Open-access O Tabagismo e a Formação Médica

Tobacco and Medical Education

Resumo:

Há mais de um bilhão de fumantes em todo o mundo, aproximadamente um terço da população global, com mais de 15 anos. Em consequência das doenças relacionadas ao tabaco, morrem anualmente no mundo cerca de 3 milhões de pessoas, sendo 2 milhões nos países desenvolvidos, situação que deveria mudar nas próximas décadas, quando a maior proporção de mortes passará a ocorrer em países em desenvolvimento. Os profissionais de saúde em geral e os da assistência primária em particular têm importante papel no aconselhamento de fumantes para abandonarem o fumo quando estes visitam seus consultórios, bem como apoiando campanhas antitabagismo. Contudo, ainda que os médicos reconheçam a morbimortalidade relacionada ao fumo, geralmente orientam pouco seus pacientes para o tabagismo, possivelmente por não confiarem em sua própria habilidade e de conhecimento sobre técnicas que tenham este objetivo. Esta revisão pretende avaliar o espaço destinado ao ensino/aprendizagem nos currículos das escolas de Medicina sobre as doenças relacionadas ao tabaco e os métodos para o abandono do fumo. Com base na literatura pertinente, pretende discutir a incipiente inclusão no ensino no ensino médico de itens específicos sobre tabagismo como doença e as formas e técnicas de tratamento da dependência nicotínica.

Palavras-chave: Tabagismo; Educação Médica

Abstract:

There are more than one billion smokers worldwide, approximately one-third of the population over 15 years of age. As a result of tobacco-related diseases, some 3 million people die every year, 2 million of whom in the developed countries, a situation that is expected to change in the coming decades, when more deaths will occur in the developing countries. Health professionals in general and primary-care staff in particular have an important role in counseling smokers to quit smoking, both during office consultations as well as by supporting-smoking cessation campaigns. However, even though physicians may recognize the morbidity and mortality associated with smoking, they generally provide little smoking cessation orientation to their patients, possibility because they do not trust in their own skill and knowledge on the appropriate techniques. This review is intended to evaluate the space devoted to teaching and learning in medical school curricula concerning tobacco-related diseases and methods to quit smoking. Based on the relevant literature, the article discusses the incipient inclusion in medical training of specific items on smoking as a disease and ways and techniques for treating nicotine dependence.

Key-words: Smoking; Education, Medical; Smoking Cessation Activities; Medical Counseling

INTRODUÇÃO

A estimativa para o ano 2020 é de 10 milhões de mortes anuais relacionadas ao fumo em todo o mundo, sendo cerca de 7 milhões (70%) nos países em desenvolvimento1, a maioria atribuída ao cigarro, causa líder prevenível de doença e morte prematura nos Estados Unidos2.

Esta grave situação pode ser ter seu impacto diminuído se grandes contingentes da população abandonarem o tabagismo. Para isto, os médicos sabidamente têm importante papel, pelo freqüente contato com os fumantes e reconhecida ascendência que podem ter sobre seus pacientes3.

Estudos revelam que os próprios tabagistas acreditam que o conselho médico é importante na decisão de abandonar o cigarro, porém, na maioria das vezes, esta oportunidade é perdida. Estimativas mostram que cerca de 70% dos fumantes procuram assistência médica para situações ligadas ou não ao tabagismo ao longo de um ano. Porém menos da metade são orientados pela equipe de saúde, médicos e paramédicos sobre os malefícios do tabagismo. Esta situação torna-se mais séria caso se considere que, de todos indivíduos fumantes que tentam abandonar o fumo sem auxílio médico, apenas 6% apresentam sucesso sustentado de pelo menos um ano4)-(7.

O objetivo desta revisão é, através da literatura, refletir sobre as razões pelas quais os médicos ainda não estão suficientemente engajados no diagnóstico e tratamento do tabagismo e considerar a forma e a extensão com que este assunto é abordado durante a formação médica.

