Open-access Comportamento sedentário na cidade de São Paulo: ISA-Capital 2015

RESUMO:

Introdução:   O excessivo tempo sentado envolvido em atividades de baixo gasto energético (comportamento sedentário) pode contribuir para o desenvolvimento de doenças crônicas. Avaliar fatores associados a esse comportamento numa população é importante para identificação dos segmentos mais vulneráveis.

Objetivo:   Descrever a distribuição do tempo sentado na população adulta do município de São Paulo segundo características sociodemográficas, ambientais e de condições de saúde.

Metodologia:   Estudo transversal envolvendo 2.512 participantes do Inquérito de Saúde no município de São Paulo (ISA-Capital) 2015, com idade entre 20 e 65 anos. Os dados referentes ao tempo sentado foram coletados por meio do Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ), analisados inicialmente na forma contínua e, a seguir, dicotomizados pela mediana, para a análise de dados categóricos.

Resultados:   A mediana de tempo sentado total para amostra foi de 180 min/dia. As variáveis que após ajuste permaneceram associadas foram: escolaridade (razão de prevalência - RP = 1,41; intervalo de confiança de 95% - IC95% 1,35 - 1,48); estado civil (RP = 1,05; IC95% 1,02 - 1,08); segurança no bairro (RP = 0,96; IC95% 0,93 - 0,99); idade (RP = 0,91; IC95% 0,87 - 0,95); renda (RP = 1,07; IC95% 1,00 - 1,15); autopercepção de saúde (RP = 1,03; IC95% 1,01 - 1,07) e sexo (RP = 0,96; IC95% 0,94 - 0,99)

Conclusão:   Homens mais jovens, com mais escolaridade e renda, que residem em bairros considerados seguros, não casados e com autopercepção negativa de sua saúde estão entre os mais vulneráveis ao comportamento sedentário nessa população.

Palavras-chave: Estilo de vida sedentário; Exercício; Saúde do adulto

ABSTRACT:

Introduction:   The excessive sitting time involved in activities of low energy expenditure (sedentary behavior) can contribute to the development of chronic diseases. Assessing factors related to this behavior in a population is important to identify its most vulnerable segments.

Objective:   To describe sitting time distribution in the adult population of São Paulo City according to sociodemographic and environmental characteristics and health conditions.

Methods:   This is a cross-sectional study involving 2,512 individuals, aged 20 to 65 years, who participated in the Health Survey in the City of São Paulo (Inquérito de Saúde no Município de São Paulo - ISA-Capital) 2015. Data relating to sitting time were collected using the International Physical Activity Questionnaire (IPAQ), initially analyzed continuously, and, afterward, dichotomized by the median to analyze categorical variables.

Results:   The total sitting time median in the sample was 180 min/day. The variables that, after adjustments, remained related to sedentary behavior were: schooling (prevalence ratio - PR = 1.41; 95% confidence interval - 95%CI 1.35 - 1.48); marital status (PR = 1.05; 95%CI 1.02 - 1.08); neighborhood safety (PR = 0.96; 95%CI 0.93 - 0.99); age (PR = 0.91; 95%CI 0.87 - 0.95); income (PR = 1.07; 95%CI 1.00 - 1.15); self-rated health (PR = 1.03; 95%CI 1.01 - 1.07), and gender (PR = 0.96; 95%CI 0.94 - 0.99).

Conclusion:   The most vulnerable groups to sedentary behavior in this population are: younger males, with higher schooling and income, who live in neighborhoods considered safe, unmarried, and with negative self-rated health.

Keywords: Sedentary lifestyle; Exercise; Adult health

INTRODUÇÃO

O tempo que passamos sentados tem surgido nos últimos anos como comportamento importante a ser investigado, dado o impacto do avanço tecnológico, social e ambiental na estrutura e no estilo de vida da sociedade moderna1. Esse avanço tem levado o homem a ficar cada vez mais tempo na posição sentada, envolvido em atividades que exigem cada vez menos gasto energético2.

O termo comportamento sedentário (do latim sedere, sentar), antes considerado como sinônimo de inatividade física, atualmente é apontado para descrever o tempo gasto na posição sentada envolvido em atividades de baixo gasto energético (≤ 1,5 Metabolic Equivalent of Task (METs) ). Por sua vez, o termo inatividade física é o indicado para descrever a condição de não atingir a dose recomendada (150 min/sem para adultos) de atividade física moderada a vigorosa (AFMV)3.

