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Dinâmica de grupo na educação para saúde

Resumo:

O artigo trata da avaliação do curso de Dinâmica de Grupo na Educação oferecido pelo NUTES/CLATES, tendo como pressuposto básico que trabalhar com “dinâmica de grupo” é exercitar a capacidade de instituir, definida como capacidade de criar, construir, transformar.

Serviram de base para o estudo questionários respondidos no momento da inscrição de cada participante; avaliações individuais, escritas e anônimas, realizadas ao final do curso; relatório das atividades desenvolvidas durante o curso.

Os resultados indicaram que o curso foi procurado, explicitamente, por necessidades intelectuais e, implicitamente, por necessidades afetivas; que a capacidade de instituir foi trabalhada à medida que o contexto social maior permitiu; finalmente, que três obstáculos principais limitam tal capacidade: tempo, organização social autoritária do Brasil e perspectiva mais mecanicista que dialética adotada na condução do curso.

Como recomendação, o curso deve ser reformulado, tendo em vista a transversalidade grupal e a visão dialética da dinâmica dos grupos, e deve incluir a discussão das relações entre técnica e ideologia.

Summary:

The purpose of this study is to evaluate the course of Group Dynamics in Education given by NUTES/CLATES, whose basic and presupposed idea is: to work with Group, Dynamics is to exercise the ability to institute, defined as “the capacity to create, construct and transform”.

The material which served as a basis for this study was taken from questionnaires given at registration time to each participant, reports of their activities developed during the course, and individual, anonymously written evaluations given at the end of the course.

The results showed that the course was explicitely taken for intellectual needs and implicitely for affective needs; the capacity to institute was developed as the major social context permitted. Finally, three principal obstacles which limit this capacity were detected: time, the authoritarian social organization in Brazil, and a more mechanical than dialectical perspective adopted in conducing the course.

A change in the course is recommended; this change should take into account the transversal composition of the group, the dialectical view of group dynamics, and the necessity to discuss the relationship between technique and ideology.

Entre os vários cursos de aperfeiçoamento que o Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde/Centro Latino Americano de Tecnologia Educacional para a Saúde (NUTES/CLATES) oferece aos professores universitários da área do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro e de outras instituições universitárias da América Latina e Caribe, encontra-se o Curso de Dinâmica de Grupo na Educação (DGE).

O Curso DGE surgiu como resposta a diversas solicitações desses professores para que lhes fossem fornecidas técnicas de grupo que levassem seus alunos à participação ativa em seus trabalhos acadêmicos.

No período de 1976 a 1979, foram oferecidos seis cursos DGE. Seus coordenadores sentiram, então, ser o momento oportuno para uma avaliação dos resultados, tendo em vista possíveis modificações que já se poderiam fazer necessárias.

O Curso DGE foi organizado tendo por princípio que os fenômenos de grupo só se revelariam e se tornariam compreensíveis àqueles que vivenciassem a experiência de formação e desenvolvimento de um grupo, seja como participante, seja como observador. Além disso, o manejo das técnicas de grupo exigiria a sistematização teórica do processo grupal vivenciado. A partir desses dois pontos (vivência e sistematização teórica), o curso era desenvolvido seguindo uma programação básica, que utilizou exercícios psico-dinâmicos, leituras e discussões de textos específicos.

Todos os cursos tiveram dois coordenadores (duas psicólogas, ou uma psicóloga e um médico com formação em coordenação de dinâmica de grupo), à exceção de um, que foi coordenado por uma psicóloga.

De cada curso foram registradas informações sob a forma de: 1) questionários respondidos no momento da inscrição de cada participante; 2) avaliações individuais, escritas e anônimas, realizadas ao final do curso; 3) relatório das atividades desenvolvidas durante o curso, bem como observações a respeito das participações críticas e da atuação dos coordenadores.

Baseado neste material foi realizado um trabalho de avaliação crítica do curso DGE tendo como pressuposto básico que trabalhar com “Dinâmica de Grupo” é exercitar a capacidade de instituir, definida como capacidade de criar, inovar, construir, transformar (Lapassade, 1977LAPASSADE, G. - Grupos, organizações e instituições. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1977.; Sartre in Rosenfeld, 1971ROSENFELD, D. - Sartre y la psicoterapia de los grupos. Buenos Aires, Paidós, 1971.). Colocou-se, então, como problema a investigar, a seguinte pergunta: o curso DGE pôde trabalhar a capacidade de instituir do professor? Como orientação da resposta a este problema, três outras questões foram formuladas:

  1. Ao buscarem o curso DGE, os professores-participantes pretendiam ver satisfeitas que necessidades? Isto é: a) quais foram as necessidades traduzidas em termos de expectativas dos professores-participantes quando buscaram o curso DGE? b) que necessidades foram respondidas pelo curso DGE, segundo as avaliações dos professores-participantes após a sua realização?

  2. Até que ponto coordenadores e professores-participantes buscaram no curso DGE trabalhar sua capacidade de instituir?

  3. De acordo com a literatura, quais teriam sido os obstáculos à consecução do objetivo - trabalhar a capacidade de instituir encontrados nos cursos DGE do NUTES?

