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A Aprendizagem Baseada em Problemas e os Recursos Adaptativos de Estudantes do Curso Médico

Problem Based Learning and the Adaptable Resources of Medical Students

Resumo:

Caracteriza-se a maneira como estudantes de um curso médico, com diferentes recursos pessoais de adaptação, avaliam sua experiência de aprendizagem por meio da metodologia de Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), tendo como fonte de informação a participação em grupos de reflexão. O estudo foi desenvolvido com 12 estudantes do 2o ano do curso médico da Faculdade de Medicina de Marília. Os estudantes foram divididos em dois grupos diferenciados pelo nível adaptativo. Foram realizadas cinco reuniões de grupos de reflexão com cada um dos grupos, tendo como proposta básica que refletissem sobre a experiência de aprendizagem na ABP. Os grupos foram gravados em áudio e vídeo, sendo posteriormente categorizados e comparados. A análise dos dados sugere que o êxito da implantação da metodologia da ABP pode depender, em parte, dos recursos pessoais dos estudantes. Neste sentido, é necessário favorecer o desenvolvimento dos recursos pessoais e de maturidade dos estudantes, o que requer investimentos neste aspecto, já que a história acadêmica prévia, em geral, favorece pouco tais habilidades.

Descritores:
Educação médica - tendências; Aprendizado Baseado em Problemas - métodos; Processos grupais

Abstract:

This objective of this paper is to describe the way in which medical students, whose personal resources vary, evaluate their learning experience through the Problem-Based Learning methodology (PBL), With participation in Reflection Groups as the source of information. The study was conducted with 12 second-year students from the School of Medicine in Marília. The students were divided into two groups, differentiated by their adaptive level. Five meetings were held with each for the Reflection Group, and the basic purpose was to the reflect on the learning experience through PBL. The groups were taped with audio and video equipment and were then categorized and compared. Data analysis suggests that successful implementation of PBL an depend partially on the students’ personal resources. It is thus necessary to facilitate the development of such resources as well as students’ level of maturity. Investments in this direction are required, since prior academic experience generally did not favor such skills.

Descriptors:
Education, Medical - trends; Problem Based Learning - methods; Group processes

INTRODUÇÃO

Os educadores médicos têm empreendido contínuos esforços para satisfazer a crescente demanda em melhorar a educação médica, mas considera-se que isto ainda não foi, alcançado de forma significativa2323. Rendas AB, Pinto PR, Morais M da G, Costa PF, Magalhães J. Applications of problem-based learning in the basic medical curriculum. Acta Med. Port. 1995; 8 (7-8): 459-62..

Transformar a educação médica implica mudar relações de poder estabelecidas dentro da escola médica. Por isso, a condução de um processo de mudança não pode ser ingênua e tem que levar em conta a necessidade de, ativamente, acumular forças favoráveis e diminuir a capacidade de ação das forças contrárias1010. Feuerwerke LCM. Cinco caminhos para não abrir espaços de transformação do ensino médico. Rev. Bras. Educ. Méd. 1999; 23(2/3):21-6..

Transformar a educação médica é construir uma Escola presumindo que todo o pessoal envolvido seja constituído por pessoas adultas, capazes de refletir, de abrir-se ao intercâmbio das idéias, de modo a participar das iniciativas construtivas. Portanto, todo o corpo universitário - professores, alunos e administração - precisa comprometer-se com a reflexão, criando-a, provocando-a, permitindo-a, lutando continuamente para conquistar espaços de liberdade2121. Moretto RA. Como abrir caminhos para à transformação do ensino médico. Rev. Bras. Educ. Méd . 1999; 23(2/3): 38-45..

O processo de mudança do ensino médico é complexo, uma vez que envolve a tradição das instituições, professores e alunos.

A manutenção de modelos pedagógicos tradicionais, sustentados pela retenção de informação, estruturados em sistemas rígidos, com disciplinas separadas umas das outras, com avaliações que priorizam o exercício memorístico instantâneo, determinam estudante passivos, incapazes de dirigir seu processo formativo. Nessa forma de ensino, a integração de conhecimentos e habilidades é dificultada, uma vez que as informações são absorvidas de maneira dissociada da prática clínica, sem um foco ao redor do qual se organize o conhecimento. Nesse caso, especificamente, essa desvantagem se evidencia, uma vez que o exercício da prática médica é fundamentado na integração de conhecimentos e habilidades99. Fasce E, Ramirez L, Ibanez P, [Results of a problem-based learning experience applied to first year medical students]. Rev. Med. Chil. 1994; 122(1): 1257-62..

Uma das alternativas propostas a este modelo é a Metodologia Baseada em Problemas (ABP), que surgiu no cenário educacional na Universidade ele McMaster (Ontário, Canadá), no final da década de 60, quando um grupo de aproximadamente 20 docentes desenvolvia um novo programa para o curso de medicina.

