61) δ A ( a ) μ = i α ( b ) T ( b ) a c A ( c ) μ , δ B ( a ) μ = i α ( b ) T ( b ) a c B ( c ) μ .

Agora, por meio do Teorema de Emmy Noether a transformação de simetria global acima (infinitesimal) esta associada a uma carga conservada

(62) δ S (triplete) = d 4 x δ L ( t r i p l e t e ) = d 4 x μ [ L ( t r i p l e t e ) ( μ A ( s ) ν ) δ A ( s ) ν ] = d 4 x μ ( 2 B ( s ) μ ν i α ( b ) T ( b ) s c A ( c ) ν ) = 0 ,

onde definimos a seguinte corrente conservada

(63) J ( b ) μ = 2 g ϵ ( b ) s c B ( s ) μ ν A ( c ) ν ,

Seguindo a prescrição de Shaw-Deser de interação corrente-campo juntamente com a experiência obtida na análise do campo escalar escrevemos a seguinte densidade de Lagrangiana

(64) L ( t r i p l e t e ) = F ( a ) μ ν B ( a ) μ ν + B ( a ) μ ν B ( a ) μ ν + 1 2 J ( b ) μ A ( b ) μ , = [ F ( a ) μ ν + g ϵ ( a ) b c A ( b ) μ A ( c ) ν ] B ( a ) μ ν + B ( a ) μ ν B ( a ) μ ν ,

onde temos como consequência a seguinte equação de movimento para o campo auxiliar

(65) B ( a ) μ ν = 1 2 F ( a ) μ ν + g ϵ ( a ) b c A ( b ) μ A ( c ) ν .

Dessa forma, a densidade de Lagrangiana associada ao triplete de campos vetorias pode ser escrita do seguinte modo

(66) L radiação = L ( t r i p l e t e ) = 1 4 B ( a ) μ ν B ( a ) μ ν .

A densidade de Lagrangiana anterior é invariante pela transformação de calibre local vista em eq. (52). Para demonstrar o fato anterior é necessário utilizar a identidade de Jacobi

(67) ϵ a b d ϵ c d e + ϵ c a d ϵ b d e + ϵ b c d ϵ a d e = 0 ,

que é habitual na literatura.

Por motivos de completeza, vamos encontrar a densidade de Lagrangiana associada ao triplete de campos vetoriais em eq. (66) com a prescrição de Shaw-Deser de interação corrente-campo juntamente com o método iterativo, sem reduzir a ordem da Lagrangiana com um campo auxiliar. Novamente por meio do Teorema de Emmy Noether a transformação de simetria global em eq. (58) (infinitesimal) esta associada a seguinte carga conservada

(68) δ S (triplete) ( 0 ) = d 4 x δ L ( t r i p l e t e ) ( 0 ) = d 4 x μ [ L ( t r i p l e t e ) ( 0 ) ( μ A ( s ) ν ) δ A ( s ) ν ] = d 4 x μ ( F ( s ) μ ν i α ( b ) T ( b ) s c A ( c ) ν ) = 0 ,

onde definimos a seguinte corrente conservada

(69) J ( b ) ( 0 ) μ = g 0 ϵ ( b ) s c F ( s ) μ ν A ( c ) ν ,

sendo g0 uma carga associada (proporcional) a constante de acoplamento universal g. Seguindo a prescrição de Shaw de interação corrente-campo e o método iterativo visto para campos escalares auto-interagentes escrevemos a seguinte densidade de Lagrangiana

(70) L ( t r i p l e t e ) ( 1 ) = 1 4 F ( a ) μ ν F μ ν ( a ) + J ( b ) ( 0 ) μ A ( b ) μ = 1 4 F ( a ) μ ν F μ ν ( a ) g 0 ϵ ( b ) s c F ( s ) μ ν A ( c ) ν A ( b ) μ ,

onde via os diagramas de Stüeckelberg-Feynman a interação g0ϵ(b)scF(s)μνA(c)νA(b)μ pode ser escrita em termos de um vértice, vide Figure 5. Esse vértice também descreve a interação J(b)μA(b)μ, vista anteriormente no formalismo de redução de ordem. Podemos aplicar novamente o teorema de Emmy Noether

Figura 5
Vértice da hadrodinâmica
(71) δ S (triplete) ( 1 ) = d 4 x δ L ( t r i p l e t e ) ( 1 ) = d 4 x θ [ L ( t r i p l e t e ) ( 1 ) ( θ A ( r ) β ) δ A ( r ) β ] = d 4 x θ [ α ( f ) F ( r ) θ β ϵ ( f ) r c A ( c ) β + 2 g 0 ϵ ( b ) r c ϵ ( f ) r d α ( f ) A ( c ) β A ( b ) θ A ( d ) β ] = 0 ,

e definir novamente a seguinte corrente conservada

(72) J ( f ) ( 1 ) θ = g 1 [ F ( r ) θ β ϵ ( f ) r c A ( c ) β + 2 g 0 ϵ ( b ) r c ϵ ( f ) r d A ( c ) β A ( b ) θ A ( d ) β ] .