O material (questionários distribuídos no momento da inscrição no curso DGE) que proporcionou resposta à primeira parte da primeira questão compunha-se das seguintes perguntas que, se supunha, traduziriam as necessidades que seriam satisfeitas na realização do curso DGE:

  1. Como você pretende utilizar os conhecimentos de Dinâmica de Grupo?

  2. O que você espera desta vivência em Dinâmica de Grupo?

As respostas dos professores-participantes foram analisadas em termos de necessidades predominantemente intelectuais predominantemente afetivas e intelectuais/afetivas. Das 76 respostas obtidas nos seis cursos realizados, 49 foram classificadas como predominantemente intelectuais, 10 como predominantemente afetivas e 17 como intelectuais/afetivas.

Foram classificadas como predominantemente intelectuais aquelas que falavam de aprendizagem de técnicas de grupo, planejamento do curso e recursos didáticos. Parece que o que se pretendia, após a vivência de grupo, era ser capaz de transmitir aos grupos de alunos o conhecimento (conteúdo da matéria) que já tinham, porém de forma mais refinada, que permitisse a participação dos alunos. Pelas respostas, pode-se inferir ainda que era esperado que o curso DGE oferecesse uma experiência que facilitasse a dinâmica de grupo a ser vivida com os próprios alunos, de forma que esses pudessem receber um conjunto de informações e experiências preestabelecidas, ou que a participação dos alunos, via dinâmica de grupo, possibilitasse um caminho estabelecido e controlado pelo professor. Em resumo, as técnicas de grupo deveriam servir ao modelo de participação de aluno que o professor parece ter introjetado: obedecer ativamente ao que é planejado como curso - conteúdo, atividades e avaliação - apenas pelo professor, previamente à existência do próprio grupo de alunos.

As respostas classificadas como predominantemente afetivas o foram por apresentarem o seguinte conteúdo: melhoria da convivência, desenvolvimento na comunicação interpessoal, percepção de si mesmo e enriquecimento de experiência pessoal. Há nesse grupo de respostas certa expectativa de melhoria pessoal na capacidade de relacionamento. O curso possibilitaria situações de expressão pessoal em que dificuldades de comunicação e de relações pessoais fossem examinadas.

Este processo os habilitaria a um relacionamento mais aberto e franco. Justamente esse tipo de relacionamento estaria faltando na condução dos problemas originados nas salas de aula, até então. Talvez, encontrem-se aí, indícios de crença nas condições rogerianas (1972) de facilitação de aprendizagem, ou seja, autenticidade no relacionamento e sentimentos de aceitação, confiança e valorização voltados para pessoas em situação de aprendizagem.

Por último, foram classificadas como respostas intelectuais/afetivas aquelas que integravam expectativas tanto de conteúdo afetivo como intelectual. Por expressarem esses dois aspectos, podem ser consideradas as· mais completas uma vez que, de acordo com Bion (1970BION, W. R. - Experiências com grupos; os fundamentos da psicoterapia de grupo. Rio de Janeiro, Imago, 1970.), qualquer grupo se realiza em dois níveis simultâneos: o nível afetivo, de expressão dos sentimentos, e o nível de trabalho onde há o esforço intelectual direcionado para a solução dos problemas grupais.

Resumindo, quanto às expectativas dos professores-participantes, observou-se que o curso foi procurado principalmente (65%) para satisfazer necessidades intelectuais. Houve, porém, aqueles que nele viram oportunidade de satisfação tanto de necessidades intelectuais quanto afetivas (22%). Apenas 13% buscaram o curso por necessidades predominantemente afetivas. Parece ser o segundo grupo (intelectual/afetivo) aquele mais consciente das possibilidades de um curso de dinâmica de grupo. Já o primeiro (intelectual), talvez influenciado pelo papel de professor, viu no curso mais um meio de beneficiar a sua tarefa de magistério a partir de uma técnica aprendida. O grupo onde as expectativas afetivas predominaram, talvez por desconfiarem, ou já terem desacreditado de técnicas, polarizou o problema colocando-o sob o ângulo da limitação pessoal, um problema de relacionamento com o outro.

Quanto à segunda parte da primeira questão, isto é, que necessidades foram respondidas pelo curso DGE, tendo por base as avaliações (individuais, escritas e anônimas) realizadas após o término do curso, observou-se uma incontestável predominância da satisfação de necessidades afetivas. Das 67 avaliações disponíveis, 69% eram do tipo afetivo, 10% do tipo intelectual e 21% do tipo intelectual/afetivo.

A oportunidade oferecida pelo curso DGE de expressão de afetividade positiva (sentimentos de simpatia, aceitação e valorização) e negativa (sentimentos de antipatia, rejeição e desvalorização), bem como a solução, mesmo que em nível superficial, de conflitos e tensões gerados no grupo, talvez explique tanto a ênfase (69%) dada aos aspectos afetivos pelos professores­participantes em suas avaliações, quanto a menor ênfase (10%) dadas aos aspectos intelectuais. A porcentagem relativamente baixa dos aspectos afetivo-intelectuais (21%) indica que o curso não foi percebido pelos seus participantes, ao mesmo tempo, tanto como facilitador de soluções de problemas de grupo (aspecto intelectual), quanto de expressão de sentimentos (aspecto afetivo).