Nesta metodologia, o foco do processo educativo está centrado no estudante, estimulando-se nele a capacidade de autoformação, fomentando a busca de informação e o desenvolvimento do raciocínio crítico. Os tópicos a serem aprendidos são identificados a partir da apresentação de um problema real ou simulado a um grupo pequeno de alunos em reuniões semanais, chamadas reuniões tutorais, coordenadas por um tutor com experiência em dinâmica de grupo e não necessariamente um perito no assunto. Para solucionar o problema, é necessário que o estudante recorra aos conhecimentos prévios, venha a adquirir novos e possa integrá-los. Essa integração, aliada à aplicação prática imediata, facilita a retenção do conhecimento, que pode ser mais facilmente resgatado quando o estudante estiver diante de nossos problemas99. Fasce E, Ramirez L, Ibanez P, [Results of a problem-based learning experience applied to first year medical students]. Rev. Med. Chil. 1994; 122(1): 1257-62..

A aplicação deste modelo pedagógico tem inúmeras implicações, que envolvem práticas interdisciplinares: conhecer estratégia, de ensinar, aprender a aprender; além de uma perspectiva crítica do, conteúdos, dimensionando-os por sua inserção na realidade. Sob esta perspectiva, as atividades acadêmicas são vistas como um processo comunicacional apoiado em novas tecnologias de comunicação e informação, atendendo à diversidade cultural, respeitando as diferenças de contexto no exercício da docência e investindo na atualização científica, técnica e cultural. Busca-se um processo de educação permanente integrando a dimensão afetiva, para desenvolver nos estudantes comportamentos éticos orientados por valores e atitudes em relação à vida, ao ambiente, às relações humanas e a si próprios. Os estudantes devem ser encorajados a desenvolver seus próprios objetivos, métodos e estilos de aprendizagem, assumindo a responsabilidade de avaliar seus progressos pessoais em termos de quanto estão se aproximando dos objetivos educacionais propostos para cada fase da sua capacitação. Com isto, devem ser os verdadeiros condutores de seu próprio processo de aprendizagem, e, para tanto, há um, habilidade fundamental a desenvolver: aprender a aprender1818. Komatsu RS. Aprendizagem baseada em problemas, um caminho para a transformação curricular. Rev. Bras. Educ. Méd . 1999; 23(2/3): 32-7..

O aprender deve ser entendido como busca ativa de informações, revisão da própria experiência, aquisição de habilidades, adaptação às mudanças, descoberta do significado dos seres dos fatos, dos fenômenos e acontecimentos, modificando atitudes e comportamentos3030. Singleton AF, Chen S. The Medical Student Expectation Scale (MSES): a device for measuring students expectations of each others' values and behaviours. Med. Ed . 1996; 30(3): 187-94..

A metodologia da ABP preconiza que seu sucesso depende de uma série de pré-requisitos: recursos institucionais adequados, um corpo docente treinado e familiarizado com o método e estudante, que apresentem características de personalidade como independência, determinação, senso de responsabilidades, desinibição, capacidade de comunicação e de organização2424. Rodrigues MLV, Figueiredo JFC. Aprendizagem centrado em problemas. Medicina: Faculdade de Ribeirão Preto - HC, 1996; 29: 396-402..

Alcançar estas condições não é fácil, pois o estudante, em geral adolescente, está submetido a esse caos social em ebulição, de violência e de transgressões, e muito impregnado de visões românticos quanto à prática e ao saber médico. Num curso sobre saúde e vida, o jovem é sempre apresentado apenas à doença, raramente à saúde e poucas vezes à morte2121. Moretto RA. Como abrir caminhos para à transformação do ensino médico. Rev. Bras. Educ. Méd . 1999; 23(2/3): 38-45..

Revisando a literatura recente sobre a metodologia da ABP observou-se que as questões relativas à formação do estudante no que se refere a maturidade, mudanças de atitudes e desenvolvimento, de habilidades na prática profissional, embora bastante discutidas quanto sua necessidade, têm sido pouco consideradas quanto à forma de implementação11. Angeli OA. Aprendizagem baseada em problemas (PBL) e o curso médico: revisão da metodologia. Anais do 6o Ciclo de Estudos em Saúde Mental; 25-28 nov Ribeirão Preto, 1998. p.9.. Além disso, os estudantes de medicina têm sido descritos como enfrentando dificuldades adaptativas adicionais em função das demandas do próprio curso1111. Giorgetti MF. Problemas do ensino nos cursos de graduação da USP. Mesa-redonda de 24 de outubro de 1990; encontro: problemas e perspectivas do ensino nos cursos de pós-graduação da USP Ribeirão Preto, 1990.), (2020. Millan LR. Assistência psicológica ao aluno da faculdade de medicina da USP Ponto e vírgula, 1986; 8.), (2727. Simon R. O complexo tanatolítico justificando medidas depsicologia preventiva para estudantes de medicina. Bol. Psiquiatr. 1971: 4: 113-5..

