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População, ambiente e sustentabilidade: desafio à demografia ambiental

RESENHA

População, ambiente e sustentabilidade – desafio à demografia ambiental

Álvaro de Oliveira D'Antona

Faculdade de Ciências Aplicadas – FCA/Unicamp. Núcleo de Estudos de População – Nepo/Unicamp

HOGAN, D. J.; MARANDOLA JR., E.; OJIMA, R. População e ambiente: desafios à sustentabilidade. São Paulo: Blucher, 2010. 105p. (Série Sustentabilidade, v.1).

Primeiro entre os dez volumes da Série Sustentabilidade, coordenada por José Goldemberg, o livro de Hogan, Marandola Jr. e Ojima traz uma reflexão sobre a sustentabilidade a partir das relações entre população e ambiente no mundo contemporâneo. O texto conciso, sem deixar de abordar questões centrais de forma consistente, faz-se apropriado tanto aos leitores mais afeitos ao campo de População e Ambiente, quanto a um público mais amplo – o qual a Série se propõe a alcançar.

Lançado sete meses após o falecimento de Daniel Hogan, é inevitável que se veja a obra como uma homenagem àquele que foi um dos precursores dos estudos de População e Ambiente. A deferência, explícita no prefácio assinado pelos coautores Eduardo Marandola Jr. e Ricardo Ojima e nas referências às ideias do autor ao longo do livro, marca a importância de Hogan e o peso de sua ausência. Porém, a homenagem não deve impedir que se perceba o maior significado do encontro: o livro é a expressão da profícua interlocução dos três autores, conforme atesta sua relevante produção nos últimos anos.

A obra estrutura-se a partir de palavras-chave: tendências, consumo, espaço e tempo, conforme apresentado no capítulo 1 (Espaço-Tempo). O grande desafio está ali colocado: pensar a problemática ambiental atribuindo a mesma importância à população e ao ambiente, considerando-os parte de um mesmo sistema. A dimensão espacial é fundamental para a compreensão das relações entre os termos, seja pela distribuição não homogênea de recursos, pessoas e riscos, seja pela mobilidade da população – que pode significar uma resposta a desequilíbrios ou um de seus sintomas. O tempo é outra dimensão importante pelo dinamismo em cada termo e pelo ritmo das mudanças em suas relações.

No capítulo 2 (Tendências) reside a mais direta crítica à perspectiva malthusiana. O contra-argumento à ênfase no volume populacional e nas taxas de crescimento se constrói a partir das evidências das mudanças nos componentes da dinâmica demo-gráfica (tendência de redução das taxas de mortalidade e de fecundidade), que levam à transição demográfica. Ao transcender a velha questão da pressão dos números sobre os recursos e deslocar o debate para a mobilidade e a distribuição populacional, apresenta-se uma proposição multiescalar, multidimensional. A dinâmica demográfica não pode ser descolada da reflexão sobre os indivíduos (e a individualidade) em nosso mundo globalizado, moderno. A transição demográfica é também industrial, tecnológica, cultural, urbana.

Especificamente, a interação da transição demográfica e da urbana (uma não pode ser pensada sem a outra, segundo os autores) desloca o foco para o modo de vida nas cidades e para a correspondente alteração no padrão de consumo. O capítulo 3 (Consumo) leva a ver a explosão do consumo como um fator mais expressivo do que a temida explosão populacional. Consequentemente, outros elementos passam a merecer atenção, tais como a estrutura etária da população (tendência ao envelhecimento) e a mudança na composição dos domicílios (unidades menores que consomem mais energia). A cidade, espaço de consumo moderno e forma de consumir o próprio espaço, é o elemento mais evidente da organização espacial da população. A oposição entre a concepção de cidade dispersa e a de cidade compacta marca um debate mais calcado nas características e nas formas de organização da população do que no seu volume em si.

O capítulo 4 (Espaço) inicia-se com a valorização do espaço como a principal porta para estudos demográficos de População e Ambiente, com ênfase na distribuição da população como o elemento mais importante para tais estudos. O reconhecimento é contraposto criticamente à "tradição demográfica" de considerar o espaço apenas "área continente" da população, ou seja, de usá-lo somente para localizar a população, e não enquanto "ator dos processos populacionais" (p. 51). Ao dissociar espaço e população, a demografia acaba por comprometer sua capacidade de compreensão dos fenômenos. Na visão dos autores, a incorporação da indissociabilidade entre população e espaço, a partir de diálogos entre a demografia e outras disciplinas, é mérito dos estudos de População e Ambiente.

Os autores identificam três escalas privilegiadas para o estudo de problemas ambientais – cidade, região e planeta – e destacam a importância do entendimento de efeitos multiescalares sobre a sustentabilidade. Na sequência, o texto volta-se para a apresentação de dados sobre a distribuição da população nas três escalas: região (biomas brasileiros), cidade (concentração humana em grandes cidades como uma tendência mundial) e planeta (no contexto das mudanças ambientais globais), o que serve para informar o leitor e dar forma às reflexões feitas anteriormente.

No capítulo 5 (Tempo-espaço), no contexto mais contemporâneo das discussões sobre as mudanças climáticas, são apresentados outros termos para a discussão sobre a sustentabilidade: perigo, risco, vulnerabilidade, mitigação, adaptação e resiliência. Vulnerabilidade é vista como o outro lado da sustentabilidade (o aumento da primeira implica a diminuição da segunda). Em face de perigos ou danos, mitigação e adaptação são ações para o ajustamento e a retomada da sustentabilidade. Sociedades vulneráveis são aquelas mais suscetíveis aos perigos e às incertezas; sociedades sustentáveis são as que conseguem lidar com certo grau de incerteza e insegurança, implementando ações que tendem a garantir sua estabilidade ao longo do tempo. A resiliência da sociedade e do ambiente, a um só tempo, aparece como um requisito para a sustentabilidade.

Assim como nos capítulos anteriores, a composição de temas e abordagens demográficas aos da ecologia humana e da geografia, por exemplo, é uma marca importante no texto, tornando impossível pensar a sustentabilidade sem refletir sobre o mundo em que vivemos e colocando o campo de População e Ambiente na fronteira do interdisciplinar, do transdisciplinar, como se deveria esperar. Porém, é lançado aos demógrafos um desafio:

Já está na hora de assumirmos uma demografia ambiental, que contribua de forma sistemática para a compreensão e construção de um mundo sustentável. Esse é um esforço coletivo para o futuro que agrega à reflexão ambiental um olhar propriamente demográfico... (p. 96)

Ainda que não enveredem pela discussão epistemológica, os autores tocam em um sensível e virtualmente paradoxal problema de definição de campos. Assumir uma Demografia Ambiental na qual, infiro, ambiente não se confunda com natureza (ou meio), mas sim evoque a reflexão mais abrangente sobre o espaço, requer que seja dado um passo adiante, a partir da experiência dos estudos de População e Ambiente. Porém, População e Ambiente pode ser visto como um campo que, ao se projetar para além dos limites da Demografia, não se caracteriza como propriamente demográfico, apesar de basear-se no estudo dos componentes da dinâmica demográfica. O clamado olhar demográfico bastaria para constituir a especificidade da Demografia Ambiental?

Recebido para publicação em 18/01/2011

Aceito para publicação em 02/02/2011

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jul 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 2011
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