O fato de 69% das avaliações traduzirem uma satisfação de necessidades afetivas caracterizaria os grupos submetidos ao curso de dinâmica de grupo como grupos de encontro no modelo rogeriano. Segundo RogersROGERS, C. - Grupos de encontro. Lisboa, Ed. M. Fontes, 1978., a vivência afetiva das relações é a principal barreira a ser superada para o estabelecimento de condições favoráveis de aprendizagem, e o curso DGE estaria perfeitamente adequado às necessidades do professor em suas atividades.

Se se comparam as expectativas com as avaliações, nota-se que houve uma inversão do intelectual, na expectativa, pelo afetivo, na avaliação. No entanto, pode-se supor que necessidades afetivas já existiam anteriormente ao curso, na maioria do grupo, embora não houvessem sido explicitadas. O curso teria dado um tipo de vivência que possibilitou a muitos professores não só identificarem como reconhecerem suas necessidades afetivas.

A dinâmica de grupo favorece mais a eclosão da afetividade do que da intelectualidade. Freud (1976FREUD, S. - Além do princípio de prazer, psicologia de grupo e outros trabalhos. Rio de Janeiro, Imago , 1976. v. 18. (1920-1922),) ratificou o que Le Bon observara: a emocionabilidade do elo grupal. Bion (1970BION, W. R. - Experiências com grupos; os fundamentos da psicoterapia de grupo. Rio de Janeiro, Imago, 1970.) afirmou que a atividade emocional grupal, por ele denominada grupo de valência, se estabelece de imediato, sendo “instantânea, inevitável e instintiva”. Parece que os grupos submetidos à dinâmica de grupo no NUTES, cumpriram mais a parte de realização afetiva da vida grupal.

Finalizando, é necessário acrescentar que o tratamento dado ao material que serviu de base a resposta dessa questão, isto é, sua divisão em respostas predominantemente afetivas, predominantemente intelectuais e intelectuais/afetivas foi apenas um recurso para facilitar sua interpretação. Acredita-se que o comportamento humano é uma manifestação única, onde eventuais identificações de aspectos afetivos, intelectuais e outros, vistos separadamente, são sempre questionáveis e aceitáveis apenas como recurso momentâneo para eu estudo.

Passando à resposta à segunda questão - até que ponto coordenadores e professores­ participantes buscaram no curso DGE trabalhar sua capacidade de instituir? - convém lembrar que capacidade de instituir foi definida, neste trabalho, como capacidade de criar, de inovar, construir e transformar a realidade em função de suas necessidades.

Examinando-se como os cursos DGE se desenvolveram, pôde-se observar que, embora obedecessem a um planejamento prévio, não houve rigidez na sua condução: discutiram-se, durante todos os cursos, seus objetivos, horários estabelecidos (algumas vezes foram mudados), forma de leitura dos textos (inclusive até se os mesmos seriam lidos), participação nas atividades propostas, mudanças nessas atividades etc. Se nos ativermos apenas à realidade de grupo vivida pelos professores-participantes no momento dos cursos, pode-se dizer que houve pelo menos um exercício de capacidade de instituir.

Este exercício caracterizou-se pela experiência vivida da possibilidade de questionar o instituído, permitindo-se ao participante manifestar suas expectativas diante do curso, bem como eventuais frustrações diante do planejamento apresentado, solicitar e realizar mudanças na sua condução, criticar a atuação dos coordenadores. Acredita-se ter trabalhado a capacidade de instituir, porque houve modificação nos cursos DGE a partir das necessidades manifestadas por seus participantes.

Por outro lado, certo é que tal trabalho se manteve ainda dentro das normas institucionalizadas. A decisão final foi quase sempre dos coordenadores, não só por vontade dos mesmos, como por solicitação e aval dos próprios participantes. O desenvolvimento do curso manteve-se basicamente de acordo com o pré-estabelecido, inclusive com a separação nítida entre coordenadores (aqueles que decidem) e participantes (aqueles que se adequam aos primeiros). O questionamento dessa relação institucionalizada é fundamental para que se realize a capacidade de instituir. Embora tenha sido algumas vezes objeto de reflexão, seu questionamento não foi aprofundado. Para que isto ocorresse, dever-se-ia ter lançado mão dos instrumentos da Análise Institucional.

Dentro de suas colocações, poderíamos ter uma outra resposta a esta questão. Na perspectiva da Análise Institucional, o grupo deveria ter sido visto a partir do relacionamento originado anteriormente ao curso e estabelecido pelas normas institucionalizadas que se fazem sempre presentes, atravessando o curso e o determinando por isso mesmo. A realidade do grupo seria a sua transversalidade. Não se poderia, então, afirmar que se procurou trabalhar a capacidade de instituir, porque não se buscou atuar na realidade. Observou-se ao contrário, a tentativa de negar os diferentes grupos externos, pois em nenhum momento do curso a presença deles foi explicitada.

