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Travessias... ciclos transatlânticos: dramaturgia, Candomblé e ritual

Travessias... ciclos transatlânticos: dramaturgie, Candomblé et ritual

RESUMO

O presente trabalho reflete sobre a concepção dramatúrgica expandida de uma poética negra em exercício intitulada Afrocênica, imersa no Coletivo AFRO(en)CENA, por meio do experimento cênico Travessias... ciclos transatlânticos. Problematiza-se o conceito de expressão na cena ritual, alinhavando a ideia de uma dramaturgia em ciclos, inspirada na cosmovisão do Candomblé Congo-Angola. Pretende-se contribuir para o alargamento de epistemologias no âmbito da performance negra, sobretudo no investimento de novas escritas cênicas que contemplem a horizontalidade da cena preta a partir da produção ritual social tradicional dos Bantu.

Palavras-chave:
Performance Negra; Candomblé; Congo-Angola; Dramaturgia Expandida; Tradição e Contemporaneidade; Artes da Cena.

RÉSUMÉ

Le présent travail réfléchit sur la conception dramaturgique élargie d'une poétique noire en pratique intitulée Afrocenic, immergée dans le Collectif AFRO(en)CENA, à travers l'expérience scénique Travessias... ciclos transatlânticos. La notion d'expression dans la scène rituelle est interrogée, alignant l'idée d'une dramaturgie en cycles, inspirée de la cosmovision du Candomblé Congo-Angola. Il est destiné à contribuer à l'expansion des épistémologies dans le champ de la performance noire, notamment dans l'investissement de nouvelles écritures scéniques qui contemplent l'horizontalité de la scène noire à partir de la production rituelle sociale traditionnelle des Bantous.

Mots-clés:
Black Performance; Candomblé; Congo-Angola; Dramaturgie Élargie; Tradition et Contemporain; Arts du Spectacle.

ABSTRACT

The present work reflects on the expanded dramaturgical conception of an acting black poetics entitled Afrocênica, immersed in the AFRO(en)CENA Collective, through the scenic experiment Travessias… ciclos transatlânticos. The concept of expression in the ritual scene is discussed, outlining the notion of a dramaturgy in cycles, inspired by the worldview of Candomblé Congo-Angola. It is intended to contribute to the expansion of epistemologies within the scope of black performance, especially in the investment in new scenic writings that take into consideration the horizontality of the black scene based on the traditional social ritual production of the Bantu.

Keywords:
Black Performance; Candomblé; Congo-Angola; Expanded Dramaturgy; Tradition and Contemporaneity; Performing Arts.

Para girar o pensamento

Pensamento é movimento para Exu. Ao mesmo tempo que se farta, oferece. Ao mesmo tempo que oferta, toma. Concomitantemente fortalece e enfraquece, empodera e empobrece. Exu é mandinga de ancestral em ânsia de sedução [da humanidade] (Oliveira, 2007OLIVEIRA, Eduardo David de. Filosofia da Ancestralidade: corpo e mito na filosofia da educação brasileira. Curitiba: Gráfica e Editora Popular, 2007., p. 165).

Como força de integração do ir e vir, rogo à Pambu Nzila, espírito sagrado das encruzas, senhor dos caminhos para nós, adeptos do Candomblé de Nação Congo-Angola, que impulsione o pensamento, fazendo girar e costurar aquilo que já passou, entrelaçado com o que virá, para que no hoje estejamos fortalecidos em nossas caminhadas artísticas, expressando a ancestralidade pelo mundo.

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Sakulu Mpembê!: sacudindo o corpo diante do Nkisi Mpemba, o sopro sagrado espiritual. Fonte: Fotografia de Cris Lima de Experimento Cênico Travessias... ciclos transatlânticos, Centro de Cultura de Porto Seguro, Porto Seguro/BA.

Ao investigar a dramaturgia em sua expansão conceitual, tenho a imagem de um pedaço de madrasto - tecido utilizado para confeccionar roupas de ração no Candomblé. É um tecido resistente, porém se desorganiza com certa facilidade, se excitado para isso. Ele é também utilizado para diversas finalidades, dentre elas a de limpeza espiritual, livrando o corpo da pessoa que busca equilíbrio nos seus caminhos sagrados. Dentro de processos ritualísticos, em dado momento um pedaço desse tecido pode ser utilizado para aglutinar energias maléficas, sendo rasgado ao final pelo Nganga (sacerdote) que conduz o ritual. Do rasgo podemos ver toda a trama do tecido se abrindo, esgarçando até o limite: rasgando e com ele retirando do corpo da pessoa um carrego negativo que esta adquiriu.

Assim venho compreendendo a dramaturgia expandida nos dias que seguem, rasgando as membranas da dramática aristotélica amalgamada pela colonialidade, permitindo que novas expressões cênicas possam ser alinhavadas na cena contemporânea, retirando os carregos coloniais, como diz o pesquisador Luiz Rufino (2019)RUFINO, Luiz. Pedagogia das Encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula Editorial, 2019.. Observo a recorrência de muitos espetáculos negros construídos através de uma dramaturgia amparada nas matrizes narracionais - conceito investigado pela pesquisadora Iris Maria da Costa Amâncio (2014)AMÂNCIO, Íris da Costa. Teatro Angolano: dramaturgia, literatura e representações de etnicidades. Belo Horizonte: Nandyala, 2014.1 1 Em seu livro Teatro Angolano: dramaturgia, literatura e representações de etnicidade, a pesquisadora Iris da Costa Amâncio (2014) aponta, logo de início, a importância das experiências de vida dos angolanos que chegam à cena dos dramaturgos Domingos Van-Dúnem (1970), potencializado pelo diretor José Mena Abrantes (1990-2018), junto com o grupo teatral angolano ElingaTeatro. Essa cena é costurada com forte presença das raízes e matrizes narracionais literárias angolanas, expressas na capacidade de contar sobre os atravessamentos existenciais em uma África violentada pela colonialidade. A autora destaca a capacidade dos autores em trazer à cena, trançada na trama, vivências de tradições étnicas orais presentes no imaginário tradicional de Angola. -, como mantenedora da ancestralidade diante da travessia transatlântica não programada. Essa necessidade de dizer com a boca e com o corpo inteiro potencializa o protagonismo dos falares de pessoas negras como cerne da expressão dramática. Esse falar, que se inicia na boca, enraíza-se por todo o corpo, revelando uma dramaturgia do corpo, pelo corpo e para a comunicação do corpo com mundo - segundo a cosmovisão Bantu de Muntu (pessoa) integralizada no mundo, sem binarismos de corpo-mente impregnados pela branquitude.

Para transitar entre as possibilidades que Pambu Nzila nos oferece em sua encruza-epistêmica-metodológica, evoco para este trabalho a discussão sobre representação e expressão cênica, bem como a dramaturgia construída em ciclos dentro da cena ritual e circular.

Afrocênica: princípios de trabalho afrodiaspóricos

Outros/as pesquisadores/as negros/as já se incumbiram de traçar panoramas acerca das Poéticas Negras Brasileiras, os seus modos de engendramento e resiliência. A Afrocênica surge aqui como uma possibilidade de organização de uma Poética em exercício. De partida, é importante pensar acerca do próprio conceito de Poética, como afirma Pareyson (2001PAREYSON, Luigi. Os Problemas da Estética. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 11):

Programa de arte, declarado num manifesto, numa retórica ou mesmo no próprio exercício da atividade artística; ela traduz em termos normativos e operativos um determinado gosto, que, por sua vez, é toda a espiritualidade de uma pessoa ou de uma época projetada no campo da arte.