A associação entre comportamento sedentário e desfechos em saúde tem sido investigada, e existe um crescente corpo de evidências apontando para o comportamento sedentário como fator de risco à saúde, diferente e independentemente da prática de AFMV. Revisão sistemática concluiu que há forte evidência para a associação de comportamento sedentário com mortalidade por todas as causas, mortalidade por doenças cardiovasculares, doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e síndrome metabólica. O tempo sentado representou risco mesmo para aqueles considerados fisicamente ativos4. Esses achados apontam para a importância de pesquisas que contribuam para a avaliação e o desenvolvimento de políticas de saúde voltadas para o aumento da atividade física e também para redução do tempo sentado5. A identificação dos segmentos mais vulneráveis e das características da população exposta ao comportamento sedentário podem contribuir nesse sentido.

Os países desenvolvidos têm investido muito nesse campo, porém em países como o Brasil as pesquisas que adotam esse novo conceito de comportamento sedentário estão apenas começando. Os raros estudos envolvendo adultos, até aqui, avaliaram apenas aspectos sociodemográficos.

O objetivo desta investigação foi descrever a distribuição do tempo sentado na população adulta do município de São Paulo segundo características sociodemográficas, ambientais e de condições de saúde, utilizando como indicador de comportamento sedentário o tempo sentado total estimado por medida de autorrelato.

METODOLOGIA

No presente trabalho foram analisados dados de população adulta (idade entre 20 e 65 anos)6 participante do Inquérito de Saúde no município de São Paulo (ISA-Capital) 2015.Trata-se de um estudo transversal que tem como objetivo investigar características socioeconômicas, de morbidade, de estilo de vida e de uso de serviços de saúde.

A amostragem desse inquérito foi probabilística, estratificada, por conglomerados e em dois estágios: setores censitários e domicílios. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) serviram de base para o sorteio dos setores censitários urbanos. A estratificação deu-se por domínios geográficos (por coordenadorias de saúde: Norte, Centro-oeste, Sudeste, Sul e Leste) e por domínios demográficos: adolescentes, de 12 a 19 anos; mulheres de 20 a 59 anos; homens de 20 a 59 anos; e idosos de 60 anos ou mais. O primeiro estágio de seleção deu-se pelos setores censitários (30 por coordenadoria de saúde), e o segundo, por domicílios. Para definição do tamanho da amostra, consideraram-se estimativa de prevalência de 50%, nível de confiança de 95%, erro de amostragem de 0,10 e efeito do delineamento de 1,57. O campo foi finalizado em dezembro de 2015 com 4.043 entrevistas. Para o presente estudo, foram utilizados os dados dos indivíduos com idade entre 20 e 65 anos (2.538).

O questionário empregado foi composto de questões organizadas em 16 blocos temáticos. Para o controle de qualidade, foram realizadas novas entrevistas (amostra aleatória de 5%) por telefone ou diretamente no domicílio. Descrição do desenho, características e questionário do ISA-Capital estão disponíveis em: <http://www.fsp.usp.br/isa-sp>. Todas as variáveis desse estudo originaram-se de dados coletados nesse inquérito.

O comportamento sedentário foi expresso em tempo sentado total (TST), sendo estimado com base nos dados do Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ), forma longa, que é validado para avaliação de nível de atividade física e de comportamento sedentário8. Empregaram-se os dados das questões do IPAQ que se referem à soma do tempo gasto sentado, considerando-se essa conduta nos dias da semana e nos fins de semana. Foi feito um cálculo de média ponderada da seguinte forma: tempo dos dias de semana multiplicado por 5, somado ao tempo dos dias de fim de semana multiplicado por 2, dividindo esse resultado por 7, para se obter o número médio de horas por dia dispendidos na posição sentada9.

As variáveis independentes deste estudo foram:

  • Demográficas: sexo (masculino e feminino); faixa etária em anos completos (20-29, 30-39, 40-49, 50-59, 60-65); estado civil (casado ou não casado);

  • Socioeconômicas: escolaridade em anos de estudo completos (0-3, 4-7, 8-11, 12 ­e/­ou mais); renda em salários mínimos (SM) (1 SM ou menos, > 1 a 5 SM, > 5 a 10 SM, > 10 SM);

  • Ambientais: proximidade de área de lazer (sim ou não); percepção de segurança no bairro (sim ou não);

  • Condições de saúde (autorreferidas): hipertensão arterial, diabetes, depressão, dores na coluna; autopercepção de saúde (positiva ou negativa) e atividade física (fisicamente ativo: ≥ 150 min/sem, considerando atividade física total; ou insuficientemente ativo: < 150 min/sem considerando atividade física total, segundo dados do IPAQ).

