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Ficção científica na transposição didática do conceito de Entropia: a última pergunta de Isaac Asimov

Science fiction in the didactic transposition of the concept of Entropy: Isaac Asimov’s last question

Resumos

Este artigo apresenta e analisa metodologia para ensino do conceito de entropia suportada por texto de ficção científica. Em publicações anteriores, apresentamos maneiras de articular as teorias da Aprendizagem Significativa de Ausubel e da Educação de Matthew Lipman, objeto de seu Programa de Filosofia. Mostramos como tal articulação considera prerrogativas da aprendizagem significativa, vinculando-a a pensamento de ordem superior estabelecido por comunidades de investigação e sugerindo métodos agregadores. Como ampliação teórico-metodológica desses referenciais, transladamos a noção de transposição didática, via textos de ficção científica, para reforçar esses postulados acerca do ensino e da cognição. A pesquisa translacional envolveu investigadores da área de ensino de Física e 58 estudantes do segundo ano do Ensino Médio de instituição pública. Na mediação pedagógica, como base à discussão do conceito de entropia da Segunda Lei da Termodinâmica, valemo-nos de um dos mais aclamados contos do popular autor russo-americano, Isaac Asimov, intitulado “A última pergunta”. Para a análise dos dados, recorremos a técnicas de frequência semântica e de ordem média de evocação como construtos de uma taxonomia para a investigação das representações sociais advindas da proposição implementada. Os resultados indicaram coerência à perspectiva da aprendizagem significativa, consubstanciando reflexões para intervenções análogas e pesquisas contíguas.

Palavras-chave:
Aprendizagem Significativa; Entropia; Ficção Científica; Representações Sociais; Transposição Didática


This paper presents and analyzes the methodology for teaching the concept of entropy supported by a science fiction text. In previous publications, we have presented ways of articulating Ausubel’s Meaningful Learning and Matthew Lipman’s Education theories, the object of his Philosophy Program. We show how this articulation considers the prerogatives of meaningful learning, linking it to higher-order thinking established by research communities and suggesting aggregating methods. As a theoretical-methodological expansion of these references, we transferred the notion of didactic transposition, via science fiction texts, to reinforce these postulates about teaching and cognition. The translational research involved researchers from the field of Physics teaching and 58 second-year high school students from a public institution. In the pedagogical mediation, as a basis for the discussion of the concept of entropy in the Second Law of Thermodynamics, we use one of the most acclaimed short stories by the popular Russian-American author, Isaac Asimov, entitled “The Last Question”. For data analysis, we resorted to techniques of semantic frequency and medium order of evocation as constructs of a taxonomy for the investigation of social representations arising from the implemented proposition. The results indicated consistency with the perspective of meaningful learning, consolidating reflections for similar interventions and contiguous research.

Keywords:
Entropy; Science Fiction; Social Representations; Didactic Transposition


1. Introdução

As teorias de aprendizagem têm por objetivo desenvolver habilidades e competências cognitivas. Domínios epistemológicos os mais diversos trataram dessa perspectiva [1[1] M.A. Moreira, Teorias de aprendizagem (LTC, Rio de Janeiro, 2022), v. 3.]. No área de ensino de Física, são sensíveis as limitações metodológicas que tomem tais teorias como, de fato, modelos explicativos que possam suportar didáticas que se dirijam ao estudo de conceitos complexos e com alto nível de abstração.

Neste trabalho, utilizamos as teorias da Educação do filósofo americano Matthew Lipman (1923–2010) [2[2] M. Lipman, Thinking in education (Cambridge University Press, Cambridge, 2003), v. 1.], objeto de seu Programa de Filosofia para Crianças e Adolescentes (PFCA), e da Aprendizagem Significativa (TAS) do psicólogo americano David Paul Ausubel (1918–2008) [3[3] D.P. Ausubel, Algunos aspectos psicológicos de la estructura del conocimiento (El Ateneo, Buenos Aires, 1973).] como base para uma proposta de aperfeiçoamento metodológico em física. Adicionalmente, utilizamos o conceito contemporâneo de transposição didática proposto por Yves Chevallard e Marie-Alberte Joshua [4[4] Y. Chevallard e M.A. Johsua, Recherches en Didactique des mathematiques 3, 2 (1982).].

Retomamos, para isso, publicações anteriores [5[5] O.L. Silva Filho e M. Ferreira, Revista do professor de Física 2, 104 (2018)., 6[6] M. Ferreira, V.L.R.Couto, O.L. Silva Filho, L. Paulucci e F.F. Moteiro, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20210157 (2021).] em que articulamos as referidas teorias ilustrando como o pensamento de ordem superior estabelecido em comunidades de investigação pode ser associado a processos de aprendizagem significativa em física. Como ampliação e complementação dessas incursões teórico-metodológicas, transladamos a noção de transposição didática, a partir do uso de textos de ficção científica, para reforçar os postulados acerca da cognição e as estratégias referenciais de Lipman e Ausubel, desenvolvendo pesquisa foi translacional que alcançou 58 estudantes do segundo ano do Ensino Médio de instituição pública do Distrito Federal (DF) no Brasil.

Na mediação pedagógica, tomamos como exemplo o estudo do conceito da entropia da Segunda Lei da Termodinâmica, utilizando ferramentas de interesse dos estudantes, como a ficção científica, aqui ilustrada pelo conto “A Última Pergunta” (do inglês, The Last Question) do popular escritor russo-americano Isaac Asimov (1920–1992) [7[7] I. Asimov, Nove Amanhãs: Contos do Futuro Próximo (Europa America, Sintra, 1981), v. 1.].

Para a análise dos dados obtidos da aplicação didática, recorremos a técnicas de frequência semântica e de ordem média de evocação (OME) como construtos de uma taxonomia para a investigação das representações sociais advindas desse arranjo teórico-metodológico. A fundamentação, os procedimentos e os resultados que serão apresentados e discutidos a seguir objetam indicar a aplicabilidade da proposta em torno da aprendizagem significativa em comunidades de investigação pautadas no PFCA, contribuindo para pesquisadores e pesquisadores que se interessem pela articulação e tenham a intenção de (re)aplicar e investigar situações didáticas análogas.

2. Fundamentação Teórica

2.1. Matthew Lipman e as Comunidadesde Investigação em seu PFCA

Lipman [2[2] M. Lipman, Thinking in education (Cambridge University Press, Cambridge, 2003), v. 1.] defende que um ensino que viabilize o desenvolvimento de um pensamento de ordem superior envolva a transformação da sala de aula, atualmente objeto de uma perspectiva hierárquica e modelada pelo ensino por narrativa e pela aprendizagem mecânica, em uma comunidade de investigação em que são desenvolvidas as atividades dialógicas que põem em curso os diversos elementos que suscitam esse tipo de pensamento. Pressupondo o debate, Lipman sugere que sejam usados textos reflexivos e propõe um Programa de Filosofia para Crianças e Adolescentes (PFCA), originalmente constituído por onze textos, abrangendo todas as faixas etárias e todos os níveis escolares, inclusive o ensino médio e a educação de adultos.

Os textos utilizados no PFCA são escritos em linguagem característica da faixa etária à qual se destinam, evitando-se o uso de termos técnicos ou avançados. Sua aplicação didática é complementada por planos de discussão que, basicamente, auxiliam o professor na condução dos debates, ao apresentarem questionamentos capazes de incrementar a curiosidade e o debate por parte dos estudantes. Tais planos servem para que o professor os auxilie a isolar os principais conceitos relevantes para a disciplina sendo ministrada, isto é, o foco da discussão.