Parece que nos cursos DGE todos os participantes foram vistos como iguais em experiência, posição social, valores, preconceitos etc. durante o seu pequeno período de duração. Não teria havido diferença de “status” e de poder entre eles, embora tenha havido aqueles que detinham mais títulos acadêmicos, ou posições hierárquicas mais altas do que outros; representantes de profissões mais e menos privilegiadas no campus universitário (médico x enfermeira); representantes de estados da federação mais pobres e/ou de universidades menos prestigiadas do que outras etc. O clima democrático “à la Lewin” desenvolvido nos cursos DGE do NUTES poderia em parte ser o responsável pela negação da transversalidade, presente, mas não percebida. A realidade do grupo, não conscientizada, teria sido responsável pelo não trabalho da capacidade de instituir. Ao contrário, parece ter havido reforço do institucionalizado. Como não se tratou da transversalidade, tratou-se do “técnico” e do “pessoal”, isto é, negou-se justamente o cerne da dinâmica grupal, isto é, os aspectos dinâmicos responsáveis pelo relacionamento já estabelecido institucionalmente e de onde são originadas muitas das dificuldades de qualquer outro grupo da universidade, entre eles, o grupo professor-participantes.

Finalmente, o trabalho em tela procurou responder a seguinte questão: Quais são os obstáculos detectados a partir da literatura que limitaram a capacidade de instituir e que podem ser encontrados no curso DGE do NUTES?

A não-concordância dos autores quanto aos objetivos da dinâmica de grupo (cursos DGE, grupo T, de sensibilização, de encontro etc.) comporta várias respostas a esta pergunta.

Considerando a teoria de RogersROGERS, C. - Grupos de encontro. Lisboa, Ed. M. Fontes, 1978., não se pode dizer que tenha havido obstáculos à capacidade de instituir (se bem que Rogers não adota esta terminologia) nos cursos DGE do NUTES. Para Rogers, o trabalho da afetividade se reflete em todas as esferas da vida humana. Nesta perspectiva, o curso DGE seria questionável apenas do ponto de vista das habilidades de relacionamento do coordenador. Este poderia ter limitado a capacidade de instituir grupal por não ter sido suficientemente autêntico nas relações estabelecidas com o grupo, com dificuldades de compreensão empática e aceitação incondicional. No entanto, esta não parece ter sido uma deficiência primordial, uma vez que as avaliações revelaram um conteúdo afetivo positivo e satisfação com a atuação dos coordenadores.

Na verdade os coordenadores procuraram aceitar o grupo, compreendê-lo, e atuar segundo suas necessidades, procurando com o seu comportamento dar um testemunho de atuação pautada no relacionamento pessoal positivo, isto é, de compreensão mútua. Se entendermos que para Rogers desenvolver a “capacidade de instituir” seria trabalhar as relações interpessoais num clima permissivo, admite-se ter desenvolvido esta capacidade nos cursos DGE.

Lewin (1965LEWIN, Kurt - Teoria de campo em ciência social. São Paulo, Pioneira, 1965.) muito se preocupou com o clima social ideal, além de acentuar a relação dos grupos pequenos com os grupos maiores na determinação desse clima.

Por ser um judeu alemão, refugiado nos EUA, parece ter-se empolgado com o que chamou clima democrático americano. Em suas pesquisas acreditou ter demonstrado que o clima social ideal para o trabalho de grupo seria o democrático, especialmente se centrado numa liderança democrática. Observara contudo que, tanto na democracia alemã quanto na americana, o conceito de democracia era baseado sobretudo no individualismo. Na americana, as decisões em nível de grupo democrático eram já facilitadas por serem as normas de liderança democrática um padrão cultural americano. Por não ter apontado nenhum caminho que levasse à consecução do objetivo da dinâmica de grupo, de trabalhar o grupo menor tendo em vista o grupo maior, pode-se admitir que este objetivo seria atingido via um clima democrático sob uma liderança democrática vivenciado no grupo.

Lewin (1970LEWIN, Kurt - Problemas de dinâmica de grupo. São Paulo, Cultrix, 1970.) ressaltou que o treinamento para a vida democrática deveria ser um objetivo social importante. Viver democraticamente, para ele, era fruto de um longo processo de aprendizagem e muitas vezes exigiria certa firmeza de liderança no sentido de levar a obediência democrática aos liderados. À medida que a aprendizagem democrática se desse, o líder estaria livre para outras tarefas.

Nessa linha, a opção pela democracia seria, possivelmente, a garantia da autonomia grupal e, conseqüentemente da realização da capacidade de criar e transformar de acordo com as necessidades grupais.

Os cursos DGE desenvolvias no NUTES tinham o clima democrático preceituado por Lewin onde princípios democráticos eram vivenciados de 2ª a 6ª feira, durante oito horas por dia. No entanto, o período histórico (1976-1979) da vida desses grupos não era democrático no seu contexto maior. Se normas de liderança democrática são facilitadas pelo padrão cultural de um povo afetando a capacidade de criar, transformar, ou instituir e se o período vivido por esses grupos no contexto maior não era democrático, teria havido dificuldades de transferência do vivido do pequeno grupo para o grupo maior: talvez a experiência tenha ficado como um objetivo ideal a ser conquistado, ou possível de ser atualizado a médio, ou longo prazo. Concluindo poder-se-ia afirmar que, do ponto de vista lewiniano, o essencial do grupo - sua liderança democrática - estando respeitada, ou se fazendo respeitar, a realização do grupo se efetivaria. Como nos cursos DGE, a liderança foi sempre democrática, por princípio, para Lewin ter-se-ia trabalhado a capacidade de instituir, isto é, as pessoas teriam tido uma experiência de convivência democrática e, portanto, de condições favoráveis à sua expansão pessoal e grupal. Pode-se, entretanto, fazer um comentário adicional a esta interpretação.