SITUAÇÃO ATUAL DO TABAGISMO

A hipótese mais aceita sobrea origem do uso do tabaco é a de que tenha se originado na América Central, em tomo do ano 1000 a.C. Os maias queimavam as folhas para produzir sikkar, fumaça em seu idioma8. O cachimbo era utilizado pelos indígenas em cerimônias religiosas e nas decisões de guerra e paz. Achados arqueológicos de pesquisas realizadas em Minas Gerais, no Brasil, sugerem que os indígenas daquela região teriam feito isso de tabaco há mais de 100 séculos a.C, na área da lagoa Santa8.

Os europeus entraram em contato com esta prática através dos marujos da expedição de Cristóvão Colombo, em 1492, que a levaram para a Europa. Jean Nicot, embaixador da França em Portugal, em 1559 ganhou algumas sementes e folhas de tabaco vindas da América e as presenteou à rainha Catarina de Médici.

Embora atualmente o consumo de produtos do tabaco seja muito freqüente, fumar era um hábito incomum até o começo do século 20. Em 1900, o consumo per capita nos Estados Unidos era de somente 54 cigarros-pessoa-ano. Na época, menos de uma libra esterlina por habitante era gasta com cigarro na Inglaterra. Contudo, por volta de 1918, com a industrialização e o conseqüente aumento da oferta e barateamento do produto, a situação se inverteu, tendo início a epidemia do tabagismo. Assim, o consumo per capita de cigarro aumentou rapidamente na primeira metade do século passado, atingindo o auge nas décadas de 50 e 608)-(10.

Em 1964, com a publicação do Surgeon's General Report, que abordou o tema saúde e tabagismo, foi deflagrado, oficialmente, o início das lutas contra o tabagismo11. Em 1988, novo informe do Surgeon's General Report concluiu que: 1) o cigarro e outras formas de uso do tabaco geram dependência; 2) a nicotina é a droga presente no tabaco que causa esta dependência; 3) os processos farmacológicos comportamentais que levam à dependência de nicotina são semelhantes aos da dependência de outras drogas, como heroína e cocaína11.

Com as primeiras pesquisas ligando tabagismo ao câncer13, o incremento do consumo de cigarro tornou-se mais lento, chegando a haver declínio em alguns países nos anos 7012. Entre 1965 e 1985, a prevalência do uso de produtos de tabaco caiu 0,5% por ano, e, de 1987 a 1990, declinou 1,1%, mas a partir da década de 90 os níveis se estabilizaram em cerca de 25 a 30% da população na maioria dos países12.

A indústria fumageira, em resposta às evidências de que o alcatrão tem ação cancerígena e de que a nicotina causa dependência, respondeu rapidamente, lançando cigarros com filtro e, logo após, com baixos teores de alcatrão.

Apesar do reconhecimento inequívoco dos malefícios do tabagismo, o uso do cigarro continuou a aumentar, marcadamente entre crianças e adolescentes, sobretudo nos países em desenvolvimento, fruto de estratégia de venda da indústria. Atualmente, a China e muitos países africanos apresentam dados que apontam uma verdadeira catástrofe de saúde pública nas próximas décadas por doenças relacionadas ao tabaco12),(14.

Conforme dados da American Thoracic Society, mais de 50% dos fumantes vão morrer como resultado do seu hábito de fumar. Das mortes ocorridas nos Estados Unidos, 20% foram atribuídas ao tabagismo no ano de 199315.

No Brasil, a gravidade da situação não é diferente. Calcula-se que, nos últimos 30 anos, cerca de um milhão de mortes sejam atribuíveis ao tabagismo (sendo 40% por problemas cardiovasculares, 30% por neoplasias do trato respiratório e 30% por outras causas). Estima-se que, neste período, tenham sido fumados no país 3,7 trilhões de cigarros14),(15. Informe da Organização Pan-Americana de Saúde aponta cerca de 32 mil mortes/ano no Brasil por causas atribuíveis ao tabagismo. A prevalência nacional de tabagismo entre homens está em 39,9%, e entre mulheres, 25,4%. Em grupos de maiores de 20 anos de idade, a prevalência global estimada é de 40%, correspondendo a aproximadamente 33,6% da população adulta (sendo 11,2 milhões de mulheres e 16,7 milhões de homens, conforme dados de 1998)16. A prevalência de tabagistas varia conforme as regiões do país: Sul 42%; Sudeste 41%; Norte 40%; Centro-Oeste 38%; Nordeste 31%14.