Os dados referentes ao desfecho foram analisados inicialmente na forma contínua e, a seguir, dicotomizados pela mediana, para a análise de dados categóricos10. A distribuição dos dados do desfecho foi assimétrica. Apesar da assimetria dos dados, estes foram expressos não só pela mediana, mas também pela média, para facilitar a comparação com outros estudos10.

Na análise da variável contínua do TST, foi feita a comparação de médias (IC95%) e medianas (intervalo interquartil), aplicando-se o teste t de Student e o teste para comparação de medianas, respectivamente. Para análise categórica, foi aplicada regressão de Poisson por meio da variável dicotômica do TST para expressar prevalência, caracterizando como grupo exposto ao comportamento sedentário aquele com valores acima da mediana11. Foi adotado o nível de significância de 5%.

As variáveis com valor de p ≤ 0,20 na análise bivariada foram incluídas no modelo de regressão múltipla, aplicando-se o método stepwise forward, sendo mantidas no modelo aquelas que persistiram associadas com a variável dependente com valor de p < 0,05. O ajuste foi feito pelas variáveis sexo, idade, escolaridade e atividade física. Os dados foram analisados por intermédio do Stata 12.0, que permite considerar efeitos da amostragem complexa (módulo survey).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Parecer nº 1.360.768), em conformidade com a Resolução nº 466/12, do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

RESULTADOS

Entre os 2.538 indivíduos elegíveis para o estudo, 26 não responderam aos dados relativos ao desfecho do estudo e foram excluídos.Portanto, a análise envolveu 2.512 participantes12. Em média o TST foi de 230,7 min/dia e a mediana de 180 min/dia.

A maioria da população do estudo é do sexo feminino, com idade entre 30-39 anos, casada, com escolaridade entre 9 e 11 anos e renda de um a cinco SM. A maior parte reside em bairro considerado seguro e próximo à área de lazer. Os valores da mediana de TST foram maiores entre os homens, de 20 a 29 anos, não casados, com escolaridade de 12 anos ou mais, renda superior a 12 SM e residentes em bairro seguro. Houve diferença estatisticamente significativa em todas as variáveis citadas, exceto para proximidade à área de lazer (Tabela 1).

Tabela 1.
Descrição da amostra total e distribuição do tempo sentado total (min/dia) segundo variáveis sociodemográficas e facilitadores. Inquérito de Saúde no município de São Paulo (ISA-Capital). São Paulo, SP.

A Tabela 2 apresenta que a morbidade referida mais prevalente foi dor nas costas. Em sua maioria, a população tinha autopercepção positiva de sua saúde e considerava-se fisicamente ativa. Houve diferença estatisticamente significativa para o valor da mediana de TST em relação a hipertensão, dor nas costas e nível de atividade física.

Tabela 2.
Descrição da amostra total e distribuição do tempo sentado total (min/dia) segundo condições de saúde autorreferidas. Inquérito de Saúde no município de São Paulo (ISA-Capital) 2015. São Paulo, SP.

As variáveis que na análise bruta se apresentaram associadas ao comportamento sedentário foram: sexo, raça, segurança no bairro, faixa etária, estado civil, escolaridade, renda, hipertensão arterial, dor nas costas e nível de atividade física (Tabelas 3 e 4). Após análise ajustada, mantiveram-se associados ao comportamento sedentário: escolaridade, estado civil, segurança no bairro, faixa etária, renda, autopercepção negativa da saúde e sexo (Tabela 5).

Tabela 3.
Prevalência de comportamento sedentário (tempo sentado total - TST > 180 min/dia) e razões de prevalência (RP) segundo variáveis sociodemográficas e facilitadores. Inquérito de Saúde no município de São Paulo (ISA-Capital) 2015. São Paulo, SP.
Tabela 4.
Prevalência de comportamento sedentário (tempo sentado total - TST > 180 min/dia) e razões de prevalência (RP) segundo condições de saúde autorreferidas. Inquérito de Saúde no município de São Paulo (ISA-Capital) 2015. São Paulo, SP.
Tabela 5.
Modelo de regressão múltipla de Poisson para exposição ao comportamento sedentário em adultos. Inquérito de Saúde no município de São Paulo (ISA-Capital) 2015. São Paulo, SP.

