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Rastreamento mamográfico do câncer de mama em serviços de saúde públicos e privados

Breast cancer mammographic screening in public and private health care systems

Resumos

OBJETIVO: avaliar a utilização da mamografia no rastreamento do câncer de mama em serviços de saúde públicos e privados. MÉTODOS: realizou-se estudo seccional entrevistando-se 643 mulheres submetidas à mamografia na cidade de Taubaté, região Sudeste do Brasil: 472 atendidas em serviços de saúde públicos e 171 em serviços privados. Avaliaram-se, por meio dos testes de chi2, exato de Fisher e Wilcoxon, o perfil sociodemográfico e reprodutivo das entrevistadas e características de utilização da mamografia, tais como, a proporção de entrevistadas previamente rastreadas, a idade de início do rastreamento, o intervalo e a freqüência entre as mamografias realizadas. RESULTADOS: as médias de idade das entrevistadas em ambos os grupos foram similares. As proporções de mulheres previamente rastreadas - respectivamente 54,2 e 79,5% em serviços públicos e privados - assim como a idade de início desse rastreamento - 46,8 anos (DP 10,2) nos serviços públicos e 40,2 anos (DP 7,7) nos privados - diferiram significativamente (p<0,01). Vinte e cinco por cento das mulheres com idade superior a 50 anos não seguiam as normas recomendadas de rastreamento periódico. CONCLUSÕES: a forma de acesso aos serviços de saúde influenciou a proporção de mulheres previamente rastreadas pela mamografia, sendo superior na rede privada. Apesar de mais tardia nos serviços públicos de saúde, a idade de início do rastreamento mamográfico antecipou-se às recomendações oficiais vigentes. Falhas de adesão ao rastreamento mamográfico entre mulheres com idade superior a 50 anos ocorreram em ambos os grupos pesquisados.

Mamografia; Neoplasias mamárias; Rastreamento para câncer; Acesso aos serviços de saúde


PURPOSE: to evaluate the characteristics of mammography use and the social demographic profile of women accessing public and private health care services. METHODS: a cross-sectional study was carried out in the city of Taubaté, southeast Brazil. Six hundred and forty-three women who underwent mammographic examinations in the available health care services were interviewed, 472 of them in public and 171 in private health services. The social demographic and reproductive profiles of the women interviewed and the characteristics of the mammography use, such as the proportion of the women interviewed who had been previously screened, the age when the screening began, the interval between the screenings and their frequency, were evaluated by means of the Fisher exact, Wilcoxon and chi2 tests. RESULTS: the mean age of the interviewed women was similar in both studied groups. The proportion of women previously screened 54.2 and 79.5% in public and private services, respectively as well as the age when the screening began 46.8 years (SD 10.2%) in public services and 40.2 years (SD 7.7) in private services differed significantly (p<0.01). Twenty-five percent of women older than 50 years did not follow the adequate standards of periodic screening. CONCLUSIONS: the way of accessing health services has influenced the proportion of women previously screened and the age at which this screening began, being more adequate in the private health system. Although there was a later start in the public health services, the age when the mammographic screening began was earlier than the current official recommendations. There has been a failure of compliance with mammographic screening in women older than 50 years, in both researched groups.

Mammography; Breast neoplasms; Breast cancer screening; Health services accessibility


ARTIGOS ORIGINAIS

Rastreamento mamográfico do câncer de mama em serviços de saúde públicos e privados

Breast cancer mammographic screening in public and private health care systems

Ailton Augustinho MarchiI; Maria Salete Costa GurgelII; Gislaine Aparecida Fonsechi-CarvasanIII

IProfessor Assistente do Departamento de Medicina da Universidade de Taubaté (SP), Brasil

IIProfessora Doutora do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP – Campinas (SP), Brasil

IIIDiretora do Serviço de Arquivo Médico e Estatística do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP – Campinas (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Ailton Augustinho Marchi Av. das Camáceas, 60 12050-710 Taubaté – SP Telefone: (12) 3633-2751 – Fax: (12) 3622-8181 e-mail: aamarchi@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: avaliar a utilização da mamografia no rastreamento do câncer de mama em serviços de saúde públicos e privados.

