Resumo
Objetivo Analisar espaço-temporalmente a incidência do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e da síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) entre idosos no estado do Pará, Brasil, nos anos de 2007 a 2018.
Método Estudo ecológico utilizando notificações de casos de HIV/Aids em idosos provenientes do Sistema de Informação de Agravos de Notificação. A taxa de incidência do HIV/Aids foi analisada temporalmente pelo método de joinpoint e espacialmente pelas técnicas de autocorrelação de Moran, de varredura e de regressão espacial.
Resultados 2.639 notificações de HIV/Aids foram elegíveis para o estudo, sendo 1.725 (65,4%) em homens e 914 (34,6%) em mulheres. No período do estudo houve aumento de 2.422,5% na taxa de incidência de HIV nos homens e de 1.929,8% nas mulheres, sendo o oposto, observado para a taxa de incidência de Aids que aumentou 77,6% nas mulheres e 40,7% nos homens. O método joinpoint revelou tendência crescente para a taxa de incidência de HIV (APC=30%, p=0,00) e de estabilidade para taxa de incidência de Aids (APC=3,0%, p=0,2). Os municípios mais impactados pela epidemia do HIV foram os do meridional sudeste paraense com moderada associação (R2=0,65) ao seu crescimento populacional. A análise de varredura espaço-temporal apontou Belém como zona de risco para o HIV/Aids (RR=3,93, p=0,00; 2017-2018)
Conclusão Enquanto a incidência de Aids em idosos paraenses permaneceu estável no período de 2007 a 2018, a de HIV tendeu a crescer. O maior impacto da epidemia ocorreu nos municípios do sudeste paraense com associação ao crescimento populacional, e Belém apresentou risco espaço-temporal para o HIV/Aids.
Palavras-Chave: Análise Espacial; HIV; Saúde do Idoso
Abstract
Objective To analyze spatiotemporally the incidence of the human immunodeficiency virus (HIV) and acquired immunodeficiency syndrome (AIDS) among older people in the State of Pará, Brazil, from 2007 to 2018.
Method An ecological study of HIV/AIDS case notifications in older people from the Brazilian Information System on Notifiable Diseases. The HIV/AIDS incidence rate was temporally analyzed by the joinpoint method, and spatially by the Moran autocorrelation of scanning and spatial regression techniques.
Results 2,639 notifications of HIV/AIDS were eligible for the study, with 1,725 (65.4%) being in men and 914 (34.6%) in women. During the study period, there was an increase of 2,422.5% in the HIV incidence rate in men and 1,929.8% in women, with the opposite being observed for the AIDS incidence rate, which increased 77.6% in women and 40.7% in men. The joinpoint method showed an increasing trend for the HIV incidence rate (APC=30%, p=0.00) and stability for the AIDS incidence rate (APC=3.0%, p=0.2). The most impacted municipalities by the HIV epidemic were those in the south-eastern part of Pará, with a moderate association (R2=0.65) with its population growth. The spatiotemporal scanning analysis pointed to Belém as a risk zone for HIV/AIDS (RR=3.93, p=0.00; 2017-2018).
Conclusion While the incidence of AIDS among older people from Pará remained stable from 2007 to 2018, that of HIV tended to grow. The greatest impact of the epidemic occurred in southeastern Pará municipalities, and it was associated with the population growth; Belém presented a spatiotemporal risk for HIV/AIDS.
Keywords Spatial Analysis; HIV; Health of the Elderly
INTRODUÇÃO
No mundo inteiro cerca de 38 milhões de pessoas estão vivendo com o vírus da imunodeficiência humana (HIV). Embora progressos tenham sido alcançados no seu combate, 1,7 milhão de pessoas foram diagnosticadas com o vírus somente no ano de 20191. Nesse cenário, destacam-se as pessoas a partir de 50 anos de idade em que vem crescendo o número de novos casos notificados. Anualmente, cerca de 100 mil pessoas nessa faixa etária são diagnosticadas com o HIV em países em desenvolvimento2. Porém, tal fenômeno também ainda ocorre em países desenvolvidos. No Canadá, entre 2008 e 2017, a proporção de novos diagnósticos de HIV em pessoas a partir de 50 anos de idade saltou de 15,1% para 22,8% de todos os casos notificados3. O mesmo aconteceu na União Europeia com a taxa de notificação de HIV (x100 mil habitantes), entre 2004 e 2015, aumentando na mesma faixa etária de 3,5 para 4,8 nos homens e de 1 para 1,2 nas mulheres4. Nos Estados Unidos, em 2018, a cada seis diagnósticos de HIV, um deles era em pessoa acima de 50 anos de idade5. No Brasil, do total de novos casos notificados de HIV/Aids em 2008, a faixa etária de 50 anos representava 9,34%, passando para 12,42% em 20186.