Pareyson não faz distinção entre as formas de expressão do/a sujeito/a implicadas na expressão artística. Evani Tavares reitera, assim, a noção de poética como síntese de expressão de um povo, grupo étnico, cidade ou grupo de pessoas que sintonizam na mesma frequência.

Nas formas, nas falas, nos desejos vai se construindo uma poética negra tão complexa e diversa quanto sua matriz de inspiração. Poética que, como não poderia deixar de ser, se disseminou por todas as partes da Diáspora. E cujas distâncias geográficas, históricas, culturais e/ou sociais, guardando suas distintas particularidades, acabam por fomentar uma rica variedade de expressões e possibilidades (Lima, 2010LIMA, Evani Tavares. Um olhar sobre o Teatro Negro do Teatro Experimental do Negro e do Bando de Teatro Olodum. 2010. Tese (Doutorado em Artes) - Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010., p. 234).

Ainda hoje existe um imaginário de África enquanto país de cultura unificada. A pesquisadora Evani Tavares Lima (2010)LIMA, Evani Tavares. Um olhar sobre o Teatro Negro do Teatro Experimental do Negro e do Bando de Teatro Olodum. 2010. Tese (Doutorado em Artes) - Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010. assopra para o centro da roda a máxima da pluralidade cultural que toca diretamente nas possibilidades poéticas negrodiaspóricas. Não existe uma poética negra, mas muitas poéticas que irão variar de acordo com processos particulares e territoriais de cada produção artística. Nesse viés das Poéticas Negras pode-se ver de modo recorrente no drama africano tradicional a preferência por uma linguagem particular, que se articula de modo híbrido, considerando expressões idiomáticas e provérbios como forma de dizer em profundidade performativa, cabendo ao interlocutor completar o sentido, ficando a cargo deste a reelaboração do dito, à luz do que afirma o pesquisador Armstrong Idachaba Aduku (2018ADUKU, Armstrong Idachaba. Elements of Traditional African Drama in contemporary Nigerian Video - Film. ResearchGate, Mass Communication and Media Studies, mar. 2018. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/323936121_ELEMENTS_OF_TRADITIONAL_AFRICAN_DRAMA_IN_CONTEMPORARY_NIGERIAN_VIDEO-FILM. Acesso em: 18 out. 2018.
https://www.researchgate.net/publication...
, p. 03, tradução nossa):

A linguagem no drama africano tradicional é expressa na convenção tradicional de discurso de provérbios e expressões idiomáticas, virtualmente toda comunidade africana emprega o uso de provérbios e expressões idiomáticas na sua narrativa. Provérbios e expressões idiomáticas na linguagem embelezam o diálogo dramático e transmitem significados e essência mais profundos, na maioria das vezes com profundo significado filosófico2 2 No original em inglês: “[…] Language in traditional African drama is expressed in the traditional speech convention of proverbs and idioms, virtually every African community employ the use of proverbs and idioms in their narrative. Proverbs and idioms in language embellish the dramatic dialogue and convey deeper meanings and essence, most times with deep philosophical meaning” (Aduku, 2018, p. 03). .

As sociedades africanas subsaarianas têm sua filosofia própria, não necessitando tomar emprestado do colonizador o discurso que não se adequa à sua cosmovisão. Além disso, ser objeto em questão desloca o lugar de fala para circunscrever as poéticas afrodiaspóricas no discurso global do pensamento do/a artista negrodescendente, como sugere John Peffer (2007PEFFER, John. A Diáspora como Objeto (parte 01). Rizoma net., 2007. Disponível em: http://www.intervencaourbana.org/rizoma/rizoma_afrofuturismo.pdf. Acesso em: 20 out. 2018.
http://www.intervencaourbana.org/rizoma/...
, p. 22):

Muita da nova arte procura deslocar a diáspora de uma posição de sujeitoque-fala para passar a ser um objeto-em-questão. Detém assim a potencialidade de proporcionar uma visão crucial da atual condição global. No entanto, tal visão tem as suas próprias fronteiras internacionais.

Não obstante toda a problemática arrolada, John Peffer persegue a ideia de que nós, negrodescendentes, somos o cerne da nossa produção. Esse deslocamento de “sujeito-que-fala” para “objeto-em-questão” reverbera nesta pesquisa como campo de produção artística, com isso criando uma gramática particular africana e afro-brasileira à luz das escrevivências de cada artista, conceito cunhado pela escritora e pesquisadora Conceição Evaristo (2007)EVARISTO, Conceição. Da grafia-desenho de minha Mãe. In: ALEXANDRE, Marcos Antônio (Org.). Representações Performáticas Brasileiras: teorias, práticas e suas interfaces. Belo Horizonte: Mazza edições, 2007.3 3 Mas, digo sempre: creio que a gênese de minha escrita está no acúmulo de tu-do que ouvi desde a infância. O acúmulo das palavras, das histórias que habitavam em nossa casa e adjacências. Dos fatos contados a meia-voz, dos relatos da noite, segredos, histórias que as crianças não podiam ouvir. Eu fechava os olhos fingindo dormir e acordava todos os meus sentidos. O meu corpo por inteiro recebia palavras, sons, murmúrios, vozes entrecortadas de gozo ou dor, dependendo do enredo das histórias. De olhos cerrados eu construía as faces de minhas personagens reais e falantes. Era um jogo de escrever no escuro no corpo da noite (Evaristo, 2007, p. 17). , do entrecruzamento entre vida e obra.

Essa mesma relação apontada por Peffer se alinha à construção de uma dramaturgia na Afrocênica carregada de pessoalidades dos/as atuantes, suas histórias, seu repertório ancestral, para assim construir um percurso dramático que parte do corpo em relacionamento com o mundo. O que se vê não são cenas sobre pessoas negras, e sim, as barreiras molhadas entre a Arte e a vida em performance e o seu movimento no continuum.

À vista disso, investigo o conceito de Afrocênica e os seus princípios de trabalho, que provocam o/a atuante no processo de construção da cena: Princípio da Encruzilhada, Princípio do Cavalo, Princípio da Nginga e Princípio da Azuela. Estes se inspiram na tradição mítica e filosófica dos Bantu, em África, que chegam até o Brasil e organizam o Candomblé de Angola, no exercício de sua língua Kikoongo. Acerca da Afrocênica, não se pode dizer que tratamos apenas do Teatro, ou da Dança, mas do trançado dos modos de pensar e fazer próprios dos povos africanos subsaarianos, conectando as expressões estéticas em um acontecimento. Como nos diz a professora Leda Maria Martins (1995MARTINS, Leda Maria. A Cena em Sombras. São Paulo: Perspectiva, 1995., p. 100-101):

As canções, o ritmo dos instrumentos de percussão, a dança, os gestos, todos os movimentos do corpo, os mitemas culturais conjugados em cena capturam o próprio pulsar rítmico da experiência negra ancestral, engendrando uma percepção harmoniosa do corpo e do espírito.