MÉTODOS: realizou-se estudo seccional entrevistando-se 643 mulheres submetidas à mamografia na cidade de Taubaté, região Sudeste do Brasil: 472 atendidas em serviços de saúde públicos e 171 em serviços privados. Avaliaram-se, por meio dos testes de c2, exato de Fisher e Wilcoxon, o perfil sociodemográfico e reprodutivo das entrevistadas e características de utilização da mamografia, tais como, a proporção de entrevistadas previamente rastreadas, a idade de início do rastreamento, o intervalo e a freqüência entre as mamografias realizadas.

RESULTADOS: as médias de idade das entrevistadas em ambos os grupos foram similares. As proporções de mulheres previamente rastreadas - respectivamente 54,2 e 79,5% em serviços públicos e privados - assim como a idade de início desse rastreamento - 46,8 anos (DP 10,2) nos serviços públicos e 40,2 anos (DP 7,7) nos privados - diferiram significativamente (p<0,01). Vinte e cinco por cento das mulheres com idade superior a 50 anos não seguiam as normas recomendadas de rastreamento periódico.

CONCLUSÕES: a forma de acesso aos serviços de saúde influenciou a proporção de mulheres previamente rastreadas pela mamografia, sendo superior na rede privada. Apesar de mais tardia nos serviços públicos de saúde, a idade de início do rastreamento mamográfico antecipou-se às recomendações oficiais vigentes. Falhas de adesão ao rastreamento mamográfico entre mulheres com idade superior a 50 anos ocorreram em ambos os grupos pesquisados.

Palavras-chave: Mamografia; Neoplasias mamárias; Rastreamento para câncer; Acesso aos serviços de saúde

ABSTRACT

PURPOSE: to evaluate the characteristics of mammography use and the social demographic profile of women accessing public and private health care services.

METHODS: a cross-sectional study was carried out in the city of Taubaté, southeast Brazil. Six hundred and forty-three women who underwent mammographic examinations in the available health care services were interviewed, 472 of them in public and 171 in private health services. The social demographic and reproductive profiles of the women interviewed and the characteristics of the mammography use, such as the proportion of the women interviewed who had been previously screened, the age when the screening began, the interval between the screenings and their frequency, were evaluated by means of the Fisher exact, Wilcoxon and c2 tests.

RESULTS: the mean age of the interviewed women was similar in both studied groups. The proportion of women previously screened 54.2 and 79.5% in public and private services, respectively as well as the age when the screening began 46.8 years (SD 10.2%) in public services and 40.2 years (SD 7.7) in private services differed significantly (p<0.01). Twenty-five percent of women older than 50 years did not follow the adequate standards of periodic screening.

CONCLUSIONS: the way of accessing health services has influenced the proportion of women previously screened and the age at which this screening began, being more adequate in the private health system. Although there was a later start in the public health services, the age when the mammographic screening began was earlier than the current official recommendations. There has been a failure of compliance with mammographic screening in women older than 50 years, in both researched groups.

Keywords: Mammography; Breast neoplasms; Breast cancer screening; Health services accessibility

Introdução

As condições socioeconômicas, o confinamento geográfico e étnico, além de diferentes modalidades de acesso individual aos serviços de saúde ocasionam surgimento de barreiras prejudiciais à descoberta precoce de doenças, em especial das neoplasias. Alguns tumores têm sido objetos de políticas de saúde coletiva, visando seu rastreamento e redução de sua mortalidade. O aumento substancial no uso de testes para rastreamento deste tipo de doenças, durante as décadas de 1980 e 1990, não ocorreu de maneira uniforme em todos os estratos sociais. Restringiu-se aos cidadãos com melhores condições financeiras e culturais e se relacionou intimamente às modalidades de coberturas de saúde1.