A maioria dos estudos sobre a epidemia do HIV trata de jovens e adolescentes. No entanto, embora a atividade sexual diminua com a idade, muitos idosos permanecem sexualmente ativos, com baixo conhecimento sobre as formas de transmissão e prevenção do HIV e subestimando o risco de infecção, o que os torna mais vulneráveis7,8. Diante desse quadro, preocupa o fenômeno mundial do envelhecimento populacional. Globalmente, estima-se que em 2050 pessoas acima de 65 anos de idade representem 16% de toda a população mundial9.
Para combater a epidemia do HIV, deve-se considerar sua dinamicidade espacial por estar diretamente influenciada por fatores sociopolíticos e econômicos10. Nesse contexto, os estudos de análise espacial destacam-se por permitirem a identificação de áreas com as maiores pressões epidemiológicas e a associação com fatores territoriais. Já os estudos de análise temporal permitem avaliar o impacto anual de políticas públicas voltadas para o combate à epidemia11. Somente três estudos de análise espacial envolveram as pessoas de 50 anos em diante: dois na China12,13 e outro no Brasil14. Na China houve maior incidência do HIV/Aids em pessoas a partir de 50 anos de idade em províncias pertencentes ao circuito do tráfico de drogas ilícitas12,13. No estado da Paraíba, Brasil, foi observada maior incidência de HIV/Aids nos municípios com população superior a 100 mil habitantes, com a epidemia se expandindo nos municípios costeiros e para o interior do estado14.
Embora a taxa média de detecção do HIV/Aids no Brasil tenha decrescido entre 2008 e 2018, na região Norte do Brasil aumentou 21,8%. Em 2019, o Pará foi classificado como quinto estado brasileiro com a maior taxa de detecção do HIV/Aids, e Belém, sua capital, como a segunda capital entre as demais capitais brasileiras. Entre os 100 municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes e maiores taxas de detecção do HIV/Aids, Belém, Marituba e Ananindeua ocupam o segundo, terceiro e nono lugar, respectivamente1. Além da baixa cobertura da Estratégia de Saúde da Família (ESF)15, no Pará existem somente 32 unidades dispensadoras de antirretrovirais (ARV) para os seus 144 municípios (http://azt.aids.gov.br), das quais somente duas localizadas em Belém fornecem a Profilaxia Pré-Exposição (PreP)1.
Mesmo com diversificada fauna e recursos minerais, o Pará é classificado em 24o lugar em termos de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre as 27 unidades federativas do Brasil16. Além do baixo investimento em infraestrutura urbana e baixa cobertura de ESF15,17, os municípios do interior paraense passam por um processo de urbanização acelerada devido ao desenvolvimento da indústria extrativista mineral, atraindo muitos migrantes em busca de emprego e melhores condições de vida18, cenário propício à transmissão das infecções sexualmente transmissíveis (IST).
O objetivo do presente estudo foi analisar a epidemia do HIV entre pessoas idosas no Pará, Brasil, por meio do uso de técnicas de análise espacial e temporal.
MÉTODOS
Estudo ecológico realizado com dados secundários provenientes do Sistema de Informações de Agravos de Notificação (SINAN) fornecidos pela Secretaria de Saúde do Estado do Pará (SESPA).
O Pará é o segundo estado brasileiro com maior área territorial (1.245.870,798 Km2) e população de 8.175.156 pessoas, estimando-se que o estrato etário acima de 50 anos é superior a 1.231.570 habitantes, representando 15,06% da população total19.
Foram consultados os registros de HIV e Aids entre pessoas de 50 anos ou mais, notificados ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e fornecidos pela SESPA. Segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas (UNAIDS), toda a pessoa vivendo com o HIV a partir de 50 anos de idade é considerada idosa20. Somente as notificações com endereços de residência no Pará foram incluídas no estudo, excluindo-se as informações em duplicidade e aquelas sem município de residência.