Esse trançar de elementos e símbolos confere uma natureza transcultural e de forte conexão com o sagrado. As referências simbólicas (presentes no imaginário tradicional), juntamente com o repertório corporal de cada atuante, em relacionamento com a força mística evocada através da ancestralidade presente no Candomblé Congo-Angola, intentam dar contornos a uma Poética Negrodescendente Brasileira que avulte um repertório de macumbagens epistemológicas, inspirando-se na cosmovisão da filosofia Bantu, para ressignificar a vida na diáspora.

Essa forma integralizada da cena se inspira nas expressões presentes em rituais sociais dos povos Bantu: casamentos, funerais, batizados, etc., que aconteciam sem separação do que é dança, música, corpo, objetos sagrados. Tudo que compõe o ritual se traduz em uma única expressão. Portanto, observo que, do ponto de vista dessas expressões sociais tradicionais dos Bantu, a dramaturgia não obedece ao critério basilar de “composição do drama”, como propõe o pesquisador Patrice Pavis (2008PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2008., p. 113). A dramaturgia se aproxima de uma estrutura que alicerça o ritual, organiza uma estrutura mutável, completamente dependente do relacionamento dos/as envolvidos/as (internos e externos), mas não o define. Ao se analisar um Jamberesu4 4 Jamberesu - rito de louvação a todos/as os/as Minkisi. Semelhante ao ‘Shìré’ dos Iorubás. , consigo ver uma base definida de início da cerimônia, cantamos para Nkosi5 5 Nkosi - “Nkisi guerreiro, desbravador do mundo, forjador de ferro, ajudou o povo Bantu em sua expansão pela África, dando condições da criação de ferramentas para guerra e agricultura” (Ferreira, 2019, p. 70). , depois seguimos uma ordem dos Minkisi6 6 Minkisi - “plural de Nkisi (deus/a)” (Ferreira, 2019, p. 237). , mas o desenvolvimento da celebração não obedece a uma rigidez na sequência dos acontecimentos, o que me leva a entender esse comportamento como ciclos de ação. Trazendo isso para o universo da dramaturgia, essas ações dramáticas circulam entre si, contudo conseguem manter certa independência na performance cênica. As ações dramáticas que organizam as cenas são totalmente dependentes da relação horizontal entre a música, a expressão dilatada dos corpos dos/as atuantes e do público, da iluminação, dos cheiros, do sacudir das vestimentas e da força mítica conclamada.

Toda essa perspectiva é organizada de modo que o discurso político experienciado reflita sobre a problemática do racismo em nossa sociedade. Espelhado nas ideias do Teatro Experimental do Negro (TEN), capitaneado por Abdias do Nascimento (2004NASCIMENTO, Abdias do. Teatro Experimental do Negro: trajetória e reflexões. Estudos avançados, São Paulo, v. 18, n. 50, jan./abr. 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000100019. Acesso em: 25 maio 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 13), ambicionamos “[...] um teatro que ajudasse a construir um Brasil melhor, efetivamente justo e democrático, onde todas as raças e culturas fossem respeitadas em suas diferenças, mas iguais em direitos e oportunidades”.

Essas provocações foram experienciadas por meio do do Projeto de Pesquisa e Extensão Universitária Coletivo AFRO(en)CENA, na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), campus Jorge Amado, Itabuna/BA. Na ocasião, após uma seleção, o grupo foi composto por estudantes da universidade de diversos cursos, não só das Artes, bem como pessoas de municípios vizinhos. Um coletivo cênico com proposta negrorreferenciada, pensando no Candomblé como inspiração para uma a formação contemporânea de artistas da cena. O projeto selecionou 30 pessoas de pelo menos sete municípios próximos a Itabuna, gerando um experimento cênico intitulado Travessias... ciclos transatlânticos, no qual assinei a encenação e dramaturgia.

Todo o processo de montagem do experimento cênico com o Coletivo AFRO(en)CENA se assentou em uma abordagem colaborativa - não só pela ideia de trabalho em rede com uma equipe docente envolvida na formação dos/as estudantes do Coletivo, mas pela autonomia no diálogo no instante da criação. Enquanto Encenador/Professor/Sacerdote, provoquei o Coletivo com disparadores criativos ao processo que me estimulassem a escrita, apresentando um desenho para o discurso estético e político pretendido. A arquitetura dramatúrgica desse experimento também era aberta para contribuições. O ponto nodal partia de uma dramaturgia expandida em ciclos independentes que se atravessam para dar contornos a um único ritual cênico em roda, inserindo quem assistia no acontecimento.

Acerca disso, recupero aqui o Jamberesu, ritual público do Candomblé Congo-Angola pensado para celebrar alguma divindade em especial. Mas, para nós, Bantu, é impossível louvar apenas um Nkisi, desde quando nos entendemos enquanto coletividade e comunhão em comunidade (Ubuntu). Dessa forma, para agradecer a Kisimbi, por exemplo, divindade das águas doces, preciso agradecer à terra que me dá sustento, e com isso chamar para a roda Kavungu7 7 Kavungu - Senhor da Terra, divindade do panteão Bantu ligada à terra, em sua essência, lugar de profusão de prosperidade e cura de enfermidades. , Nzumbarandá8 8 Nzumbarandá - divindade Bantu ligada ao ciclo da vida-morte, relacionada à terra que acolhe a pessoa para transportá-la para a ancestralidade. Divindade da lama, dos manguezais, da prosperidade, de tudo que brota da Terra. ; ainda assim, é preciso agradecer ao Nkisi Kitempo9 9 Kitempo - ou Kitempo, Tempo é o senhor da atmosfera, do próprio tempo da vida, das coisas. Patrono da nação Angola, é o dono da bandeira branca. Ele conduz ao caminho certo, ao momento certo da vida. Kitempo é a força que garantiu sobrevivência e expansão dos Bantu. pelo tempo bom, pelas horas boas e ruins, pela atmosfera que nos ampara; bater palmas para o fogo, dançando com Nzazi10 10 Nzazi - Nkisi relacionado à energia do fogo, do magma, toda a energia contida que aguarda seu momento de expansão. e Matamba11 11 Matamba - Nkisi habilidosa com o fogo, com os ventos que conduzem esse fogo. Energia de incansável guerreira. Matamba controla a força dos ventos, afasta de si a energia dos vumbis (espíritos de pessoas que desencarnaram). no centro do barracão, para que não percamos de vista o calor do existir, a vida pulsante. Assim, nós, descendentes dos Bantu, entendemos o nosso relacionamento com o mundo natural, nessa trança do comum, na perspectiva da diferença. Importam aqui as singularidades de cada muntu (pessoa) para que tenhamos uma aldeia forte, diversificada, porém com interesses comuns a todos/as.

Do ponto de vista da cena, em Travessias... ciclos transatlânticos era possível que o público acompanhasse o iniciar dos ciclos através de objetos que cumpriam essa função. No primeiro, as mulheres lavam um pedaço de tecido no chão, aludindo ao ato de lavar roupa. No tecido está escrito o ciclo e seu nome. No segundo ciclo, foram entregues ao público barquinhos de papel, preparando os/as espectadores/as para a travessia. O terceiro ciclo é apresentado através de três bacias de ágata, objeto ancestral utilizado nos rituais de iniciação para cuidar dos mutuês (cabeças) das pessoas nos terreiros de Candomblé. O quarto e último ciclo pode ser visto através de capuzes ou sacos que estão dispostos nas cabeças dos/das atuantes que representam o estado de escravidão passada e presente. Todos os objetos utilizados nos ciclos são carregados de simbologia, extrapolando sua funcionalidade real, adquirindo o lugar de condicionante de cena. Ou seja, eles viram os ciclos, marcam o instante de fechamento e abertura de um novo ciclo dentro do ritual.

