Resumo:
O estudo avalia a informação retida pelo paciente no Hospital São Lucas/PUC RS - Porto Alegre. Dos entrevistados, 80,80% sabem qual parte do corpo é afetada; 66,90%, o nome da doença; 48,70%, o nome do médico; 45,20%, afina/idade dos medicamentos; 34,70%, o nome desses; e 20,80%, a causa da doença. Quanto ao atendimento, os pacientes classificaram-no como ótimo (50,4%), bom (43,5%), razoável (4,3%) e ruim (17%).
A única variável sócio- demográfica a influenciar o nível de informação/e o grau de instrução atribuída a uma melhor compreensão, a uma melhor informação aos pacientes de nível cultural mais elevado ou a ambas.
A diferença entre grau de satisfação, alto e porcentual de informação retida baixo é discutida pelos autores.
Citam-se os aspectos médico-legais da informação e são feitas recomendações na tentativa de aumentar a retenção da informação prestada, melhorando com isso a qualidade da relação médico-paciente.
Palavras-Chave: Informação do paciente; Relação médico-paciente
Summary
This study evaluates the information retained by patients at São Lucas Hospital/PUCRS - Porto Alegre. Of those interviewed, 80,80% know what part of their body is affected, 69,90%; know the name of the disease, 48,70% know the name of/ their physician, 45,20% the purpose o/ the medication, 34,70% the name of the medication and 20,80% the cause of the disease. As to quality of care, the patients rated it as excellent (50,40%), good (43,50%), fair (4,30%) and bad (1,70%)
The only social demographic variable which influenced the level of information was schooling, either because they found it easier to understand or because belter information was provided to patients with a higher level of education, or both.
The Difference between a high degree of satisfaction and percentage of information retained is discussed by the authors.
Legal aspects pertaining to medical information are mentioned in an attempt to increase the ability to recall the information provided, thus improving the doctor patient relationship.
Key-Words: Patient's information; Doctor-patient relationship
Introdução
Historicamente foi Platão1) um dos primeiros a comentar sobre informação médica a pacientes. Diz o filósofo em seu tempo:
Um médico deste tipo nunca dá ao servo nenhuma explicação para suas queixas, tão pouco lhe pede as razões; dá apenas alguma injunção empírica com um ar de sabedoria acabada à maneira brusca dos ditadores e depois parte afogueado para o próximo servo doente. E o médico livre... trata das doenças entrando nas coisas em profundidade, de uma maneira científica, desde o começo e toma o paciente e sua família em confiança. Desse modo, ele aprende algo com os sofredores e, ao mesmo tempo, instrui o inválido a aproveitar melhor as suas forças. Ele não faz as suas prescrições até que tenha conquistado o apoio do paciente e, quando o faz, busca continuamente a completa restauração da saúde.
A relação médico - paciente tem sido progressivamente mais valorizado na prática e nas escolas médicas e deve estar embasada em uma eficiente comunicação da dupla, o médico começa a influenciar o seu paciente desde o primeiro contato, no momento em que faz a história clínica e o exame físico.
De acordo com Tähä2, o que o médico diz ao paciente e a maneira por que o diz são excepcionalmente importantes, não somente no que diz respeito à cooperação futura entre eles, mas também, em última análise, para superar ou aliviar a enfermidade do paciente.
As informações são esperadas com temor. O paciente aguarda um diagnóstico favorável com pouco risco, pouca exposição a procedimentos e uma cura rápida. Entretanto, teme que possa vir outro tipo de informação. Podemos encontrar ainda uma conspiração silenciosa quando o médico acredita que deve dizer o mínimo possível para que o paciente não comece a imaginar coisas e, por outro lado, o paciente tenta não saber o que tem, pois supõe que a realidade seja pior do que imagina. A experiência clínica tem mostrado que quanto menos o paciente sabe, mais espaço tem para alimentar sua imaginação e dar vazão a seus sentimentos de culpa.
Têm sido realizados estudos no sentido de tentar compreender os componentes psicológicos que ocorrem na interação médico-paciente. Atualmente considera-se que a habilidade de se comunicar corri o paciente possa ser, pelo menos em parte, ensinada, desde que os currículos de graduação dêem ênfase ao treinamento neste sentido e à visão dos pacientes como um todo.
Pretende-se, neste estudo, avaliar o quanto o paciente internado em um hospital retém da informação sobre sua doença e tratamento. O fato da pesquisa ser realizada em um hospital-escola, modelo de identificação para futuros médicos, aumenta sua importância educacional.