O Brasil é o quarto produtor mundial de tabaco, sendo que aproximadamente a metade da produção provém do Rio Grande do Sul. Além disso, é o maior exportador mundial, com cerca de 16% da exportação global de fumo. A prevalência de fumantes adultos entre 15 e 64 anos, em Porto Alegre, no ano de 1991, estava em torno de 29,5% para as mulheres e de 41,5% para os homens. Cerca de 18% dos adultos eram ex-fumantes. No estado gaúcho, a proporção de mortes atribuíveis ao fumo passou de 5,1%, em 1970, para 8,7%, em 1990, cifra superior à média mundial estimada de 6%

OS MÉDICOS ESTÃO DIAGNOSTICANDO E INTERVINDO POUCO EM TABAGISMO?

O tabagismo foi incluído na 10a Classificação Internacional de Doenças, em 199517. Isso significa que o tabagismo tem características epidemiológicas próprias, período de incubação, quadro clínico, fisiopatogenia, tratamento e prognóstico bem específicos Acredita-se, inclusive, mais recentemente, que tenha suas peculiaridades genéticas e que possa até ser considerado uma forma de doença contaminante, pelos efeitos do tabagismo passivo e incentivo a que comunicantes de um caso-índice venham também a se tornar fumantes. Deixou de ser considerado somente como um fator de risco para p desenvolvimento de várias doenças, mas passou a ser um problema médico em si próprio18, compreendido como uma situação caracterizada com períodos de remissão e de recaída, típicos de doença crônica19.

Essa visão ainda não está totalmente difundida na classe médica. Os pneumologistas, oncologistas e epidemiologistas foram os primeiros a se perfilar na luta contra o tabagismo. A seguir, vieram os angiologistas, pediatras e obstetras, seguidos dos cardiologistas. Mas recentemente, os psiquiatras se incorporaram a esta atividade3.

Os médicos têm frequentes oportunidades para aconselhar os pacientes a abandonar o tabagismo, mas poucos atuam especificamente, orientando para a interrupção desse hábito. Sabe-se também que somente a metade dos tabagistas relata ter sido questionada em visitas médicas de rotina sobre seu status de fumante ou seu desejo de abandonar a dependência20)-(24. As conclusões desses estudos podem ter sofrido vieses, já que muitos fumantes relutam em admitir que foram aconselhados a parar de fumar. Thorndike e colaboradores, ao avaliarem o posicionamento médico sobre esta questão, verificaram que os médicos, em geral, questionam seus pacientes sobre tabagismo em 65% das consultas e os aconselham a parar de fumar em 29% das visitas, mas em apenas 1,3% dos casos lhe prescreveram farmacoterapia específica25.

Outro estudo, conduzido no estado de Michigan, Estados Unidos, mostrou que somente 40% de 1.652 fumantes pesquisados tinham sido orientados a abandonar o fumo. Verificou também que os fumantes com fatores de risco cardiovasculares não foram mais aconselhados a abandonar o vício do que aqueles que fumavam e que não apresentavam comorbidade cardiológica. Mulheres foram levemente mais aconselhadas a parar de fumar do que os homens entre 18 e 34 anos. Fumantes que tenham sobrevivido a infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral tiveram maior orientação no sentido de abandonar o tabagismo em relação a fumantes que não tiveram esses eventos20.

A relutância em intervir no tabagismo pode ser atribuída, em parte, ao tempo limitado das consultas médicas. Acredita-se, porém, que seja mais diretamente relacionada à notada falta de treinamento específico dos médicos para serem efetivos neste papel, à frustração diante dos baixos níveis de sucesso para interrupção do tabagismo, ou, até mesmo, à crença de que o abandono do tabagismo não é sua responsabilidade ou, ainda, por não terem tido, em sua formação, ensino adequado6),(15.

Richmond, confirmando essa posição, refere que a maioria dos médicos acredita não estar adequadamente treinada para aconselhar sobre o abandono do tabagismo, pois seus conselhos não são plenamente efetivos. Portanto, a falta de confiança na habilidade para lidar com os fumantes pode ser uma das explicações para a aparente ineficácia e o pouco envolvimento dos médicos no auxílio ao abandono do cigarro na prática diária26.

