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Tendência da mortalidade por doenças respiratórias em idosos antes e depois das campanhas de vacinação contra influenza no Estado de São Paulo - 1980 a 2004

Respiratory mortality trend in the elderly before and after influenza vaccination campaigns, State of São Paulo - 1980 to 2004

Resumos

Trata-se de estudo ecológico de série temporal onde foi analisada a tendência das taxas de mortalidade por doença respiratória padronizadas de 1980 a 2004, examinando-se o período antes e depois das campanhas de vacinação do idoso contra influenza. As taxas de mortalidade mostram queda nos dois anos posteriores às campanhas vacinais, 2000 e 2001, seguida de recuperação a níveis similares aos anteriores a 1999. Observou-se tendência de aumento após 2002 para ambos os sexos, embora a magnitude das taxas médias de mortalidade entre homens seja maior que nas mulheres. Esse aumento é mais evidente entre os maiores de 75 anos. As coberturas vacinais foram crescentes no período, porém não se disponha de dados sobre homogeneidade e coberturas específicas por faixa etária. Foram aventadas hipóteses para explicar a inversão da tendência, entre elas a circulação de outros vírus de tropismo respiratório (sincicial respiratório, parainfluenza, adenovírus) após 2002, a precocidade da circulação do vírus influenza A em 2004 (semana 17), a influência de fatores ambientais (poluição e baixas temperaturas), não analisados neste trabalho. Reforça-se a vigilância etiológica das síndromes gripais na comunidade, além da incorporação sistemática pela vigilância epidemiológica de indicadores ambientais e de cobertura vacinal mais detalhados.

Doença Respiratória; Mortalidade; Influenza; Vacinação; Séries Temporais


This is a time-trend ecological study to analyze respiratory disease mortality rates from 1980 to 2004. The periods before and after influenza vaccination campaigns for the elderly were examined. In the two years after the campaigns (2000 and 2001), mortality rates decreased, followed by a recovery to levels similar to 1999. This trend is observed for both genders after 2002, although the magnitude of average mortality rates in men is higher than in women. This increase is more evident in individuals over 75 years. Vaccination coverage grew after 2002, even though there are no age-specific vaccine coverage data, or information about vaccination homogeneity in the community. Some hypotheses to explain the inversion of these trends were raised: circulation of others respiratory viruses (syncytial respiratory virus, parainfluenza, adenovirus), after 2002, premature circulation of influenza A virus in 2004 (week 17), environmental factors (pollution and low temperatures), but they were not analyzed in this paper. Etiologic surveillance of flu-like syndromes in the community, as the systematic incorporation of environment indicators, and more detailed vaccination coverage information by the epidemiological surveillance system are emphasized.

Respiratory Disease; Mortality; Influenza; Vaccination; Time Series


ARTIGOS ORIGINAIS

Tendência da mortalidade por doenças respiratórias em idosos antes e depois das campanhas de vacinação contra influenza no Estado de São Paulo - 1980 a 2004

Respiratory mortality trend in the elderly before and after influenza vaccination campaigns, State of São Paulo – 1980 to 2004

Maria Rita DonalisioI; Priscila Maria Stolses Bergamo FranciscoI; Maria do Rosário Dias de Oliveira LatorreII

IDepartamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP

IIDepartamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP

Correspondência Correspondência: Maria Rita Donalisio DMPS/FCM/UNICAMP Caixa Postal 6111 Campinas SP Cep: 130830-970 Email: donalisi@fcm.unicamp.br

RESUMO

Trata-se de estudo ecológico de série temporal onde foi analisada a tendência das taxas de mortalidade por doença respiratória padronizadas de 1980 a 2004, examinando-se o período antes e depois das campanhas de vacinação do idoso contra influenza. As taxas de mortalidade mostram queda nos dois anos posteriores às campanhas vacinais, 2000 e 2001, seguida de recuperação a níveis similares aos anteriores a 1999. Observou-se tendência de aumento após 2002 para ambos os sexos, embora a magnitude das taxas médias de mortalidade entre homens seja maior que nas mulheres. Esse aumento é mais evidente entre os maiores de 75 anos. As coberturas vacinais foram crescentes no período, porém não se disponha de dados sobre homogeneidade e coberturas específicas por faixa etária. Foram aventadas hipóteses para explicar a inversão da tendência, entre elas a circulação de outros vírus de tropismo respiratório (sincicial respiratório, parainfluenza, adenovírus) após 2002, a precocidade da circulação do vírus influenza A em 2004 (semana 17), a influência de fatores ambientais (poluição e baixas temperaturas), não analisados neste trabalho. Reforça-se a vigilância etiológica das síndromes gripais na comunidade, além da incorporação sistemática pela vigilância epidemiológica de indicadores ambientais e de cobertura vacinal mais detalhados.