Como Lewin não chegou a comentar os problemas ligados à influência das diversas instituições no comportamento grupal, pode-se questionar aqui o papel atribuído ao clima democrático facilitado pelo padrão cultural do povo que possa influenciar o grupo maior via grupo menor. Por exemplo, a parcialidade da detenção do poder no sistema capitalista, no qual decidem as principais questões apenas os donos dos meios de produção. Nesse sistema os trabalhadores têm sua voz muito pouco ouvida, assim como os demais setores da sociedade que apenas reproduzem o sistema de relações já estabelecidos pelos donos dos grandes capitais. Talvez isso explique o posterior desenvolvimento dos grupos T inspirados em seus trabalhos: tais grupos de treinamento de habilidades interpessoais, comunicação e vida democrática passaram a ser instrumento de manutenção da ordem vigente institucionalizada do sistema capitalista e denominada democrática.

Não sendo acompanhado de análise crítica das instituições chamadas democráticas, muito fácil foi cristalizar-se, assumindo uma forma de atuação padronizada (institucionalizada) e distanciada dos fatos concretos, sociais, do contexto em que se dão tais treinamentos. Um exemplo é a sua larga utilização nas empresas e escolas onde se ensinam formas democráticas de atuação, porém democráticas apenas como forma de conduzir pessoas aos objetivos e planos de trabalho já estabelecidos pela hierarquia empresarial, ou escolar. Não há, pois, discussão a respeito desses objetivos, das formas de realizá-los e da distribuição de seus produtos. A capacidade de instituir nesses grupos é, portanto, completamente desconhecida, porque não há a menor intenção de atuar, intervir, ou transformar efetivamente a realidade vivida. Há apenas uma tentativa de “democraticamente” convencer pessoas a se conformarem com o que é estabelecido.

Examinando o ponto de vista de Moreno (1954MORENO, J. L. - Sociometria y psicodrama. Buenos Aires, Ed. Deucalión, 1954.) talvez fosse possível aproximar o seu conceito de espontaneidade como o conceito de instituir.

Para Moreno, a liberação da espontaneidade, entendida como reação satisfatória do ser humano a uma situação nova, seria a principal responsável pelo engajamento de pessoas e grupos em processos de mudanças e construção de seus próprios caminhos. Moreno advoga o psicodrama e o sociodrama como técnicas grupais especiais, porque unem reflexão e ação, num jogo de desempenho de papéis, para a liberação da espontaneidade. O que cercearia o desenvolvimento do ser humano seria justamente a cristalização ou estereotipia de seus papéis sociais. Esses reprimiriam todo o potencial espontâneo humano, ou seja, seu potencial criador e transformador.

O psicodrama teria maior utilização em pequenos grupos de psicoterapia, ou grupos restritos a situações institucionais. O sociodrama seria uma técnica de intervenção nos problemas sociais. Pessoas deveriam estar prontas a intervir usando a dramatização em situações de conflitos sociais típicas como greves, reuniões políticas, sindicatos etc. Ambas as técnicas possibilitariam uma melhor compreensão do grupo de si mesmo e, conseqüentemente, uma atuação mais espontânea ou instituinte.

Nos cursos DGE, os exercícios que procuraram juntar ação e reflexão, chamados psicodinâmicos, tiveram como objetivos o próprio engajamento dos participantes no grupo a partir de manifestação de sentimentos mútuos. Embora ocasionalmente tenham sido feitas reflexões comparativas com o papel do professor, não foi este o foco de trabalho nesses exercícios.

De acordo com Moreno, tais exercícios deveriam ser antes de mais nada dramatizações de situações que permitissem a reflexão do papel do professor. As dificuldades de seu desempenho em situações normais no quotidiano estariam ligadas a formas estereotipadas de desempenho profissional. Conseqüentemente o seu potencial de espontaneidade estaria sofrendo entraves impedindo o professor de se adaptar a situações e problemas novos trazidos pelo dia a dia. Um desses problemas seria a participação dos alunos nos cursos. Desta forma, para Moreno o principal obstáculo ao trabalho da capacidade de instituir grupal dos cursos DGE poderia ser o fato de não se ter trabalhado o papel de professor dos participantes, procurando torná-lo menos estereotipado, liberando a espontaneidade do professor para desempenhos posteriores.

Tomando-se como referência a Psicanálise, observou-se que nos cursos DGE oferecidos não se possibilitou aos participantes que “matassem” (desidealizassem) o chefe (coordenadores), isto é, num nível simbólico o transformassem em totem. As avaliações escritas indicaram que a posição dos coordenadores, quase sempre, não foi relativizada. Os participantes, dos cursos DGE mantiveram a imagem dos mesmos como “chefes” em seus papéis valorizados de provedores das necessidades grupais.