Assim, é possível que as rápidas mudanças que estão ocorrendo na abordagem do tabagismo não estejam sendo plenamente repassadas à classe médica em geral e aos estudantes de medicina.

A simples pergunta sobre os hábitos relacionados ao tabagismo e um breve aconselhamento de três a cinco minutos sobre sua interrupção aumentam significativamente as possibilidades de sucesso, fazendo com que as taxas de abandono subam 1% no grupo sem intervenção para 5% no grupo com este tipo de intervenção, conforme revisão da Cochkrane Library24. Mesmo uma atitude simples como esta parece estar sendo desperdiçada na maioria das consultas médicas.

A FORMAÇÃO MÉDICA E O TABAGISMO

Um dos paradoxos da luta contra o tabagismo é o de que os médicos, principais agentes de proposição desta mudança de hábito, apesar de conscientes dos malefícios do tabagismo, interferem de modo menos eficaz do que o esperado, possivelmente por se sentirem pouco capacitados para isto27.

A solução para esta questão pode ser a introdução de discussões mais específicas sobre os problemas do tabagismo durante o período de graduação, com a abordagem não só dos aspectos técnicos ligados a ele, mas também da metodologia para transmitir os conhecimentos sobreo tabagismo aos pacientes. Considerando que as futuras gerações médicas deverão se defrontar com um número cada vez maior de fumantes, quaisquer que sejam os sub-ramos da medicina em que estejam atuando, é fundamental que tais profissionais possam ajudar efetivamente seus pacientes a parar de fumar.

Há evidências de que os estudantes de escolas de medicina de diversos países, inclusive do Brasil, têm recebido treinamento inadequado sobre a dependência nicotínica, com currículos incompletos sobre este tópico28. Um estudo que envolveu 1.353 escolas de medicina de 159 países revelou que somente 11% daquelas tinham módulos específicos sobre tabagismo em seus currículos, 64% sobre a dependência da nicotina e 30% sobre técnicas para cessação do tabagismo, mesmo que 98% abordassem os aspectos clínicos das doenças relacionadas ao tabaco29.

Outro estudo, conduzido entre 126 escolas de medicina americanas, revelou que somente um terço ensinava sobre métodos de abandono e de prevenção ao tabagismo. A abordagem foi mais deficiente justamente nos últimos anos da graduação, sendo que 31% das escolas avaliadas dispensavam menos de 1 hora/ano durante os quatro anos de graduação médica30. Levantamento realizado pela Tobacco Prevention Section of International Union Against Tuberculosis e Lung Disease (IUATLD) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em escolas de medicina européias, mostrou que apenas 8% tinham módulos específicos sobre tabagismo em seu currículo31. Há evidências de que parcela significativa de estudantes do último ano de medicina acredita não ter conhecimento adequado e não dispõe de ferramentas para aconselhar os pacientes sobre o tabagismo. A maioria refere que aconselharia o abandono do fumo, mas unicamente se o paciente demonstrasse interesse em fazê-lo27.

No Rio Grande do Sul, pesquisa realizada com 513 alunos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, entre os anos de 1995 e 1996, mostrou que a maior parte dos entrevistados reconhecia os efeitos do tabagismo sobre a saúde, contudo poucos intervinham sobre este hábito junto aos seus pacientes32. Na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), a prevalência de fumantes e ex-fumantes em amostra de 450 alunos provenientes de todas as unidades acadêmicas da universidade foi de 16% e 8,4%, respectivamente, no grupo com idade média de 23 anos. Nesse estudo, a maioria dos estudantes (63,8%) desejava deixar o vício, mas encontrava dificuldade. A conscientização dos malefícios do uso do cigarro à saúde foi o motivo que levou a maioria dos alunos ex-fumantes (55%) a abandonar o vício33.

O consumo de cigarros foi pesquisado entre mais de 9 mil estudantes de 51 escolas de medicina de 42 países, inclusive o Brasil29),(31. Os resultados mostraram que o conhecimento sobre os malefícios do cigarro à saúde não fez diminuir seu consumo, pois os alunos dos últimos anos da graduação fumavam geralmente mais do que aqueles no início do curso. A pesquisa sugere que mais alunos começam a fumar durante os anos de faculdade do que o percentual dos que abandonam a dependência, o que faz pressupor que o efeito do conhecimento sobre os malefícios do fumo não afeta o comportamento dos estudantes.