Desta forma, no processo de constituição da comunidade de investigação, os participantes leem o texto, em sala de aula ou em casa. Tal elemento aponta para a possibilidade de se usar, neste contexto, a técnica de sala de aula invertida [8[8] M.P.N.M. Soares, FerreiraM., StrapassonA. e Silva FilhoO.L., Physicae Organum 5, 1 (2019).], embora, no PFCA de Lipman, os textos devam ser lidos em sala de aula, na forma de revezamento entre os estudantes. O texto lido é, então, submetido à comunidade de investigação, momento em que os estudantes passam a apresentar suas percepções. Esse é um estágio particularmente oportuno para as intervenções do professor que, de posse do plano de discussão, pode direcionar o debate para os conceitos mais fundamentais dos quais os estudantes devem se apropriar. A mediação do professor é fundamental, pois pode induzir o desenvolvimento ou fortalecimento das habilidades que Lipman considera relevantes, para que se atinja o pensamento de ordem superior, quais sejam:

  • Habilidade de raciocínio: capacidade de fazer inferências e tirar conclusões a partir do texto ou dos exercícios apresentados pelo professor.

  • Habilidade de formação de conceitos: capacidade de extrair, mesmo que de forma induzida pelo professor, os principais elementos conceituais do texto.

  • Habilidade de investigação: capacidade de propor soluções para problemas reais ou teóricos relacionados com o tema do estudo.

  • Habilidade de tradução: capacidade de colocar os conceitos e soluções de situações problemas, entre outros, em suas próprias palavras. Tal elemento, de modo geral, é consequência natural da internalização do processo dialógico.

As habilidades de raciocínio e investigação direcionam, portanto, a construção dos planos de discussão. Uma comunidade de investigação se concretiza a partir do momento em que os estudantes se mostram efetivamente engajados no processo dialógico. Em tal contexto, evita-se estruturalmente apatias e distanciamentos frequentemente encontrados em salas de aula que adotam modelos tradicionais, eivados de exposições narrativas e aprendizagens memorísticas.

O texto adotado na proposta de Lipman inclui o gênero de ficção científica, uma vez que o texto não é explícito quanto aos conceitos utilizados e tampouco busca apresentar uma análise epistemológica rigorosa, em termos científicos. Portanto, são inúmeras as possibilidades de interpretação e construção conceituais. O processo dialógico pode ajudar a desenvolver, assim, a capacidade do estudante de voltar seu pensamento sobre si mesmo, no sentido de revisá-lo ou reformá-lo, quando julgar pertinente. Há três constituições de um pensamento de ordem superior: o cuidadoso, o crítico e o criativo.

Em todo esse processo, o texto, como elemento subsidiário fundamental, conforme postula Lipman [2[2] M. Lipman, Thinking in education (Cambridge University Press, Cambridge, 2003), v. 1.], cumpre um papel de mediador entre cultura e indivíduo; transporta já em si mesmo uma reflexão mental na qual os conceitos a serem ensinados estão imersos; permite ao estudante desenvolver, mesmo que de maneira implícita, um conhecimento básico acerca dos conceitos e das relações lógicas em que comparecem; e, por fim, permite ao estudante descobrir os sentidos de que tal texto está prenhe e dá à respectiva turma (como comunidade de investigação) a ocasião de se apropriar desses sentidos.

Na abordagem original de Lipman [2[2] M. Lipman, Thinking in education (Cambridge University Press, Cambridge, 2003), v. 1.], as histórias eram especificamente escritas para cumprir todos esses papéis. O que propomos neste artigo é que há significativo número de textos de ficção científica que veiculam, de maneira apropriada, alguns dos conceitos mais complexos da Física e que podem ser usados da maneira como Lipman preconiza, porém, pela via da transposição didática, mediada por comunidades de investigação. Assim, sustentamos que o elemento central da abordagem passa a ser o procedimento de construção dos planos de discussão, que devem garantir a emergência dos elementos discutidos anteriormente. Ao mesmo tempo, inserimos a etapa de leitura do texto no contexto da transposição didática, de modo a construir um arcabouço teórico (de caráter geral) para o uso de tais textos. Essa abordagem busca apresentar um mecanismo pelo qual se faça a passagem dos conceitos físicos, ainda imersos no texto ficcional, para o “saber ensinado”, considerando-se o processo de transformação didática e sua relação com o “saber sábio”, elementos fundamentais da abordagem da transposição didática [9[9] Y. Chevallard, La Transposición Didáctica: del saber sabio al saber enseñado (La Pensée Sauvage, Buenos Aires, 1991), v. 3.], assim como a aprendizagem significativa, proposta por David Ausubel [3[3] D.P. Ausubel, Algunos aspectos psicológicos de la estructura del conocimiento (El Ateneo, Buenos Aires, 1973).].

2.2. David Ausubel e a Teoria da Aprendizagem Significativa

A Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS) também chamada de Teoria da Assimilação de David Ausubel, é uma teoria cognitivista, de abordagem psicológica, que procura explicar os mecanismos internos que ocorrem na mente humana com relação ao aprendizado e à estruturação do conhecimento. Na TAS, a aprendizagem é vista como um processo de expansão e reorganização das estruturas cognitivas diante dos elementos, concretizando-se apenas quando a assimilação é estabelecida de forma não arbitrária, ou seja, quando existe uma relação lógica e explícita entre a nova ideia e alguma outra já existente na estrutura cognitiva do indivíduo [10[10] O.L. Silva Filho e M. Ferreira, Rev. Bras. Ens. Fís. 44, e20210431 (2022).].

Silva [11[11] J.B. Silva, Research, Society and Development 9, e09932803 (2020).] argumenta que, para que a aprendizagem seja, de fato, significativa, é importante que o aluno possua conhecimento prévio associado ao que se deseja ensinar. Assim, não é qualquer conhecimento prévio que irá influenciar o processo, mas os conhecimentos prévios relevantes, presentes na estrutura cognitiva do sujeito, chamados por Ausubel de “subsunçores”. O levantamento desses subsunçores, conceitos prévios relevantes, sobre um dado assunto, presentes na estrutura cognitiva dos estudantes, aos quais supostamente se deseja ensinar algo, é uma etapa essencial do processo de ensino e aprendizagem [10[10] O.L. Silva Filho e M. Ferreira, Rev. Bras. Ens. Fís. 44, e20210431 (2022).].

No entanto, quando o estudante não possui os chamados subsunçores ou quando são insuficientes ou deficitários, faz-se necessário o uso de “organizadores prévios”, que podem então servir, como ativadores de tais subsunçores [12[12] C.R.S.D. Silva e SchirloA.C., Imagens da Educação 4, 36 (2014).]. Os organizadores prévios podem ser constituídos por textos, vídeos, imagens, mapas mentais ou conceituais, ou até mesmo perguntas, e deverão ser apresentados aos alunos de forma a permitir a integração dos novos conceitos com o conhecimento já existente, a fim de que novos subsunçores se formem em suas estruturas cognitivas.

Note-se que Ausubel [3[3] D.P. Ausubel, Algunos aspectos psicológicos de la estructura del conocimiento (El Ateneo, Buenos Aires, 1973).] apresenta perspectiva diversa à de Lipman, o qual dá prevalência às habilidades de pensamento, que podem ser generalizadas para outros contextos do uso do raciocínio. Como não se desenvolvem habilidades sobre um vazio de conteúdo, o elemento de aprendizagem significativa de Ausubel serve de amparo ao desenvolvimento das habilidades consideradas cruciais por Lipman.