A coleta de dados se deu no período de janeiro a fevereiro de 2020. Foram coletados dados das seguintes variáveis: idade, sexo, data do diagnóstico, tipo de diagnóstico (HIV ou Aids) e município de residência. Para calcular a incidência anual municipal do HIV/Aids dividiu-se o número de notificações pela população de pessoas a partir de 50 anos de idade, multiplicando-se o resultado por 100.000. Empregaram-se aqui as projeções populacionais para cada ano obtidas no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para obter o percentual de crescimento populacional, subtraiu-se a projeção populacional de 2018 da projeção de 2007. O resultado foi, então, dividido pela projeção populacional de 2007 e multiplicado por 100.
Análise temporal
Embora o diagnóstico do HIV tenha passado a ser de notificação compulsória somente a partir de 201421, na análise temporal as taxas de incidência do HIV e de Aids foram analisadas separadamente, de forma a verificar o comportamento da taxa de incidência de cada um deles em separado. As taxas anuais de incidência foram submetidas à regressão temporal pelo modelo de Joinpoint 22 para calcular a variação percentual anual (APC, do inglês annual percent change). O APC é calculado com base nos pontos de inflexão numa série histórica em que linhas de múltiplos segmentos são testadas para verificar se explicam melhor o comportamento da série do que somente uma linha reta. O valor da tendência anual é calculado com base na união das linhas retas em escala logarítmica. A tendência é considerada crescente ou drescente se o APC for positivo ou negativo, respectivamente, e valor de p≤0,05. Caso contrário, a tendência é considerada estacionária.
Distribuição e autocorrelação espacial da taxa de incidência do HIV/Aids
Para a análise espacial foi empregada a incidência do HIV/Aids por quadriênio (2007-2010, 2011-2014, 2015-2018) de modo a evitar as flutuações anuais. A taxa de incidência foi calculada tomando por base a média populacional de cada município para cada um dos quadriênios. Isso feito, analisou-se a distribuição espacial da taxa de incidência e empregou-se a autocorrelação espacial de Moran global. O índice de Moran global (I) varia de -1 a 1, sendo que com valores negativos e p-valor ≤0,05 aponta a autocorrelação inversa, município com alta taxa de incidência circundado por municípios com baixa taxa de incidência, ou vice-versa (agrupamento alta-baixa ou baixa-alta incidênca, respectivamente); quando o valor de I é positivo e p-valor ≤0,05, ocorre a autocorrelação direta (agrupamento baixa-baixa e alta-alta incidência). Em caso contrário, considera-se distribuição aleatória. Ambas as análises foram feitas empregando o software Arcgis (10.6.1).
A análise de Moran global aponta se há, ou não, agregação espacial. Porém, não mostra a localização dos agrupamentos. Para isso, empregou-se a análise de Moran local através do método de indicador local de associação espacial (LISA), com a matriz de primeira ordem de contiguidade do tipo rainha e o p-valor obtido através de 999 permutações.
Análise de varredura espacial
Com o intuito de identificar as áreas de risco para a epidemia do HIV aplicou-se a varredura espacial utilizando o software SaTScan (Versão 9.6.1), método proposto por Kulldorff and Nagarwalla23. Em resumo, para o cálculo dos aglomerados espaciais, o SaTScan emprega janelas circulares ou elípticas, enquanto para os agrupamentos espaço-temporais as janelas são elípticas com base circular, a base correspondendo ao espaço, e a altura, ao tempo. As janelas movem-se no espaço e no tempo em busca dos agrupamentos de risco comparando sempre o risco dentro e fora da janela. Para cada alteração encontrada, o programa calcula a razão de verossimilhança (LLR) e o valor de significância estatística através das permutações de Monte Carlo. A janela com a maior LLR e com p≤0,05 é considerada um agrupamento de risco. Para identificar os aglomerados de risco espaciais, em nosso estudo foi empregado o modelo discreto de Poison considerando-se agrupamentos circulares, não sobrepostos geograficamente, com o tamanho máximo de cada cluster não ultrapassando 50% da população exposta, e 999 permutações de Monte Carlo. Já para identificar agregados espaço-temporais, além dos critérios já mencionados, empregou-se a precisão temporal em ano e aglomerado com no máximo 50% para os doze anos do estudo. A força do agrupamento estimada foi expressa através do cálculo do risco relativo (RR). Considerou-se somente os RR com p≤ 0,05, em que RR≥1 apontava zonas de risco, enquanto aqueles com RR<1 considerados zonas de proteção, ou seja, de menor risco para que o evento ocorresse. Os mapas temáticos contendo os RR foram gerados no software Arcgis (10.6.1).