DISCUSSÃO

O valor encontrado para tempo sentado no presente estudo (180 min/dia) foi o mesmo encontrado para adultos no Brasil em estudo comparando os dados do IPAQ para tempo sentado em 20 países13. Nesse trabalho, os menores valores de TST foram encontrados no Brasil, em Portugal e na Colômbia (≤ 180 min/dia), e os maiores em países como Noruega, Japão e Arábia Saudita (≥ 360 min/dia)13.

Variações no tempo sentado de acordo com a localidade podem refletir diferenças no desenvolvimento socioeconômico, na cultura e em condições ambientais. Localidades mais desenvolvidas tendem a apresentar maior relato de tempo sentado como reflexo de maior escolaridade da população, predominância de ocupações sedentárias, uso mais frequente de carros e mais acesso a lazer eletrônico e itens de conforto em casa14. Considerando essa tendência, poderíamos esperar maiores valores para tempo sentado no presente estudo, uma vez que São Paulo é considerada a 11ª cidade mais globalizada do planeta, recebendo a classificação de cidade global alfa15, conferida segundo grau de desenvolvimento das cidades. Uma das explicações para esse menor tempo sentado em relação às outras localidades desenvolvidas diz respeito aos possíveis efeitos climáticos sobre o comportamento das pessoas. Localidades com climas cujas temperaturas são mais brandas, como é o caso de São Paulo, favorecem o envolvimento em atividades ao ar livre, que seriam, por natureza, menos sedentárias. Outro aspecto a ser levado em conta na interpretação desses dados diz respeito ao uso de medidas de autorrelato que, segundo estudos, podem subestimar o tempo sentado. Em Portugal, por exemplo, observou-se que a mediana de TST foi de 180 ­min/­dia quando estimado pelo IPAQ e de 529 a 612 min/dia quando avaliado por acelerômetro, subestimando em 370 min/dia o TS14.

As evidências acumuladas até o momento não permitem afirmar se a exposição ao tempo sentado neste estudo pode ser considerada prejudicial à saúde, tendo em vista que ainda não há consenso quanto ao limiar para considerar excessivo o tempo sentado. Contudo, independentemente do ponto de corte adotado para o risco do tempo sentado, algumas considerações gerais podem ser feitas. Revisão sistemática encontrou que tempo sentado semelhante ao do presente estudo (> 180 min/dia) esteve associado aos desfechos em saúde, sendo responsável por 3,8% das mortes por todas as causas, nos 54 países participantes do estudo16. Tempo sentado de > 3 h/dia esteve associado com efeitos adversos nos níveis de triglicérides, de insulina e de circunferência abdominal17. Nos dois estudos, o comportamento sedentário representou risco mesmo para aqueles considerados fisicamente ativos. Portanto, embora se saiba que permanecer sentado por longos períodos seja algo quase inevitável na sociedade moderna, estudos como tais sugerem que seja prudente minimizar esse comportamento, buscando reduzir o tempo sentado e aumentar o nível de atividade física18.

No presente estudo, 83,7% da população foi considerada fisicamente ativa. Nos últimos anos, políticas públicas favoreceram o acesso à prática de AF sem custos em espaços públicos da cidade e ao transporte ativo19. Medidas como essas podem contribuir para o aumento do nível de AF da população, porém é importante ponderar que nem sempre o aumento no nível de AF vem acompanhado da desejável redução no comportamento sedentário. É possível que uma pessoa atinja a recomendação para AF e, ainda assim, esteja exposta a comportamento sedentário. Recentes evidências têm apontado para a necessidade de políticas públicas de saúde que incentivem não só o aumento do nível de AF, como também a redução do tempo sentado20. Políticas de saúde voltadas para redução do tempo sentado têm o potencial de reduzir a mortalidade por todas as causas, doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e síndrome metabólica, podendo aumentar em média 0,23 ano a expectativa de vida do indivíduo16.