2.3. Transposição Didática como subsídio para a articulação entre a TAS e as comunidades de investigação

Yves Chevallard e Marie-Alberte Joshua [4[4] Y. Chevallard e M.A. Johsua, Recherches en Didactique des mathematiques 3, 2 (1982).] cunharam o conceito de Transposição Didática na área de matemática para compreender as transformações sofridas na definição de distância [4[4] Y. Chevallard e M.A. Johsua, Recherches en Didactique des mathematiques 3, 2 (1982)., 13[13] M. Siqueira e M.A. Pietrocola, em: anais do X Encontro de Pesquisa em Ensino de Física (Londrina, 2006).]. Observou-se que aquilo que se ensinava nas escolas não era o que se pesquisava nos laboratórios científicos. O conhecimento deve sofrer uma série de transformações no processo de conversão entre produção científica, formulação de guias didáticos e mediação didática nos diferentes níveis a que se dedica. A este processo dá-se o nome de Transposição Didática; nele, o conhecimento científico é designado, então, de saber sábio, enquanto o conhecimento didatizado é dito saber ensinado. Há, ainda, aquele que consta de manuais, definido como saber a ensinar.

Assim, por exemplo, em Física, dada sua relação intrínseca com a Matemática, muitas vezes é necessário deduzir o conceito de suas dimensões formais mais avançadas, usualmente além das possibilidades cognitivas dos estudantes da Educação Básica (generalização, especificação, abstração, comparabilidade, modelagem, subsunção, relações semânticas, lógico-proposicionais ou simbólicas etc.), de modo a poder torná-los passíveis de aprendizado. O mais importante, entretanto, é que o conceito ensinado não seja mera simplificação do que o origina, mas sua adaptação com vistas ao aprendizado em um contexto diverso daquele que lhe sustenta. Dessa maneira, a Transposição Didática serve como uma ferramenta analítica que envolve saberes sábio, ensinado e a ensinar, este último o articulador dos dois primeiros.

O saber sábio, construído no interior da comunidade científica, é considerado de nível mais alto, por ser o protagonista nas mudanças dos outros saberes, sendo tomado como referência. Ele é criado em um contexto de descoberta, tipicamente confuso e não raro perpassado por ambiguidades. Essa busca se inicia no âmbito pessoal do cientista e passa a ser formalizada por análises e julgamentos, sendo adequada às normas e linguagem impostas pela comunidade científica, até tomar uma forma sistemática, impessoal e depurada. Neste primeiro nível, o saber sofre uma Transposição Científica [14[14] J.P. Alves Filho, Cad. Bras. Ens. Fís 17, 174 (2000).], caracterizada por sua despersonalização até sua concretização como saber sábio, de caráter público. Em seguida, inicia-se o processo de Transposição Didática Externa, definido como aquele em que o saber sábio se adapta àquele a ensinar. Essa transposição se efetiva, em geral, pela escrita dos livros didáticos, manuais de ensino e programas escolares destinados aos estudantes universitários e professores da Educação Básica. Nesse primeiro momento, o saber sábio é reestruturado e reorganizado (transformado) visando à aproximação com o contexto escolar e consentânea adequação ao currículo oficial. Os elementos externos ao contexto da sala de aula que, ainda assim, influenciam os conteúdos concretos que ali são ensinados são agrupados naquilo que se denomina “noosfera” [9[9] Y. Chevallard, La Transposición Didáctica: del saber sabio al saber enseñado (La Pensée Sauvage, Buenos Aires, 1991), v. 3.]. Uma característica relevante dos textos didáticos é justamente a de fazer tal ordenamento lógico e proposicional, retirando este esforço da iniciativa dos estudantes e, não raro, tornando o processo de aprendizagem distante e pouco cativante. Assim, o uso de textos científicos se insere justamente nesta primeira etapa, da transposição didática externa, mas agora internalizando-a no processo via comunidade de investigação. Este primeiro exercício (ao qual se seguirá o processo de formalização pelo livro didático, ou outro mecanismo similar) pode ocorrer em total independência dos requisitos da noosfera, implicando em uma maior liberdade e, portanto, espaço de construção de um pensamento criativo.

Com a efetiva aplicação da transposição didática externa (feita posteriormente ao momento inicial da leitura ficcional), são inseridas as exigências da noosfera. A partir daí, passa a ocorrer a Transposição Didática Interna, em que se dá uma adaptação ao tempo didático, resultando no sequenciamento das aulas que serão ministradas e a hierarquização dos conteúdos relativos aos conceitos que se deseja ensinar. Nessa etapa, o professor, ao realizar o planejamento de suas aulas, adequa o tempo concreto àquele de natureza didática, definido pelo tempo escolar. O difícil equilíbrio a ser conquistado é justamente a adaptação desses dois tempos ao tempo de aprendizagem, ou seja, ao tempo necessário para apropriação significativa do conhecimento.

Como anteriormente consignado, tanto os saberes previstos na Transposição Didática, quanto a viabilidade e a qualidade de sua mobilização por textos de ficção científica pressupõem a consideração de um determinado conceito científico que se deseja ensinar. Para o exercício argumentativo aqui desenvolvido, tendo em vista o material que pretendemos analisar, utilizou-se o conceito de entropia e sua relação com a Segunda Lei da Termodinâmica, ao que suscintamente nos dedicaremos nas seções seguintes. A adoção desse conceito é particularmente interessante, por não ser usualmente exposto no Ensino Médio e ter elevado grau de abstração.

3. Entropia e Segunda Lei da Termodinâmica

A história da Segunda Lei da Termodinâmica e sua grandeza fundamental, a entropia, remonta aos estudos de Rudolf Clausius e Ludwig Boltzmann, entre outros pesquisadores [15[15] A.H.L. Nogueira, Revista Brasileira de Energia 28, 301 (2022).]. Nesta seção, apresentamos apenas uma breve revisão sobre o tema, advinda de integrações e interpretações de referências como Callen [16[16] H.B. Callen, Thermodynamics and an introduction to thermostatistics (University of Pennsylvania, Pennsylvania, 1985).], Halliday, Resnick e Walker [17[17] D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos de Física (LTC, Rio de Janeiro, 2016), v. 2.], Nussenzveig [18[18] M. Nussenzveig, Curso de Física de Básica: Fluidos, Oscilações e Ondas, Calor (Edgard Blucher, São Paulo, 2002), v. 2.] e Tipler e Mosca [19[19] P.A. Tipler e G. Mosca, Física para Cientistas e Engenheiros – Mecânica, Oscilações e Ondas, Termodinâmica (LTC, Rio de Janeiro, 2006), v. 1.], para fins de contextualização das subsequentes discussões pedagógicas.

A entropia (S) pode inicialmente ser entendida como uma quantidade estatística, pois versa acerca do número de estados acessíveis a um sistema físico particular. Na busca por uma definição, pode-se tomá-la como a contagem do número total de maneiras pelas quais os estados acessíveis de um sistema físico podem ser arranjados. Na perspectiva puramente fenomenológica, o resultado é que, para o gás ideal, a entropia é dada como uma função de estado, que pode ser escolhido por um conjunto de variáveis extensivas, como (E), (V) e (N), respectivamente, energia, volume e número de moles. Equivalentemente, para o estado definido por um conjunto de variáveis mistas (intensivas e extensivas), como, (T), (V), (N), em que (T) é a temperatura, temos as funções de Massieu para a equação fundamental na representação entrópica.

O desdobramento desse aspecto não é objeto de estudo deste presente trabalho. Este importante aspecto, contudo, será abordado em pesquisa a esta complementar, envolvendo as quatro representações da termodinâmica, isto é: em termos das equações fundamentais (entrópica e energética); das equações de estado, em termos dos potenciais termodinâmicos, quando da equação fundamental na representação da energia, ou as respectivas funções de Massieu, quando na representação entrópica da equação fundamental; e em termos do formalismo das derivadas segundas [16[16] H.B. Callen, Thermodynamics and an introduction to thermostatistics (University of Pennsylvania, Pennsylvania, 1985).]. No que segue, para simplificar a notação, assumiremos (N) como constante.