Sujeitos e Métodos
No estudo foram realizadas entrevistas estruturadas, com todos os pacientes internados via previdenciária nas clínicas médicas e cirúrgicas de adultos (Anexo II ANEXO II ), sob os cuidados do corpo docente e discente da Faculdade de Medicina do Hospital São Lucas da PUCRS. Alcançamos um total de 116 pacientes, o que corresponde a 72,5% dos pacientes internados no momento das entrevistas.
Foi realizado um estudo piloto com 15 entrevistas, o que determinou pequenas alterações do instrumento e padronização quanto aos entrevistadores.
O trabalho tem como critérios de exclusão a impossibilidade de o paciente comunicar-se ou um escore abaixo de 15 pontos no Mini-Mental State - um teste estruturado e resumido das funções cognitivas, geralmente utilizado para "screening", ou como instrumento de avaliação clínica para detectar distúrbios mentais orgânicos ou disfunção cognitiva, segundo Patteu & Fick3.
A entrevista constituiu-se pela aplicação do Mini Mental State, coleta dos dados sócio -demográficos e questionamentos a respeito da informação retida pelo paciente quanto à doença, à equipe, ao tratamento e à satisfação do mesmo. Incluiu-se também um termo de consentimento pós-informação.
Na análise estatística, foi utilizado o teste qui-quadrado com a significância estatística para um p < 0,05. A pesquisa foi aprovada previamente pelo Comitê de Ética em Saúde da PUCRS.
Resultados
Os dados sócio -demográficos permitem traçar o seguinte perfil do paciente entrevistado: é homem (57,3%), na faixa etária de 50-59 anos de idade (22,6%), casado (55,6%) e com instrução do 'analfabeto até 1° grau' (59,1%).
Quanto a informação retida: 80,80% sabem dizer qual parte do corpo é afetada; 66,90%, o nome da doença; 48,70%, o nome do médico que o assiste (considerado aqui o professor, o residente ou mesmo o aluno da graduação); 45,20% sabem a finalidade dos medicamentos em uso; 34,70%, o nome dos mesmos; e 20,80%, a causa da doença (Gráfico 1).
Questionado s sobre a satisfação quanto ao atendimento prestado , os pacientes assim se manifestaram: 50,4% classificaram o atendimento como ótimo; 43,5%, como bom; 4,3%, como razoável; e 1,7%, como ruim (Gráfico 2)
Quanto às correlações estatísticas, dados sócio demográficos com informação e grau de satisfação, encontramos os seguintes resultados: a variável 'grau de instrução dos pacientes' correlacionou-se significativamente com o conhecimento do nome do médico, da parte do corpo afetada e da utilidade dos medicamentos. Sendo assim, quanto mais instruído o paciente, mais informado a respeito dessas variáveis (Gráficos 3, 4 e 5)
Os resultados das demais associações entre dados sócio-demográficos, grau de satisfação e informação não mostraram correlação significativa. Ou seja, o grau de informação retida não se associa com os dados sócio demográficos, exceto o grau instrução ou com os relativos à satisfação.
Discussão
Nossos resultados assemelham-se aos encontrados no trabalho de Rohde e colaboradores4 também realizado em um hospital universitário. O tipo de atendimento prestado aos pacientes em uma estrutura assistencial simultaneamente universitária e previdenciária - envolve, segundo os autores citados, aspectos positivos e negativos. Por um lado, permite que se amplie a assistência médica tão necessitada em nosso país a segmentos menos favorecidos da população e à comunidade acadêmica, tomando o ensino médico mais dinâmico e real. No entanto, o grande número de profissionais em contato com o paciente (acadêmicos, residentes e professores) e a rotatividade nas diferentes equipes e áreas de atendimento, muitas vezes impossibilita o estabelecimento de relações estáveis e contínuas com o paciente, despersonalizando o convívio. Isto poderá se refletir negativamente na vida profissional futura do médico em formação. Por estes motivos, a constatação de que pacientes internados retém pouca informação sobre seus médicos, doença e remédios é esperada.
Há muitos anos tem sido preocupação da Organização Panamericana de Saúde e da própria Organização Mundial de Saúde buscar mecanismos de coordenação entre a formação de pessoal e serviços, que por sua vez respondam às necessidades da população5 em especial as da latino americana.