O câncer de mama responde por número crescente de óbitos entre as mulheres adultas2. Deixou de ser doença da mulher idosa e sua importância rompeu as fronteiras dos países desenvolvidos, o que o incluiu como problema a ser abordado por políticas de saúde coletiva. É o tumor mais freqüente entre as mulheres, estimando-se a detecção anual de 1 milhão de casos novos em todo o mundo3. Durante o ano de 2005, nos Estados Unidos da América (EUA) correspondeu a 32% dos tumores detectados e, entre as brasileiras, projetou-se o diagnóstico de 49.470 casos novos4,5.

Considerado um tumor de bom prognóstico quando precocemente diagnosticado e tratado, as taxas crescentes de mortalidade no Brasil devem-se, em parte, à sua descoberta tardia6. Muito embora análises temporais recentes das tendências do estadiamento do câncer de mama indiquem alteração desta realidade7, dados obtidos mediante Registros Hospitalares de Câncer (RHC) revelaram que, no período de 2000/2001, metade dos casos diagnosticados no Brasil encontravam-se localmente avançados ou disseminados5. No estado de São Paulo, região do estudo em questão, no mesmo período analisado, 40% dos casos novos de câncer de mama correspondiam a estadiamentos tardios (III ou IV)8.

Na década de 1970 surgiram os primeiros relatos, baseados em ensaios clínicos randomizados, associando a utilização da mamografia no rastreamento do câncer de mama e redução da mortalidade decorrente dessa condição9. Apesar da polêmica suscitada por revisões sistemáticas a respeito da eficácia do rastreamento mamográfico10, persiste consenso quanto à redução de mortalidade, ao redor de 30 a 40%, entre as mulheres regularmente rastreadas na faixa etária de 50 a 64 anos de idade11.

A associação entre o aumento de utilização da mamografia, a condição socioeconômica individual, o nível de escolaridade e a modalidade de acesso aos serviços de saúde foi bem identificada1,12. Embora a utilização da mamografia nos EUA alcance mais de 60% das mulheres com idade superior a 40 anos, metade daquelas com nível cultural médio não são submetidas a este procedimento. Na ausência de seguro-saúde somente 30% das mulheres tiveram acesso a esse tipo de exame4.

No Brasil os primeiros dados oficiais a respeito da utilização da mamografia surgiram por meio de inquérito domiciliar realizado pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA), entre 2002 e 2003, em 15 capitais e no Distrito Federal. Neste, foram entrevistadas 2525 mulheres na faixa etária de 50 a 69 anos de idade13. Oportunamente, no mesmo período da pesquisa patrocinada pelo INCA, realizamos estudo com objetivo de avaliar a utilização da mamografia no rastreamento do câncer de mama em serviços de saúde públicos e privados, na cidade de Taubaté, no interior do estado de São Paulo, Brasil.

Métodos

Elaborou-se estudo seccional comparando dois grupos de mulheres submetidas à mamografia na cidade de Taubaté, entre fevereiro e junho de 2003, em serviços de saúde públicos (rede SUS) e privados (rede não-SUS).

O tamanho amostral foi calculado levando-se em conta o número total de mulheres com mais de 39 anos de idade, a proporção dessas atendidas pelo sistema suplementar de saúde, a quantidade de mamografias pagas pelo SUS no ano de 2000, assim como aquelas realizadas, no mesmo período, em clínicas privadas de radiologia da cidade de Taubaté. Considerando um erro relativo aceitável de 10%, a amostra a ser analisada foi estimada em 550 mulheres (424 entrevistadas na rede pública e 126 na rede privada).

Foram entrevistadas 643 mulheres: 472 destas atendidas em clínicas públicas e outras 171 em serviços privados. A seguinte regra norteou a seleção de sujeitos: respeitando-se a ordem de registro das clientes nos serviços, nos dias ímpares seriam entrevistadas aquelas cujo registro do exame também fosse ímpar, adotando-se o mesmo critério para os dias pares. As participantes receberam e concordaram com Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes de serem entrevistadas.