Análise de regressão espacial
Para analisar a regressão espacial considerou-se como variável dependente a incidência de HIV/Aids para todo o período estudado e como variáveis independentes os Índices de Desenvolvimento Humano dos municípios, assim como o percentual de crescimento populacional entre os anos 2007 e 2017, além da taxa de cobertura de ESF. Primeiramente, foi aplicada a análise de correlação de Pearson para verificar a colinearidade entre as variáveis independentes no software IBM SPSS®, versão 23. Em seguida, aplicou-se a técnica stepwise no software Geoda (versão 1.14.0) para obter o melhor modelo dos mínimos quadrados ordinários (OLS). Foi evidenciado como o melhor modelo aquele com menor valor de Akaike (Aic), maior R2 e R2 ajustado, fator de inflação da variância (VIF) menor que 10 e o menor p-valor. Em seguida, aplicou-se a análise de Moran global para descartar a dependência espacial dos resíduos do modelo no software Arcgis e, só então, os resíduos foram analisados empregando a regressão ponderada geográfica (GWR) com o raio adaptativo de Kernel para melhor ajuste ao modelo escolhido. Ao final testou-se novamente a dependência espacial dos resíduos do modelo final do GWR, seguido da elaboração dos mapas corolépticos para visualizar as correlações.
Todos os mapas foram gerados no sistema de coordenadas geográficas Datum Horizontal SIRGAS-2000, sistema de projeção longlat EPSG 4674. Foram considerados de significância estatística todos os resultados com p≤0,05.
Este estudo faz parte do macroprojeto de pesquisa “Diagnóstico Situacional das Infecções Sexualmente Transmissíveis no Contexto Amazônico: Análise Geoespacial, Rastreio e Desenvolvimento de Tecnologias Cuidativo-Educacionais” e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará, sob número de parecer 3.488.663.
RESULTADOS
De 2007 a 2018 foram notificados ao SINAN 2.679 casos de HIV/Aids em pessoas com 50 anos ou mais no Pará, dos quais foram excluídas 40 notificações devido a incompletudes nas fichas de notificação. Dentre os 2.639 casos elegíveis, 1.725 (65,4%) foram em homens e 914 (34,6%) em mulheres. Durante o período do estudo houve aumento de 2.203,85% na taxa de incidência de HIV (2007: 0,78, 2018: 17,97) e de 48,50% na de Aids (2007: 7,71; 2018: 11,45). Analisando separadamente por sexo, a taxa de incidência do HIV aumentou 2.422,5% nos homens e 1.929,8% nas mulheres (Homens: 2007=0,89, 2018=22,45; Mulheres: 2007=0,67. 2018=13,6). Porém, na taxa de incidência de Aids as mulheres apresentaram 77,57% de aumento e os homens 40,69% (Homens: 2007=11,63, 2018=16,29; Mulheres: 2007=3,79, 2018=6,73).
A Tabela 1 mostra a análise de regressão temporal pelo método de joinpoint das taxas anuais de incidência para toda a população a partir de 50 anos e separadas por sexo: masculino e feminino. Tanto para a população em geral, como para o sexo masculino e para o feminino, a taxa de incidência de Aids tendeu à estabilidade durante todo o período do estudo, enquanto a taxa de incidência do HIV tendeu a crescer.
. Análise de regressão temporal das Taxas de incidência por gênero, para o HIV e Aids em pessoas a partir de 50 anos de idade no Pará, período de 2007 a 2018. Pará, 2020.