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‘Aê já chegou/Masambanganga de Kariolè!’: cantiga de exaltação pela chegada do espírito sagrado. Fonte: Fotografia de Adeloyá Magnoni de Experimento Cênico Travessias... ciclos transatlânticos, Fórum Negro de Arte e Cultura, Salvador/BA.

Os objetos sagrados mencionados, além de virar ciclos, auxiliam no processo de troca de mukange (máscara), que será explicado adiante no texto. Essa ideia é pensada a partir dos artefatos utilizados nos rituais públicos sagrados no terreiro, influenciando o processo de virada no ritual, por exemplo quando o sacerdote pega seu adjá12 12 Adjá - artefato herdado pelos iorubás que é semelhante a uma sineta com som bastante característico para chamar o Nkisi/Vodum/Orixá à terra. para vozear a presença de determinada divindade. Quando essa divindade se comunica com as pessoas presentes, uma nova energia também é instaurada, virando o ciclo.

1º Ciclo: ‘Mam’etu África’ surge com a provocação inicial: qual o imaginário da África Bakongo13 13 Bakongo - referente ao povo do país Kongo - atualmente é a região conhecida por República Democrática do Congo. Aqueles que nasceram ou exaltam a ancestralidade Kongo. antes da chegada do colonizador? Esse tema foi proposto para que fosse possível criar a atmosfera de uma África que vivia dentro de seus processos civilizacionais originais. O primeiro ciclo tinha a premissa de transportar o público para o cheiro de uma África para além dos estereótipos amalgamados no universo cultural branco. Com essa temática em mãos, subdividi o Coletivo em pequenos grupos de quatro ou cinco, solicitando que criassem cenas a partir de todo o repertório corporal explorado até ali no período de formação do grupo.

Nesse exercício de assistir as cenas, fui me dando conta de que aquela sala de ensaios me parecia o barracão do terreiro Unzó ia Kisimbi ria Maza Nzambi (do qual sou sacerdote)14 14 Unzó ia Kisimbi ria Maza Nzambi - Casa da fonte das águas puras de Deus. O terreiro é localizado no município de Simões Filho/BA. Casa de nação CongoAngola, tendo por matrona a divindade Kisimbi. em dia de Kizoomba (festa). Profusões de histórias surgindo dos movimentos dos Minkisi assentados em seus cavalos, no corpo das matérias (médiuns, as pessoas que viram no santo). Foi quando eu entendi que a relação do corpo que se presta à representação é a de um cavalo, um corpo onde o/a atuante15 15 Atuante - relacionado ao lugar de empréstimo de seu corpo para a expressão das cenas. pode montar.

Com isso, surge a ideia do Princípio do Cavalo como expoente máximo de criação. É o instante em que esse corpo vive o estado de receber essa energia, que, naquele momento, é superior a dele. A energia é uma mukange, máscara no sentido do objeto, que é colocada no rosto dos atuantes, irradiando determinada atitude nesse corpo, movendo-o para a cena. A mukange é a máscara sagrada para os Bantu, representando o Nkisi em dias de kizoomba. O Nkisi, em posse do corpo de seu cavalo, vem a público através de determinadas vestes e, no lugar do rosto, uma mukange. Ela não define uma forma humana, ela expressa uma força.

Mukange: a expressão no Ritual

Esta pesquisa traz para a panela Afrocênica a discussão sobre a concepção de ‘expressão’ na esfera do Teatro Ritual Negro, em detrimento de ‘representação’, a partir da aproximação com o culto das Mukanges (máscaras sagradas). Sobre a representação do real no ritual, Evani Tavares Lima (2010LIMA, Evani Tavares. Um olhar sobre o Teatro Negro do Teatro Experimental do Negro e do Bando de Teatro Olodum. 2010. Tese (Doutorado em Artes) - Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010., p. 226) traz o pensamento de Muniz Sodré (2005, p. 10), que me intui a pensar sobre essa relação da mukange e do real: “[...] a repetição ritualística extenua as veleidades de essencialização de qualquer real, o ritual impossibilita a declinação de um princípio de identidade”. A mukange, enquanto artefato do sagrado, compõe um significante complexo em seu culto para os Bakongo, porque distancia a ideia de real ante sua aparição, além de sombrear a identidade do cavalo (do/a filho/a de santo) que recebe essa divindade. O descomprometimento com o real afeta diretamente o princípio de identidade, já que este relaciona a identificação e a individualização. A diluição da identidade pode ser representada num balde cheio de água, ao qual adicionamos, por exemplo, água de flor de laranjeira, para preparar um banho ritual. Não posso dizer que no balde exista apenas água, ou apenas água de flor de laranjeira. Ali há a presença de ambas as coisas, mas não conferem uma individualização. Do ponto de vista da dramaturgia, a individualização rascunha um instante cênico, relacionando o corpo do/a atuante, em performance dentro do repertório mitológico, às testemunham que o circundam.

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‘Kisimbiê, Kisimbi ê mona ame!’: a infinita pureza é minha filha! Ou seja, ela está dentro de mim. Fonte: Fotografia de Adeloyá Magnoni de Experimento Cênico Travessias... ciclos transatlânticos, Fórum Negro de Arte e Cultura, Salvador/BA.

O/A Nkisi, utilizando sua mukange em uma aparição pública no terreiro, insere-se no conjunto energético ao qual tem afinidade - no caso de Kisimbi, a força das águas doces -, justaposto ao corpo do médium, diluindo o princípio de identidade. Mesmo que tenhamos duas Kisimbis tomando rum, ou seja, dançando publicamente durante a cerimônia, cada uma delas terá seu próprio repertório corporal e energético, porque tratamos de corpos e forças sagradas distintas, apesar de a linhagem ancestral do Nkisi ser a mesma. Nós, Bantu, cultuamos a força da natureza, sem um compromisso com a representação humana dessa força. Portanto, ao cultuar Kisimbi, eu cultuo a força das águas doces, dos rios, lagos, cachoeiras. Há similaridade entre essas forças, mas não há igualdade. Os rios não são iguais. Kisimbis serão distintas.

A repetição do uso da mukange sempre que o nkisi vem à terra em dias de festas, dentre outras coisas, ajuda-nos a entender a necessidade de repetir para relembrar. Esses giros ajudam a perpetuar o culto e a história dessas pessoas negras e sua cosmovisão. No palco, o/a atuante pode se utilizar de uma mukange sempre que o ritual necessite de um discurso politizado, para não se esquecer da terra que brotou. Essa estratégia dramática se evidencia sobretudo na escrita de discursos poéticos politicamente engajados com questões concernentes ao racismo.