Aplicou-se às selecionadas questionário com perguntas pré-codificadas e abertas. Este instrumento foi pré-testado por um dos pesquisadores em um grupo de 30 mulheres, metade delas atendidas em serviços de saúde públicos e outras tantas em clínica privada, que não fizeram parte da amostra analisada. Investigava o perfil sociodemográfico e reprodutivo das entrevistadas, a proporção de mulheres previamente rastreadas e não rastreadas, assim como o intervalo e a freqüência de realização de mamografias.

As entrevistas ocorreram no momento anterior à realização da mamografia, em local reservado e fisicamente separado da sala de espera e do ambiente de realização do exame. Foram conduzidas por profissionais do sexo feminino, com nível médio de escolaridade e formação técnica na área de saúde, previamente treinadas pelos pesquisadores.

Foi elaborado banco de dados no programa Epi-Info 2000, onde as informações armazenadas foram submetidas à revisão e análise de consistência. A análise estatística utilizou o software SAS, versão 8.0© 1999. Empregaram-se os testes exato de Fischer, Wilcoxon e c2.

Foram obedecidas as orientações emanadas a partir da declaração de Helsinki, revista em 2000, e a legislação brasileira que definiu os princípios éticos para realização de investigações médicas em seres humanos. Este estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Resultados

Características sócio-demográficas e reprodutivas

A Tabela 1 mostra algumas características sociodemográficas das entrevistadas de acordo com a modalidade de acesso aos serviços de saúde.

A multiparidade foi mais freqüente entre as atendidas nos serviços públicos. Cerca de 65% delas referiram ao menos três partos anteriores. A ocorrência do primeiro parto antes de 20 anos de idade também foi mais freqüente nesse grupo de mulheres (47,2 versus 32,7% - p<0,01). Havia 40 nuligestas no grupo público (8,5%) e 19 no privado (11,1%). O aleitamento natural mostrou-se muito freqüente entre todas as participantes do estudo. Proporção superior a 90% delas referiu ter amamentado seus filhos, porém, a duração desses períodos por mais de 6 meses foi predominante entre as clientes dos serviços públicos (55,2 x 31,2% - p<0,01).

A proporção de mulheres que referiu antecedentes familiares de câncer mamário foi semelhante em ambos os grupos pesquisados, 13,3 e 15,8% das entrevistadas nos serviços públicos e privados respectivamente. Entre as entrevistadas que referiram doenças mamárias prévias, pouco mais de um quinto de ambos os grupos, o antecedente pessoal de câncer de mama foi cerca de três vezes mais freqüente nas usuárias dos serviços privados (15,8%) do que entre as mulheres atendidas nos serviços públicos (5,3%).

Início do rastreamento mamográfico

Aproximadamente metade (45,8%) das entrevistadas nos serviços públicos, 216 mulheres, não tinham sido submetidas a mamografia anteriormente. O rastreamento mamográfico prévio foi relatado pela grande maioria (79,5%) das usuárias, 136 entrevistadas, do sistema privado de saúde.

As médias de idade das mulheres ao iniciarem o rastreamento mamográfico são mostradas na Tabela 2. Entre as mulheres previamente rastreadas, as médias de idade na época da primeira mamografia foram semelhantes em ambos os grupos pesquisados, respectivamente 46,4±9,6 anos e 45,2±8,8 anos nos serviços públicos e privados. Naquelas que estavam iniciando o rastreamento durante o presente estudo, a média de idade das entrevistadas dos serviços privados foi significativamente menor que a observada entre as mulheres atendidas nos públicos (40,2±7,7 anos versus 46,8±10,2 anos - p<0,01). O início do rastreamento mamográfico após 50 anos de idade foi significativamente maior (p<0,01) entre as clientes dos serviços públicos (21,3%) do que entre as usuárias dos privados (3,6%).

Adesão ao rastreamento mamográfico

A freqüência de realização de mamografias e os intervalos de repetição entre as mesmas são mostrados na Tabela 3. Apesar de o intervalo de repetição entre os exames mostrar-se semelhante nos dois grupos estudados, a freqüência de realização deste exame foi significativamente diferente (p<0,01). A maioria das usuárias dos serviços públicos (51,2%) citava somente um exame anterior. Nos serviços privados a freqüência de realização foi mais constante: 75% dessa amostra estava realizando o procedimento entre a terceira e a sétima vez consecutiva.