A Figura 1 mostra os mapas da distribuição espacial da incidência do HIV/Aids, em que os municípios do meridional sudeste e do sudoeste paraense apresentam as maiores taxas. Embora a análise global de Moran não tenha apresentado significância estatística em nenhum dos quadriênios avaliados (2007-2010: I=-0,18, p=0,80; 2011-2014: I=-0,11, p=0,67; 2015-2018: I=0,05, p=0,27), a análise de Moran local apontou no quadriênio de 2011-2014 um agrupamento baixa-baixa incidência no meridional sudoeste (Altamira, Itaituba e Novo Progresso) e outro agrupamento alta-alta incidência no sudeste (São Félix do Xingu, Canaã dos Carajás, Parauapebas, Marabá e Ourilândia do Norte). No quadriênio 2015-2018 houve somente um agrupamento alta-alta incidência formado pelos municípios Altamira, Itaituba, Novo Progresso, São Félix do Xingu, Canaã dos Carajás, Parauapebas e Marabá.
A análise de varredura evidenciou duas regiões de risco espacial para o HIV/Aids, sendo o maior (RR=2,73, p=0,00) observado nos municípios do meridional sudoeste (São Félix do Xingu, Tucumã, Canaã dos Carajás, Parauapebas, Marabá, Ourilândia do Norte, Xinguara, Rio Maria, Redenção, Pau D’Arco, Bannach e Água Azul do Norte) e o outro no município de Belém (RR=2,69, p=0,00). Já a varredura espaço-temporal apontou somente Belém como o município de risco no período de 2017 a 2018 (RR=3,93, p=0,00) (Figura 2).
Para a regressão espacial, a correlação de Pearson revelou significância estatística entre a variável dependente (incidência do HIV/Aids) com as variáveis crescimento populacional percentual (r=0,028, p=0,00) e com o IDH-m (r=0,41, p=0,00). Porém, na construção do modelo OLS, foi escolhido o modelo explicativo crescimento populacional percentual por apresentar VIF menor que 10 (VIF=1,40) (Tabela 2).
Regressão linear múltipla (OLS) do percentual de crescimento populacional municipal e do IDH-m com a taxa de incidência de HIV/Aids, Pará, 2020.
A análise de GWR mostrou-se o melhor modelo explicativo do modelo 2 do que a do OLS, explicando 65% do modelo escolhido (R2=0,65, R2 ajustado=0,51, e AIC=1 845,73), com os resíduos gerados não mostrando autocorrelação espacial (I=0,04, p=0,46). A Figura 3C mostra a correlação direta dos coeficientes da GWR com os maiores índices observados nos municípios do meridional sudeste paraense (Cumaru do Norte, Santa Maria das Barreiras, Santana do Araguaia, Bannach, Redenção, Concórdia do Pará, Santana do Araguaia, Rio Maria).
Mapeamento espacial pela regressão geograficamente ponderada do percentual de crescimento populacional municipal com a taxa de incidência do HIV/Aids. Pará, 2020.
DISCUSSÃO
Os resultados do presente estudo mostraram que enquanto a incidência do HIV tende a crescer na população a partir de 50 anos de idade no Pará, a de Aids tende a estabilizar-se. A análise espacial mostrou que os municípios do meridional sudeste e sudoeste paraense apresentam as maiores incidências de HIV/Aids, com as maiores zonas de risco espacial formadas por municípios do sudeste paraense e por Belém, enquanto a análise espaço-temporal mostrou que Belém foi a região de maior risco nos anos 2017-2018. A regressão espacial mostrou que a elevada incidência da epidemia do HIV no sudeste paraense foi fortemente associada ao crescimento populacional desses municípios.
Evidenciou-se ainda que, enquanto o diagnóstico de Aids manteve estabilidade durante todo o período, o de HIV tendeu a crescer. Tal fato pode estar relacionado com a notificação compulsória do diagnóstico do HIV a partir de 2014, e descentralização dos testes de rastreio para o vírus que são executados pelas ESFs21. Porém, diferente do observado no continente africano após a universalização do teste anti-HIV e do tratamento antirretroviral com redução da transmissão do vírus, da Aids e da mortalidade por Aids em todas as faixas etárias2324, este estudo mostrou aumento da taxa de incidência do HIV e estabilidade na de Aids.
Além da necessidade de expandir a testagem e o tratamento antirretroviral no Pará, impõe-se implementar políticas públicas de conscientização sobre as formas de transmissão e de prevenção do HIV especificamente para esse grupo etário estudado. Estudo realizado na Coreia do Sul com pessoas acima de 65 anos mostrou que aquelas sexualmente ativas, principalmente os homens, mantinham múltipla parceria sexual e não costumavam usar o preservativo. Porém, os que detinham conhecimento sobre os riscos de infecções sexualmente transmissíveis (IST)praticavam sexo mais seguro6.