Palavras chave: Doença Respiratória. Mortalidade. Influenza. Vacinação. Séries Temporais.

ABSTRACT

This is a time-trend ecological study to analyze respiratory disease mortality rates from 1980 to 2004. The periods before and after influenza vaccination campaigns for the elderly were examined. In the two years after the campaigns (2000 and 2001), mortality rates decreased, followed by a recovery to levels similar to 1999. This trend is observed for both genders after 2002, although the magnitude of average mortality rates in men is higher than in women. This increase is more evident in individuals over 75 years. Vaccination coverage grew after 2002, even though there are no age-specific vaccine coverage data, or information about vaccination homogeneity in the community. Some hypotheses to explain the inversion of these trends were raised: circulation of others respiratory viruses (syncytial respiratory virus, parainfluenza, adenovirus), after 2002, premature circulation of influenza A virus in 2004 (week 17), environmental factors (pollution and low temperatures), but they were not analyzed in this paper. Etiologic surveillance of flu-like syndromes in the community, as the systematic incorporation of environment indicators, and more detailed vaccination coverage information by the epidemiological surveillance system are emphasized.

Keywords: Respiratory Disease. Mortality. Influenza. Vaccination. Time Series.

Introdução

As infecções respiratórias agudas de origem viral têm sido associadas a relevante aumento de internações e mortes por doenças respiratórias, particularmente em idosos1-3. Entre os portadores de doenças crônicas, imunodeprimidos e institucionalizados, a infecção respiratória viral e suas complicações têm se mostrado mais graves, o que reforça a necessidade de vigilância virológica, medidas profiláticas e, no caso da influenza, da indicação da vacina específica contra as cepas circulantes4.

A vigilância epidemiológica sentinela da síndrome gripal viabiliza a identificação de cepas circulantes de vírus de tropismo respiratório, particularmente da influenza. As variantes do vírus da influenza identificadas são a base das recomendações da Organização Mundial de Saúde sobre a composição da vacina, estratégia que tem sido eficaz no controle de surtos sazonais, e particularmente na prevenção de internações e óbitos em crianças e idosos, em regiões onde é recomendada2, 4, 5.

Estudos sobre as campanhas vacinais anuais contra a influenza após 1999 no Estado de São Paulo têm sugerido impacto na diminuição de mortes e internações por doenças respiratórias em idosos, porém estas análises cobrem pequeno número de anos após as campanhas6, 7.

O objetivo deste trabalho é estudar a tendência da mortalidade por doenças respiratórias selecionadas no período de 1980 a 2004 em idosos residentes no Estado de São Paulo, atualizando análises realizadas até o ano de 2002, e também avaliar o comportamento da série temporal no período anterior e posterior à intervenção vacinal contra influenza.

Método

Trata-se de um estudo ecológico de séries temporais onde foi analisada a tendência da taxa de mortalidade por doença respiratória. Os registros de óbitos foram obtidos do Sistema de Informações de Mortalidade do SUS (SIM/SUS) e as estimativas da população idosa residente no Estado, por sexo e idade, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)* * http://www.datasus.gov.br/cgi/ibge/popmao.htm . Os idosos foram classificados em cinco grupos etários: 60 a 64 anos, 65 a 69 anos, 70 a 74 anos, 75 a 79 anos e 80 anos e mais.

Os diagnósticos analisados referem-se às pneumonias e influenza (até 1996, CID 9ª revisão: 480-483 e 485-487), bronquites (490 e 491) e obstrução crônica das vias respiratórias (496). Para o período de 1997 a 2004 utilizou-se a classificação fornecida pela CID 10ª revisão (J10 a J15, J18, J22, J40 a J42 e J44). As doenças crônicas pulmonares foram incorporadas na análise por serem situação clínica de risco para complicações de quadros virais respiratórios, cuja ocorrência pode refletir indiretamente a circulação de vírus influenza na comunidade. Apesar da existência de possíveis erros no registro de óbitos por doenças respiratórias, estes provavelmente têm sido constantes no decorrer dos anos, não comprometendo a comparabilidade dos dados.

Para cada ano foi calculada a razão coeficiente padronizado masculino/coeficiente padronizado feminino, para avaliar mudança nesta relação ao longo dos anos. A estabilidade do comportamento desse indicador foi verificada por meio de modelo de regressão linear simples com nível de significância de 5%.