(1)S=S(E, V).

Essa função pode ser interpretada, para fins didáticos, como o nível de desordem de um dado sistema, uma vez que a entropia está relacionada ao número de graus de liberdade das partículas envolvidas. Podemos dizer, por exemplo, que a entropia de um sólido, que possui estrutura cristalina bem definida e organizada, é menor que a de um líquido que, por sua vez, é menor que aquela de um gás. Nessa perspectiva, a entropia é uma grandeza física tal que sua variação é sempre positiva em sistemas submetidos a processos irreversíveis, podendo ser nula naqueles submetidos a processos reversíveis, isto é,

(2)ΔS0.

Sendo assim, a Segunda Lei da Termodinâmica possibilita o entendimento de que a entropia total de um sistema tende sempre a aumentar conforme o curso cronológico, fornecendo, pois, uma seta do tempo [15[15] A.H.L. Nogueira, Revista Brasileira de Energia 28, 301 (2022).]. Já se discutiu amplamente o fato de que a Segunda Lei da Termodinâmica está assentada sobre leis reversíveis no tempo, de modo que haveria, aí, uma contradição flagrante: a segunda lei afirmando a irreversibilidade dos fenômenos, enquanto as leis físicas que a embasam afirmam a completa simetria temporal entre passado e futuro. Entretanto, tal questão tem resolução conhecida, na medida em que a Termodinâmica é uma teoria física fenomenológica, na qual a estrutura do sistema não é considerada como na Mecânica Newtoniana e a Teoria Eletromagnética, por exemplo.

A termodinâmica se assenta sobre essas primeiras, que trabalham com questões estatísticas. No processo de contagem dos estados acessíveis, é fácil mostrar que a reversão temporal de certos fenômenos tem probabilidade infinitesimal (por exemplo, a quebra de um copo – que, envolvendo todo o ambiente, eventualmente o universo, no sentido de fechar o sistema, implicaria em processo fundamentalmente reversível). De fato, a ocorrência de flutuações nos vários sistemas físicos implica, desde logo e muitas vezes, a possibilidade de diminuições locais e infinitesimais da entropia. Temos, pois, a definição de entropia de Boltzmann dada por

(3)S=klnΩ(E, V),
em que Ω(E, V) é o número total de seus microestados e k é a constante de Boltzmann (k = 1, 38 × 10−38 J/K).

Todos os estados microscópicos acessíveis ao sistema são igualmente prováveis, assim, temos que

(4)P=1n,
em que n é o número de estados microscópicos, que equivale ao Ω na função de estado. Logo, a função apresentada é igual ao número de estados microscópicos acessíveis ao sistema termodinâmico.

A partir da Segunda Lei da Termodinâmica, pode-se verificar que, para processos irreversíveis, que absorvem ou produzem certa quantidade de calor (dQ), a variação de entropia pode ser descrita conforme

(5)dS=dQT.
No entanto, se o sistema não absorver ou produzir calor, ainda temos que a variação de entropia tender a aumentar, conforme já observado na equação (2), atingindo seu valor máximo no estado de equilíbrio do sistema.

Com base na equação (5), considerando um sistema termodinâmico irreversível, em um estado de equilíbrio A que evolui para um estado de equilíbrio B, ao se analisar o processo termodinâmico, tem-se

(6)SASBABdQT.

No caso particular de um sistema isolado, como dQ=0, obtemos imediatamente

(7)SB=SA,
isto é, para qualquer transformação ocorrendo em um sistema isolado, a entropia do estado final nunca pode ser menor do que aquela do estado inicial. É fato que dQ não é uma diferencial exata. Entretanto, a temperatura T serve precisamente como tal elemento que dá a dS tal característica (fator integrante). Assim, a diferença S_B - S_A não depende do caminho que a transformação segue, mas apenas do estado A e do estado B.

Caso o processo termodinâmico considerado seja reversível (estados de equilíbrio), a função entropia, S, é definida como

(8)dS=dQT,
enquanto a diferença SBSA pode ser determinada por
(9)SBSA=ABdQT.

Para melhor entendimento do modelo matemático, pode-se pensar na transição de fase da água, um assunto estudado por estudantes da Educação Básica. Uma transição de fase constitui-se como um processo reversível, pois o gelo pode fundir-se, se transformando em água líquida, ao passo que a água pode solidificar-se transformando em gelo no estado sólido. A Figura 1 representa um diagrama de transição de fase para a substância água a pressão de 1 atm.

Figura 1:
Transição de fase para a substância água, do estado sólido para o estado líquido a pressão de 1atm. Fonte: Elaboração própria (2023).

Como o processo é reversível, pode-se aplicar a equação (9) e, uma vez que, nele, a temperatura se mantém constante, tem-se que

(10)ΔS=1T12dQ,
resultando em
(11)ΔS=ΔQT.

Para a transição de fase do estado sólido para o líquido, tem-se o chamado calor latente (L), que é a quantidade de calor necessária para que 1 g da substância mude de estado físico. Assim, para uma massa (m) qualquer, tem-se

(12)Q=mL.

Substituindo-se essa equação nas anteriores, tem-se

(13)ΔS=mLT.

Por consequência, ao se conhecer os calores latentes de fusão e vaporização, bem como as temperaturas de fusão e vaporização, é possível determinar a variação de entropia para cada transição de fase, chegando-se à conclusão que a variação de entropia para a fusão é menor que a variação da entropia para a vaporização, pois

(14)ΔSFusao<ΔSVaporizacao
implicará que
(15)LFusaoTFusao<LVaporizacaoTVaporizacao.

Esse resultado corrobora a teoria que afirma que a entropia de um sólido, que possui estrutura cristalina bem definida e organizada, é menor que a de um líquido, que, por sua vez, é menor que a de um gás. Esse princípio da entropia afeta o entendimento do Universo como um todo, pois sabemos que ele está se expandindo e que próximo ao Big Bang ele era denso e quente [20[20] A.G. Tixaire, Revista de la Real Academia de Ciencias Exactas, Físicas y Naturales 99, 113 (2005).]. Nessa configuração, seu estado possui uma entropia pequena, ao mesmo tempo que, atualmente, é maior e aumenta a cada instante. Assim, pode-se inferir que existe uma relação importante entre a Segunda Lei da Termodinâmica e a seta do tempo.

4. Pesquisa Translacional como Metodologia: Representações da Transposição Didática Baseada em Texto de Ficção Científica

Muitas pesquisas realizadas no universo acadêmico nunca foram testadas em condições reais. Nesse contexto, com objetivo de conectar a pesquisa básica como fundamento para a produção de produtos e serviços, promovendo a troca bidirecional de atualização de ambas, surge a pesquisa translacional [21[21] R. Guimarães, Ciência Saúde Coletiva 18, 1731 (2013).]. De acordo com Moreira [22[22] M.A. Moreira, Estudos avançados 32, 73 (2018).], a pesquisa básica tem impacto pouco significativo no ensino de Física. No entanto, os resultados dessas pesquisas estão publicados nos mais variados meios de comunicação e, se utilizados adequadamente, poderiam trazer relevante contribuição ao processo de transposição didática na área.