A disparidade de gênero observada em nosso estudo em que a taxa de incidência de Aids apresentou o maior aumento percentual nas mulheres também foi evidenciada em estudos anteriores2,12. Nos Estados Unidos, entre 2014 e 2018 decresceu a incidência de HIV/Aids nos homens com idade igual ou superior a 50 anos, ficando estável entre as mulheres2. Na China a proporção de casos de HIV notificados em mulheres acima de 50 anos saltou passou de 17,83% em 2010 para 38,10% em 201612. A desigualdade de gênero decorrente de fatores biológicos, sociais, culturais, econômicos e religiosos coloca a mulher em situação de maior vulnerabilidade às IST.
A análise espacial evidenciou que os municípios do sudeste e do sudoeste paraense foram os mais impactados pela epidemia do HIV, fenômeno esse diretamente associado ao crescimento populacional. Os municípios do meridional sudeste e do sudoeste paraense apresentam intenso processo de urbanização promovido pela expansão da indústria de mineração, da atividade pecuarista e pela construção de hidrelétricas. O crescimento populacional desses municípios tem-se dado de forma acelerada, desordenada e sem o acompanhamento proporcional de investimento em infraestrutura urbana18,19. Na África subsaariana, a alta mobilidade da população em busca de melhores condições de vida tem sido apontada como catalisadora da epidemia do HIV25. O crescimento e a densidade populacional está diretamente associado à expansão das IST, recebendo direta influência da desigualdade social, educacional e da renda per capta26.
Categorizada como segundo maior risco espacial para o HIV, Belém é a cidade do Pará com a maior densidade demográfica16. Esses resultados coadunam com estudo feito com idosos no Rio de Janeiro em que as cidades mais populosas do estado, Rio de Janeiro e Niterói, apresentaram as maiores incidências de Aids27.
O baixo investimento em saúde pode também contribuir para o cenário da epidemia do HIV no Pará, estado com uma das mais baixas coberturas de ESF no Brasil (54,5%), a maioria delas localizando-se em zonas urbanas, o que dificulta o acesso aos moradores do interior paraense pela característica geográfica da região e pelo elevado índice de pobreza dos habitantes15,28. As ESFs desempenham papel de protagonistas no combate ao HIV/Aids com ações desde a promoção da saúde sexual, prevenção de IST, diagnóstico e acompanhamento dos pacientes29. Em Belém, ao final de 2016 foram intensificadas as testagens para o HIV com a descentralização dos testes para as ESFs30. Tal fato se coaduna com os resultados da varredura espaço-temporal apontando Belém como região de maior risco no período de 2017-2018.
Por se tratar de estudo ecológico, não se pode inferir causalidade entre a transmissão do HIV com raça ou cor de pele, imigração ou outros fenômenos sociais devido aos fatores confundidores omitidos nesse tipo de análise. Adicionalmente, o estudo foi limitado pelas fichas com dados incompletos, mas em pequeno número, não afetando a análise.
CONCLUSÃO
O presente estudo evidenciou que enquanto a incidência de Aids em pessoas a partir de 50 anos de idade permaneceu estável no período de 2007 a 2018 no Pará, a incidência de HIV tendeu a crescer entre mulheres e homens. A análise espacial revelou o maior impacto da epidemia nesse grupo etário nos municípios do meridional sudeste paraense e com forte associação ao seu crescimento populacional. A análise espaço-temporal revelou que Belém é o município com maior risco, o que pode estar associado à intensificação das políticas públicas de combate ao HIV a partir de dezembro de 2016 pela Secretaria de Saúde e Meio Ambiente de Belém.
Diante do exposto, sente-se necessidade de maior investimento em políticas públicas de saúde nos eixos sudeste e sudoeste do Pará, Brasil, para o combate ao HIV, contemplando não só a expansão da cobertura da Estratégia da Saúde da Família, mas também investimento em infraestrutura acompanhando o desenvolvimento urbano, de modo a garantir aos cidadãos seu direito universal à saúde.
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Editado por
-
Editado por: Maria Helena Rodrigues Galvão
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Jul 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
-
Recebido
14 Jan 2020 -
Aceito
01 Jun 2021