Neste caso, acoplando novamente as correntes com os campos, chegamos ao seguinte resultado

(73) L ( t r i p l e t e ) ( 1 ) = 1 4 F ( a ) μ ν F μ ν ( a ) g 0 ϵ ( b ) s c F ( s ) μ ν A ( c ) ν A ( b ) μ + J ( f ) ( 1 ) θ A ( f ) θ = 1 4 F ( a ) μ ν F μ ν ( a ) ( g 0 + g 1 ) ϵ ( b ) s c F ( s ) μ ν A ( c ) ν A ( b ) μ + 2 g 0 g 1 ϵ ( b ) r c ϵ ( f ) r d × A ( c ) β A ( b ) θ A ( d ) β A ( f ) θ ,

e percebemos que ao utilizarmos novamente o teorema de Emmy Noether não geramos mais termos para a corrente conservada e sendo assim paramos por aqui com o método iterativo. Com os diagramas de Stüeckelberg-Feynman a interação g0g1ϵ(b)rcϵ(f)rdA(c)βA(b)θA(d)βA(f)θ pode ser escrita em termos de um vértice, vide Figure 6.

Figura 6
Vértice da hadrodinâmica

Agora para que eq. (73) seja equivalente à eq. (70) e dessa forma, por meio de uma simetria de calibre global obtermos uma simetria de calibre local, devemos resolver o seguinte sistema de equações

(74) g 0 + g 1 = g 2 , 2 g 0 g 1 = g 2 4 .

O sistema de equações anterior nos leva a seguinte equação polinomial de segundo grau

(75) 8 g 0 2 4 g g 0 g 2 = 0 ,

cuja resolução nos conduz ao seguinte resultado

(76) g 0 = g 4 ( 1 ± 3 ) , g 1 = g 4 ( 1 3 ) ,

em que observamos a relação entre a simetria de calibre local e a universalidade da constante de acoplamento, proporcional a g.

Portanto os resultados anteriores nos levam a sintetizar a seguinte lagrangiana

(77) L T = L radiação + L matéria = L (triplete) + L (dublete) + L interação = 1 4 B ( a ) μ ν B ( a ) μ ν + ψ ¯ ( i γ μ D μ m ) ψ ,

em que a simetria de calibre não abeliana e local é dada pelas seguintes transformações de campos (infinitesimais)

(78) ψ ψ ' = ψ + i α a T ( a ) ψ , ψ ¯ ψ ¯ ' = ψ ¯ i α a ψ ¯ T ( a ) , A ( a ) μ A ( a ) μ ' = A ( a ) μ 1 g μ α a ϵ a b c α b A ( c ) μ .

Como vimos, foi possível construir a auto-interação entre campos vetoriais pela prescrição de Shaw-Deser e o acoplamento corrente-campo, usando como guia a simetria de calibre (global/local) e a experiência que tivemos na análise do campo escalar complexo. Agora o estudo da auto-interação de campos escalares foi estudado em grande parte por Salam, e serviu de estímulo para a leitura de Shaw no caso vetorial.

6. Comentários Finais

Conforme foi possível testemunhar ao longo do texto, a simetria de calibre local obtida e escrita nos moldes de uma interação corrente-campo (JA), desempenha um papel crucial na determinação da dinâmica de interação (vértices) entre matéria e radiação.

No primeiro ato estudamos como a simetria de calibre U(1) nos leva a uma dinâmica de interação entre campos fermiônicos e vetoriais.

No segundo ato estudamos novamente a simetria de calibre U(1), porém a mesma nos levou a descrever a interação entre campos escalares e vetoriais. Essa análise acabou sendo um pouco mais sutil devido ao fato de campos escalares serem descritos por equações de segunda ordem. Ao moldarmos a simetria de calibre local em termos de uma interação corrente-campo necessitamos de um processo de iterações e acabamos gerando 2 vértices descrevendo a interação porém ao utilizarmos campos auxiliares para reduzir a ordem das equações que descrevem o comportamento dos campos escalares (primeira ordem), obtivemos a dinâmica de maneira direta e com apenas 1 vértice.

Por fim no terceiro ato utilizamos toda experiência adquirida e ferramentas associadas as análises anteriores da simetria de calibre U(1) para explorar a simetria de calibre SU(2). O desafio para manifestar essa simetria de calibre local do ponto de vista de interações corrente-campo (J×A) acabou sendo maior, tanto na introdução de campos auxiliares para reduzir a ordem quanto na utilização do método iterativo. O desfecho dessa investigação é que além das interações entre campos fermiônicos e campos vetoriais teríamos também auto-interações entre campos vetoriais.