Analisando-se os intervalos de repetição entre as mamografias, de acordo com a faixa etária, observaram-se percentuais superiores a 25%, entre as mulheres com idade superior a 50 anos, realizando exames com intervalos superiores a 24 meses, em ambos os grupos estudados (Tabela 4).

Discussão

O rastreamento dos agravos da saúde, em especial na área oncológica, sofre forte influência das condições socioeconômicas. É mister das políticas de saúde coletiva suprimir as desigualdades individuais, promover eqüidade no consumo de seus serviços e assim, estabelecer eqüidade na saúde das pessoas, independente de sua estratificação social14,15.

O Documento de Consenso para Controle do Câncer de Mama6, elaborado em 2004 pelo Ministério da Saúde do Brasil, afirma que a redução da mortalidade devida ao câncer de mama, observada em países desenvolvidos, está associada à detecção precoce da doença por meio da utilização da mamografia e à oferta de tratamento adequado. Infelizmente confirma, entre as brasileiras, aumentos de incidência e mortalidade decorrentes desse tumor atribuídos, principalmente, ao retardo no diagnóstico e na instituição de terapêutica oportuna.

Em 2003, foram realizadas em todo o Brasil, segundo dados do INCA, 2.200.000 mamografias. Seriam necessários 9 milhões desses exames para que o rastreamento mamográfico atingisse as recomendações oficiais16. De acordo com o Inquérito Domiciliar sobre Comportamentos de Risco e Morbidade Referida de Doenças e Agravos não Transmissíveis, 53,9% das 2525 mulheres entrevistadas, na faixa etária de 50 a 69 anos, haviam sido submetidas a mamografia nos 2 anos anteriores à pesquisa. No entanto, do total de 1361 mulheres que afirmaram ter realizado esse exame, somente 33,1% o fez na rede SUS. Praticamente 67% desta amostra utilizou a rede não-SUS para a realização da mamografia13.

Foram realizadas na cidade de Taubaté, durante o ano de 2003, 8231 mamografias nos serviços públicos de saúde e 8769 desses exames na rede suplementar. A estimativa de cobertura desse procedimento, oferecida às mulheres com mais de 39 anos de idade na cidade de Taubaté, mostrou-se nos serviços públicos de saúde (38,3%) aquém do ideal para programas que visam o rastreamento mamográfico do câncer mamário11,12. Esta mesma análise no setor suplementar de saúde demonstra cobertura (68,9%) nos mesmos patamares observados nos países desenvolvidos4.

Para redução do número de casos com diagnóstico tardio do câncer de mama a prioridade deve-se alcançar a parcela da população feminina ainda não rastreada17, especialmente as mulheres de baixa renda e de menor nível educacional, cuja maioria tem perfil semelhante àquelas atendidas na rede pública de saúde do Brasil. Dados atuais, coletados no estado do Rio Grande do Sul, mostraram aumento progressivo da realização da mamografia entre as entrevistadas das classes sociais A e B. Nas classes C, D e E, provavelmente atendidas na rede pública, a prevalência desse rastreamento foi significativamente menor18. No presente estudo, cerca da metade das mulheres (45,8%) entrevistadas nos serviços públicos de saúde negavam rastreio prévio pela mamografia. Diversamente, a grande maioria das entrevistadas nos serviços privados (79,4%) referiu ter sido submetida a mamografia anteriormente à pesquisa.

Não se pode propor redução do diagnóstico tardio do câncer de mama quando se exclui grande parcela das mulheres do rastreamento mamográfico. No Brasil as recomendações são conflitantes. As diretrizes oficiais recentes recomendam o rastreamento mamográfico, para mulheres não pertencentes a grupos populacionais de risco, somente a partir de 50 anos de idade6. A Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) e a Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), patrocinadas pela Associação Médica Brasileira (AMB) e o Conselho Federal de Medicina (CFM), acompanhando tendências internacionais19, defendem em seu Projeto Diretrizes a triagem mamográfica anual a partir de 40 anos, bienalmente entre 50 e 69 anos e, de acordo com a expectativa de vida da mulher após 70 anos de idade20.