Em nosso estudo,48,7%dos pacientes sabiam o nome do médico. No estudo citado de Rohde e colaboradores4 o índice alcançou 56%. Quanto ao nome da doença, 66,9% em nosso estudo e 68,2% no estudo citado conheciam o mesmo. O paciente internado via previdenciária não escolhe médico e baixa no hospital iniciando o vínculo com a Instituição, e não com o médico. Frases do tipo "eu me trato no Hospital da PUC" são comuns em nosso meio.
Acreditamos que este fato explica em parte o índice alcançado.
Os achados de percentuais diferentes entre o conhecimento dos pacientes a respeito de sua doença, nome do seu médico e do tratamento que está sendo utilizado, em contraste com um alto índice de satisfação, fazem-nos pensar que a satisfação do paciente não está ligada a grau de informação retida. Entre os motivos, podemos destacar:
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mecanismo de defesa: regressão, típico da pessoa adoentada, onde o paciente retoma a estágios anteriores do desenvolvimento emocional6 colocando-se numa posição passiva, receptiva de cuidados médicos, sem questionamentos . Nestas situações chegam às vezes a verbalizar “o que os doutores fizeram por mim está bem”;
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mecanismo de defesa: negação, ou seja, a invalidação de um conhecimento desagradável e o viver a vida como se essa informação não existisse6 evidenciada em frases como "os doutores não me disseram nada" e "eu nem sei porque estou aqui";
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privilégio de ser atendido em um hospital universitário, tendo contato com um grande número de profissionais e estudantes, especialmente motivados para atendê-los. Um de nossos pacientes referia: "aqui é o melhor lugar para a gente se tratar, os professores ensinam os estudantes e estes nos atendem...";
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temor de manifestar insatisfação à equipe de entrevistadores, vista também como parte da equipe de atendimento.
Tãhkã2 afirma que, se médico e paciente sabem o que está acontecendo, há um aumento do sentimento de segurança do paciente e um aumento na sua disponibilidade em cooperar com o médico. O mesmo autor ressalta que o fato de a sociedade conferir ao médico o poder de cura também aumenta a posição passiva assumida por alguns pacientes.
Os achados concordam com Balint' que aponta como uma das primeiras necessidades dos pacientes a obtenção de um nome para o seu problema. Apenas depois disto, segundo o autor, há preocupação com o tratamento. Em nosso estudo, 66,9% dos pacientes guardavam a informação 'nome da doença' e somente 45,2%, a 'finalidade dos fármacos'. Tãhkã2 reforça isso, dizendo que a verdade sobre a doença só raramente é pior de suportar que os medos irrealistas e as fantasias ansiosas a respeito dela. O processo regressivo do paciente tende a mobilizar os medos que não os associados à ameaça real da doença. Isto ocorre independentemente de o paciente tê-las mencionado ao médico ou da consciência sob outra forma que extrapola uma ansiedade mal definida.
Machado e colaboradores8) em um estudo em hospital-escola, explica que os pacientes e médicos, numa hospitalização, têm duas perspectivas a respeito do adoecer. A do médico leva em conta anormalidades estruturais e/ou funcionais de órgãos e sistemas (doença). Já a do paciente, é baseada na sua percepção dos eventos que ocorrem ao adoecer (seus sintomas). Nossa pesquisa aponta que:80,8% indicam a parte do corpo afetada e somente 66,9%, o nome da doença. Temos aí a perspectiva do paciente. A dos médicos provavelmente seria outra.
Os pacientes com um grau de instrução maior entendem e retém melhor a comunicação médica. Os próprios médicos podem informar mais aos pacientes que demonstram maior nível cultural, ou ainda, o mais provável, uma retroalimentação positiva das duas situações.
A utilização de um teste de "screening" de avaliação do funcionamento mental afasta a possibilidade de os pacientes terem sido mais bem informados e das informações terem sido esquecidas, por déficit cognitivo. Não afasta, no entanto, outros mecanismos mentais como a negação, a regressão, ou a própria não compreensão do que lhes é informado.
Um ponto negativo deste trabalho consiste na metodologia empregada, pela formação de um único grupo que não leva em consideração variáveis tais como: o tipo de patologia (aguda ou crônica), o número de internações (primeira ou nova) e o tempo de internação atual. Por outro lado, da forma como foi realizada a pesquisa, temos a situação do hospital-escola naquele momento e suas consequências em termos de ensino e aprendizagem médica. Um trabalho posterior poderá avaliar a influência destas variáveis em relação à informação retida.
Quanto aos aspectos médico-legais, o último Código de Ética Médica Brasileiro, no artigo 59, veta ao médico: "deixar de informar ao paciente e o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento".