No instante da performance do/a atuante com sua mukange enraizada pelo corpo, não necessariamente precisa haver identificação do público em sua expressão. A mukange, no sentido cênico que proponho, pode assemelhar-se ao arquétipo de um animal, uma força da natureza, uma entidade mítica ou uma pessoa humana. Isso porque a Afrocênica não se alinha à ideia de personagem na concepção do Teatro Ocidental. Acerca dessa relação problematiza Patrice Pavis (2008PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2008., p. 285):

O ator está nitidamente separado de sua personagem, é apenas seu executante e não sua encarnação a ponto de dissociar, em sua atuação, gesto e voz. Toda a sequência da evolução do teatro ocidental será marcada pela completa inversão dessa perspectiva: a personagem vai-se identificar cada vez mais com o ator que a encarna e transmudar-se em entidade psicológica e moral semelhante aos outros homens, entidade essa encarregada de produzir no espectador um efeito de ‘identificação’.

A persona, para o Teatro Grego, também quer dizer máscara. Cumpre a função de representação de uma força, entidade, sem que a identificação com o humano necessite acontecer. A aproximação cada vez maior da persona ao/à ator/atriz faz borrar essa relação, aproximando cada vez mais o/a ator/atriz de um sentido psicológico profundo, sendo chamado de personagem, como aponta Pavis. Essa noção de personagem não é interessante para esta pesquisa, porque, considerando o Nkisi uma força da natureza que se aproxima de uma força humana para que melhor possamos compreendê-lo, não seria possível entender a representação de um Nkisi em seu sentido de profundidade psicológica, por exemplo. O Nkisi está para além da identificação e compreensão psicológica, porque não é uma divindade que teve vida terrena. É preciso ter fé e todo o corpo para compreender. Portanto, ao vestir a máscara de um Nkisi, por exemplo, o/a atuante não se compromete com a identificação, ele/a se presta à cena para expressar aquela máscara. Vale lembrar que essa inspiração na cosmovisão Bantu ratifica a ideia de que a personagem se traduz em singularidade, enquanto a expressão cênica na mukange está relacionada à ideia de arquétipo, de sublimação de um arco de similitudes na existência.

Nguunzu: a dramaturgia em ciclos no experimento cênico ‘Travessias... ciclos transatlânticos’

A arquitetura foi erigida em quatro ciclos essenciais. Esses quatro ciclos fazem parte do círculo maior, que é o conjunto cênico geral. A circulação do próprio planeta obedece a um giro em si, para que possa girar sobre o Sistema Solar. Assim, a arquitetura cênica é criada sob a inspiração da existência da vida, em um continuum, que não se esgota com a morte, mas desta transcende em ancestralidade. Para isso, inicia-se o ritual com o hálito quente das palavras entoadas do hino Pembelê16 16 Pembelê - do kikoongo quer dizer “eu te saúdo”. .

Travessias inicia o ritual suplicando a paz, no instante em que o mundo é feito e a água é espalhada através das mulheres com suas moringas, buzanguês17 17 Buzanguê - vasilhame de barro sagrado para os Bakongo utilizado nos cultos aos Minkisi no Brasil. e talhas. Pembelê cumpre também a função de evocar a presença desses Minkisi no Ntoto (terra), porque só assim é possível atravessar com as bênçãos do sagrado. Não obstante, esse hino, quando soprado no vento, cria uma atmosfera que retira o espectador da cadeira e o faz inserir-se no experimento cênico.

2º Ciclo: ‘Travessar - nascidos do porão’ tem por base a expressão do processo perverso de arrancada dos corpos dos homens e mulheres de sua terramãe em África, obrigando-os/as a viver em um regime de morte social, apagando qualquer vestígio de existência em plenitude com seu mundo natural.

Foi um ciclo dos mais difíceis de se expressar, porque incutiram na população brasileira (principalmente nas escolas) o imaginário de que as pessoas negras aceitaram tranquilamente a escravização, em detrimento aos povos originários.

Em uma das improvisações surgiu uma cena de despedida para a entrada no navio negreiro. Era uma cena curta, simples, mas que atenuava o processo de sofrimento no imaginário proposto. Trazia a possibilidade da despedida - acontecimento que sabemos não haver existido. Essa improvisação inspirou a escrita da Oração à Kalunga, poema que se transformou em cena como ato de preparação espiritual para a travessia.

Durante a colonização no Brasil, um dos primeiros atos de apagamento moral da pessoa negra foi o batismo ao catolicismo, alterando os nomes originais dos/das africanos, substituídos por nomes de santos católicos. Esse processo, entre outras problemáticas, elegeu a religião católica como oficial, impedindo que a pessoa negra praticasse seus cultos aos Minkisi/Orixás/Voduns. Essa máxima levou os Bakongo e outros povos à resiliência, criando associação dos santos católicos com os Minkisi/orixás/vodus e, mais do que isso, criando irmandades adentrando ao universo católico, para que pudessem se manter reunidos, discutindo sobre as problemáticas do povo negro e a manutenção do culto de seus deuses e deusas, como afirma a pesquisadora Marta Moreno Vega (2002VEGA, Marta Moreno. The Candomblé and Eshu-Elegua in Brazilian and Cuban Yoruba-Based Ritual. In: HARRISON, Paul Carter; WALKER II, Victor Leo; EDWARDS, Gus (Ed.). Black Theatre: ritual performance in the African diaspora. Philadelphia: Temple University Press, 2002., p. 156):

Sob o manto da Igreja Católica, os africanos e seus descendentes também desenvolveram sociedades de ajuda mútua, irmandades entre os homens e entre mulheres, chamadas ‘cabildos’ em Cuba e ‘irmandades’ no Brasil, que lhes permitiram reconstituir práticas africanas com a iconografia estética integrante ao culto dos orisás (tradução nossa).

Portanto, orações foram incorporadas aos cultos africanos, em processo de ressignificação no Brasil, como estratégia requintada de perpetuação dos cultos às divindades oriundas de África.

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‘Falei, falei, falei no abrir da boca/Falei no abrir da boca/Vou falar no abrir da boca’: cantiga que afirma a necessidade da fala como orientação, aconselhamento. Fonte: Fotografia de Victor Hugo Sá de Experimento Cênico Travessias... ciclos transatlânticos, Tenda do Teatro Popular de Ilhéus, Ilhéus/BA.

A ideia de uma oração é uma forma de afrografar a nossa história transculturada, produto das interferências católicas e indígenas ressignificadas no Candomblé. A cosmovisão dos Bantu acredita que a Kalunga, o mar, é a grande divindade mãe dos mistérios. Aquelas pessoas que atravessam esse lugar se perdem no infinito. Experimentamos dizer esse texto com o feito sonoro do reverber, deixando a voz da atuante Claudia Rodrigues ecoar, multiplicar-se, como se a voz dela representasse todos os homens e mulheres ali dispostos, jogados, amontoados, em sugestão ao texto. A música dessa cena tinha forte carga melódica, costurando as lágrimas que compunham a ideia do ciclo, alinhavando o ritual.

A despedida, que é duplamente musicada pela voz de Claudia Rodrigues e pela trilha sonora da Banda Gira (grupo musical de estudantes da universidade que surgiu no decorrer do projeto de pesquisa durante os percursos formativos do Coletivo), inspirou os/as atuantes à criação de pequenas relações de famílias que se desgarram. Era possível ver recados, afagos, últimas declarações de amor, desculpas por brigas, reconciliações, desespero e a certeza de navegar no sangue coalhado que a Kalunga conduziria.