No ensino de Física, a pesquisa translacional busca estabelecer uma conexão entre o conhecimento acadêmico socialmente produzido e os processos e produtos educativos, tendo como mediador o profissional em serviço, sempre a partir da retroalimentação pesquisa → desenvolvimento de material instrucional → aplicação → análise → revisão do material instrucional [6[6] M. Ferreira, V.L.R.Couto, O.L. Silva Filho, L. Paulucci e F.F. Moteiro, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20210157 (2021).]. Nessa perspectiva, este trabalho busca contribuir para a criação de uma cultura que favorece a pesquisa em contextos reais de sala de aula, com a participação de professores produzindo conhecimento aplicável e replicável no chão da escola.

4.1 Uma taxonomia possível para se identificar representações sociais de estudantes

A relação das representações sociais com o saber é essencial para se pensar os processos de ensino e aprendizagem, pois é a partir dela que os professores podem evidenciar opiniões, valores e atitudes partilhados socialmente, a fim de se estruturar o processo de transposição didática [23[23] J.O.A. Ortiz, J.C. Leite, T. Carmo, M.C. Batista e C.A.O. Magalhães Júnior, Revista Latino-Americana de Educação em Astronomia 27, 79 (2019)., 24[24] T.A. Diniz, M.C. Batista, A.D. Buffon e A.D. Martins, Vitruvian Cogitationes 3, 151 (2022).]. Abric [25[25] J.C. Abric, Prácticas sociales y representaciones (Ediciones Coyoacán, Ciudad de México, 1994).] afirma que toda representação social (RS) está disposta em torno de um núcleo central (núcleo estruturante) e um sistema periférico (elementos ao redor do núcleo), isto é, a RS compõe-se de um conjunto organizado e estruturado de atitudes, informações, crenças e opiniões composta de dois subsistemas – o central e o periférico – em que cada um tem um papel específico e complementar.

A descrição aqui exposta refere-se particularmente à técnica de associação livre de palavras (TALP), por meio da qual se apresenta como estímulo o tema gerador “entropia” associado à Segunda Lei da Termodinâmica. Para isso, foram envolvidos 58 estudantes de Física do 2° ano do Ensino Médio de instituição pública de ensino básico do Distrito Federal, no Brasil, no mês de outubro de 2022, aos quais foram indagadas as seguintes questões: 1) Se eu lhe digo o termo entropia, o que lhe vem à mente? 2) Escreva as cinco primeiras palavras que rapidamente você associa ao termo. 3) Em seguida, enumere as palavras por grau de importância, sendo o número 1 atribuído à mais importante e o número 5 à menos importante, e escreva o significado de tais palavras.

Após esta etapa, faz-se a digitação das cinco palavras evocadas por cada respondente, seguindo a exata ordem hierárquica atribuída por estes.

Os dados foram analisados à luz da abordagem prototípica, também denominada como análise de evocações ou quadro de quatro casas [26[26] P. Verges, Bulletin de psychologie 45, 203 (1992).]. Segundo Barbosa e Voelzke [27[27] C.B. Galvão e C.A.O. Magalhães Júnior, Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental 33, 2 (2016).], trata-se de uma técnica bastante difundida para caracterização estrutural de uma representação social ou coletiva, pois se fundamenta no cálculo da frequência e da ordem média de evocação das palavras. Foram analisados os dados obtidos de todos os estudantes envolvidos, a partir da associação livre de palavras, estimuladas por um termo indutor, no caso, a entropia.

Com base na abordagem prototípica proposta, temos que a frequência (F) de cada grupo semântico representa o número de palavras que nele se enquadram [23[23] J.O.A. Ortiz, J.C. Leite, T. Carmo, M.C. Batista e C.A.O. Magalhães Júnior, Revista Latino-Americana de Educação em Astronomia 27, 79 (2019).]. Já a ordem média de evocação (OME) indica a posição em que o termo evocado foi hierarquizado pelo respondente. Assim, essa coordenada exprime o grau de importância conferido a cada palavra: quanto menor for o seu valor, mais significativo será o vocábulo citado em relação ao termo indutor [27[27] C.B. Galvão e C.A.O. Magalhães Júnior, Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental 33, 2 (2016)., 28[28] J.I.L. Barbosa e M.R. Voelzke, Revista Latino-Americana de Educação em Astronomia 23, 87 (2017).].

Para o cálculo da OME de cada grupo semântico, utiliza-se de uma média ponderada atribuindo-se peso 1 para a evocação feita em primeiro lugar (grau de importância 1), peso 2 para a evocação feita em segundo lugar (grau de importância 2) e, assim por diante, até o n-ésimo lugar (grau de importância n) que, neste caso, limitou-se a cinco. Em síntese, a equação

(16)OME=1nPGF
apresenta um modelo matemático para se determinar a OME, onde P representa o número de vezes que uma palavra foi evocada com determinado grau de importância; G, este grau de importância; e F, a frequência de evocação das palavras do grupo semântico [27[27] C.B. Galvão e C.A.O. Magalhães Júnior, Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental 33, 2 (2016)., 28[28] J.I.L. Barbosa e M.R. Voelzke, Revista Latino-Americana de Educação em Astronomia 23, 87 (2017).].

Para ilustrar, determinamos a OME do primeiro grupo semântico (Energia) da Tabela 1, fazendo o somatório resultante dos cinco produtos, dividido pela frequência do grupo semântico [27[27] C.B. Galvão e C.A.O. Magalhães Júnior, Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental 33, 2 (2016).].

(17)OME=9×1+9×2+6×2+4×4+2×530=2,37.

A Tabela 1 apresenta cada grupo semântico encontrado juntamente com a quantidade de evocações de cada grupo e seu respectivo grau de importância, expandindo a determinação da OME para cada grupo semântico. Assim, considerando o primeiro grupo semântico exposto, tem-se o registrado na Tabela 1.

Tabela 1
Frequência e OME de cada grupo semântico. Fonte: Elaboração própria (2023).

Por fim, de acordo com Diniz et al. [24[24] T.A. Diniz, M.C. Batista, A.D. Buffon e A.D. Martins, Vitruvian Cogitationes 3, 151 (2022).], é necessário calcular também a média das frequências atribuídas a cada palavra (F¯), assim como a média da ordem média de evocações (OME¯), processos realizados por média aritmética. O cálculo da frequência média é dado por:

(18)F¯=Σ Frequenciasn°degrupossemanticos=19210=19,2,
e
(19)OME¯=Σ OMEn°degrupossemanticos=28, 2810=2,83.

O cruzamento das duas coordenadas, classificadas em valores altos e baixos, gera quatro zonas que caracterizam o quadro de resultados da análise prototípica [24[24] T.A. Diniz, M.C. Batista, A.D. Buffon e A.D. Martins, Vitruvian Cogitationes 3, 151 (2022)., 29[29] J. Wachelke e R. Wolter, Psicologia: Teoria e pesquisa 27, 521 (2011).], resultando na estrutura demonstrada na Tabela 2.

Tabela 2
Estrutura do quadro de quatro casas, resultante da análise prototípica. Fonte: Elaboração própria (2023), com base em Wachelke & Wolter (2011) e Diniz et al. [24[24] T.A. Diniz, M.C. Batista, A.D. Buffon e A.D. Martins, Vitruvian Cogitationes 3, 151 (2022)., 29[29] J. Wachelke e R. Wolter, Psicologia: Teoria e pesquisa 27, 521 (2011).].