A discussão a respeito do momento de início do rastreamento mamográfico do câncer de mama em nosso meio é pertinente. A análise da idade da mulher no momento do diagnóstico da doença demonstrou moda de 49 anos, segundo a Fundação Oncocentro de São Paulo8. A idade de início do rastreamento mamografico entre as entrevistadas nos serviços públicos não se alterou, apesar de já se antecipar às recomendações oficiais vigentes (previamente rastreadas - média de 46,4 anos; não rastreadas - média de 46,8 anos). Na rede privada a facilidade de acesso aos serviços de saúde, a divulgação e a adesão às normas do rastreamento mamográfico permitiram maior utilização desse produto e a diminuição da idade de início do rastreio, que ocorreu em média aos 40,2 anos de idade. Este dado também é observado nos EUA - 60% da população triada pela mamografia iniciou o rastreamento ao redor de 40 anos de idade. Todavia, as mulheres sem cobertura do sistema privado de saúde iniciaram-no cerca de 6 anos depois daquelas inscritas em algum tipo de sistema de saúde suplementar21.

A falta de adesão ao rastreamento periódico de determinada condição impossibilita sua detecção precoce. Vários estudos demonstraram falta de adesão ao rastreamento mamográfico periódico11,12,17,22. Muito embora os intervalos de repetição entre as mamografias fossem semelhantes nos dois grupos estudados, a freqüência de repetição desses exames, que espelha o cumprimento às recomendações de rastreamento periódico, foi mais constante entre as entrevistadas nos serviços privados. Cerca de metade (51,2%) das mulheres previamente rastreadas nos serviços de saúde públicos fez somente uma mamografia anteriormente. Em contrapartida, praticamente dois terços das entrevistadas nos serviços privados (64,7%) estavam realizando a mamografia pela terceira ou até mesmo pela sétima vez consecutiva. Provavelmente a maior proporção de mulheres entrevistadas referindo antecedente pessoal de câncer mamário nos serviços privados (15,8 versus 5,3%) deve-se, em parte, ao emprego regular da mamografia para detecção da doença.

Contrariando as recomendações vigentes, quer públicas ou privadas, 25% das mulheres com idade superior a 50 anos repetem a mamografia a intervalos superiores a 24 meses. Estes percentuais poderão ser ainda maiores, uma vez que o viés telescópico de memória interfere na veracidade desse tipo de informação.

A polêmica a respeito da utilização da mamografia ainda não chegou ao consenso definitivo. A redução do diagnóstico tardio do câncer de mama em nosso meio implica a revisão das recomendações oficiais vigentes para o início do rastreamento mamográfico e a adesão a esse tipo de política de saúde pública. Pelos dados analisados, tememos que os casos novos desta doença, diagnosticados em estádios avançados, continuem emergindo de mulheres atendidas em serviços públicos de saúde, merecendo assim estudos futuros.

Concluímos que existe maior demanda a ser satisfeita, quanto ao rastreamento mamográfico, entre as usuárias dos serviços públicos de saúde. Entre essas, a idade de início desse procedimento, apesar de não se ter alterado, encontra-se abaixo de 50 anos de idade, contrapondo-se às recomendações oficiais.

O rastreamento mamográfico é mais constante entre as mulheres atendidas nos serviços suplementares de saúde, muito embora existam falhas de adesão às normas de rastreamento periódico recomendado, em ambos os grupos estudados, principalmente nas mulheres com idade superior a 50 anos.

Recebido em: 13/3/2006

Aceito com modificações em: 15/4/2006

Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Universitário de Taubaté.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Ago 2006
    • Data do Fascículo
      Abr 2006

    Histórico

    • Recebido
      13 Mar 2006
    • Aceito
      15 Abr 2006
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