Esse segundo ciclo exercita o Princípio da Azuela, a necessidade de relacionamento por intermédio da fala, do que se canta, do que se clama com a boca e com todo o corpo:

O princípio da Azuela exercita a importância da fala para os africanos e esta cosmovisão é experienciada no cotidiano do terreiro. A fala é tão sagrada que só deve ser utilizada com precisão. Com isto, a Afrocênica utiliza apenas o texto indispensável, o texto de efeito moral, um discurso essencial, fugindo à máxima do ocidente que ancora a existência em uma necessidade desenfreada de falar, ainda que não se compreenda o porquê (Ferreira, 2019FERREIRA, Tássio. Pedagogia da Circularidade Afrocênica: diretrizes metodológicas inspiradas nas ensinagens da tradição do Candomblé Congo-Angola. 2019. 271 f. Tese (Doutorado em Artes Cênicas) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2019., p. 251).

3º ciclo: Silêncio do invisível. Esse ciclo inicia trazendo a tríade ‘desculturação, invisibilidade e silenciamento’, que Vanda Machado (2002)MACHADO, Vanda. Ilê Axé: vivências e invenção pedagógica - as crianças do Opô Afonjá. 2. ed. Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia, 2002. aponta sobre o apagamento da pessoa negra nos percursos de escolarização. Dentro deste projeto (colonial), primeiro retira-se o referencial cultural e identitário do povo, troca-se o nome e o insere-se em outra concepção de espiritualidade, avessa à sua; com isso, a pessoa mantém-se ausente de si, sendo invisibilizada socialmente e sua voz calada; abre-se o caixão para que a morte social seja completada com o silenciamento total.

A respeito disso, o filósofo camaronês e professor Achille Mbembe traz a perspectiva da necropolítica como supremacia social da branquitude, por ser detentora do controle de vidas. Tem mais poder quem controla mais vidas. Ainda no resumo de seu ensaio, tal pensamento é ressaltado quando o autor

[...] pressupõe que a expressão máxima da soberania reside, em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer. Por isso, matar ou deixar viver constituem os limites da soberania, seus atributos fundamentais. Exercitar a soberania é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implantação e manifestação de poder (Mbembe, 2016MBEMBE, Achille. Necroplítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, n. 32, p. 123-151, dez. 2016., p. 123).

Nós sabemos que esse projeto foi replicado em grande parte do mundo. Contudo, o processo de escravização no Brasil foi o mais longo da história e, por isso, o mais perverso, exterminando comunidades inteiras. Esse projeto ainda se mantém vigente, reverberando nos dias de hoje com certo requinte. O governo brasileiro é responsável por quem vai morrer ou viver. Não é demais rememorar o ambiente que aguardava a pessoa negra que pisava no Brasil, como lembra o jornalista e escritor José de Jesus Barreto (2005BARRETO, José de Jesus. Candomblé da Bahia, resistência e identidade de um povo de fé. Salvador: Solisluna Design e editora, 2005., p. 23):

Nesse ambiente discriminatório e promíscuo, a despeito do massacre da identidade cultural e familiar, das desconfianças, entre promessas e chicotadas, agrados e castigos, a interação surda se fazia, dia a dia, com dengo, ordens, sedução, sedições, torturas, mentiras, apegos, medo, manha e atos de rebeldia expressos em fugas, organização de quilombos, embates e muita mandiga.

A exploração do corpo negro passeou pelos piores imaginários que a nossa mente pode alcançar, no que diz respeito ao condicionamento de morte social. Essa atmosfera inspirou pensar no terceiro ciclo expressando a escravização no Brasil: ‘silêncio cristalino’. Explorar esse universo de dor, para que possamos entender quem somos, onde estamos e o que precisamos fazer para reverter o racismo. Cristalino, porque não conseguiram tirar da pessoa negra a lucidez e o ímpeto de resistir.

Compor uma das cenas finais do experimento foi muito difícil para o Coletivo. No centro da cena estavam expressos os corpos escravizados dentro de sacos plásticos. Em torno deles, vozes ecoavam, funcionando como chicotes que desferiram palavras-açoite naquele grupo amontoado no centro do círculo cênico:

  • - Só podia ser essa negrinha!

  • - Crioula!

  • - Sujando nossas terras!

  • - Maldito navio negreiro!

  • - Volta pro mar e se esfrega direito, para tirar essa tinta!

  • - Ela era quente, mas o cabelo uma fedentina só!

  • - Sujos!

  • - Amaldiçoados!

  • - Cadê os seus deuses?

  • - Nada de grito. É a marca de que você é preto!

  • - É sua sina!

  • - João!

  • - Maria!

  • - José!

  • - Paulo!

  • - Pedro!

  • - Matheus!

  • - Gabriel!

  • - Rafael!

  • - Miguel! (Ferreira, 2019FERREIRA, Tássio. Pedagogia da Circularidade Afrocênica: diretrizes metodológicas inspiradas nas ensinagens da tradição do Candomblé Congo-Angola. 2019. 271 f. Tese (Doutorado em Artes Cênicas) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2019., p. 188).

O 4º ciclo: ‘Recomeçar?’ é empurrado pelo terceiro, num movimento que intenta trazer para o público a continuidade da opressão no contexto contemporâneo. O racismo nos dias de hoje passa a ser um discurso às vezes indireto, sutil, que só é entendido por quem vive essa opressão. O desafio desse ciclo, tensionando a perversão, era fazer com que as atuantes, mulheres negras, deixassem escorrer de sua boca o veneno da discriminação.

O estado opressor, segundo a pesquisadora Grada Kilomba (1997)KILOMBA, Grada. A Máscara. Cadernos de Literatura em Tradução, São Paulo, Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, n. 16, p. 171-180, 1997., nasce de uma necessidade da pessoa branca em compreender a alteridade a partir de outra raça, em regime de violência. A autora traz o pensamento da escritora Toni Morrison (1992), quando esta trata a dessemelhança como a necessidade de construir a branquitude a partir da relação de opressão de outra raça. A branquitude, oprimindo a pessoa negra, entende-se como diferente das demais:

Essa sentença nos relembra que não é com o sujeito Negro que estamos lidando, mas com as fantasias brancas sobre o que a Negritude deveria ser. Fantasias que não nos representam, mas sim o imaginário branco. Elas são os aspectos negados do ‘self ’ branco, que são re-projetados em nós, como se fossem retratos autoritários e objetivos de nós mesmos(as) (Kilomba, 1997KILOMBA, Grada. A Máscara. Cadernos de Literatura em Tradução, São Paulo, Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, n. 16, p. 171-180, 1997., p. 175).

Essas fantasias são evidentes a partir das falas que ecoaram nesse ciclo. Essa cena foi escrita a partir de pesquisas de frases racistas do imaginário brasileiro, inclusive algumas delas trazidas pelos membros do Coletivo. São frases que circulam a todo instante, como bem rememora um trecho do experimento cênico:

  • - Que beleza exótica!

  • - Para uma negra, você é até bonita!

  • - Deve ser um furacão na cama!

  • - Mulata tipo exportação!

  • - Sua pele é bem escura, parece gringa!

  • - Nêgo de traços finos!

  • - Nossa, que cabelo macio! Achei que era duro, sabe?

  • - Aquele ali é um negro de alma branca! Sempre foi diferente!