O preenchimento da Tabela 2 deve observar os seguintes requerimentos:

Primeiro quadrante: “palavras com alta frequência e baixa ordem de evocação: ou seja, respostas fornecidas por grande número de participantes e evocadas prontamente” [29[29] J. Wachelke e R. Wolter, Psicologia: Teoria e pesquisa 27, 521 (2011).]. Aqui constam os termos que possivelmente compõem o núcleo central das representações sociais em estudo [23[23] J.O.A. Ortiz, J.C. Leite, T. Carmo, M.C. Batista e C.A.O. Magalhães Júnior, Revista Latino-Americana de Educação em Astronomia 27, 79 (2019)., 27[27] C.B. Galvão e C.A.O. Magalhães Júnior, Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental 33, 2 (2016).]. Segundo quadrante: grupos semânticos com alta frequência e alta ordem de evocação, o que significa que não foram evocados prontamente pelos sujeitos da pesquisa. Esses grupos são referentes à 1a periferia e são chamados de intermediários; dentro do sistema periférico, são os mais importantes e próximos do núcleo central [23[23] J.O.A. Ortiz, J.C. Leite, T. Carmo, M.C. Batista e C.A.O. Magalhães Júnior, Revista Latino-Americana de Educação em Astronomia 27, 79 (2019).]. Terceiro quadrante: grupos semânticos com baixa frequência, mas que são evocados mais rapidamente pelos sujeitos. Esse quadrante também comporta elementos intermediários e pode ser chamado, segundo Wachelke e Wolter [29[29] J. Wachelke e R. Wolter, Psicologia: Teoria e pesquisa 27, 521 (2011).], de zona de contraste. Ainda segundo os autores, esses importam uma vez que podem indicar duas possibilidades: ou são apenas complementos da primeira periferia ou denotam a representação de subgrupos. Quarto quadrante: elementos periféricos, com baixa frequência e alta ordem de evocação, isto é, são pouco representativos nas duas coordenadas e, portanto, são os menos significativos da representação social [23[23] J.O.A. Ortiz, J.C. Leite, T. Carmo, M.C. Batista e C.A.O. Magalhães Júnior, Revista Latino-Americana de Educação em Astronomia 27, 79 (2019).].

4.1.1. Representação social de estudantesa partir de uma leitura ficcional acercada entropia e a Segunda Leida Termodinâmica

Na intenção de se pensar uma transposição didática para relação entre entropia e a Segunda Lei da Termodinâmica que esteja fundamentada nas teorias de aprendizagens apresentadas na fundamentação desse trabalho, faz-se importante verificar o que os estudantes já conhecem acerca do tema. No entanto, para não se obter respostas em branco ou mesmo simplistas, é necessário organizar as respectivas estruturas cognitivas. Para tal, propôs-se a leitura do conto “a última pergunta”, do autor russo Isaac Asimov. Assim, seguindo os pressupostos da TAS anteriormente descrita, o conto agirá como um organizador prévio na proposta.

Após esta primeira etapa, já é possível identificar a concepção dos sujeitos acerca do tema, para, então, buscar desencadear uma diferenciação progressiva que permita chegar a um estágio cognitivo superior, o que, de acordo com a TAS, pode-se considerar uma aprendizagem significativa.

Para esse trabalho, não buscamos identificar uma concepção do sujeito, visto que esta é relativamente individual. Visamos, por outro lado, identificar uma representação social (ou coletiva) dos sujeitos. A partir dela, considera-se possível encaminhar uma Transposição Didática de forma a proporcionar a formação adequada de conceitos pelos estudantes.

Utilizando a abordagem prototípica de Vergès [26[26] P. Verges, Bulletin de psychologie 45, 203 (1992).], procurou-se identificar o núcleo central e os elementos periféricos das prováveis representações sociais, a partir das palavras evocadas, agrupadas e categorizadas, compartilhadas pelos sujeitos da pesquisa. O termo indutor da TALP foi “entropia” e, dessa indução, foram obtidas 192 palavras. Com o intuito de melhor organizar os dados, fizemos o agrupamento das palavras que possuíam mesmo sentido em grupos semânticos, obtendo um total de 10 deles.

A média da frequência foi de 19,32 e a média das ordens médias de evocação (OME), 2,81. De acordo com esses valores, identificaram-se as palavras que se constituíam em elementos centrais, intermediários e periféricos das representações. Esses dados podem ser observados na Tabela 3.

Tabela 3
Quadrante de Vergès referente às palavras evocadas pelos estudantes do 2° ano do Ensino Médio acerca do tema indutor “entropia”. Fonte: Elaboração própria (2023).

A partir do disposto na Tabela 3, é possível perceber que, para o termo indutor Entropia, existem três grupos semânticos no primeiro quadrante: energia (F=30), irreversível (F=30) e temperatura (F=21). Sendo 40 o número total de sujeitos respondentes (n=40), tem-se que mais da metade dos participantes evocaram essas palavras e as classificaram com alto grau de importância. Todas as palavras, ou grupos semânticos, que ocupam o 1° quadrante estão em certa medida ligadas diretamente ao conceito físico de Entropia. No entanto, também é possível perceber que qualquer das palavras evocadas pelos sujeitos remete à noção de organização ou configuração, em sentido estrutural. O grupo semântico que mais se aproxima desta definição está no 3o quadrante, classificado como desordem, fazendo alusão à aleatoriedade das moléculas. A partir dessa premissa, pode-se conduzir a proposta (de pesquisa translacional) organizada pela formatação de uma Transposição Didática a partir do texto ficcional “A última pergunta”, de Isaac Asimov, tendo por pressupostos o PFCA e a TAS.

4.1.2. Transposição Didática baseada no texto ficcional “A última pergunta”, de IsaacAsimov, considerando representaçõesacerca da entropia

Como exemplo de aplicação da metodologia apresentada anteriormente, vamos considerar, nesta seção, o conto ficcional do celebrado autor russo Isaac Asimov, intitulado A última pergunta [7[7] I. Asimov, Nove Amanhãs: Contos do Futuro Próximo (Europa America, Sintra, 1981), v. 1.], intimamente relacionado ao conceito de entropia e às ideias envolvidas na Segunda Lei da Termodinâmica.

Como foi dito anteriormente, no PFCA [5[5] O.L. Silva Filho e M. Ferreira, Revista do professor de Física 2, 104 (2018).], os textos que irão levar à constituição da comunidade de investigação devem ser escritos em linguagem que evite termos técnicos e sua aplicação didática é complementada pelos planos de discussão, que consistem em uma série de perguntas que possa suscitar a curiosidade dos estudantes e promover sua adesão ao estudo do tema. Uma breve leitura no texto mencionado confirma que ele se enquadra nessa classificação.

Cabe, assim, após o levantamento da representação social dos estudantes acerca do tema entropia, desenvolver os planos de discussão que podem pôr em movimento o texto selecionado. Nesse processo, o professor é essencial, pois ele pode, a partir de seu conhecimento do saber sábio envolvido e do saber a ensinar, bem como de sua familiaridade com os traços típicos dos estudantes, captar sua atenção na construção de um debate que pode ser extremamente profícuo, não apenas para se atingir o saber ensinado, mas para o desenvolvimento das habilidades de pensamento a que Lipman [2[2] M. Lipman, Thinking in education (Cambridge University Press, Cambridge, 2003), v. 1.] se refere, promovendo, ademais, aprendizagem significativa do objeto de estudo. Vale ressaltar que o desenvolvimento de habilidades de pensamento impacta não apenas no conteúdo em estudo, mas espraia-se pelo aprendizado a ser desenvolvido posteriormente.

No presente caso, algumas perguntas podem ser diretamente retiradas do texto e devem ser as primeiras a serem postas para a comunidade de investigação, quais sejam:

  • O texto aborda várias vezes esse conceito de entropia. Diga, em suas palavras, a partir do que leu, o que entende por entropia. Nota: a solicitação visa trabalhar a habilidade de tradução.

  • De acordo com o que é explicitado no texto, a entropia pode diminuir ou ela sempre aumenta?