O nível de consumo de cigarros entre os estudantes de medicina é menor do que na população em geral. Estudo realizado entre 13 escolas de medicina britânicas mostrou que 11% dos alunos eram fumantes em comparação aos 33% da população geral pareados por idade e sexo. O mesmo enfoque foi analisado entre 548 estudantes de oito escolas de medicina americanas, dos quais 56% eram homens e 44% mulheres. Deste total, 2% eram fumantes ativos no momento da entrevista, percentual mais baixo do que o da população em geral, ao passo que 13% referiram terem fumado, freqüência também mais baixa que a da população em geral27.

Embora os estudantes aceitem que não fumar é parte do papel exemplar do médico, o modelo de não fumante não tem se apresentado consistentemente para eles, tanto que alguns professores de medicina também fumam.

A ambivalência da equipe médica aos olhos dos alunos poderia encorajá-los a continuar fumando. No entanto, ao que parece, o fumo, entre os médicos, é indiferente, como exemplo, aos alunos. Pesquisa britânica mostra que 71% dos alunos entrevistados pensam que o hábito de fumar entre os médicos é responsabilidade individual, e um terço dos estudantes de 23 escolas americanas de medicina acreditam que nada precisa ser feito para os médicos que fumam27.

Considerando que o tabagismo entre os estudantes é menor do que entre os médicos em muitos países, conforme publicação da International Union Against Tuberculosis and Lung Diseases (IUATLD), é possível que, na próxima geração, tais profissionais de saúde possam vir a ser modelos de não fumantes. Assim, nos Países Baixos, 37% dos homens médicos e 14% das mulheres médicas fumam, comparados com 31% e 23% dos estudantes do sexo masculino e feminino, respetivamente27.

O médico fumante é uma realidade, inclusive no Brasil, onde os dados ainda são escassos. Pesquisa realizada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul em parceria com o Conselho Regional de Medicina (Cremers) buscou avaliar as causas de mortalidade entre os médicos. A dificuldade na obtenção de dados resultou em uma pequena amostra de 24 médicos falecidos em 1996. Deste total, dez nunca tinham fumado, outros dez se encontravam em abstinência do cigarro e quatro ainda fumavam na ocasião de sua morte, conforme informações fornecidas por familiares34.

Apesar do pouco suporte curricular e da tímida intervenção, a maioria dos estudantes admite que é da responsabilidade do profissional da saúde a tarefa de intervir para o abandono do tabagismo27),(35.

Diversos programas de ensino para abordagem com os estudantes de medicina sobre este assunto têm sido implementados em algum as universidades, sob as mais variadas formas: aulas tradicionais, dramatização, vídeos, instrução assistida via recursos de informática, discussão de grupo, leitura orientada. Na Harvard Medical School, o treinamento dos estudantes tem sido baseado em casos clínicos, com o objetivo de desenvolver a prática do aconselhamento para os pacientes que fumam. Na University of Wisconsin-Madison, a prevenção do tabagismo e o ensino de técnicas para o seu abandono fazem parte do currículo no segundo e terceiro anos da faculdade, sendo que, inicialmente, os alunos recebem material didático sobre intervenções para cessação do tabagismo, produzido pelo National Cancer Institute (NCI). O reforço ocorre no terceiro ano, com atendimento de pacientes ambulatoriais e realização de grupos de estudo. Na Yale University School of Medicine, o currículo prevê o treinamento de alunos através de 16 diferentes cenários, usando pacientes caracterizados, que buscam receber educação para prevenção e abandono do fumo. Outro programa de ensino é o Smoke-Screen Education Program, desenvolvido para os estudantes de medicina da University of New South Wales, em Sydney, Austrália, com o objetivo de ensinar os malefícios do tabagismo sobrea saúde27.