A associação de doenças crônicas com comportamento sedentário em adultos no Brasil ainda precisa ser explorada. O presente estudo pretendeu observar alguns aspectos dessa ligação na população estudada. Na análise bruta, constatou-se associação de hipertensão arterial e dor nas costas à exposição ao comportamento sedentário, porém essa associação não se manteve na análise ajustada. Esse achado não é coerente com a literatura atual, que aponta forte evidência da associação de tempo sentado a diversos desfechos em saúde4. Um dos fatores que podem explicar o resultado do presente estudo pode ser a baixa média de idade dos participantes, que foi de 39,9 anos, e nessa faixa etária, além de a prevalência das doenças crônicas incluídas no estudo ser relativamente baixa, os possíveis efeitos nocivos do tempo sentado podem ainda estar em fase latente.

Outra consideração a ser feita é que pesquisas utilizando autorrelato de morbidade apresentam como limitação, fora a causalidade reversa, o viés de informação não diferencial, que tende geralmente a subestimar a verdadeira força de associação entre comportamento sedentário e desfechos em saúde14.

Ainda com o objetivo de avaliar a associação entre comportamento sedentário e condições de saúde, o presente estudo investigou a autopercepção de saúde. A maneira como uma pessoa percebe seu estado de saúde tem sido apontado como forte preditor de morbidades e mortalidade, além de refletir aspectos psicossociais e comportamentais21. A autopercepção de saúde positiva pode influenciar na escolha de comportamentos mais saudáveis, entre eles a adoção de um estilo de vida mais ativo. No presente estudo, observou-se associação entre autopercepção negativa de saúde e exposição a comportamento sedentário.

No presente trabalho, o relato de TST variou de acordo com o sexo. Ou seja, os homens apresentaram mais exposição ao comportamento sedentário que as mulheres. O mesmo foi encontrado em estudos em outros países22 e no Brasil10,23. Esse achado pode ser explicado pela dupla jornada de trabalho das mulheres, e tal acúmulo de responsabilidade pelo trabalho doméstico e trabalho formal pode reduzir entre as mulheres o tempo disponível para atividades sedentárias. Uma consideração interessante a se fazer, consistente com a ideia do comportamento sedentário como um fenômeno diferente da inatividade física, é que diferenças no tempo sentado conforme os sexos mostram que os homens são, ao mesmo tempo, fisicamente mais ativos e mais expostos ao comportamento sedentário do que as mulheres24.

Com relação à idade, foi observado que os mais jovens (20-29 anos) estão mais expostos ao comportamento sedentário do que aqueles na faixa etária de 60-65 anos, como verificado em outros países13 e no Brasil10. Isso pode refletir no maior acesso dos jovens à tecnologia avançada para lazer, comunicação, trabalho e transporte passivo, além do possível acúmulo de atividades de trabalho com atividades de estudo, condições estas que contribuem para maior permanência na posição sentada ao longo do dia.

Foi observado em nosso estudo que pessoas casadas gastam menos tempo sentadas do que aquelas não casadas. Esses achados podem sugerir que o casamento atue como um fator protetor em relação a comportamentos não saudáveis. É possível também que o menor tempo sentado entre os casados tenha relação com a condição de ter ou não filhos dependentes. Investigações encontraram que ter filhos menores em casa foi um fator de proteção para prolongado tempo de tela25. Cuidar de crianças menores pode reduzir oportunidades para sentar e aumentar o envolvimento em atividade física leve.

A escolaridade foi positivamente associada a TST no presente estudo. Outros trabalhos também encontraram relação positiva de escolaridade com TS26, assim como com atividade física24. Ou seja, os indivíduos de mais escolaridade estão entre os mais expostos ao comportamento sedentário e entre os fisicamente mais ativos. Uma possível explicação é que indivíduos com mais escolaridade estão mais envolvidos em ocupações sedentárias no trabalho, com menores exigências físicas, além de, com mais frequência, manterem atividades intelectuais que, por natureza, acontecem na posição sentada. Vê-se também que indivíduos com mais escolaridade tendem a compensar a imposição de maior tempo sentado no trabalho, escolhendo atividades não sedentárias durante o lazer, no entanto é importante alertar essa população quanto ao fato de o tempo envolvido em atividade física poder não compensar os efeitos deletérios do excessivo tempo sentado ao qual estão expostos.