  • Qual a relação entre sua resposta à pergunta anterior e o fato de percebermos o tempo sempre “fluindo” em uma única direção? Nota: a pergunta visa trabalhar a habilidade de raciocínio – tirar conclusões, fazer inferências etc.

Para guiar o professor na construção de seus planos de aula, recomenda-se utilizar a confecção de um mapa conceitual próprio com os principais conceitos envolvidos no saber sábio relativo ao saber a ensinar – uma discussão detalhada disso pode ser encontrada em Silva Filho e Ferreira [5[5] O.L. Silva Filho e M. Ferreira, Revista do professor de Física 2, 104 (2018).] e em Silva Filho et al. [30[30] O.L. Silva Filho, M. Ferreira, A.M.M. Polito e A.L.M.B. Coelho, Pesquisa e Debate em Educação 11, e32564 (2021).]. Nesse sentido, na Figura 2, apresentamos um mapa conceitual para o ensino da noção de entropia e sua importância à formulação da Segunda Lei da Termodinâmica. Nesse mapa, indicamos em amarelo os conceitos que aparecem no texto lido. Cabe destacar que o texto ficcional a ser adotado não precisa (e, de fato, sequer deve) conter todos ou mesmo a maioria dos conceitos relacionado ao campo do saber sábio. O texto cumpre a função de suscitar o debate e, por ser apresentado logo de início, não pode trazer de forma explicita e pré-desenvolvida as informações que, justamente, se deseja ensinar. O que se faz necessário é que traga parte dos conceitos que se pretende ensinar e que seja capaz de induzir os elementos relevantes do saber a ensinar.

Figura 2:
Mapa conceitual relacionado ao conceito de entropia e sua relação com a Segunda Lei da Termodinâmica. Fonte: Elaboração própria (2023).

De modo condizente com a TAS, esse processo busca levantar os subsunçores existentes na estrutura cognitiva dos estudantes, voltados exclusivamente aos conceitos que se deseja ensinar, ao mesmo tempo que a dialogia os vai organizando [10[10] O.L. Silva Filho e M. Ferreira, Rev. Bras. Ens. Fís. 44, e20210431 (2022).]. Note-se, igualmente, que não apresentamos em detalhes a parte da Termodinâmica que se considera já ensinada e que funciona como pré-requisitos e, portanto, fonte de possíveis subsunçores de base para o tema, mais gerais e não especificamente voltados aos conceitos que se deseja ensinar. Assim, conceitos como calor, trabalho, primeira lei da Termodinâmica, temperatura e energia interna são todos eles constituintes da estrutura de pré-requisitos suposta (e, em princípio, verificada concretamente, por meio de questionário) do tema a ser investigado.

Com isso, fica claro o caráter propedêutico do texto ficcional. Ao inserir os conceitos de entropia, irreversibilidade, seta do tempo e fim do universo em um contexto altamente cativante, o texto ficcional não apenas lança as bases para os desenvolvimentos conceituais ulteriores, mas também fornece um direcionamento para a introdução subsequente do saber a ensinar. Um desses pontos, evidentemente, é o papel de indutor de uma organização prévia dos subsunçores [10[10] O.L. Silva Filho e M. Ferreira, Rev. Bras. Ens. Fís. 44, e20210431 (2022).]. De fato, uma das características precípuas da organização prévia é prover a aproximação entre os subsunçores, existentes na estrutura cognitiva dos estudantes de forma pouco formal/sedimentada, daqueles conhecimentos que se deseja ensinar. O texto ficcional, nessa perspectiva, realiza tal aproximação de maneira importante, ao misturar conceitos subsunçores com conceitos a serem aprendidos em um eixo sintagmático cujo caráter horizontal e fluido tem um aspecto essencial.

Os aprendizados promovidos por etapas posteriores relativas à aplicação da TAS, a saber, de diferenciação progressiva e de reconciliação integradora dos conceitos que se deseja ensinar, dependem crucialmente da qualidade dessas etapas iniciais: levantamento dos subsunçores e organização prévia destes. É nesse sentido que os textos ficcionais podem servir de apoio inestimável para uma aprendizagem significativa. Tais etapas, por regra, referem-se à produção de conhecimento associado ao eixo paradigmático dos conceitos, seja para diferenciá-los em suas categorias semânticas específicas, seja para associá-los naquilo que comportam de correlações características do conhecimento almejado.

Nesse sentido, com o uso dos textos ficcionais adequados à proposta pedagógica, pode-se caracterizar as duas etapas iniciais da TAS, o levantamento e a organização de subsunçores, de caráter preparatório, como relacionadas ao processo sintagmático vinculado ao próprio processo de leitura, que exige um ordenamento linear e sucessivo da estrutura semântica, enquanto que as duas etapas finais da TAS, a diferenciação progressiva e a reconciliação integradora, referir-se-iam a elementos paradigmáticos, cuja organização temporal é não linear, temporalmente falando [6[6] M. Ferreira, V.L.R.Couto, O.L. Silva Filho, L. Paulucci e F.F. Moteiro, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20210157 (2021)., 30[30] O.L. Silva Filho, M. Ferreira, A.M.M. Polito e A.L.M.B. Coelho, Pesquisa e Debate em Educação 11, e32564 (2021).32[32] M. Ferreira, D.X.P. Nogueira, O.L. Silva Filho, M.R.M. Costa e J.J. Soares Neto, Pesquisa e Debate em Educação 12, e35023 (2022).].

Na perspectiva de Greimas e Courtes [33[33] A.J. Greimas e J. Courtes J, Dicionário de semiótica (Contexto, São Paulo, 2008).], uma teoria científica nada mais é que um texto; assim, o texto ficcional inicial forneceria um co-texto de superfície, enquanto as duas etapas seguintes, propriamente de ensino, forneceriam as estruturas semânticas profundas da teoria. Isso fica particularmente claro na Figura 2, em que diferenciamos os conceitos que ocorrem no texto daqueles que fornecem a estrutura profunda da Termodinâmica associada ao conceito de entropia. Nela, os conceitos que podem ser obtidos diretamente do texto ficcional escolhido estão apresentados em amarelo.

Na representação social encontrada anteriormente sobre o termo indutor (entropia), temos os termos energia e irreversível (associado a processos irreversíveis) que compõem a Figura 2 e estão em amarelo, indicando conceitos que ocorrem diretamente no texto. No entanto, os termos tempo e Universo também apresentados em amarelo na Figura 2 não emergiram somente com uma leitura inicial do texto. Assim, na continuidade do processo de organização prévia mencionado, o professor, no contexto dos debates da comunidade de investigação na qual a sala de aula foi transformada, pode inserir questões do tipo:

  • Nos fenômenos estudados pela Mecânica, a energia sempre se conserva?

  • Que força encontramos em alguns fenômenos da Mecânica que implicam em uma não conservação da energia mecânica? O que ocorre com o trabalho nestes casos? Ele independe da trajetória?

  • Esta energia é transformada em quê? Vai para onde?

  • Que área da Física estuda em detalhes esse tipo de fenômeno?

  • O que é um sistema fechado e o que é um sistema aberto em Física? O Terra é um sistema fechado? E o universo?

  • Qual a noção de sistema em Termodinâmica?

Ao debater as respostas a esses questionamentos, que podem aparecer espontaneamente na comunidade de investigação ou podem ser inseridos pelo professor em suas intervenções, são organizados previamente os subsunçores do saber a ensinar. Note-se que não se foi, neste procedimento, além da busca pela articulação de elementos já conhecidos dos estudantes. Os conceitos mais fundamentais que se deseja ensinar (entropia, Segunda Lei da Termodinâmica, distribuição estatística da energia, microestados, bem como suas interrelações) não foram mencionados. Os planos de trabalho explicitam a função essencial do professor no contexto de construção e movimentação das comunidades de investigação.