ATIVIDADES ANTITABAGISTAS NA PUCRS

Algumas iniciativas têm sido implementadas na Faculdade de Medicina e no Hospital São Lucas da PUCRS para aprimorar o ensino sobre os problemas decorrentes do tabagismo e como tratá-los.

Durante a graduação, a disciplina Psiquiatria III realiza seminário específico sobre tabagismo, a Medicina Interna apresenta as doenças relacionadas ao tabaco, e a Pneumologia ensina técnicas para abandono do fumo aos alunos da graduação. As atividades práticas são desenvolvidas no Ambulatório de Auxílio ao Abandono do Tabagismo, que conta com a participação, além dos preceptores, de doutorandos do quinto ano em estágios obrigatórios, de sexto ano em estágios optativos e de médicos residentes de Medicina Interna, de Pneumologia e de Psiquiatria. Esta atividade, por estar integrada com outras unidades acadêmicas da universidade, faz parte do treinamento optativo do Curso de Enfermagem e de Psicologia, tanto em nível de iniciação científica, como de pós-graduação stricto sensu.

Além disso, inúmeros projetos de iniciação científica e de extensão universitária estão sendo conduzidos por estudantes de medicina de várias séries18),(33),(36)-(44. Na área da pós-graduação, além das pesquisas conduzidas por médicos residentes e por alunos dos cursos de especialização em Pneumologia, teses de doutorado estão em elaboração.

Eventos extracurriculares, vinculados à Pró-Reitoria de Extensão, estão sendo estimulados como oportunidade para divulgação dos malefícios do tabagismo; assim, alunos de graduação e residentes participam regularmente do Projeto Olá!, de recepção aos calouros da universidade. Durante as atividades em feiras e centros comerciais da cidade, realizadas no Dia Internacional de Luta contra o Tabagismo e no Dia Nacional sem Tabaco, em promoção conjunta com a Associação Médica do Rio Grande do Sul, os alunos, residentes e doutorandos se envolvem em orientação à comunidade quanto aos malefícios do tabagismo e formas de tratamento. Objetivamente, aplicam o teste de dependência nicotínica de Fagerstrom, medem a concentração de monóxido de carbono exalado e o pico de fluxo expiratório e encaminham os fumantes motivados a tentar para de fumar aos postos de atendimento existentes na cidade.

Paralelamente, realizou-se avaliação dos hábitos de tabagismo dentro do hospital e verificou-se que o maior percentual de uso ativo de cigarro por parte dos profissionais de saúde ocorre em torno do bloco cirúrgico, principalmente nos corredores de acesso, banheiros e vestiários. Uma campanha visando a estes profissionais está em curso, além de orientação para que utilizem uma área específica para fumar, "o fumódromo". A venda de cigarros e assemelhados está proibida em toda a área do hospital.

Essas atividades refletem o empenho da instituição em integrar-se na luta contra o tabagismo como uma das atividades regulares de ensino, pesquisa e assistência prestada à comunidade.

CONCLUSÃO

O combate ao tabagismo ainda não faz parte da rotina de atendimento de médicos e do treinamento de estudantes de medicina na maioria das escolas médicas do Brasil e de muitos países. A dificuldade diante do paciente tabagista é, possivelmente, conseqüência da não atualização nos avanços na luta contra o tabagismo por parte de profissionais já formados, ocasionando escassa autoconfiança para abordar o assunto. Paralelamente, a timidez com que o tema tabagismo é ensinado na maioria das escolas médicas e a evidente falta de treinamento específico conduzem a um retrato não condizente com o papel de liderança que o médico deve ter em assuntos de saúde comunitária. Esta situação fica agravada se considerarmos o percentual não desprezível de médicos fumantes.

Com este panorama, conclui-se que é preciso mobilizar as direções das faculdades de medicina do Brasil no sentido de implementar em seus currículos o ensino sobre o tabagismo e as técnicas para o abandono do fumo. Também é necessário realizar programas específicos de educação continuada para egressos. A criação de serviços específicos para auxiliar estudantes e médicos fumantes a parar de fumar também é uma medida desejável em curto prazo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2003

Histórico

  • Recebido
    14 Nov 2002
  • Revisado
    08 Set 2003
  • Revisado
    21 Out 2003
  • Aceito
    14 Nov 2003
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