Observou-se na revisão que o delineamento dos estudos não priorizou questões relativas à maturidade para a formação. De modo geral, os estudos enfocaram atividades e rendimento acadêmico1313. Kalaian HA, Mullan PB. Exploratory factor analysis of students' ratings of a problem-base learning curriculum. Acad. Med . 1996; 71(4): 390-2.),(88. Dolmans DH, Schimidt HG. What drives the student in problem-based learning? Med. Ed . 1994; 26(5): 372-80.),(3232. Sobral DT. Diagnostic ability of medical students in relation to their learning characteristics and preclinical background. Med. Educ. 1995; 29(4): 278-82. em momentos específicos do curso, especialmente nos dois primeiros anos da graduação55. Cariaga-Lo LD, Richards BF, Hollingsworttv MA, Camp DL. Non-cognitive characteristics of medical students: entry to problem-based and lecture-based curricula. Med. Ed. 1996; 30(3): 179-86.),(99. Fasce E, Ramirez L, Ibanez P, [Results of a problem-based learning experience applied to first year medical students]. Rev. Med. Chil. 1994; 122(1): 1257-62.),(1414. Kaufman DM, Holmes DB. Tutoring in problem-based learning, perceptions of teachers and students. Med. Educ. 1996; 30(5): 371-7),(3131. Sobral DT. Grupo pequeno sob tutoria estudantil na aprendizagem baseada em problemas: fatores e desfechos. Psicol. Teor. Pesqui. 1995; 11(1): 61-5.. Como fonte de informações, predominaram os dados colhidos com os estudantes2323. Rendas AB, Pinto PR, Morais M da G, Costa PF, Magalhães J. Applications of problem-based learning in the basic medical curriculum. Acta Med. Port. 1995; 8 (7-8): 459-62.),(2525. Schmidt HG, Machiels - Bougaerts M, Hermans H, Ten Cate TJ, Venekamp R, Boshinizen HP. The development of diagnostic competence: comparison of a problem-based, an integrated, and a conventional medical curriculum. Acad. Med . 1996; 71(6): 658-64.),(3434. Sobral DT. Peer tutoring and student outcomes in a problem-based course. Med. Educ. 1994; 28 (4): 284-9),(3737. Vernon DT, Hosokawa MC. Faculty altitudes and opinions about problem-based learning. Acad. Med . 1996; 71(11): 1233-8., avaliando a si próprios e a metodologia da ABP por meio da aplicação coletiva33. Blake JM, Norman CR, Keane DR, Mueller CD.Cunnington J, Didyk N. Introducing progress testing in McMaster University's problem-based medical curriculum: psychometric properties and effect on learning. Acad. Med . 1996; 71(9): 1002-7.),(1515. Kaufman DM, Mann KV. Basic sciences in problem-based learning and conventional curricula, students' attitudes. Med. Educ. 1997; 31(3): 177-80.),(1616. Kaufman DM, Mann KV. Students' perceptions about their courses in problem-based learning and conventional curricula. Acad. Med . 1996; 71(1Suppl): S52-40.),(2626. Schor NF, Troen P, Kanter SL, Janosky JE. Interrater concordance for faculty grading of student performances in a problem-based learning course. Acad. Med . 1997; 72(2):150-1. de instrumentos como questionários e entrevistas22. Bernstein P, Tipping J, Bercovitz K, Skinner HA. Shifting students and faculty to a PBL curriculum: attitudes changed and lessons learned. Acad. Med. 1995; 70(3): 245-7.), (44. Camp DL, Hollingsworth MA, Zaccaro DJ, Cariaga-Lo LD, Richards BF. Does a problem-based learning curriculum affect depression in medical students? Acad. Med . 1994; 69(10 Suppl): S25-7.), (77. Des Marchais, JE Vu NV. Developing and evaluating the student assessment system in the preclinical problem-based curriculum at Sherbrooke. Acad. Med . 1996; 71(3): 274-82.), (1212. Hebert R, Bravo G. Development and validation of an evaluation instrument for medical students in tutorials. Acad. Med . 1996; 71(5): 488-94.), (1717. Kaufman DM, Mann KV. Comparing students’ attitudes in problem-based and conventional curricula. Acad. Med .1996; 71(10): 1096-9,), (1919. Mennin SP, Kalishman S, Friechman M, Pathak D, Sunder J. A survey of graduates in practice, from the University of New Mexico's conventional and community-oriented, problem-based tracks. Acad. Med .1996; 71(10): 1079-89.), (2222. Regehr G, Martin J, Hutchison C, Murnaghan J, Cusimano M, Reznick R. The effect of tutors content expertise on student learning, group process, and participant satisfaction in a problem-based learning curriculum. Teach Learn Med. 1995; 7(4): 225-32.), (3030. Singleton AF, Chen S. The Medical Student Expectation Scale (MSES): a device for measuring students expectations of each others' values and behaviours. Med. Ed . 1996; 30(3): 187-94.), (3333. Sobral DT. Motivação para aprender e resultados da aprendizagem baseada em problemas. Psicol. Teor Pesqui. 1993; 9(3): 547-54.), (3535. Tipping J, Freeman RF, Rachlis AR. Using faculty and student perceptions of group dynamics to develop recormmendations for PBL training. Acad. Med . 1995; 701(11): 1050-2.), (3636. Vernon DT, Blake RL. Does problem-based learning work? A meta-analysis of evaluative research. Acad. Med . 1993; 66(7): 550-63.), (3838. Wilson JF, Johnson MM, Studts JL, Elam CL. Students' quality of life after a major curriculum change. Acad. Med . 1996; 71(10 Suppl): S40-2..

A questão dos recursos pessoais e da maturidade do estudante do curso medico, como elementos favorecedores de bons resultados na ABP, tem sido valorizada e preconizada, não sendo, contudo, pesquisada de forma sistemática.

Nesse contexto, configurou-se o interesse em estudar os recursos adaptativos de estudantes do curso médico e a maneira como experimentam o processo de aprender na metodologia ABP. Para isso, optou-se pela técnica dos grupos de reflexão66. Delarossa A. Grupos de reflexión: entrenamento institucional de coordinadores y terapeutas de grupos, Buenos Aires, Paidós; 1979., que propõe aos participantes que vivenciem uma situação comum, que pensem e reflitam juntos sobre uma temática proposta, o que permite a observação de opiniões e atitudes.