Ainda com relação aos fatores socioeconômicos, no presente estudo, observou-se associação entre comportamento sedentário e renda. Isto é, indivíduos de maior renda apresentaram relato de maior TST, corroborando achados de outros estudos22. As diferenças verificadas entre grupos populacionais de distintos níveis socioeconômicos podem estar baseadas em iniquidades existentes entre esses grupos, e não em decisões mais saudáveis por parte das pessoas com menor renda. Com relação a essas iniquidades, pode-se especular que aqueles com maior renda têm mais acesso à tecnologia e itens de conforto, que favorecem o aumento de tempo sentado em casa, no trabalho e no transporte. Contudo, ao mesmo tempo, indivíduos com maior renda possuem mais oportunidades de acesso a atividades físicas no lazer. Indivíduos de alta renda parecem, então, estar mais expostos a mecanismos que incentivam tanto a prática de atividade física quanto a maior adoção da postura sentada.

Outro aspecto que vem sendo investigado em outros países, e que foi abordado no presente estudo, foi o ambiental. Questões como segurança no bairro e acesso a áreas de lazer podem atuar como barreiras ou como facilitadores do comportamento sedentário27. No presente estudo, assim como em investigação na Alemanha27, a segurança no bairro mostrou-se positivamente associada com comportamento sedentário, pois adultos morando em bairros seguros relataram maior TST. Esse achado, não esperado, pode ser resultante de um viés de seleção no qual pessoas que residem em bairros com mais segurança são também aquelas com mais escolaridade e renda, fatores positivamente associados a tempo sentado.

Por fim, é interessante observar que o perfil encontrado para os adultos mais vulneráveis ao comportamento sedentário aqui foi semelhante ao perfil dos adultos fisicamente mais ativos (homens, jovens, com mais escolaridade e renda) em estudo que utilizou dados da versão anterior do inquérito ISA-Capital 200824. Esses dados corroboram achados de independência entre os dois construtos e sugerem que é possível uma pessoa estar ao mesmo tempo ativa e, ainda assim, exposta ao comportamento sedentário. Considerando que a literatura apresenta evidências científicas dos efeitos negativos da exposição ao comportamento sedentário na saúde da população e que esses efeitos podem não ser compensados pelo efeito protetor da prática de AFMV na dose recomendada, ressalta-se a importância de investimentos não apenas no incentivo ao aumento do nível de atividade física, como também na redução do tempo sentado28.

Este estudo apresenta limitações dada a sua característica transversal, que não permite que a direção da associação seja identificada. Outra questão é que o IPAQ não permite avaliar os diferentes domínios do comportamento sedentário ou a forma como esse tempo é acumulado, limitando a interpretação e a aplicação de alguns dados. Outra limitação diz respeito aos instrumentos de autorrelato, que, em geral, subestimam os dados para tempo sentado e para morbidades, porém são frequentemente utilizados em estudos epidemiológicos em função da viabilidade, da boa relação custo × efetividade e da habilidade de coletar dados de grandes grupos populacionais29.

As vantagens deste estudo incluem também a maior possibilidade de comparação com outras pesquisas, visto o IPAQ ser um dos instrumentos mais utilizados no mundo para estimativa de tempo sentado, e também o grande tamanho da amostra, que permite estimativas mais robustas entre as variáveis de interesse.

Futuros estudos na área devem investigar melhor a forma como o tempo sentado é acumulado (se em longos períodos ininterruptos ou curtos períodos interrompidos), o que é possível com o uso de medidas diretas. Além disso, devem avaliar outros contextos de comportamento sedentário, como no transporte, na escola, no trabalho e em casa, uma vez que cada um deles pode apresentar padrões epidemiológicos distintos. Estudos do comportamento sedentário no Brasil intensificaram-se recentemente e constituem um promissor campo de pesquisa, visando à melhor identificação e ao controle desse emergente fator de risco à saúde. A identificação dos fatores associados ao comportamento sedentário é um importante passo nessa direção. Outro passo relevante consiste no desenvolvimento de estudos prospectivos para melhor avaliar a direção dessas associações.

CONCLUSÃO

Com base nos achados para nossa amostra, os adultos mais vulneráveis ao comportamento sedentário são os homens mais jovens, de mais escolaridade e renda, com autopercepção negativa da saúde, não casados e que moram em bairros considerados seguros. Com a identificação de segmentos mais vulneráveis ao comportamento sedentário, esperamos contribuir para a avaliação e formulação de medidas de controle desse comportamento em nossa população, a exemplo do que já acontece em outros países.

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  • Fonte de financiamento: nenhuma

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2017
  • Revisado
    05 Jan 2018
  • Aceito
    12 Jul 2018
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