De acordo com Freud (1976FREUD, S. - Totem e tabu e outros trabalhos. Rio de Janeiro, Imago , 1976. v. 18. (1913-1914).), pode-se inferir ser este o grande obstáculo à capacidade de instituir, uma vez que segundo sua abordagem é através da totemização (desidealização do chefe) que se alcança a autonomia grupal, desde que os limites institucionais estabelecidos (suas normas ou suas leis) sejam suficientemente flexíveis para permitir a realização do homem como ser grupal e nos grupos. Se, ao contrário, há aceitação do chefe ou coordenador, isto é, do representante das normas instituídas e acabadas, há aceitação pelo grupo do instituído em detrimento do que ele pode instituir, e diante do que está pronto ou instituído não há motivos para criação pessoal ou grupal, não há possibilidade do exercício da capacidade instituinte. A falta de interesse ou participação dos alunos, o problema central trazido pelos professores-participantes dos cursos DGE, é reduzida ao desconhecimento dos professores de técnicas de participação grupal. Difunde-se a idéia de que apenas pelo uso de técnicas de grupo a rotina escolar será mudada. O foco de atenção seria o “técnico”, ou o “pessoal” (relacionamento), e é a instituição que apresenta sua resposta, não eles, os professores, oferecendo um curso DGE onde é ensinado relacionar-se com outros e como conseguir participação naquelas atividades importantes que levam à formação do futuro profissional. Neste quadro, pois, o coordenador do curso DGE permanece como chefe ou delegado do poder institucional e a lei grupal não se estabelece. A instituição permanece intocada e não objeto do trabalho instituinte.

Resumindo, no enfoque freudiano a resolução oferecida pronta aos professores limitaria a sua capacidade de instituir. Esta resolução pronta seria a melhoria do relacionamento interpessoal como resposta, já pré-determinada à existência dos grupos dos cursos DGE, ao problema trazido pelos professores-participantes: a não-participação dos alunos nos cursos regulares da Universidade.

Ainda dentro da abordagem psicanalítica e procurando analisar a questão segundo a ótica de Bion (1970BION, W. R. - Experiências com grupos; os fundamentos da psicoterapia de grupo. Rio de Janeiro, Imago, 1970.), pôde-se inferir que antes de mais nada os participantes dos cursos DGE do NUTES estariam satisfeitos por exercerem a sua “grupalidade” pois essa não é valorizada em nível institucional. Basta olhar a organização de uma Universidade como a UFRJ para concluir que a maioria dos professores não participa de seus colegiados. O reitor, o diretor de unidade, o chefe de departamento, por exemplo, não passam pela escolha do grupo de professores. Seus representantes nos colegiados lá chegaram de forma tão indireta, que praticamente não guardam nenhuma ligação com seus representados. Muitas vezes apenas na programação de seus cursos lhes é dado influenciar, o que não ocorre em relação à seleção dos alunos, ou dos conteúdos curriculares. Nesse contexto praticamente o professor vive isolado, ou com pouca oportunidade de manifestar sua grupalidade. Ressalvas sejam feitas a casos particulares onde são encontrados grupos de professores que, contornando as dificuldades originadas do próprio contexto autoritário em que vivem, conseguem realizar algum trabalho conjunto que não seja predominantemente burocrático. No entanto, esta não é a regra. Em geral observa-se que a grupalidade vivenciada em reuniões institucionais comporta freqüentemente manifestação emocional distorcida devido a burocratização das mesmas. Esta situação poderia estar gerando uma necessidade catártica que encontrou forma de expressão no espaço dos cursos DGE, isto é, encontrou condições de comunicação emocional desatrelada dos canais burocráticos da instituição universitária. Não é um mal em si a manifestação catártica, nem a dependência ao coordenador. Os grupos normalmente precisam viver essa realidade, segundo a psicanálise. Um tempo maior talvez conduzisse a superação da mesma e proporcionasse a manifestação da capacidade de instituir.

Analisando o curso DGE sob a ótica de Pagès (1974)PAGÈS, M. - Introduction a l´analyse dialectique; mes options actuelles concernant la formations psycho­sociologique. Janvier, 1979. Mimeografado., pode-se acrescentar outros aspectos a serem observados. Para Pagès, o principal obstáculo ao trabalho da capacidade instituinte dos professores-participantes dos cursos DGE estaria concentrado no fato de não se ter enfocado as práticas sociais no grupo revelando-as como reprodutoras de modelos sociais impostos. Pagès fala na capacidade de instituir como inerente ao ser humano. Essa só se manifestaria à medida que as pessoas, ou grupos atuassem de forma autônoma, isto é, renunciassem a negação de sua angústia ao se identificarem com as práticas sociais. O trabalho com os pequenos grupos deveria ter como linha de atuação a revelação dessas relações estabelecidas. Os grupos deveriam conscientizar-se de que atuam quase sempre em conformidade com modelos sociais impostos, traduzidos nas suas diversas práticas. Toda discussão nos grupos de formação (grupo T, de encontro, sensibilização etc.) deveria ser centrada nesses aspectos. O curso DGE não abordou tais aspectos. Restringiram-se a vivência e reflexão das relações afetivas entendidas como originais do grupo naquele tempo e espaço ocupado pelo curso. A dimensão inconsciente no comportamento grupal não foi trabalhada em nenhum aspecto, portanto a aceitação de angústia fundamental, crucial para a expansão instituinte, conforme vista por Pagès, também não o foi. A perspectiva de trabalho nesse curso foi marcadamente a de sua realização consciente. É de se supor que do ponto de vista de Pagès, os cursos DGE teriam sido apenas mais uma reativação da estrutura de relacionamento alienante, portanto não instituinte, mediada pelas práticas sociais estabelecidas institucionalmente.