  • - Negra tipo A!

  • - Moreninho da cor do pecado!

  • - Café-com-Leite!

  • - Marrom Bombom!

  • - Namorado branco? Parabéns! (Ferreira, 2019FERREIRA, Tássio. Pedagogia da Circularidade Afrocênica: diretrizes metodológicas inspiradas nas ensinagens da tradição do Candomblé Congo-Angola. 2019. 271 f. Tese (Doutorado em Artes Cênicas) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2019., p. 189).

A cena que evoca o elemento água foi marcada por grande emoção, quando Maama Kisimbi vem libertar seus filhos e filhas da opressão, do estado de cárcere de si, presos nos corpos no centro da cena. A divindade ancestral das águas doces vinha lavar o sangue que escorria. A atuante Claudia Rodrigues experienciou o lugar de vestir a máscara Kisimbi. Era o exercício complexo de utilização da mukange cênica, sobretudo na expressão de uma divindade Bantu, sem referência mitológica de vivência terrena, como no caso da cultura Iorubá. Essa cena foi criada durante o processo criativo, sendo depois incorporada à arquitetura cênica. A presença de uma divindade em cena por si só consegue acender a chama do ritual, fortalecendo a relação entre a expressão da cena e o público.

A cena final do ritual cênico era simples: contar uma ação racista vivida, retirando ali a mukange, deixando o/a atuante falar através de sua identidade. Antes de a história ser partilhada, eles/elas diziam os seus nomes e a cidade de origem. Essa cena se fundamenta no princípio da Azuela, todavia pulsa ainda o Princípio da Encruzilhada como espectro do entrecruzamento de muitas experiências sociais e culturais de vida ali alinhavadas:

Não falo do Sul pelo Sul, nem tão quanto do Norte pelo Norte. O estatuto ôntico do Norte é nada mais do que um registro de barbárie que se constitui em detrimento da pluriversalidade (Ramose, 2012). Falo do lugar das encruzilhadas marcadas pelo encontro do Novo Mundo, o Atlântico e a Europa estão encruzados, e no cruzo ou encruzilhada codificam-se outros muitos caminhos, todos esses devem ser lidos e credibilizados como campos de possibilidades (Rufino, 2016RUFINO, Luiz. Performances afro-diaspóricas e decolonialidade: o saber corporal a partir de exu e suas encruzilhadas. Revista Antropolítica, Niterói, n. 40, p. 5480, 2016., p. 67).

Encruza, cruzar, entrecruzar, trançar, misturar, transpassar. Costurar conceitos, possibilidades referenciais, abrir-se e não se fechar. Um corpo que está disponível para aprender, primeiramente consigo, sem perder de vista tudo o que o mundo ensina a cada instante. O/A atuante em cena necessita estar na via dos cruzamentos, nos polos de comunicações oriundos da encruza. Não mais interessa apenas uma perspectiva, mas todas aquelas que circulem em nós. Pambu Nzila é aqui evocado como sintetizador da comunicação eu-mundo.

O experimento cênico conclui o quarto ciclo, automaticamente reconectando com o primeiro, fazendo a roda girar, numa perspectiva de continuidade (que não se repete). Para isso, o recurso utilizado foi retomar o poema De nascer África:

De Nascer África

Antes de tudo começar...

Como começar o que já existia?

De início

Pelo começo

Primeira célula, tecido, órgão, sistema, organismo, população

Primeiro respirar

Nascimento

Partida

Origem

O de ontem

O soerguimento

A plataforma

A Base

O Caminho

O Lugar

Caminho sempre em frente. Para frente. Para trás é como você me vê Rota que circula E roda...

Roda em si e em outros

Infinita

Do fogo

Do vento

Da terra Da água

Preta

Preta

Preta

Preta

Preta

Preta

Preta

(Batem paó)

Mam’etu

Mãe (Ferreira, 2019FERREIRA, Tássio. Pedagogia da Circularidade Afrocênica: diretrizes metodológicas inspiradas nas ensinagens da tradição do Candomblé Congo-Angola. 2019. 271 f. Tese (Doutorado em Artes Cênicas) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2019., p. 191).

Esse poema dialoga com muitas camadas para se iniciar o experimento cênico e dele reiniciar o processo de manutenção cíclica. Toma a forma de um ‘corpo de palavras em estado transatlântico’:

Trata-se de um corpo crivado de reminiscências de memória, um lugar de saberes e de identidades que são perpetuados através dos tempos. Esse corpo, como espaço diaspórico, pode, por um lado, ser reportado ao ‘atlântico negro’ e, por outro, é [ou se vê] ressignificado quando se integra ao continente americano e passa a produzir e legitimar a sua cultura (Alexandre, 2009ALEXANDRE, Marcos Antônio. Formas de representação do corpo negro em performance. Repertório: Teatro & Dança, Salvador, Universidade Federal da Bahia, Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas, ano 12, n. 12, 2009., p. 105).

O professor Marcos Antônio Alexandre se refere ao corpo em seu estado físico, porém eu faço a mesma alusão quando construo um corpo de palavras. Nesse caso, é possível dizer que esse poema é guardião da memória da arquitetura dramatúrgica na Afrocênica. A memória da constituição do corpo em processo de vida-morte é entoada pela boca da atuante Camila Santana, possibilitando que cada testemunha desse corpo de palavras construa o seu próprio repertório.

Ainda é possível pensar nas palavras dispostas como contrações que diminuem e aumentam, quase desaparecem, mas retomam. Pode-se compreender esse poema como o ato de respirar e a mutabilidade desse ato a partir das emoções. As palavras respiram, para os que as leem. O exercício da escrita, pensando na Afrocênica, também deve prever o ritual de envolvimento completo do corpo na leitura, em conexão com as forças místicas que coexistem conosco. A leitura aqui precisa provocar o corpo.

Circulando

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Experimento Cênico Travessias... ciclos transatlânticos, Centro de Cultura de Porto Seguro, Porto Seguro/BA. Fonte: Fotografia de Cris Lima.

A perspectiva de uma dramaturgia expandida, aqui defendida, considera as poéticas negras brasileiras diaspóricas em diversos âmbitos, circunscritas em um movimento contínuo que entrecruza diferentes expressões, perpassando pela performance da oralidade, pelo conhecimento produzido na ancestralidade, as relações entre os mitopoemas, projeções dos corpos e de seus repertórios políticos. Portanto, a Afrocênica nada mais é do que a organização e reatualização dessas práticas, considerando o imaginário cultural e ancestral dos povos Bantu, diretamente aplicado em uma cena contemporânea, disposta de forma circular, cuja relação psicológica não se prende à lógica da sociedade, mas ao crível dentro da relação cênica e ancestral estabelecida em ritual.

Tudo isso é posto em uma panela, na qual o produto desse alimento cênico será servido em um ritual que transformará o lugar em um espaço de erupção do sagrado, ampliando essa existência pela premissa do extracotidiano, edificando um espaço simbólico. Essa construção é feita a partir dos espectadores - que deixam de figurar aqui passivamente, para serem parte do alimento cênico - presentes nesse ato simbólico em defesa de uma cena antirracista, que protagonize a pessoa negra em toda a sua potência criativa.

