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UMA PERDA PARA TODOS

Ao Editor

O desenvolvimento da Sociologia da Medicina no Brasil pode, sem nenhum equívoco, ser dividido em dois períodos: antes e depois das pesquisas e trabalhos de Cecilia Donnangelo. Com a pesquisa sobre o "Médico e o Mercado de Trabalho" realizada em São Paulo no início dos anos 70, a questão do trabalho médico começou a ser discutida sob a ótica determinante da organização do sistema de saúde. Isto é, politizou-se a discussão da prática médica, que até então era, no geral, apenas vinculada aos problemas de formação e da organização corporativa. Esse trabalho, publicado sob o título "Medicina e Sociedade", tornou-se bibliografia obrigatória em todos os Cursos Médicos, para o desenvolvimento dos seus conteúdos de Medicina Social. Sua Produção científica inclui, também, outro trabalho essencial para a compreensão da prática médica e dos seus movimentos de reforma, quando discutiu a questão da Medicina Comunitária, por ocasião de sua tese de livre-docência. Não seria exagero dizer que, além de outros trabalhos, o pensamento iluminador, lúcido, crítico e criativo de Cecilia está, de uma forma ou outra, presente em todas as inúmeras pesquisas e teses que orientou formal, ou informalmente. Se não escreveu mais, é porque seu tempo sempre foi avidamente disputado por seus alunos e amigos na busca de compartilhar suas idéias e fruir seu apaixonado modo de ser.

Desde 25 de janeiro passado, Cecília deixou de existir. Teve, aos 42 anos, sua vida ceifada, juntamente com João Batista, seu marido e Dona Nina, sua mãe, em trágico acidente de carro. O acidente, a par de representar a barbárie a que todos estamos sujeitos, foi uma violentação para todos que contavam com Cecilia, como amiga, como mestra, como cientista.

Discípula de Florestan Fernandes, Maria Cecilia Ferro Donnangelo foi inovadora, também, ao fazer carreira docente, como cientista social, no Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, onde era Coordenadora da Pós-Graduação.

Sua contribuição ao ensino médico foi fundamental, não só por sua formação e interesses pedagógicos, o que a levou a realizar e orientar vários trabalhos nessa área, como por ter participado de maneira decisiva no planejamento e desenvolvimento do Curso Experimental de Medicina da USP, evento que fala por si só.

No momento, coordenava uma pesquisa, financiada pelo Conselho Regional de Medicina, para avaliar o quadro atual da prática médica no Estado de São Paulo, começando a orientar sua preocupação para a questão da tecnologia no setor saúde.

Com certeza todos os seus amigos, colegas e alunos, em todas as partes, sentem-se hoje empobrecidos com sua perda. Mas, com certeza, também são mais ricos por ter existido Cecilia. Viva Cecilia!

Eleutério Rodrigues Neto
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, UFRJ.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1983
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