Objetivou-se, assim, caracterizar a maneira como estudantes do curso médico, com diferentes recursos pessoais de adaptação, avaliam sua experiência de aprendizagem na ABP tendo como fonte de informação a participação em grupos de reflexão.

MÉTODO

Aspectos Éticos

O projeto foi apreciado e autorizado pela Comissão de Graduação da Faculdade de Medicina de Marília (Famema) e pela Comissão de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC/FMRP-USP).

Os estudantes foram convidados a participar, tendo sido garantido o sigilo quanto às informações fornecidas, explicitando-se a disponibilidade para mais esclarecimentos e para os encaminhamentos necessários. Foram fornecidas explicações quanto aos objetivos da pesquisa e solicitado o preenchimento por escrito do Termo de Consentimento.

Caracterização

A faculdade onde se desenvolveu o estudo foi criada em janeiro de 1966, numa cidade de médio porte do interior do estado de São Paulo, como instituto isolado de ensino superior, contando com um curso de medicina, com 80 vagas anuais para cada uma de suas seis séries e um curso de Enfermagem. Seu funcionamento foi autorizado em 30 de janeiro de 1967.

Como a maioria das outras faculdades na área médica, desde o seu início e até recentemente, era formada por departamentos que mantinham autonomia quase total quanto aos conteúdos das disciplinas, havendo pouca interação de conteúdos com a estrutura curricular e com os próprios objetivos institucionais.

Em 1992, a faculdade foi escolhida pela Fundação W. K. Kellog para receber apoio técnico e financeiro para o desenvo1vimento de parcerias entre a academia, serviço e comunidade. Esse projeto, chamado UNI, caracterizou-se como uma nova iniciativa na formação de profissionais de saúde apoiando os serviços curriculares dos cursos de medicina e enfermagem

Em 1994, em meio a uma grave crise financeira e após uma, luta de quase duas décadas a faculdade foi estadualizada, transformada em autarquia, pela Lei Estadual no 8.898.

O processo de estadualização, a superação da crise financeira e o apoio da Fundação W. K. Kellog permitiram a elaboração de um novo projeto educacional, o Projeto Famema 2000, cuja implantação ocorreu em 1996, em consonância com a ABP.

Tal implantação foi gradual e iniciou-se em março de1997, envolvendo o 1o ano. Seqüencialmente, até o ano 2000, os quatro primeiros anos do curso médico serão totalmente estruturados segundo o novo currículo. O quinto e o sexto anos permaneceram como internato, e os estudantes já trabalham por problemas, em pequenos grupos e em serviços de saúde de nível primário, secundário e terciário, promovendo a interface com a comunidade.

Como medidas preparatórias, foram introduzidos o currículo nuclear, os cursos eletivos, as áreas verdes (tempo pró-aluno) e programas de treinamento para tutores, avaliadores e responsáveis pelas unidades educacionais.

As unidades educacionais, integrando as matérias fundamentais do curso médico, passaram a. substituir gradativamente a tradicional organização por disciplinas. Para cada unidade educacional foram definidos os objetivos de aprendizagem, de forma a possibilitar trabalhar os problemas e ampliar os conhecimentos.

A coordenação geral dos cursos é realizada pela Diretoria Acadêmica (no novo Estatuto, Diretoria de Graduação), assessorada pelo Grupo Interdisciplinar de Trabalho de Educação em Ciências da Saúde (Gites) e pelas Equipes de Avaliação de Desenvolvimento Curricular do curso médico, de Desenvolvimento Curricular do curso de Enfermagem, de Treinamento e Capacitação de Tutores, de Interação Comunitária e de professores responsáveis pelas unidades educacionais.

Cada ano conta com um coordenador, e as unidades são formadas por um docente especialista da área e grupos interdisciplinares de trabalho.

Como áreas de suporte e recursos educacionais, os cursos de medicina e enfermagem contam com uma biblioteca e laboratórios de ensino, incluindo os LEP (laboratórios de Ensino em Pequenos Grupos), como o de Habilidades Clínicas, o de Acesso às Informações e o de Informática.

PARTCIPANTES

Triagem dos Estudantes Quanto ao Nível de Adaptação

Tomaram-se como fonte os estudantes do 2o ano do curso médico, que já haviam passado pela experiência na metodologia da ABP no 1o ano. O grupo total era composto por 73 estudantes, sendo 26 do sexo masculino e 45 do sexo feminino. Destes, 57 estudantes, 19 do sexo masculino (33,33%)e 38 do sexo feminino (66,67%), concordaram em participar da pesquisa.

Na primeira fase, responderam aos Questionários de Informações Gerais e ao EPM3939. Yamamoto K. Validade do questionário EPM e seu uso para triagem e seleção em população universitária. Mudanças Psicoter. Estd. Psicoss. s.d.; 3(3/4):65-81.. Após a aplicação do EPM, procedeu-se à ordenação dos respondentes, conforme a pontuação que alcançaram. Tomou-se como critério a nota de corte 13(= percentil 40). Por este critério, os estudantes que tiveram somatório sim igual ou maior do que o valor do P40 foram incluídos no grupo de menos adaptados (33 estudantes), e os que tiveram o somatório sim menor do que o valor de P40 foram incluídos no grupo de mais adaptados (24 estudantes).