Na Declaração dos Direitos dos Pacientes, da Associação Americana dos Hospitais10, encontramos:
"Artigo 2 - O paciente tem o direito à verdade e à informação sobretudo no que concerne à própria doença, ao diagnóstico e ao prognóstico, de modo que a consciência do próprio estado patológico lhe possibilite colaborar ativa e responsavelmente com o médico e com o pessoal para-sanitário de enfermagem. Essa informação deve ser dada exclusivamente pelo médico-assistente o qual não conhece apenas o estado patológico global do paciente com competência específica, senão também por estar capacitado a avaliar a oportunidade ou não de referir completa e necessariamente os dados relativos ao tipo de doença (exemplificando nos casos de tumores malignos)".
Zimerman11 cita que um dos principais atributos de um médico é sua capacidade de comunicação. Não há nada pior no ato que é da máxima importância que o médico possa traduzir a linguagem do paciente, quando ela vem trazida sob sinais primitivos. Na pessoa do médico, essas falhas mais comumente decorrem do fato de: o médico não saber escutar - diferente de "ouvir", que é uma simples função fisiológica-; ter a mente saturada por preconceitos; haver um envolvimento contratransferencial com uma perda na delimitação de papéis; haver um descompasso semântico, ou seja, palavras ou jargões técnicos que para o médico têm um significado e para o paciente podem ter outro - às vezes bem o oposto-; e, por último, a dificuldade de lidar com as verdades penosas.
Os recursos tecnológicos de que se utiliza a medicina atual, em algumas situações abusivamente, podem interferir na relação médico-paciente, inibindo a espontaneidade do raciocínio acerca do caso em foco. Os recursos tecnológicos adquiriram dimensões de mito. Acrescenta-se a isto, segundo Martins12 o fato de que comunicar-se sempre foi difícil aos homens. A situação complica-se, se de um lado está alguém que se queixa e espera auxílio. Auxílio este, que nem sempre temos condições de prestar, pelo menos na extensão desejada pelo paciente. Os recursos tecnológicos podem ser usados pelos médicos com dificuldade de comunicação, não como auxiliares, mas como substitutos de um diálogo médico-paciente de verdade.
Enumeramos abaixo recomendações a serem consideradas para aumentar o nível de informação retida pelos pacientes:
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considerar que a comunicação não se processa unicamente pela via verbal. Quanto mais regredido estiver o paciente, menos se comunica e menos entende a comunicação exclusivamente verbal;
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utilizar uma linguagem clara e simples ao invés de jargão médico, de preferência com palavras do próprio paciente,
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a linguagem deve ser a mais direta possível. Deve se evitar referências vagas ou simbólicas;
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expor a mensagem importante primeiro de forma concisa, solicitando ao paciente o retorno da mesma. Uma complementação corretiva pode ser necessária;
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verificar o que o paciente reteve das informações prestadas, aferindo mecanismos de defesa ou o não entendimento;
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não basta informar uma única vez. É preciso verificar o que o paciente retém, retroalimentando o seu conhecimento sobre a doença e tratamento.
Decorridos 23 séculos desde as primeiras contribuições de Platão, a informação ao paciente mantém se uma função médica das mais importantes.
Referências bibliográficas
- 1 PLATÃO. The Laws. In: COULEHAN, BLOCK. A Entrevista médica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989 .
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- 4 ROHDE, L. E. P., CARVALHAL, G. F., CARAMORI, M. L. A., et al. Avaliação num hospital universitário do nível de informação que os pacientes possuem sobre sua internação e a doença. Revista Hospital de Clínicas de Porto Alegre. p. 134-40, 1990.
- 5 QUINONES J., VIDAL C. A. Integración docente assistencial. Educación Médica y Salud. V. 20, n. 1, p. 1-25, 1986.
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- 9 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Código de ética médica. Brasília: CFM, 1988.
- 10 ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE HOSPITAIS. Declaração dos direitos do paciente, 1973.
- 11 ZIMMERMAN, D. E. A Formação psicológica do médico. In: MELLO FILHO Jr., colaboradores. Psicossomática hoje. Porto Alegre: Artes Médicas , 1992. p. 64-69.
- 12 MARTINS, CYRO, colaboradores. Perspectivas da relação médico paciente. Porto Alegre: Artes Médicas , 1979. XI-XXI.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
03 Fev 2021 -
Data do Fascículo
May-Dec 1996