Agora um ponto que devemos complementar é a questão da massa para as partículas intermediadoras de interação em teorias de calibre não abelianas. Essa questão só foi revisitada após o entendimento de mecânismos geradores de massa via o conceito de quebra espôntanea de simetria, no contexto de unificação da interação eletromagnética com a interação fraca (Teoria Eletrofraca) [43[43] S. Weinberg, Phys. Rev 19, 21 (1967)., 44[44] J.L. Lopes, Gauge Field Theories an Introduction (Pergamom Press, Oxford, 1981).]. A agenda para o entendimento dessa unificação nos moldes de uma simetria de calibre SU(2)×U(1), se inicia com o trabalho de Fermi e a interação corrente-corrente (J×J) para descrever o decaimento beta, ganha apreço com os trabalhos envolvendo o dublete de SU(2) de Schwinger e Glashow, sendo necessário a extensão para SU(2)×U(1) com o intuito de incluir o conceito de carga elétrica por meio da idéia de Gell-Mann e Nishijima (hiper-carga) e culmina com a inclusão de mecânismos geradores de massa não somente para férmions (Yukawa) mas também para campos vetoriais (Higgs). Por outro lado, a discussão sobre a interação forte do ponto de vista de uma teoria de calibre passa a ser dada pela simetria SU(3), onde teríamos uma dinâmica de interação entre quarks (matéria) e gluons (radiação).

Outra questão que foi levantada no texto foi o uso de campos auxiliares para se estudar a simetria de calibre. No caso do texto o campo auxiliar foi utilizado para reduzir a ordem da Lagrangiana mas no contexto geral da física campos auxiliares podem ser utilizados para se estudar a simetria de calibre em teorias com campos vetoriais massivos (Stüeckelberg) [45][45] H. Ruegg e M.R. Altaba, International Journal of Modern Physics A 19, 3265 (2004)., como multiplicador de Lagrange quântico para se fixar o calibre (Nakanishi) [46][46] N. Nakanishi e I. Ojima, Covariant Operator Formalism of Gauge Theories and Quantum Gravity, Lecture Notes in Physics (World Scientic, Singapore, 1990), v. 27. ou mesmo como um campo de fundo mantendo a simetria de calibre em todas as etapas do cálculo (DeWitt) [47][47] L.F. Abbott, Acta Physica Polonica B 13, 33 (1982)..

Apesar de termos analisado ao longo do trabalho como a simetria de calibre dita a dinâmica das interações fundamentais no modelo padrão (interações eletromagnéticas, fraca e forte), poderíamos utilizar o método interativo ou a redução de ordem para estudar a simetria de calibre em gravidade também, em que as raizes para o estudo estariam nos trabalhos de Gupta, Kraichnan e Feynman [48[48] S.N. Gupta, Phys. Rev. 96, 1683 (1954). [49] R.H. Kraichnan, Phys. Rev. 98, 1118 (1955). [50] R.P. Feynman, Acta Physica Polonica 24, 697 (1963).-51[51] R.P. Feynman, F.B Morinigo e W.G Wagner, Feynman Lectures On Gravitation (Westview Press, Boulder, 1995).] e cuja dinâmica também poderia ser introduzida nos moldes de uma interação corrente-campo [18[18] S. Deser, General Relativity and Gravitation 1, 9 (1970). [19] S. Okubo, Introduction To General Relativity, lectures notes Preprint UR-695 (University of Rochester, Rochester, 1978).-20[20] M. Blagojevic, Gravitation and gauge symmetries (Routledge, Abingdon, 2001).]. Poderíamos também estudar como a simetria de calibre molda a dinâmica quântica das interações, com a inclusão dos fantasmas [52][52] G. Scharf, Gauge field theories spin one and spin two 100 years after general relativity (Dover Publications, Nova York, 2016).. Na literatura quem explorou e abstraiu vastamente a aplicação do objeto corrente-campo (J×A) na física foi Schwinger, primeiramente introduzindo o formalismo de integração funcional e análise de Green por meio do princípio variacional da ação quântica [53[53] J. Schwinger, Symbolism of Atomic Measurements (Springer, New York, 2001). [54] J. Schwinger, Phys. Rev. 74, 1439 (1948).-55[55] C.A.M. Melo, B.M. Pimentel e J.A. Ramirez, Rev. Bra. Ens. Fís. 35, 4302 (2013).] e posteriormente, de maneira inabitual e talvez excêntrica, apimentando a discussão da dinâmica dos campos via sua Teoria das Fontes [56][56] J. Schwinger, Particles, Sources and Fields (Perseus Books, Boston, 1973), v. 1, 2 e 3.. Por meio da Teoria das fontes, Schwinger também esculpiu a dinâmica quântica associada ao efeito Casimir em termos de fontes (correntes), campos e o conceito de espalhamento e se livrando das partículas virtuais associadas aos diagramas bolhas na visualização de Feynman [57][57] F.A. Barone, A.A. Nogueira e B.M. Pimentel, Rev. Bras. Ens. Fis. 38, e3317 (2016).. Concluímos então o presente ensaio, chamando atenção para o fato do objeto corrente-campo (J×A) estar ditando como se descreve a dinâmica na versão contemporânea da Física, inicialmente dada por Newton (F=ma).

Agradecimentos

Os autores agradecem J. A. Helayël-Neto pelo material sobre o assunto. D. R. da Silva agradece a Capes pelo apoio financeiro. Os autores agradecem o parecerista anônimo pelas observações cuidadosas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    13 Abr 2020
  • rev-received
    07 Set 2020
  • Aceito
    08 Set 2020
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