Em seguida, foram ordenados os 57 estudantes quanto ao número de respostas sim. Aqueles que responderam 13 ou mais sim foram classificados como menos adaptados; aqueles que responderam 62 ou mais não foram classificados como mais adaptados.

Formaram-se, então, 2 grupos de 12 estudantes, tendo cada grupo 6 dos estudantes identificados pelo instrumento como mais adaptados e 6 como menos adaptados.

Nessa etapa, procurou-se utilizar as mesmas proporções entre os sexos presente no grupo inicial de respondentes. Com base neste critério, nos 24 estudantes identificados incluíram-se 9 do sexo masculino (37,5%) e 15 do sexo feminino (62,5%). Nas situações em que dois estudantes tinham a mesma classificação, pelo número de respostas sim, priorizou-se a escolha do sexo masculino, por ser em menor número.

Na segunda fase, procedeu-se à realização da Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada (EDAO), com base em entrevistas gravadas em áudio, conforme recomendação de Simon2828. Simon R. Escala do diagnóstico da adaptação operacionalizada - EDAO. Mudanças Psicoter. Estud. Psicossociais s.d.; 3(3/4): 13-23.),(2929. Simon R. Psicologia clínica preventiva: novos fundamentos. São Paulo: EPU, 1989..

No início, os instrumentos foram aplicados coletivamente durante as sessões de tutoria. Na segunda fase, as entrevistas foram realizadas individualmente, tendo cada auxiliar de pesquisa avaliado 12 estudantes.

As entrevistas foram categorizadas independentemente por dois avaliadores e procedeu-se ao cálculo de acordo para avaliadores independentes, considerando-se um terceiro avaliador quando ocorreram desacordos. Priorizando os setores produtividade e afetivo-relacional, foram considerados adaptados/eficazes, nos quatro setores avaliados, os participantes que obtiveram a categorização adequado em pelo menos um dos setores, e adaptados/não eficazes os que obtiveram a categorização pouco adequado em pelo menos um setor.

Após essa etapa da triagem, foram identificados 11 estudantes com adaptação/eficaz e 13 com adaptação/não eficaz. Aplicou-se, então, o critério de proporcionalidade quanto ao sexo, selecionando-se 13 participantes, 8 do sexo feminino (61,53%) e 5 do sexo masculino (38,47%), tendo um deles se recusado a participar da etapa seguinte.

Estas duas primeiras fases de triagem foram desenvolvidas por duas psicólogas auxiliares de pesquisa, com experiência na aplicação de instrumento e avaliação clínica.

Caracterização dos Estudantes Incluídos nos Grupos

Foram incluídos no estudo 12 estudantes do 2o ano do curso médico, sendo 7 do sexo feminino e 5 do sexo masculino, com idade média de 20 anos e 5 meses (variando de 18 a 24 anos), todos solteiros, 83,33% procedentes do interior do estado de São Paulo e 16,67% da capital.

Os estudantes foram divididos em 2 grupos de 6 participantes. O grupo 1 (G1) foi constituído por 3 alunos do sexo masculino e 3 do sexo feminino, considerados como adaptados/eficazes na EDAO. O grupo 2 (G2) contou com 2 alunos do sexo masculino e 4 do sexo feminino, considerados adaptados/não eficazes na EDAO.

INSTRUMENTOS

- Para a seleção dos participantes:

  • Questionário de Informações Gerais - constituído por15 questões com o objetivo de caracterizar os dados demográficos;

  • Questionário EPM3939. Yamamoto K. Validade do questionário EPM e seu uso para triagem e seleção em população universitária. Mudanças Psicoter. Estd. Psicoss. s.d.; 3(3/4):65-81. - auto-aplicável, com 76 questões, utilizado como primeira triagem para verificação do nível de adaptação e seleção de participantes para a entrevista;

  • Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada (EDAO)2828. Simon R. Escala do diagnóstico da adaptação operacionalizada - EDAO. Mudanças Psicoter. Estud. Psicossociais s.d.; 3(3/4): 13-23.),(2929. Simon R. Psicologia clínica preventiva: novos fundamentos. São Paulo: EPU, 1989. - instrumento semi-estruturado visando caracterizar o nível de funcionamento adaptativo e que envolve uma entrevista com questões relativas a quatro setores, afetivo-relacional (A-R), 22 questões; produtividade (Pr), 16 questões; sociocultural (S-C), 11 questões; orgânico (Or), 6 questões. Incluída no projeto como triagem para os grupos de reflexão.

  • Para o estudo propriamente dito;

  • Gravador, fita K7, filmadora, videocassete e fitas;

  • Sala adequada a trabalho em grupo.

PROCEDIMENTO

Procedeu-se à constituição dos grupos de reflexão conforme metodologia proposta por Delarossa66. Delarossa A. Grupos de reflexión: entrenamento institucional de coordinadores y terapeutas de grupos, Buenos Aires, Paidós; 1979.. Foram realizadas cinco reuniões com cada grupo, um de adaptados/eficazes e outro de adaptados/não eficazes, com duração de 50 a 60 minutos, registradas em áudio e vídeo. Cada reunião foi realizada semanalmente, em sala da própria instituição, adequada a trabalho em grupo. A temática central proposta aos participantes foi como estavam experimentando o processo de aprender segundo a metodologia da ABP.

