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A Educação Médica e o Sistema de Saúde

Medical Education and the Health System

Resumo:

São comentadas as possibilidades, necessidades e oportunidades de inserção do aluno de medicina no Sistema de Saúde durante o período da graduação.

Palavras-chave:
Educação Médica; Sistema de Saúde; Estudantes de Medicina; Integração Docente-Assistencial

Abstract:

The author describes the Possibility and necessity of medical students participating directly in the health system during their undergraduate training.

Key-words:
Education, Medical; Health System; Students, Medical; Teaching Care Integration

Os modelos pedagógicos modernos para os cursos de medicina, baseados nas Diretrizes Curriculares e no trabalho desenvolvido pela Cinaem (Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação de Ensino Médico), orientam no sentido da utilização do Sistema de Saúde como um campo de aprendizado prático para os estudantes de medicina.

No processo de formação do profissional médico, não devemos nos limitar a prepará-los apenas para trabalhar no SUS, mas capacitá-los para atuar como Médicos generalistas no Sistema de Saúde do nosso pais, entendido num sentido mais amplo, envolvendo os setores público e privado.

Na intenção de integrar o órgão formador (a escola médica) com o órgão assistencial (Serviços de Saúde), são necessários alguns princípios básicos, por um lado, serviços responsáveis pela promoção, prevenção e recuperação da saúde podem oferecer mais um real cenário de aprendizagem; por outro lado, a escola médica, como parte integrante da comunidade onde está inserida, deve participar das políticas de saúde não apenas no planejamento, mas especialmente na execução das mesmas11. Chaves M, Rosa AR. Educação Médica nas Américas, São Paulo: Cortez. 1990. p.71-76..

Desta maneira, é possível aplicar o atual paradigma pedagógico para o ensino médico: aprender a aprender”. Especificamente para a formação do profissional da Saúde, poderemos desdobrar este princípio básico em: “aprender a ser” (a ser um médico); “aprender a fazer” (o estudante de medicina aprende fazendo); “aprender a viver juntos” (trabalhar em equipe) e “aprender a conhecer” (inclusive suas limitações)22. Marcondes ED, Gonçalves EL Educação Médica. São Paulo: Savier, 1948, 469 p.),(33. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina - comunicação pessoal. 2001..

As Diretrizes Curriculares para os Cursos de Mediana, aprovadas recentemente pela Câmara de Ensino Superior do Conselho Nacional de Educação, traçam o perfil do médico como um profissional generalista, capacitado a atuar no processo saúde-doença em seus diferentes níveis de atenção. Nas competências listadas, suas ações deverão dar ênfase aos atendimentos primários e secundários, dentro do sistema hierarquizado de saúde, obedecendo aos princípios técnicos, e éticos de referência e contra-referência. Os cursos deverão estar organizados, em sua estrutura curricular, de tal maneira que permitam a inserção precoce do aluno em atividades práticas, em complexidade crescente durante a graduação, utilizando vários cenários de aprendizagem, através da integração ensino-serviço33. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina - comunicação pessoal. 2001..

O papel dos hospitais universitários (HUs) no ensino médico é definido, historicamente, em cinco fases bem distintas: na primeira, pré-flexneriana, os hospitais universitários não existiam; o ensino se dava onde estavam os doentes ou onde estavam os professores. Na segunda fase, após o relatório de Flexner, os HUs passavam a ser vinculados e subordinados às faculdades de medicina. Na terceira fase, quando da reforma administrativa das universidades federais, na década de 70, os HUs ganharam autonomia administrativa, nos organogramas, como órgãos suplementares. Na quarta fase, o cancelamento das dotações orçamentárias obrigou os HUs a gerar seus próprios recursos e os levou a uma autonomia assistencial, desvinculando os projetos da assistência dos projetos de ensino. Finalmente, chegamos a uma quinta fase, caracterizada pelo “futuro dos HUs”.

Este futuro passa pelo conceito mais amplo de um HU, hoje mais considerado como um complexo hospitalar, com ambientes destinados a atendimento terciário e quaternário, porém também participando da atenção primário e secundária. Esta atuação poderá ser desenvolvida em setores do próprio hospital ou subordinados a ele, integrada com a rede de saúde, num sistema de referência e contra-referência. É necessária uma reorganização do seu atendimento, com ênfase nas necessidades da região e da formação acadêmica do profissional de saúde, em seus diferentes níveis: graduação, residência, pós-graduação. Os HUs deverão estar absolutamente integrados às escolas médicas e aos Centros de Ciências da Saúde, para, além de serem um dos campos de prática, poderem desenvolver pesquisa e tecnologia, com possibilidade de acesso dos alunos. É necessário lutar por um fundo setorial especifico para a pesquisa em Saúde. E também imprescindível uma reestruturação do Fideps, com distribuição de parte do mesmo para a modernização dos cursos, razão da exigência deste incentivo, com aplicação no próprio hospital e portanto com melhorias evidentes para os HUs44. Médici AC. Hospitais Universitários: passado, presente e futuro. Rev. Ass. Méd. Brasil. 2001; 47(2): 149-156..