Foi na Análise Institucional que se encontrou com maior clareza resposta à questão, uma vez que é pela abordagem de grupo que se propõe explicitamente trabalhar a capacidade de instituir num processo de dinâmica grupal. Tal objetivo, nesta abordagem, só seria atingido num regime de autogestão, processo que supõe motivações e decisões verdadeiramente coletivas, admissão da transversalidade (qualquer grupo contém a presença de vários outros pré-existentes a ele) e do seu papel na dinâmica grupal via os analisadores do grupo (voz dos aspectos do grupo que existem e são normalmente silenciados).

O “aqui e agora” inexiste do ponto de vista da Análise Institucional, porque a realidade de qualquer grupo inclui passado e futuro através dos grupos que o participante traz consigo na situação da dinâmica, e pelas normas institucionalizadas e internalizadas que não cessam de existir durante o período do curso. Nos cursos DGE no NUTES o “aqui e agora” foi trabalhado numa abordagem tradicional, isto é, a análise grupal era feita no suposto de que o manifestado era criação grupal daquele momento.

Os participantes pertenciam a grupos diversificados e percebidos como diversificados: chefes, subordinados, pares, formação acadêmica distinta etc. A transversalidade grupal era pois um fato. Nos cursos DGE realizados fazia-se de conta que o grupo nascera ao iniciar o seu trabalho e terminaria ao ser finalizado o curso. A transversalidade, se e quando denunciada por um analisador, era absorvida em nome o interesse maior da harmonia grupal e da proteção da instituição que patrocinava o curso. Isto era possível, se o raciocínio estiver correto, porque se vivia um faz de conta.

A Análise Institucional ressalta a materialidade das normas institucionais através da manifestação individual, ou grupal, e nega que se possa numa dinâmica de grupo levar pessoas a participarem. Do seu ponto de vista a participação existe o tempo todo em qualquer momento e espaço embora não sob o controle muitas vezes de quem participa. Em geral a participação é concedida e controlada por quem detém o poder, isto é, pelo poder institucionalizado. Este decide normas de comportamento em todos os tipos de grupos, desde a família até grupos de trabalho, ou lazer. Para a Análise Institucional não existe o grupo, mas sim um grupo cuja vida é delimitada, organizada e controlada pelo poder de Estado através de modelos sociais institucionalizados, ou permitidos.

A participação grupal é justamente a revelação atual dos padrões de comportamento e relacionamento desses diferentes grupos anteriores ao grupo presente interagindo num determinado momento. Qualquer novo padrão de relaciona mento estabelecido desde então será fruto dessa interação.

A contribuição numa vivência de dinâmica de grupo que pretenda atingir um objetivo de melhorar a convivência grupal será denunciar a participação obediente a modelos impostos. Estes são viáveis por tornar, coletivamente, a obediência um hábito social. O “aqui e agora” da maioria dos grupos é de certa forma a atividade de manter oculto o verdadeiro significado dessa dimensão. Em outras palavras, isto quer dizer que se tenta conter em qualquer grupo a capacidade de instituir. E o melhor caminho para essa contenção será não se falar do que está instituído ou padronizado como forma de atuação. O seu não-questionamento levaria à canalização de toda atividade grupal no “aperfeiçoamento” ou “eficientização” do que já existe.

Em resumo, o principal obstáculo segundo a ótica da Análise Institucional, que e poderá identificar no curso DGE, quanto ao trabalho da capacidade de instituir grupal foi o não se abordar a institucionalização daquilo que se vivia no período do curso.

Nesse sentido, silenciou-se diante da transversalidade. Durante todos os cursos optou-se por viver uma pretensa homogeneidade e igualdade dos participantes quanto às diferentes posições reais ocupadas na hierarquia de poder na sociedade como um todo e particularizada no contexto universitário. Por exemplo, a distribuição desigual de poder, regalias e restrições advindas das diferentes carreiras profissionais nas ciências da saúde, dos diferentes grupos que totalizam a Universidade como alunos, professores em suas várias categorias ou enquadres, titulação, funções etc.

Silenciou-se na forma de gestão do curso que é a mesma da instituição universitária: um curso pré-estabelecido ao grupo de interessados permitindo apenas questionamento em sua programação geral como forma de cumprir certo ritual democrático, sem contudo arriscar o não-cumprimento do já estabelecido. Não colocando em questão a própria gestão da formação, o curso DGE reafirmou mais uma vez o modelo comumente aceito de relacionamento entre pessoas que define marcadamente quem manda (a instituição universitária, via coordenadores ou professores) e quem obedece (os alunos, via professores-participantes). Por fim, silenciou-se, ainda, quanto à origem da demanda de curso DGE que revelaria até que ponto o mesmo era uma resposta às necessidades dos professores-participantes (ou professores-alunos), ou da instituição universitária delegando­se a si mesmo poder de dar o remédio apropriado e conveniente a problemas que sua própria organização origina sem, contudo, colocá-la em questão.

CONCLUSÃO

Com base nos resultados encontrados e na literatura pertinente, as seguintes conclusões puderam ser formuladas:

1 - Em relação às necessidades satisfeitas pela vivência grupal nos cursos DGE do NUTES/CLATES, observou-se uma predominância de necessidades afetivas, o que pode levar à conclusão de que o grupo buscou trabalhar catarticamente o seu relacionamento. O fato de os participantes dos cursos DGE esperarem encontrar no mesmo respostas cognitivas aos seus problemas de relacionamento em classe parece ter sido uma forma de encobrir a busca de satisfação de necessidades afetivas. Isto se for admitido que: a) não existe separação entre necessidades afetivas e intelectuais; b) há uma artificialidade quanto à expressão de uma e outra.