Os grupos foram coordenados pela pesquisadora, que desconhecia a caracterização dos participantes quanto ao nível adaptativo nas duas triagens prévias. De acordo com as propostas da metodologia de grupos de reflexão, cabe à coordenadora organizar as reuniões e ter atenção flutuante para acompanhamento do que o grupo expressa em termos de pensamento e atitudes. Além da coordenadora, cada grupo contou com a presença de uma psicóloga auxiliar de pesquisa, presente como observadora não participante, realizando registro cursivo das reuniões, incluindo as verbalizações e as atitudes dos participantes.

TRATAMENTO DE DADOS

Após observação dos vídeos e transcrição das fitas K7, procedeu­ se à leitura exaustiva dos relatos das reuniões, para categorizaras participações de acordo com a semelhança de significados. Construiu-se um conjunto de 11 categorias relativas às principais temáticas, incluídas em três áreas: 1) Modalidade de Ensino ABP X Tradicional: esta área abrange as participações dos estudantes relativas ao modo como estão experimentando o processo de aprendizagem na metodologia da ABP, estabelecendo comparações favoráveis e desfavoráveis com o ensino tradicional. Compreendeu as seguintes categorias, processo de aprendizagem, motivação, rendimento/avaliação e estratégias de aprendizagem; 2) Formação Profissional: abrange as participações relativas às expectativas dos estudantes quanto à formação profissional e à projeção do tipo de profissional que serão no final do curso, considerando aspectos favoráveis e desfavoráveis. Inclui as categorias: qualificação profissional, residência, relação médico-paciente e atualização; 3) Condições Adaptativas: abrange as participações dos estudantes que abordam os recursos e limites pessoais, as preferências e a avaliação crítica quanto à Modalidade de Ensino ABP X Tradicional. Incluiu as seguintes categorias: produtividade, relacionamentos e integração do contexto social.

Em todas as categorias, destacaram-se conotações positivas (+) e negativas (-). Os protocolos foram categorizados de forma independente, por duas psicólogas, e os desacordos foram discutidos posteriormente, considerando-se para análise as categorizações de consenso.

Os grupos serão descritos comparando-se as freqüências e porcentagens relativas a áreas e categorias e a conotação destas.

RESULTADOS

Os dados relativos aos grupos de reflexão serão descritos comparando-se as áreas e categorias do grupo 1 (G1) - adaptados/eficazes - e grupo 2 (G2) - adaptados/não eficazes. A Tabela 1 apresenta a distribuição das áreas.

TABELA 1
Grupos de reflexão - freqüência e porcentagens das áreas caracterizadas discriminando-se G1 e G2.

Observou-se, em ambos os grupos, um predomínio de participações classificadas na área Modalidade de Ensino, no que se refere tanto à conotação negativa (-) como à conotação positiva (+), tendo predominado, em ambos os grupos, as participações relativas à temática com conotação negativa (-).

Em seguida, no G1, observou-se a ocorrência de participações classificadas na área Formação Profissional, e no G2 as participações incluídas na área Condições Adaptativas,

Na área Formação Profissional, comparando-se G1 e G2, observou-se uma distribuição próxima quanto à conotação positiva (+) e negativa (-), com ligeira superioridade de conotação negativa (-) no G1.

Quanto à área Condições Adaptativas, também se observou no G1 e no G2 uma distribuição próxima de conotação positiva (+) e conotação negativa (-). Nesta área, observou-se ligeira superioridade de conotação negativa (-) no G2e de conotação positiva (+) no G1.

As Tabelas 2, 3 e 4 apresentam dados relativos às categorias incluídas nas três áreas.

TABELA 2
Grupos de reflexão - área Modalidade de Ensino ABP X Ensino Tradicional - freqüência e porcentagens de categorias incluídas nesta área com condição positiva (+) e negativa (-), apresentadas pelos estudantes do curso médico participantes do G1 adaptados/eficazes e do G2 adaptados/não eficazes

TABELA 3
Grupos de reflexão - área Formação Profissional - freqüência e porcentagens de categorias incluídas nesta área com condição positiva (+) e negativa (-), apresentadas pelos estudantes do curso médico participantes do G1 adaptados/eficazes e do G2 adaptados/não eficazes

TABELA 4
Grupos de reflexão - área Condições Adaptativas - freqüência e porcentagens de categorias incluídas nesta área com condição positiva (+) e negativa (-), apresentadas pelos estudantes do curso médico participantes do G1 adaptados/eficazes e do G2 adaptados/não eficazes

Na área Modalidade de Ensino ABP X Ensino Tradicional, predominaram as participações relacionadas a estratégias de aprendizagem e a processo de aprendizagem, seguidas de rendimento/avaliação, notando-se uma pequena porcentagem de participações relacionadas à motivação.

Em ambos os grupos, nas três categorias - processo de aprendizagem, rendimento/avaliação e estratégias de aprendizagem -. Observou-se o predomínio de uma valoração negativa (-) quando da comparação da Modalidade de Ensino ABP com o Ensino Tradicional. A categoria motivação, em ambos os grupos, apresentou um predomínio da valoração positiva (+).