A análise da tendência da mortalidade por doenças respiratórias selecionadas da população idosa, no período de 1980 a 2004, foi realizada por meio dos coeficientes padronizados de mortalidade segundo sexo, considerando-se como população padrão a média harmônica das populações8 e coeficientes de mortalidade segundo grupos etários.

Inicialmente foram feitos diagramas de dispersão entre os coeficientes e os anos de estudo, para visualizar a função que poderia estar expressando a relação entre eles. A partir da relação funcional observada foram estimados modelos de regressão polinomial, que, além do seu poder estatístico, apresentam fácil elaboração e interpretação9.

No processo de modelagem, os coeficientes de mortalidade por doenças respiratórias selecionadas foram considerados como variável dependente (Y) e os anos calendário de estudo como variável independente (X). A transformação da variável ano na variável ano-centralizada (ano menos o ponto médio do período de estudo) fez-se necessária, já que em modelos de regressão polinomial os termos da equação freqüentemente são altamente correlacionados, e expressar a variável independente como um desvio de sua média reduz substancialmente a autocorrelação entre eles10. Como medida de precisão do modelo utilizou-se o coeficiente de determinação (r2). Verificou-se aderência dos dados à distribuição Normal por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov e todas as séries apresentaram distribuição Normal. A análise dos resíduos confirmou a suposição de homocedasticidade do modelo9,11.

Inicialmente testou-se o modelo de regressão linear simples (Y = b0 + b1X), e em seguida foram testados os modelos de segundo grau (Y = b0 + b1X + b2X2), terceiro grau (Y = b0 + b1X + b2X2 + b3X3) e exponencial (Y = eb0 + b1X) . Quando dois modelos foram semelhantes do ponto de vista estatístico optou-se pelo modelo mais simples, ou seja, o de menor ordem. Considerou-se tendência significativa aquela cujo modelo estimado obteve p<0,05 9, 10.

Nestes modelos, b0 é o coeficiente anual médio, b1 é o coeficiente de efeito linear (velocidade) e b2 o coeficiente de efeito quadrático (aceleração). Considerou-se o ano de 1992 como o ponto médio da série histórica.

Para alguns grupos específicos de idade dessas populações, as variações apresentadas pelas séries foram suavizadas por meio de média móvel centrada em três termos. Nesse processo, o coeficiente alisado do ano i (Yai) corresponde à média aritmética dos coeficientes no ano anterior (i-1), do próprio ano (i) e do ano seguinte

Após a análise da tendência da mortalidade nos últimos 25 anos, desagregou-se a série em dois períodos: anterior e posterior à intervenção vacinal contra influenza. Modelos de regressão foram novamente estimados, utilizando-se dados referentes ao período de 1980 a 1998 e 1999 a 2004, segundo sexo e faixas etárias para comparação entre os mesmos.

Os cálculos das taxas de mortalidade e gráficos com as séries históricas foram elaborados em planilhas do Excel (Versão 7.0 para Windows 95) e as análises de tendências realizadas no Statistical Analysis Sistem (SAS 8.0).

Resultados

Os coeficientes padronizados de mortalidade por doenças respiratórias selecionadas para a população idosa aumentaram no Estado de São Paulo, tanto para homens quanto para mulheres (Gráfico 1), entre 1980 e 2004. Para o sexo masculino, o coeficiente médio no período foi de 5,34 óbitos por mil homens com aumento linear não constante de 0,08 ao ano; para o sexo feminino, o coeficiente anual médio foi de 3,41 óbitos por mil mulheres, com incremento não constante de 0,05 ao ano. Não houve mudança na razão coeficiente padronizado de mortalidade masculino/ coeficiente padronizado de mortalidade feminino ao longo do tempo (p = 0,91), que foi, em média, 1,53 homem para cada mulher, evidenciando a maior importância das doenças respiratórias nos homens.


Analisando as tendências segundo faixas etárias, observa-se que para ambos os sexos (Tabela 1, Gráficos 2 e 3), quanto mais longevo o grupo etário maior a magnitude do incremento anual.



Exceto para a população de 60 a 64 anos, o incremento linear não constante (b1) é sempre maior para a população idosa masculina. Nos grupos etários de 70 a 74 anos e 75 a 79 anos, chega a ser o dobro e o triplo do que aqueles encontrados para a população feminina, respectivamente. Em ambos os sexos a população de 80 anos e mais se destaca pela magnitude do coeficiente anual médio (b0) (Tabela 1).