É falsa a suposição de predominância do componente intelectual sobre o afetivo na situação de trabalho.

Qualquer resposta humana é afetiva e intelectual. A separação dos dois componentes é antes a expressão de uma ideologia que um reflexo de um mecanismo psicológico (cisão do ego). Ideologia que prega a cisão entre o mundo pessoal, afetivo e o mundo produtivo, profissional ou de trabalho.

2 - Em relação à busca feita, ou não, dos coordenadores e participantes dos cursos DGE de trabalhar a sua capacidade de instituir, pode-se concluir que esta foi trabalhada na medida permitida pelo contexto social onde se inseriram os cursos. A própria dinâmica do trabalho nos cursos DGE encaminhou o reexame das condições institucionais que determinam necessidades de técnicas que levem à participação os alunos em seus cursos, ou seja, técnicas que levem ao exercício da capacidade d instituir.

3 - Os principais obstáculos, identificados a partir da literatura, à capacidade de instituir podem ser resumidos em:

  1. tempo (principalmente na visão psicanalítica);

  2. organização social autoritária do Brasil, que se refletiu nas condições de trabalho da UFRJ;

  3. perspectiva mais mecanicista que dialética adotada na condução dos cursos DGE.

Pode-se concluir que o tempo foi curto para que o grupo elaborasse efetivamente o vivido, discutindo as múltiplas implicações da dinâmica grupal na sala de aula. O período histórico, onde se inseriram os cursos DGE, não propiciava por parte dos seus coordenadores e participantes questionamento em relação à instituição, condição para mobilização plena da capacidade de instituir. Finalmente, a escolha de uma perspectiva mecanicista (o que não se deu casualmente) levou ao trabalho enfatizado nas emoções, como preconizado pela ideologia que reforça a separação do emocional, afetivo do intelectual, produtivo, profissional ou de trabalho. As dificuldades de participação no grupo foram transformadas em questões pessoais. Estas teriam sido assumidas pela instituição que delas se apropria como uma técnica de trabalho a ser ensinada na própria instituição. Se a forma de convivência estabelecida, institucionalizada, fosse colocada em questão haveria como conseqüência tentativas de mudança na instituição e desmascaramento de seu poder e controle. Não há em geral interesse de fazê-lo tanto por quem centraliza o seu poder, quanto pelos coordenadores e participantes dos cursos DGE. Os coordenadores buscaram, então, uma forma de abordar o problema não colocando em risco, ou afrontando o poder instituído. Por isso partiu-se para o enfoque das emoções desvinculadas, ou a dinâmica de grupo desengajada do seu contexto social. Em conseqüência houve a manutenção da separação do afetivo e intelectual tanto pela instituição quanto pelo vivido no curso DGE.

A instituição “soluciona” o problema da não­participação dos alunos provendo o professor de técnicas (conhecimentos do tipo intelectual) que podem ser aprendidas na vivência de Dinâmica de Grupo. Os coordenadores e participantes; dão solução oposta: é no relacionamento afetivo harmonioso que há participação. Assim a separação é mantida, e isto interessa à instituição.

Em função dessas conclusões decidiu-se que: 1) os grupos formados nos cursos DGE deverão ser vistos como englobando em si a presença de outros grupos concomitantes. Acredita-se que o grupo aumentará suas possibilidades de avaliar seu próprio processo à medida que reconheça essa realidade, ou seja, sua transversalidade, que condiciona suas diferenças e influencia seu comportamento; 2) a avaliação dos fenômenos de grupo deverá estar dentro de uma visão dialética. Afetivo e intelectual, participação e não-participação, instituído e instituinte, ação e reflexão, técnico e ideológico etc., não são dicotomias inconciliáveis, antes representam aspectos da experiência humana em constante processo de globalização e transformação. A dinâmica do grupo é o movimento de atuação das pessoas como seres inteiros em processo de realização. A marca deste movimento é a presença do conflito. Esta é a contingência da criação humana. Seu contrário é a burocracia; 3) a discussão das relações entre técnica e ideologia deverá ter um lugar nos cursos DGE. Esta discussão favorecerá a localização do problema no processo em que está inserido. A técnica (técnicas de grupo, no caso), quando é vista como resposta a um problema desvinculado do processo que o determina e o mantém, torna-se uma maneira de ocultar a relação do problema com o processo. O distanciamento do problema - dificuldade de levar alunos à participação ativa em seus cursos - do processo que o gera, ou seja, dinâmica de relações instituídas, leva à manutenção dessas relações. Ao contrário, a vivência grupal deve estar permeada pelo constante questionamento ao instituído, resguardando-se os limites que deverão permanecer, porque garantem a própria vida institucional.

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  • ROSENFELD, D. - Sartre y la psicoterapia de los grupos Buenos Aires, Paidós, 1971.
  • 1
    * Trabalho baseado na dissertação de Mestrado “Dinâmica de Grupo na Educação: instrumento de transformação, ou conservação”, apresentada ao Centro de Pós­Graduação em Psicologia da Fundação Getúlio Vargas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1981
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