Para o desenvolvimento do ensino nos Serviços de Saúde e a sua operacionalização, dispomos do Programa de Saúde da Família (PSF), que se presta de forma adequada a este propósito. Além do PSF, o aluno poderá ser inserido na rede ambulatorial e hospitalar (não são excludentes) desde o início do curso, com complexidade crescente, preferentemente integrado aos HUs no sistema de referência e contra-referência citado. Estes princípios devem fazer parte do projeto pedagógico do curso55. Gonçalves e Silva GE. A integração ensino/serviço na formação do Médico. O internato no contexto das novas Diretrizes Curriculares. In: Arruda BKG. (org) - A Educação profissional em saúde e realidade social - Recife: Instituto Materno-Infantil de Pernambuco (IMIP) - Ministério da Saúde, 2001, p. 201-207..

Estas estratégias de ensino evitam os estágios extracurriculares, na maioria das vezes sem supervisão adequada por parte de preceptores e sem controle da escola médica, configurando-se como uma “mão­de-obra barata”, sendo utilizados os estudantes com esta finalidade.

O ensino nos Serviços de Saúde também propiciará às suas equipes de saúde uma educação permanente, através da capacitação dos preceptores, pela escola médica: para os alunos, permitirá uma visão mais ampla do nosso Sistema de Saúde. O Departamento, Disciplina ou Área do Saúde Coletiva têm um papel fundamental neste processo, como principal elo entre a Academia e os Serviços66. Garcia MAA, Pachioni AM, Domingues P. O aluno de Medicina em serviços docentes-assistenciais da rede básica. Rev. Bras. Educ. Médica. 1998; 22 (2/3):48-57..

Não encontraremos só facilidades na aplicação destes princípios. Iremos nos deparar com algumas dificuldades. Não será fácil deslocar professores e alunos para a comunidade. Será necessário um exaustivo trabalho para que possamos atingir uma mudança de cultura e de comportamento, diferentes do modelo tradicional. Por outro lado, não devemos omitir das discussões a problemática do crescimento da violência urbana, que poderá trazer reações contrárias a estes procedimentos pedagógicos, com grandes responsabilidades dos órgãos executores. Em algumas situações, também encontraremos dificuldades na receptividade dos alunos, por parte das equipes de saúde, pelo fato de o ensino não fazer parte da sua atividade profissional. Os dirigentes das duas partes (escolas e serviços) devem buscar alternativas de estímulo para que estes profissionais possam se integrar ao processo, pois a participação deles é de fundamental importância na integração docente-assistencial.

Para viabilizar integração Escola Médica/HU/Serviço, será preciso optar por um modelo de gestão. Várias experiências já foram postas em prática, de acordo com as especificidades locais: convênio ou parceria entre os atores envolvidos, a “adoção” do distrito sanitário onde a escola e o HU estão inseridos, passando a execução das políticas de Saúde ser de responsabilidade da universidade. O modelo mais viável talvez seja a co-gestão, na qual ambos (Academia e Serviço) participam das decisões, tanto no planejamento como na execução das políticas, facilitando a inserção do aluno e a capacitação das equipes de saúde. Para operacionalizar este projeto, é indispensável o financiamento oriundo dos ministérios da Educação e da Saúde, de forma ágil e flexível.

Todo este processo deverá ser submetido, periodicamente, a um sistema de avaliação. A avaliação do aluno torna possível acompanhar seu desenvolvimento e corrigir eventuais distorções. A do professor e do preceptor, além do sistema como um todo, permitirá conhecer e estimular os pontos positivos e modificar os negativos, a fim de atingir os objetivos propostos. A médio e longo prazo, será fundamental a avaliação do egresso deste modelo educacional, o que permitirá verificar a validade do método e as possibilidades de aperfeiçoamento.

Enfim, tudo isto permitirá uma educação permanente dos docentes e preceptores, indispensável para manter a qualidade do sistema, com reflexo nos alunos, pelo aprendizado da necessidade de se manter atualizado após a conclusão da graduação. Haverá também um significativo reflexo na sociedade, graças à melhoria da assistência à saúde da nossa população.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    Chaves M, Rosa AR. Educação Médica nas Américas, São Paulo: Cortez. 1990. p.71-76.
  • 2
    Marcondes ED, Gonçalves EL Educação Médica. São Paulo: Savier, 1948, 469 p.
  • 3
    Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina - comunicação pessoal. 2001.
  • 4
    Médici AC. Hospitais Universitários: passado, presente e futuro. Rev. Ass. Méd. Brasil. 2001; 47(2): 149-156.
  • 5
    Gonçalves e Silva GE. A integração ensino/serviço na formação do Médico. O internato no contexto das novas Diretrizes Curriculares. In: Arruda BKG. (org) - A Educação profissional em saúde e realidade social - Recife: Instituto Materno-Infantil de Pernambuco (IMIP) - Ministério da Saúde, 2001, p. 201-207.
  • 6
    Garcia MAA, Pachioni AM, Domingues P. O aluno de Medicina em serviços docentes-assistenciais da rede básica. Rev. Bras. Educ. Médica. 1998; 22 (2/3):48-57.
  • 1. Tema apresentado na mesa-redonda: “Ensino para o Sistema Único de Saúde”, durante o II Seminário Nacional sobre Gestão de Hospitais de Ensino no fórum Nacional de Pró-Reitores de Planejamento e Administração - Fortaleza, 23 e 24 de agosto de 2001, como representante da Associação Brasileira de Educação Médica (Abem).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2002

Histórico

  • Recebido
    10 Out 2001
  • Aceito
    21 Mar 2002
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