Desagregando os coeficientes padronizados de mortalidade para o período anterior e posterior à intervenção vacinal contra influenza, sem distinção de faixa etária, nota-se que no período de 1980 a 1998, para o sexo masculino, o coeficiente médio no período foi de 5,14 óbitos por mil homens com aumento linear não constante de 0,14 ao ano; para o sexo feminino, o coeficiente anual médio foi de 3,24 óbitos por mil mulheres, com incremento não constante de 0,09 ao ano. Para o período de 1999 a 2004, os coeficientes médios foram inferiores tanto para os homens quanto para as mulheres, 4,76‰ e 3,10‰ respectivamente; no entanto, o incremento linear não constante foi maior que o observado no período anterior e, além disso, apresentou aceleração positiva, ou seja, tendência ascendente no período. É possível observar queda nos coeficientes nos dois anos posteriores à intervenção (2000 e 2001), seguida de recuperação a níveis similares aos anteriores a estes anos (Gráficos 4 e 5).



De um modo geral, pode-se verificar que os coeficientes de mortalidade por doenças respiratórias têm magnitudes diferentes entre os sexos, mas comportamento semelhante no que se refere à tendência no período analisado como um todo ou desagregado em anterior e posterior à intervenção vacinal contra influenza.

Na avaliação do comportamento das taxas de mortalidade segundo faixas etárias (de 60 a 74 anos e maior que 75 anos)** ** dados não apresentados. antes e após as campanhas foi possível observar queda nos anos subseqüentes à intervenção vacinal, isto é de 1999 a 2001, sendo que a curva retoma tendência ascendente nos 3 anos seguintes, 2002 a 2004. Este aumento é mais evidente entre os maiores de 75 anos (dados não apresentados). Analisando-se as taxas com outro corte de idade, para população de 60 a 69 anos, apesar da inversão da curva, tanto o coeficiente médio no período quanto o incremento médio anual são menores para o período posterior a 1999. Para os indivíduos com 70 anos ou mais, apesar do coeficiente médio no período pós-intervenção ser menor, o incremento médio anual é quase 2,5 vezes àquele encontrado para o período posterior às campanhas (Gráfico 6 e 7).



Discussão

O comportamento das taxas de mortalidade ajustadas no período mostra tendência à queda a partir do ano da campanha, por dois anos consecutivos, e tendência ao aumento da mortalidade após 2002.

Embora a análise de séries temporais seja útil para a vigilância epidemiológica e indiretamente possa refletir a ocorrência de complicações clínicas de doenças respiratórias virais, o desenho ecológico possui limitações na sua capacidade de checar hipóteses causais. Neste caso é relevante considerar a complexidade da determinação dos óbitos por doenças respiratórias em idosos com freqüência, portadores de doenças crônicas imunodebilitantes e com acesso variado à vacina12. Outro fator relevante no contexto das doenças respiratórias em idosos é a resposta imunológica diferente à vacina segundo condição mórbida e faixa etária13.

Contudo, estes resultados permitem analisar tendências que podem sugerir e orientar hipóteses a serem testadas por estudos de base individual.

Ao se investigar mortes por doenças respiratórias, direta ou indiretamente associadas a infecções pelo vírus influenza, deve-se considerar variáveis como: coberturas e homogeneidade da vacinação contra a influenza e pneumococo; a circulação de outros vírus respiratórios de importância clínica e epidemiológica; circulação de bactérias e outros patógenos; e fatores ambientais.

Considerando-se que a qualidade da informação e o padrão de preenchimento dos atestados de óbitos não sofreram modificações nos últimos anos, algumas hipóteses podem ser aventadas.

As coberturas vacinais contra influenza no Estado de São Paulo têm aumentado progressivamente a partir de 2003. Embora não sejam coletadas informações sobre a faixa de idade na rotina das campanhas vacinais em idosos, dados do inquérito ISA-SP mostram coberturas de 70% entre os maiores de 70 anos em várias regiões do Estado no ano de 2002 e 2003 (dados não publicados). A exceção é a faixa etária de 60 a 64 anos, cuja cobertura vacinal tem sido a mais baixa registrada nas campanhas desde o seu início.

A tendência ao aumento da mortalidade por doenças respiratórias a partir de 2003 é marcada pela ocorrência entre os maiores de 75 anos. Embora não se tenha informação sobre o estado vacinal dos indivíduos que morreram por doenças respiratórias, nem mesmo dados sobre a sua homogeneidade, não se esperaria a inversão da tendência da mortalidade em anos de aumento da cobertura vacinal acima de 70% no Estado.

Outro fator que poderia estar associado a flutuações na incidência de pneumonias e mortes por doenças respiratórias é a aplicação da vacina polissarídica contra 23 cepas do Streptococcus pneumoniae disponível nas campanhas contra influenza para pacientes com indicação clínica. Porém, desde 1999, a utilização desta vacina no Estado é restrita não podendo explicar o impacto na mortalidade nos primeiros anos após sua disponibilização; e mais limitada ainda para explicar o aumento da mortalidade após 4 anos, período médio da proteção imunológica conferida a este imunobiológico.