A partir do diálogo na comunidade de investigação, caso haja progresso nas questões envolvidas, o professor pode suscitar mais debates com questões ainda mais abstratas e já não imediatamente respondidas pelo texto. Por exemplo:

  • Os fenômenos físicos que acontecem na natureza podem ser revertidos? O que a entropia tem a ver com isso?

  • De acordo com o que é abordado no texto, qual relação se pode inferir entre entropia e tempo?

  • Qual a relação entre entropia e morte?

  • O que são processos espontâneos?

  • Para onde se destinou a energia “dissipada” em um processo mecânico envolvendo o atrito?

Para se aproximar ainda mais do tema, agora já no âmbito do estudo da Termodinâmica de sistemas “pequenos”, algumas outras perguntas poderiam ser feitas, estas já voltadas para fenômenos específicos. Isso pode ser feito para induzir questões relativas ao problema da vinculação entre o conceito de entropia e noções estatísticas. Neste ponto, começamos a desenvolver o conceito de microestados e de sua relação com o conceito de entropia, que é parte do saber a ensinar. Deve-se escolher uma situação-problema que permita a introdução também das noções propriamente estatísticas, que vão articular o conceito de microestado. Exemplos de algumas questões norteadoras para reflexão:

  • Quando temos um gás aprisionado em um volume V_1 que está conectado por uma parede com um volume V_2, inicialmente vazio, e removemos a parede, o que acontece? É possível que encontremos o gás na configuração inicial em algum momento? É provável?

  • No problema anterior, a entropia aumentou, diminuiu ou ficou igual?

  • O conceito de entropia tem alguma relação com o conceito de probabilidade?

  • É possível construir uma máquina que seja capaz de usar toda a energia disponível a ela para realizar suas funções, sem qualquer perda de energia? Nota: a partir desse ponto, após terem se dado extensas discussões sobre as questões anteriormente formuladas, o professor pode solicitar aos estudantes que tentem colocar todas as conclusões obtidas em um mapa conceitual, a fim de estimular a habilidade de formar conceitos.

Os mapas conceituais confeccionados servirão, assim, como fundamento da análise dos conceitos agora existentes na estrutura cognitiva dos estudantes. O procedimento anterior, é, portanto, um processo de organização prévia desses subsunçores [6[6] M. Ferreira, V.L.R.Couto, O.L. Silva Filho, L. Paulucci e F.F. Moteiro, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20210157 (2021)., 30[30] O.L. Silva Filho, M. Ferreira, A.M.M. Polito e A.L.M.B. Coelho, Pesquisa e Debate em Educação 11, e32564 (2021).32[32] M. Ferreira, D.X.P. Nogueira, O.L. Silva Filho, M.R.M. Costa e J.J. Soares Neto, Pesquisa e Debate em Educação 12, e35023 (2022).]. Finalmente, constrói-se a relação pretendida entre o conceito de entropia, a noção de irreversibilidade estatística e a articulação disto com a Segunda Lei da Termodinâmica, quando esta é enunciada. A partir daí pode se usar uma transposição didática externa já realizada, com a adoção de materiais já existentes para o ensino do conceito de entropia e da sua relação com a Segunda Lei da Termodinâmica ou, caso sejam insuficientes tais materiais, pode-se proceder à confecção de uma exposição mais adequada.

Com base na abordagem aqui proposta, faz-se a consolidação do conhecimento construído no processo dialógico, principalmente em termos formais da Física, usualmente com a adoção da Matemática, no processo de transposição didática interna de temas complexos e de elevada capacidade de abstração ao estudante.

5. Considerações Finais

No processo de implementação da TAS de Ausubel, a concretização das duas etapas preparatórias, a saber, de levantamento e organização dos subsunçores dos estudantes, são reconhecidamente as mais complexas [1[1] M.A. Moreira, Teorias de aprendizagem (LTC, Rio de Janeiro, 2022), v. 3.]. Nesse sentido, a adoção de um texto ficcional, com as propriedades já mencionadas, facilita o processo de ensino-aprendizagem, principalmente quando associada à criação das comunidades de investigação, que, tendo o texto por ponto de partida, realiza as duas etapas em um único processo dialógico 2022) [5[5] O.L. Silva Filho e M. Ferreira, Revista do professor de Física 2, 104 (2018)., 6[6] M. Ferreira, V.L.R.Couto, O.L. Silva Filho, L. Paulucci e F.F. Moteiro, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20210157 (2021)., 30[30] O.L. Silva Filho, M. Ferreira, A.M.M. Polito e A.L.M.B. Coelho, Pesquisa e Debate em Educação 11, e32564 (2021)., 31[31] M. Ferreira, O.L. Silva Filho, M.A. Moreira, G.B. Franz, K.O. Portugal e D.X.P.Nogueira, Rev. Bras. Ens. Fís. 42, e20200057 (2021).].

Isso não é de menor importância. E não apenas pelo fato de, assim, poder-se superar as dificuldades precípuas das etapas preparatórias da TAS. O conceito de estrutura cognitiva do estudante é eminentemente pessoal e singular, não se esperando semelhança entre duas estruturas cognitivas (e, de fato, essas podem diferir substancialmente). Assim, em sentido estrito, a TAS aponta para uma inevitável personalização do ensino, já que a etapa seguinte ao levantamento de subsunçores, a sua organização, vai ser dirigida em termos da singularidade essencial de cada estrutura cognitiva [30[30] O.L. Silva Filho, M. Ferreira, A.M.M. Polito e A.L.M.B. Coelho, Pesquisa e Debate em Educação 11, e32564 (2021).] .

Entretanto, o processo dialógico constitui um processo de levantamento e organização de subsunçores coletivos e, supondo uma participação efetiva dos estudantes em tal processo, representa uma homogeneização das estruturas cognitivas subjacentes, implicando na possibilidade de se seguir com as etapas seguintes da TAS de maneira igualmente coletiva. Essa, de resto, é uma das contribuições essenciais da abordagem de Lipman [2[2] M. Lipman, Thinking in education (Cambridge University Press, Cambridge, 2003), v. 1.] acerca das comunidades de investigação à perspectiva de Ausubel [1[1] M.A. Moreira, Teorias de aprendizagem (LTC, Rio de Janeiro, 2022), v. 3.]. Nesse sentido, a noção de representação social dos conceitos (pelos estudantes) é absolutamente central ao método, como forma de justificar a continuidade do ensino, as etapas de diferenciação progressiva e reconciliação integradora, em formato igualmente coletivo.

Destaca-se, também, que a curadoria dos textos a serem utilizados é uma responsabilidade importante do professor, feita já tendo no horizonte uma mineração de conceitos relevantes para aquilo que se deseja ensinar. Nessa abordagem, pois, a figura do professor é fundamental, uma vez que não apenas realiza tal curadoria, mas também prevê as possibilidades de utilização e extrapolação dos textos escolhidos.

Agradecimentos

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Referências

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    M.A. Moreira, Teorias de aprendizagem (LTC, Rio de Janeiro, 2022), v. 3.
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    M. Lipman, Thinking in education (Cambridge University Press, Cambridge, 2003), v. 1.
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    O.L. Silva Filho e M. Ferreira, Revista do professor de Física 2, 104 (2018).
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    M. Ferreira, V.L.R.Couto, O.L. Silva Filho, L. Paulucci e F.F. Moteiro, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20210157 (2021).
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2023
  • Aceito
    13 Set 2023
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