Os dois grupos apresentam-se com perfil semelhante nesta área, sendo a maior diferença numérica observada quanto à valoração negativa (-) do processo de aprendizagem por parte do G1 comparativamente ao G2.

Na área formação Profissional, observaram-se diferenças relevantes no perfil dos grupos.

Tomando-se corno referência o conjunto de participações, observou-se quanto à Formação Profissional um predomínio de participações relacionadas à residência médica, seguida da qualificação profissional e, com menor porcentagem de participações incluídas nas temáticas, relação médico/paciente e atualização.

Observou-se em duas categorias - residência e relação médico/paciente - perfil semelhante nos dois grupos.

Na categoria residência, predominou em ambos os grupos a valorização negativa (-), sendo a porcentagem mais alta observada no G2. Quanto ao relacionamento médico/paciente, em ambos os grupos predominou a conotação positiva (+), valendo destacar que tal categoria foi classificada apenas uma vez para o G1, enquanto foi classificada 16 vezes no G2.

Com relação à qualificação profissional, observou-se no G2 o predomínio de uma conotação positiva (+), ao passo que o G1 apresentou uma distribuição próxima de conotações positivas (+) e negativas (-), com ligeira superioridade das negativas (-)

A categoria atualização esteve ausente no G2, e no G1 observou-se o predomínio das manifestações com conotação positiva (+).

No grupo como um todo, na área Condições Adaptativas, observou-se um predomínio de participações incluídas na categoria produtividade, seguida de relacionamentos e, com menor porcentagem, as participações incluídas na integração no contexto social.

Na área Condições Adaptativas, observaram-se diferenças entre os grupos quanto às duas categorias, produtividade e integração no contexto social. Observou-se em ambos os grupos o predomínio da conotação positiva (+) quanto aos relacionamentos como condição adaptativa.

Com relação à produtividade como elemento adaptativo, observou-se no G1 o predomínio de conotação positiva (+) e no G2 a conotação negativa (-).

Com relação à integração no contexto social como elemento das condições adaptativas, observou-se a ausência desta categoria no G2e no G1 a predominância das manifestações de conotação negativa (-).

DISCUSSÃO

A incorporação de novos modelos educacionais ao ensino médico tem sido buscada, porém esse processo de mudança é complexo2323. Rendas AB, Pinto PR, Morais M da G, Costa PF, Magalhães J. Applications of problem-based learning in the basic medical curriculum. Acta Med. Port. 1995; 8 (7-8): 459-62., principalmente quando se considera que as transformações na educação médica implicam mudar relações do poder vigente estabelecidas por longo tempo1010. Feuerwerke LCM. Cinco caminhos para não abrir espaços de transformação do ensino médico. Rev. Bras. Educ. Méd. 1999; 23(2/3):21-6.. Neste contexto situam-se o questionamento relativo à expectativa e o envolvimento dos estudantes com o processo de mudança na formação do curso médico.

A análise dos dados deste trabalho aponta que os estudantes considerados com mais recursos adaptativos apresentaram um número bem maior de participações que aqueles considerados com menos recursos adaptativos. O dado sugere que estudantes mais adaptados têm maior possibilidade de aceitar mudanças, mostrando-se mais envolvidos com o processo de discuti-las, denotando mais flexibilidade. Os estudantes com menos recursos adaptativos apresentaram menor número de participações, denotando menos envolvimento e possivelmente mais rigidez e inibição, colocando-se com mais passividade frente às mudanças. O posicionamento relaciona-se diretamente com a efetivação das mudanças.

Considerando-se que todo processo de mudança deve levar em conta a necessidade de acumular forças favoráveis e diminuir a capacidade de forças contrárias1010. Feuerwerke LCM. Cinco caminhos para não abrir espaços de transformação do ensino médico. Rev. Bras. Educ. Méd. 1999; 23(2/3):21-6., fica a dúvida sobre o impacto desta questão para os estudantes envolvidos neste trabalho.

Os estudantes com mais recursos adaptativos mostraram indicadores favorecedores de envolvimento com uma relação de poder mais horizontal, com mais possibilidade de realizarem trocas e de serem agentes do processo de aprendizagem. Já os estudantes com menos recursos adaptativos apresentaram indicadores favoráveis do envolvimento com uma relação de poder vertical, caracterizando mais passividade e expectativas próprias de pessoas que se colocam como sujeitos do processo de aprendizagem.

Em ambos os grupos, contudo, a expectativa em relação à metodologia da ABP foi negativa, sugerindo dificuldade de aceitação do processo de mudança. Para compreender este dado, é preciso remeter-se à história prévia de aprendizagem destes estudantes.

Detecta-se que, de forma semelhante à maioria do alunado, eles tiveram contato exclusivamente com modelos pedagógicos tradicionais, sustentados pela retenção de informações e estruturados em sistemas rígidos, com avaliações que priorizam o exercício da memorização e que determinam estudantes passivos, incapazes de dirigir seu processo formativo99. Fasce E, Ramirez L, Ibanez P, [Results of a problem-based learning experience applied to first year medical students]. Rev. Med. Chil. 1994; 122(1): 1257-62..

Portanto, faltam-lhes recursos prévios de experiência acadêmica para enfrentar as proposições da ABP. Possivelmente por isto, os recursos pessoais de adaptação tendem a contar tanto no processo de efetivação deste modelo pedagógico.