Se as coberturas contra a influenza estão adequadas uma hipótese plausível é o aumento da circulação de outros vírus de tropismo respiratório. Entre os mais freqüentemente associados com infecções pulmonares e suas complicações, além da influenza estão: sincicial respiratório (VSR), parainfluenza (PI), adenovírus (AV), rhinovírus (RV) e mais recentemente identificado, o metapneumovírus (MPV), além de possíveis infecções virais associadas14-16. Ainda que a morbidade relacionada a estas infecções tenha sido descrita inicialmente em crianças, quadros graves em idosos, em portadores de doenças pulmonares crônicas e imunocomprometidos têm sido registrados2,17-19. Pneumonias pelo VSR estão associadas com taxas de mortalidade de 11 a 78% em indivíduos com variados graus de comprometimento imunológico20-22. Também freqüentes em infecções do trato respiratório são o adenovírus e rinovírus15.

No Brasil, o sistema de vigilância sentinela de quadros respiratórios indicou, além do vírus da influenza A e B (14,7%), a circulação de VSR (26,7%), adenovírus (17%) e parainfluenza (16,3%), entre 2000 e 2003. Registrou-se, em 2003, a circulação precoce do vírus da influenza já na semana 17, antes da campanha vacinal, comparando-se com o ano de 200215. No Chile, o programa de vigilância de vírus respiratórios identificou intensa circulação do VSR e a antecipação da circulação do vírus influenza em 200423. Em 2004 houve identificação de parainfluenza nos postos sentinelas associada a quadros respiratórios severos no Sudeste da Ásia24. A circulação de vírus em outras regiões do planeta poderia ter repercussão em São Paulo, dada a grande facilidade e rapidez do trânsito de vírus respiratórios pelo planeta.

A antecipação da circulação do vírus influenza em 2003 poderia também explicar, em parte, o aumento dos quadros infecciosos graves entre idosos naquele ano. É relevante observar a coincidência das cepas circulantes de influenza com as que compuseram a vacina desde 1999 no Brasil e em São Paulo15,25. Esta correlação positiva associada a coberturas crescentes reforça a hipótese de tratar-se de outras etiologias infecciosas e/ou de natureza climática/ambiental para explicar o crescimento da mortalidade por doenças respiratória em idosos no período.

Alguns autores têm mostrado a associação entre o aumento de atendimentos clínicos de doenças respiratórias com picos de poluição ambiental e ocorrência de baixas temperaturas26,27, o que não foi avaliado neste trabalho.

As informações disponíveis não são suficientes para explicar com segurança o aumento da mortalidade devido a doenças respiratórias após 2002 no Estado. A ampliação do sistema de vigilância sentinela de síndromes gripais é parte estratégica nesta investigação. Cumpre um papel relevante no monitoramento das cepas virais circulantes, na identificação de novas cepas do vírus influenza orientando a composição da vacina, além de identificar outros agentes envolvidos em quadros respiratórios nas diversas estações do ano.

A vigilância da síndrome gripal incorpora a visão de que doenças infecciosas de diferentes etiologias podem apresentar um conjunto de sintomas e sinais semelhantes que devem ser investigados em profundidade, aumentando a sensibilidade e a agilidade do sistema28. A investigação das complicações e gravidade dos quadros respiratórios poderia trazer respostas mais precisas sobre a tendência de aumento da mortalidade por doenças respiratórias observado em idosos.

Cabe acrescentar de forma sistemática, à essa vigilância sentinela, dados sobre cobertura e homogeneidade vacinal, circulação de outros patógenos de tropismo respiratório e indicadores ambientais, disponíveis em outros setores da administração pública. A investigação das síndromes gripais e de sua gravidade pode contribuir de forma oportuna na direção de investigações de novas estratégias terapêuticas e imunoterápicas, além de endereçar de forma mais precisa os investimentos em promoção e assistência a grupos vulneráveis.

Recebido em: 10/01/06

Versão reformulada reapresentada em: 09/03/06

Aprovado em: 10/03/06

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  • Correspondência:

    Maria Rita Donalisio
    DMPS/FCM/UNICAMP
    Caixa Postal 6111
    Campinas SP Cep: 130830-970
    Email:
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    dados não apresentados.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Mar 2006

    Histórico

    • Revisado
      09 Mar 2006
    • Recebido
      10 Jan 2006
    • Aceito
      10 Mar 2006
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