Registra-se aqui uma possibilidade de discussão sobre uma forma de se pensar a dramaturgia negra contemporânea, em sua recorrência e necessidade de incursões por abordagens politizadas no que se diz em cena, para marcar e ventilar discursos silenciados. Na Afrocênica intenta-se evidenciar a necessidade pela expressão cênica em detrimento de representação, conforme discutido anteriormente. Ainda assim, essa proposta de dramaturgia em expansão deambula entre a concepção dramática e o estado performático do ritual cênico em processo. Esses deslocamentos podem ser simultâneos, deixando espaço para a mística presente nos corpos dos/as atuantes em resposta às demais provocações que compõem a cena. Os fluxos e refluxos acionam giros dramáticos, conferindo [inter]dependência entre cenas.

Essa possibilidade cênica, apresentada com os fundamentos da Afrocênica, descola-se dos segredos do sagrado [Candomblé] pelo simples fato de oferecer o arsenal mito poético experienciado na sala de ensaio cozido e recozido, remexido, reprocessado, compartilhado com aqueles/as que testemunham as ações dramáticas como uma ebó cênico (ebó - comida). Comendo essa oferenda de corpo inteiro, não se tem ali o Candomblé em sua essência, mas uma centelha que nos conecta e instaura o ritual em outras dimensões. Desse modo, tudo que está em cena é cênico, sendo resguardado ao interior do Terreiro o desejo de conhecer os atos religiosos e os conhecimentos que não podem prescindir da iniciação.

Notas

  • 1
    Em seu livro Teatro Angolano: dramaturgia, literatura e representações de etnicidade, a pesquisadora Iris da Costa Amâncio (2014)AMÂNCIO, Íris da Costa. Teatro Angolano: dramaturgia, literatura e representações de etnicidades. Belo Horizonte: Nandyala, 2014. aponta, logo de início, a importância das experiências de vida dos angolanos que chegam à cena dos dramaturgos Domingos Van-Dúnem (1970), potencializado pelo diretor José Mena Abrantes (1990-2018), junto com o grupo teatral angolano ElingaTeatro. Essa cena é costurada com forte presença das raízes e matrizes narracionais literárias angolanas, expressas na capacidade de contar sobre os atravessamentos existenciais em uma África violentada pela colonialidade. A autora destaca a capacidade dos autores em trazer à cena, trançada na trama, vivências de tradições étnicas orais presentes no imaginário tradicional de Angola.
  • 2
    No original em inglês: “[…] Language in traditional African drama is expressed in the traditional speech convention of proverbs and idioms, virtually every African community employ the use of proverbs and idioms in their narrative. Proverbs and idioms in language embellish the dramatic dialogue and convey deeper meanings and essence, most times with deep philosophical meaning” (Aduku, 2018ADUKU, Armstrong Idachaba. Elements of Traditional African Drama in contemporary Nigerian Video - Film. ResearchGate, Mass Communication and Media Studies, mar. 2018. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/323936121_ELEMENTS_OF_TRADITIONAL_AFRICAN_DRAMA_IN_CONTEMPORARY_NIGERIAN_VIDEO-FILM. Acesso em: 18 out. 2018.
    https://www.researchgate.net/publication...
    , p. 03).
  • 3
    Mas, digo sempre: creio que a gênese de minha escrita está no acúmulo de tu-do que ouvi desde a infância. O acúmulo das palavras, das histórias que habitavam em nossa casa e adjacências. Dos fatos contados a meia-voz, dos relatos da noite, segredos, histórias que as crianças não podiam ouvir. Eu fechava os olhos fingindo dormir e acordava todos os meus sentidos. O meu corpo por inteiro recebia palavras, sons, murmúrios, vozes entrecortadas de gozo ou dor, dependendo do enredo das histórias. De olhos cerrados eu construía as faces de minhas personagens reais e falantes. Era um jogo de escrever no escuro no corpo da noite (Evaristo, 2007EVARISTO, Conceição. Da grafia-desenho de minha Mãe. In: ALEXANDRE, Marcos Antônio (Org.). Representações Performáticas Brasileiras: teorias, práticas e suas interfaces. Belo Horizonte: Mazza edições, 2007., p. 17).
  • 4
    Jamberesu - rito de louvação a todos/as os/as Minkisi. Semelhante ao ‘Shìré’ dos Iorubás.
  • 5
    Nkosi - “Nkisi guerreiro, desbravador do mundo, forjador de ferro, ajudou o povo Bantu em sua expansão pela África, dando condições da criação de ferramentas para guerra e agricultura” (Ferreira, 2019FERREIRA, Tássio. Pedagogia da Circularidade Afrocênica: diretrizes metodológicas inspiradas nas ensinagens da tradição do Candomblé Congo-Angola. 2019. 271 f. Tese (Doutorado em Artes Cênicas) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2019., p. 70).
  • 6
    Minkisi - “plural de Nkisi (deus/a)” (Ferreira, 2019FERREIRA, Tássio. Pedagogia da Circularidade Afrocênica: diretrizes metodológicas inspiradas nas ensinagens da tradição do Candomblé Congo-Angola. 2019. 271 f. Tese (Doutorado em Artes Cênicas) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2019., p. 237).
  • 7
    Kavungu - Senhor da Terra, divindade do panteão Bantu ligada à terra, em sua essência, lugar de profusão de prosperidade e cura de enfermidades.
  • 8
    Nzumbarandá - divindade Bantu ligada ao ciclo da vida-morte, relacionada à terra que acolhe a pessoa para transportá-la para a ancestralidade. Divindade da lama, dos manguezais, da prosperidade, de tudo que brota da Terra.
  • 9
    Kitempo - ou Kitempo, Tempo é o senhor da atmosfera, do próprio tempo da vida, das coisas. Patrono da nação Angola, é o dono da bandeira branca. Ele conduz ao caminho certo, ao momento certo da vida. Kitempo é a força que garantiu sobrevivência e expansão dos Bantu.
  • 10
    Nzazi - Nkisi relacionado à energia do fogo, do magma, toda a energia contida que aguarda seu momento de expansão.
  • 11
    Matamba - Nkisi habilidosa com o fogo, com os ventos que conduzem esse fogo. Energia de incansável guerreira. Matamba controla a força dos ventos, afasta de si a energia dos vumbis (espíritos de pessoas que desencarnaram).
  • 12
    Adjá - artefato herdado pelos iorubás que é semelhante a uma sineta com som bastante característico para chamar o Nkisi/Vodum/Orixá à terra.
  • 13
    Bakongo - referente ao povo do país Kongo - atualmente é a região conhecida por República Democrática do Congo. Aqueles que nasceram ou exaltam a ancestralidade Kongo.
  • 14
    Unzó ia Kisimbi ria Maza Nzambi - Casa da fonte das águas puras de Deus. O terreiro é localizado no município de Simões Filho/BA. Casa de nação CongoAngola, tendo por matrona a divindade Kisimbi.
  • 15
    Atuante - relacionado ao lugar de empréstimo de seu corpo para a expressão das cenas.
  • 16
    Pembelê - do kikoongo quer dizer “eu te saúdo”.
  • 17
    Buzanguê - vasilhame de barro sagrado para os Bakongo utilizado nos cultos aos Minkisi no Brasil.

Referências

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Editado por

Editora responsável: Celina Nunes de Alcântara

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    01 Abr 2021
  • Aceito
    03 Nov 2021
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