Para os estudantes, a proposta da ABP, de aprendizagem ativa, centrada no estudante, que requer envolvimento, integração de conhecimentos e habilidades de forma semelhante à prática médica99. Fasce E, Ramirez L, Ibanez P, [Results of a problem-based learning experience applied to first year medical students]. Rev. Med. Chil. 1994; 122(1): 1257-62., é um desafio.

Os dados deste estudo sugerem que, frente ao impacto do novo, os estudantes demostram desconfiança e temor frente ao futuro, explicitando a preferência pela formação dentro de um modelo tradicional. Revelam preocupações em relação a residência e concursos, temendo competir com colegas formados pelo ensino tradicional. Ampliam a desconfiança na metodologia da ABP por ser nova no país, pois, do ponto de vista dos estudantes, também as instituições tradicionais “teriam restrições” ao método e, por extensão, aos estudantes que tiveram sua formação num modelo diferente do estabelecido.

Estas preocupações vão além dos recursos adaptativos pessoais, sendo que os estudantes com menos recursos parecem sentir-se mais ameaçados.

Fica aqui o questionamento da necessidade de suporte e orientação para reassegurar a possibilidade de aprendizagem em tal metodologia. Possivelmente, experimentá-la ao longo do curso fará essa função, trazendo o reasseguramento por meio da prática bem-sucedida e da solução dos casos. O estudo em questão foi desenvolvido com estudantes do 2o ano, que ainda terão muitas oportunidades de se reassegurar com a prática. Contudo, não se pode perder de vista o peso da expectativa negativa, que por seu impacto, pode também funcionar como profecia auto-realizadora.

Outro pontoa discutir refere-se ao fato deque os estudantes, em suas participações, se preocuparam mais com aspectos relativos ao conteúdo do curso dentro da metodologia da ABP e muito menos com seus recursos pessoais como favorecedores do desenvolvimento e da formação. A temática motivação foi pouco discutida pelos estudantes.

A metodologia da ABP preconiza que os estudantes precisam se comprometer com a reflexão e o intercâmbio de idéias. Precisam ser encorajados a desenvolver seus próprios objetivos, métodos e estilos de aprendizagem, assumindo a responsabilidade de avaliar seus progressos pessoais e suas atitudes1818. Komatsu RS. Aprendizagem baseada em problemas, um caminho para a transformação curricular. Rev. Bras. Educ. Méd . 1999; 23(2/3): 32-7.),(2121. Moretto RA. Como abrir caminhos para à transformação do ensino médico. Rev. Bras. Educ. Méd . 1999; 23(2/3): 38-45.. Neste sentido, a motivação torna-se condição essencial para que os estudantes se envolvam com o processo de formação nesta metodologia. Os dados do estudo sugerem que para ambos os grupos este recurso precisa ser mobilizado.

Os recursos adaptativos e o nível de maturidade são elementos considerados essenciais ao processo formativo na ABP2424. Rodrigues MLV, Figueiredo JFC. Aprendizagem centrado em problemas. Medicina: Faculdade de Ribeirão Preto - HC, 1996; 29: 396-402.. Ao ingressarem no curso médico, os estudantes, em geral adolescentes, ainda não completaram seu amadurecimento afetivo e social, nem definiram ainda sua identidade, enfrentando muitas situações estressantes que dificultam o nível adaptativo e a maturidade1111. Giorgetti MF. Problemas do ensino nos cursos de graduação da USP. Mesa-redonda de 24 de outubro de 1990; encontro: problemas e perspectivas do ensino nos cursos de pós-graduação da USP Ribeirão Preto, 1990.),(2020. Millan LR. Assistência psicológica ao aluno da faculdade de medicina da USP Ponto e vírgula, 1986; 8.),(2727. Simon R. O complexo tanatolítico justificando medidas depsicologia preventiva para estudantes de medicina. Bol. Psiquiatr. 1971: 4: 113-5..

A metodologia da ABP, por suas peculiaridades, requer mais ainda que esta maturidade seja promovida para que objetivos de formação possam se efetivar.

Neste estudo, utilizando-se instrumentos apropriados, como o EPM e a EDAO, construídos para avaliar recursos adaptativos de estudantes de medicina, foram caracterizados dois grupos diferenciados pelo nível adaptativo.

Os dados sugerem que, para envolver-se com os elementos essenciais da ABP, as características pessoais de adaptação dos estudantes parecem ser mesmo importantes. Por outro lado, observa-se também que quanto menores os recursos adaptativos, maior a resistência para aceitar mudanças e se envolver com as propostas da ABP, o que possivelmente implica maiores dificuldades de aprendizagem.

A análise destes dados sugere que o êxito na implantação da metodologia do PBL pode depender, em parte, dos recursos pessoais dos estudantes.

De modo geral, observa-se que os estudantes com mais recursos adaptativos participaram mais ativamente dos grupos de reflexão, trazendo temas e questões que denotaram maior envolvimento com o processo de aprendizagem proposto pela ABP. Neste sentido, possivelmente as instituições precisarão buscar formas de favorecer o desenvolvimento de recursos pessoais e de maturidade dos estudantes, já que a história acadêmica prévia favorece pouco tais habilidades.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2001

Histórico

  • Recebido
    18 Jan 2001
  • Aceito
    14 Maio 2001
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